Marcas da Melodia escrita por Carpe Librum


Capítulo 5
O Vazio do Arrependimento




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Amando e lutando
Acusando, negando
Eu não consigo imaginar um mundo sem você

A alegria e o caos
Os demônios de que somos feitos
Eu estaria tão perdido se você me deixasse sozinho

Você se trancou no banheiro
Deitada no chão quando eu entrei
Eu te puxo para sentir seu coração bater
Você pode me ouvir gritando
Por favor não me deixe?

Aguente firme, eu ainda quero você
Volte, ainda preciso de você
Deixe-me pegar sua mão, vou fazer tudo certo
Eu juro te amar toda a minha vida

Aguente, eu ainda preciso de você

Longa e infinita rodovia
Você está em silêncio ao meu lado
Dirigindo um pesadelo, não posso escapar

Rezando Impiedosamente
A luz não está se apagando
Escondendo o choque e o frio em meus ossos
Eles te levaram numa mesa
Eu ando de um lado pro outro
enquanto você fica imóvel
Eles te puxam pra sentir seus batimentos cardíacos
Você pode me ouvir gritando
Por favor não me deixe?

Segure firme, eu ainda quero você
Volte ainda preciso de você
Deixe-me pegar sua mão, farei tudo certo
Eu juro te amar toda a minha vida
Aguente, eu ainda preciso de você
Eu não quero deixar ir
Eu sei que não sou tão forte
Eu só quero ouvir você dizendo, querida
"Vamos para casa"
"Vamos para casa"
Sim
Eu só quero levar você para casa

Segure firme, eu ainda quero você
Volte, ainda preciso de você
(Hold On – Chord Overstreet)

AVISO: Aborda depressão e suicídio.

Minha cabeça latejava sem parar, os remédios que tomei para dor, não tinham mais efeito. Como eu queria que existisse um remédio para a dor na alma! Eu estava destruído.

Éramos recém-casados e eu iria me separar da mulher da minha vida, eu a amava tanto, mais que eu mesmo, e acabei deixando meu trabalho interferir na relação.

Chegava tarde em casa todos os dias, quando ela vinha com seu sorriso maravilhoso e com os beijos suaves em meu pescoço, eu me levantava e dizia que estava cansado, a pressão do trabalho me deixava tenso. Quando eu chegava e ela havia feito minha comida favorita para o jantar, eu simplesmente pegava um prato e me servia na sala enquanto assistia à TV, deixando-a sozinha na mesa da cozinha.

Como eu pude ser tão idiota? Como é que só pude perceber agora que perdi a mulher da minha vida?

Meus pais estavam se separando e eu sempre fui muito unido a eles, aquilo me abalou tanto. Todos estávamos com problemas, e eu deixei que esses problemas alheios interferissem também em meu casamento.

Meus planos sempre foram sair do ensino médio, fazer uma faculdade, trabalhar e me casar. Em seguida, construir minha família e viajar com Megan e as crianças. Mas tudo foi diferente do que eu imaginava, eu saí do ensino médio e me casei, porque acabamos engravidando no final do terceiro ano e tive que começar a trabalhar.

Eu sempre a amei desde o fundamental, não iria abandoná-la em um momento como aquele. Mas meses depois de nos casarmos, no quinto mês de gestação, ela perdeu o bebê e foi diagnosticada com depressão. Eu não fiquei ao lado de Megan quando ela mais precisou, eu era tudo que ela tinha e não fiquei ao seu lado, simplesmente me mantive focado no serviço, pois era a única coisa que me distraía.

Quando chegava em casa e ela estava chorando, eu só dizia "tá tudo bem, vai dormir", mas não estava tudo bem. Como fui idiota de dizer isso? Os pais dela a haviam expulsado de casa, negando serem seus pais e eu dizia que estava tudo bem mandando que ela fosse dormir?

Eu deveria abraçá-la forte e dizer que ela não estava sozinha, que eu a amava e que íamos passar juntos por aquela situação, mas não disse e nem fiz o que deveria. Eu fui idiota. Eu fui eu.

Pouco temo depois, cheguei em casa de madrugada. Eu havia saído para beber com uns amigos e não a avisei. Entrei pela porta dos fundos e ela estava no sofá com o telefone na mão, esperando eu ligar, mas eu não tinha ligado.

— Onde você estava? — Ela se aproximou. — Nem precisa dizer mais, seu hálito de cerveja é forte. — Jogou o telefone no sofá. — O que está acontecendo com você, Jordan? — Cruzou os braços. — Por que está fazendo isso comigo?

— Eu estou cansado, me deixa em paz. — Caminhei até a escada. 

— Jordan! — Ela me segurou pelo braço. —  Eu não aguento mais tudo isso! Meus pais me rejeitam, você me rejeita, meus amigos nem me procuram pra saber se estou bem, estão todos com suas vidas perfeitas e eu aqui chorando todo santo dia por causa do nosso filho! 

— Você chora porque você quer, já faz meses que isso aconteceu, eu não me importo mais. 

— Se importa, sim! Mas você é um garoto mimado que teve que sair do conforto de sua família pra ter a sua própria casa, porque me engravidou e teve que largar os planos. É um garoto estúpido que só pensa no trabalho, porque se recusa a aceitar a vida que leva, não minta para si mesmo. Você se distrai com toda essa preocupação pelo trabalho pra não precisar pensar em nós, na droga que nossa vida se tornou! 

— Eu não aguento mais ouvir você falar, Megan! Minha cabeça está explodindo de dor e eu estou cansado. Estou ótimo com minha vida, mas se você está incomodada, por que não dá o fora daqui?

— Está me expulsando?

— Entenda como quiser.

Subi para o quarto, deitei na cama e dormi rapidamente. Diferente de Megan, que não conseguiu fechar os olhos nem por um segundo. Ficou a noite toda sentada na poltrona do quarto.

Na manhã seguinte, quando acordei, ela ainda estava lá, abri meus olhos e dei de encontro com os dela.

— Dormiu aí a noite toda? Deveria ter vindo pra cama. — Me sentei.

Ela não disse nada, apenas se levantou e foi até o guarda-roupas.

— Vai me ignorar mesmo? Megan?!

Ela colocou a cadeira na frente do guarda-roupas, subiu e pegou uma mala que estava em cima, desceu e foi pegando suas roupas.

— Eu disse aquilo sem pensar...

— Deveria ter pensado, porque eu só precisava daquilo pra ir embora. Eu não aguento mais, não faz diferença eu estar com você, estou sozinha do mesmo jeito e minha dor é sempre minimizada aos seus olhos.

— Para com isso. — Levantei-me e puxei a mala. — Você não vai embora, você nem tem pra onde ir.

— Eu acho um lugar, vou me virar.

— Megan! — Segurei seu braço.

— Não me toca. — Seu olhar era frio, o brilho dos seus olhos não existia mais.

Soltei-a e ela continuou separando suas roupas.

— Não precisa fazer isso. Eu preciso sair agora pra uma reunião da empresa, mas quando voltar eu mesmo vou embora.

— A casa é sua, você praticamente a pagou sozinho.

— A casa é nossa e todo o dinheiro que você tinha quando trabalhava foi investido aqui. Eu estou trabalhando, tenho minha família, um lugar pra ficar, posso ir embora se é o que você realmente quer. Você fica.

Ela parou o que estava fazendo, ainda de cabeça baixa deu um sorriso irônico, respirou fundo e me olhou.

— Obrigada por me lembrar de que não tenho nada e que não sou capaz de reconstruir minha vida. Eu tenho saudade da pessoa que você era, Jordan, de quando você me amava.

— Eu ainda te amo. 

— Não é o que parece.

Respirei fundo e ficamos em silêncio um bom tempo.

— Quando eu voltar, pego minhas coisas... — Caminhei até o banheiro.

Eu já estava voltando para casa, minha cabeça latejava de dor, o carro havia quebrado alguns quarteirões pra baixo e fiquei 30 minutos esperando o mecânico que o consertou em dez. Me revoltei com isso, se eu fosse útil o bastante, teria eu mesmo consertado, mas eu só entendia de negócios e negócios.

A bateria do celular havia acabado, estava tudo dando errado, mas o carro já funcionava, agora era só ir pra casa, carregar o celular, arrumar as malas e ir ficar um tempo com minha mãe. 

Soltei um pouco a gravata que tive que aguentar pressionando meu pescoço o dia todo e torci para que Megan ainda estivesse em casa. Não queria que as coisas chegassem a esse ponto, eu havia perdido o controle de tudo. Mas estava preocupado com ela, não poderia sair por aí com duas ou três malas na mão no fim de tarde, já estava escurecendo.

Entrei em casa e estava tudo silencioso, o celular de Megan estava quebrado no chão da sala. Gritei por ela, mas o silêncio ainda se manteve.

— Megan? Está em casa?! — Olhei da janela da cozinha, caso estivesse no jardim, não estava. — Megan?! —  Subi a escada.

Olhei no quarto de hóspedes, no escritório, no nosso quarto. A mala dela ainda estava no chão e suas roupas dentro, algumas caídas no tapete e espalhadas na cama, mas as coisas dela ainda estavam lá.

— Megan?! - Olhei no closet.

Ouvi um barulho de água escorrendo, a torneira da banheira estava aberta, caminhei até o banheiro e parei em frente a porta fechada.

— Cheguei! — gritei - Megan?! — E então, ainda mais alto. — Para com isso, garota, me responde!

Fiquei irritado, o que custava me responder? Toquei na maçaneta e a porta estava trancada. Senti água nos meus sapatos, olhei para baixo e era a água saindo de dentro do banheiro. Meu coração se acelerou, mexi na maçaneta rapidamente, tentando abri-la.

— Megan! Megan! —  eu gritava sem parar por ela, enquanto tentava entrar.

Empurrei a porta várias vezes com meu ombro, dei chutes, empurrei novamente, eu não iria parar até conseguir abrir. 

Quando a porta finalmente se abriu, me deparei com ela caída no chão do banheiro, vestida com a mesma roupa que estava quando saí, mas desta vez encharcada pela água, seu cabelo também estava todo molhado. 

Seu braço direito estava todo cortado e o esquerdo rasgado em linhas verticais, o sangue de seu corpo se misturava com a água, foi a pior coisa que vi. Foi como se meu mundo tivesse desabado, como se meu coração tivesse parado, uma dor enorme surgiu em mim, uma dor que nunca imaginei sentir, numa intensidade que não imaginei existir. 

Corri até ela e me ajoelhei ao seu lado, coloquei seu rosto em minha perna e minha mão em seu peito para sentir seu coração, eu ainda tinha esperanças dela acordar. E eu queria acordar com ela desse grande e terrível pesadelo.

— Megan volte! Acorda amor, eu te amo, eu quero você de volta, eu preciso de você! —  gritei desesperadamente. — Amor eu prometo fazer tudo certo desta vez, eu vou estar perdido sem você! Eu ainda quero você, eu preciso de você!

Meus gritos não estavam sozinhos, meu choro os acompanhava, meus olhos estavam cheios de lágrimas, tudo estava borrado por causa delas. 

Limpei-as rapidamente e me inclinei para dar um beijo nas bochechas de Megan. Minhas lágrimas molharam mais ainda seu rosto macio e delicado. 

Puxei o celular do bolso para pedir ajuda e me lembrei que estava sem bateria, então joguei-o na banheira e voltei a gritar por ela.

Apertei seu corpo contra o meu e a abracei forte, voltei a olhá-la e seus olhos se abriram vagarosamente, mas eles estavam fracos, assim como os seus batimentos e sua respiração.

— Aguenta firme amor, eu preciso de você!

Seus olhos se fecharam devagar, temi que fosse a última vez que veria aquele par de olhos verdes que eu tanto amava.

Peguei-a no colo e corri com ela até o carro, colocando-a no banco de trás, e dirigi em alta velocidade até o hospital mais próximo. Odiei o fato de termos escolhido uma casa tão distante do centro. 

A rodovia parecia longa e infinita, meu desespero aumentava a cada segundo.

Lembrei-me das vezes em que íamos pra algum lugar, sua voz doce ao meu lado do carro anulava todo estresse do trânsito. Às vezes ela cantava nossa música favorita e vez por outra eu a acompanhava na cantoria. E agora ela estava em silêncio do meu lado. 

A dor só aumentava ao ter essas lembranças e o arrependimento de tudo que fiz de errado pra ela invadia meu ser. As coisas grosseiras que falei, o que deixei de fazer, o que deixei de falar, o que fiz... Eu fui um idiota e agora só queria compensar esse tempo perdido. 

Imaginei tudo que poderia ter acontecido hoje para evitar isso. Se eu não tivesse mandado ela embora, se tivesse pedido para ficar, se tivesse dito que a amava, se não tivesse ido nessa reunião, se eu tivesse vindo a pé para casa seria mais rápido do que esperar o mecânico... Aqueles pequenos detalhes que mudariam tudo. Aquele "e se" me perseguiu o caminho todo, eu não conseguia imaginar um mundo sem ela, orei sem parar para que ela não me deixasse.

Parei o carro na entrada do hospital, minhas mãos e minha camisa estavam ensanguentadas, corri para tê-la em meus braços de novo e entrei às pressas. 

Médicos surgiram rapidamente e trouxeram consigo uma maca, colocaram-na em cima e levaram até uma sala. Segui-os até lá, mas fecharam a porta antes que eu pudesse entrar.

Havia um vidro separando o corredor da sala, eu podia vê-la dali. Eles a colocaram em uma mesa e ela permanecia imóvel, notaram os cortes nos pulsos e a hemorragia que aquilo gerou. Aproximaram para sentir seus batimentos cardíacos. Meu corpo gritava por ela, Megan não podia me deixar.

Eles tiraram as luvas e a máscara de proteção, de dentro da sala me olharam e abaixaram a cabeça, eu entendi o sinal e caí de joelhos no chão, as lágrimas voltaram com uma dor mais forte ainda.

Eu queria pegar na mão dela e fazer tudo certo, eu jurei amá-la por toda vida e cumpriria a promessa. Eu precisava tanto dela, só queria levá-la pra casa, mas era tarde demais para consertar meus erros, eu a havia perdido.  

Fiquei no hospital até às 22 horas, com os olhos vidrados na sala em que a vi pela última vez. Eu não aguentaria ligar para os pais dela e dar a notícia de seu falecimento, então pedi que o hospital se comunicasse com eles.

Meus pensamentos estavam me torturando, o rosto dela não me saía da cabeça, meu peito estava com um vazio inexplicável, mal consegui dirigir de volta para casa, foi um milagre eu ter chegado vivo já que quase bati o carro contra um caminhão. 

As luzes estavam todas apagadas, iluminei o caminho com o celular e subi direto para o quarto, acendi a luz e caminhei até as malas de Megan jogadas no chão. Sentei-me no tapete e puxei uma de suas roupas que ali estava, seu cheiro ainda era forte naquele moletom que ela sempre usava nos dias frios, abracei-o e deixei que as lágrimas caíssem outra vez.

Se aquilo era um castigo por tudo que eu fiz de errado, realmente havia dado certo, porque agora eu não via sentido em mais nada, eu estava arruinado.

Desci para a sala e deitei do sofá, de jeito nenhum eu dormiria lá em cima, se é que eu conseguiria dormir.

No enterro dela, muitas pessoas estavam presentes, colegas do ensino médio e fundamental, familiares, inclusive seus pais. Meu pais e alguns amigos também estavam ali e foram os primeiros a aparecer para me consolar. Achei uma hipocrisia a presença daqueles "amigos" dela, nos momentos em que precisamos nenhum deles estavam ali.

Agora que ela tinha partido, todos pareciam amá-la, mas ninguém provou isso enquanto ela estava viva. E os pais dela, assim como eu, estavam arrependidos dos erros cometidos, mas era tarde demais para nós três.

No final do enterro, caminhei até o meu carro e meu melhor amigo veio correndo em minha direção.

— Ei, Jordan, espera.

Virei-me para olhá-lo.

— Se você quiser, pode dormir lá em casa, ou eu te acompanho até a sua, não quero que fique sozinho neste momento.

— Uma hora ou outra eu vou ter que enfrentar isso, e sem ela é tudo que eu sou, sozinho. Mas obrigado, parceiro.

— Tá, mas se precisar é só me chamar. Se cuida.

Afirmei com a cabeça e entrei no carro. 

Ao chegar em casa, peguei caixas de papelão no sótão, guardei todas as coisas dela, tudo mesmo, e notei que estava tão vazio sem ela e suas coisas ali. Quando Megan se foi levou uma parte de mim, e essa parte era a mais importante para definir quem eu era, agora eu estava perdido, sem rumo, sem motivos, apenas arrependido, seria difícil seguir em frente. 

Provavelmente eu venderia a casa e mudaria de cidade, para recomeçar, é assim que teria que ser, mas mesmo que eu recomeçasse, ainda ia faltar uma parte de mim, uma parte insubstituível. 

Já estava noite, fui até o banheiro onde tudo aconteceu, fiquei um bom tempo lá parado, observando. Minha cabeça estava latejando sem parar e as lágrimas não paravam de cair. Eu não aguentaria de novo dormir naquele quarto, não estava aguentando ficar naquela casa, cada canto que eu olhava lembrava Megan, aquilo era demais pra mim. Peguei um cobertor e fui até o jardim, deitei na rede e observei aquele céu estrelado, era a única coisa bonita do meu dia. Vi uma estrela que se destacava entre todas as outras, seu brilho era único, assim como os olhos de Megan. Certamente era ela.

— Me perdoa... —  sussurrei.

*******

Escrito por Vitória de Jesus, terceira colocada no concurso.

 

 


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