Marcas da Melodia escrita por Carpe Librum


Capítulo 15
Testemunha




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Se eu perdesse tudo hoje, você ainda ficaria?
Meu amor seria suficiente para te estimular?
Se a merda toda viesse à tona, se granadas fossem jogadas
Você ainda apareceria? Oh
Você seria capaz de me apoiar em todas as derrotas?
Poderíamos nos levantar e eventualmente rir?
Revirar os olhos nos bons momentos, comemorar nos ruins
E seguir o fluxo, ooh

Porque eu, eu só tenho esta vida
E eu não tenho tempo, não
Para não acertar, oh

Nós estamos apenas procurando conexão
Sim, todos nós queremos ser vistos
Estou à procura de alguém que fale a minha língua
Alguém para seguir essa viagem comigo
Posso ter uma testemunha? (Testemunha)
Você seria minha testemunha? (Testemunha)
Estou apenas à procura de uma testemunha dentre tudo isso
Procurando por uma testemunha para me ajudar a passar por isso

Quando você me conta tudo, sem deixar nada de fora
Você pode explorar qualquer coisa, você tem os códigos
Nada a esconder, está tudo nos olhos deles
E nós simplesmente sabemos, oh
(...)
(Witness – Katy Perry)

—  Ei, por que está chorando?

O menino apenas girou para o outro lado do banco e abaixou o rosto, a pequena garota sentou ao seu lado na direção oposta, estendendo o pacote de ursinhos de goma.

—  Pegue! Eles sempre me deixam feliz quando eu estou triste.

O garoto assentiu e pegou alguns, agradecendo em um fio de voz ao passo que tentava evitar um soluço.

— Como você se chama? —  a menina perguntou.

— Ed, e você?

— Mia. Quantos anos você tem?

— Sete. E você tem quantos?

— Seis. Por que você estava chorando?

— Ninguém quer ser meu amiguinho.

— Eu posso ser.

— Jura? —  Ed perguntou olhando para a menina.

— Juro de dedinho — ela disse levantando o mindinho, e ele logo correspondeu.

Os pequenos brincaram até ouvirem suas mães os chamarem para voltar para suas respectivas casas. Assim se sucederam os dias, os meses, os anos e a amizade dos dois se fortalecia. Todo dia se encontravam no parquinho para brincar, porém certo dia ela não apareceu e nem nos outros que se seguiram.

O coração do garotinho, agora com 12 anos, se apertou, pois sentia que algo de errado acontecia com a amiga. Com uma delicada rosa branca, andou até a casa de dois andares e bateu na porta, que foi logo aberta por Ruth, mãe da Mia, revelando seu semblante abatido e preocupado.

— Ed? O que faz aqui, filho?

— Olá, tia Ruth, a Mia está em casa?

— Bem... Ela... Entre. — A mulher ruiva abriu espaço e deixou o menino entrar. – Sente-se, vou avisá-la que está aqui.

— Sim, Senhora.

A mulher andou até o quarto da filha, bateu na porta e abriu o suficiente para que seu tronco adentrasse o ambiente.

— Mia, seu amigo Ed está aqui, ele veio te ver.

            A garota deu uma risada sarcástica e disse:

— Ao menos ele pode ver, não é mesmo?!

— Filha, não diga isso —  Ruth repreendeu-a.

— Eu não o quero aqui, não quero que ele me veja assim, mande-o embora, não o quero perto de mim.

— MIA!

Nesse instante, uma batida foi ouvida da porta da frente, Ruth foi até a sala e não encontrou o menino, mas em cima da mesa de centro repousava uma rosa.

Todos os dias ao longo do mês que se passou desde aquele dia, Ed ia até a praça esperar pela amiga, mas ela nunca vinha, até uma tarde em que a encontrou chorando. Antes de ir até ela, foi a uma banquinha e comprou alguns ursinhos de goma.

— Oi, Mia.

— Ed? — ela disse sem olhar para ele

— Por que está chorando?

— Você não vai entender, Ed.

— Se você não me contar, realmente não vou, mas sou seu amigo e farei o máximo possível para te compreender. Então podemos começar com você se animando. Ursinhos de goma?

Ela estendeu a mão e as balinhas foram depositadas ali, ficaram em silêncio até que Ed o quebrou.

— Eu fiquei triste aquele dia, você queria que eu fosse embora. Vim aqui todos os dias e você não apareceu mais, fiquei muito preocupado com você. Pode falar comigo, Mia.

Ela permaneceu calada por um tempo, então pronunciou:

— Se eu perdesse tudo hoje, você ainda ficaria?

— O quê?

— Apenas responda. A verdade.

— Sim, eu ficaria.

— Você ainda não percebeu, né?

— O quê?

            Ela deu uma risada anasalada.

— Eu.

— Se você me olhasse nos olhos e dissesse o que está acontecendo, eu poderia tentar te entender. Eu só quero te ajudar.

— E eu adoraria poder olhar mais uma vez nos seus olhos, mas não posso.

— Por que não?

— Eu estou cega, Ed, eu não posso mais te ver.

— Eu... você... como?

— Só foi escurecendo até que um dia eu não vi mais nada.

— Sinto muito. Estarei aqui com você.

— Você seria capaz de me apoiar em todas as derrotas?

— Em cada uma delas.

— Poderíamos nos levantar e eventualmente rir?

— Sempre, Mia.

— Você seria minha testemunha? Estou apenas à procura de uma testemunha dentre tudo isso. Procurando por uma testemunha para me ajudar a passar por isso.

— Posso ser sua testemunha, Mia, deixe-me ser seus olhos.

— Sempre que você quiser, seja meus olhos, Ed, e não me deixe cair.

— Não irei deixar.

            Ele a abraçou e assim ficaram, enquanto ele observava o céu laranja que seguia com o crepúsculo e ela sentia os últimos raios do sol tocarem-lhe a face. Algum tempo depois, partiram em direção à casa da garota.

— Nos vemos amanhã... Ah, desculpe - ele se corrigiu pelo que acabara de dizer, se repreendendo.

— Não tem problema e não precisa ficar envergonhado.

— Eu não... Como sabe que estou envergonhado?

— Eu te conheço, sei que fica assim. - ela riu e ele girou os olhos. — E pode parar de revirar os olhos.

— Tá, você está começando a me assustar. Eu não fico revirando os olhos.

— Fica sim.

— Não fico.

— Fica e ponto final.

— Tá.

— Tá.

— Então, tchau.

— Tchau.

Ele se virou e saiu andando em direção à rua, olhou para trás uma última vez e retomou seu caminho. Chegando em casa, foi recebido por sua mãe e lhe contou tudo que se sucedeu, recebendo em seguida um grande abraço de mãe ursa.

— Eu te amo tanto filho.

— Eu também te amo mãe.

— Agora suba, vá tomar um banho e venha jantar.

— Não sinto fome, então dormirei.

— Tudo bem, durma bem.

— Você também, mãe.

Aquela noite foi bem turbulenta para o garoto, pesadelos dominaram sua mente e ele acordou ofegante.

“Eu vou te proteger, Mia”

 

ALGUNS DIAS DEPOIS...

— Eu não quero ir, eles vão rir de mim —  Mia implorava.

— Eles não vão, Mia —  Ruth tentava convencer a filha.

— Sim, eles vão, mamãe, por favor.

— Eu bato neles se falarem alguma coisa que te machuque. Ninguém fará mal a você, Mia, eu prometo — Ed disse.

— Promete de dedinho? — menina perguntou, levantando a mão.

— Eu prometo, e quantos anos você tem mesmo? — Ed brincou enquanto cruzava os mindinhos.

— Com todo respeito, vai se danar, Ed.

— Até parece que a escola é um bicho de sete cabeças –Ruth disse.

— A escola não, mas as pessoas que estão nela sim. Nunca vi tanta gente tentando cuidar da vida dos outros, até parece que a deles está maravilhosa.

— Só você mesmo, Mia. Vamos espalhar esse seu sarcasmo pelo mundo —  Ed provocou.

— Ed, eu estou cega, mas ainda posso bater em você.

— Como pretende fazer isso?

— Espera para ver, quando você menos esperar, eu bato.

— Estou aguardando ansiosamente.

— Vamos logo, antes que eu desista de vez então.

— Se eu soubesse que seria tão fácil assim, eu teria te procurado a mais tempo. —  Ruth riu.

— Não se preocupem, eu posso voltar lá pra cima —  Mia disse.

— NÃO! —  Ed e Ruth gritaram ao mesmo tempo.

— Vão embora daqui agora —  Ruth disse, empurrando os dois para a porta de saída.

— Nossa, mãe, tudo isso é querendo ficar longe de mim? Magoou, tá? Mas eu te perdoo.

— Dramática, não sei como não é canceriana. Mas vão logo ou irão se atrasar — a mãe da garota disse.

Os menores assentiram e se dirigiram à saída, apressando-se para chegar à escola antes do primeiro sinal. Ao chegarem, foram direto para a sala da garota, onde Ed a levou até uma das cadeiras da primeira fileira.

— Você vai ficar bem, né?

— Vou, Ed, não se preocupe, são só aulas e não o caminho da forca. Eu acho.

— Tudo bem, estarei na minha sala, qualquer coisa é só me chamar.

— Tá bom, Ed, vai logo.

— Calma, fui.

            E assim se passaram as aulas ao longo de todo o restante do ano letivo. O garoto sempre preocupado com o bem-estar da amiga e a protegendo sempre que podia. Houve algumas piadinhas por parte de alguns colegas, mas que logo foram repreendidas, respeito era o que devia prevalecer acima de tudo e era o que aconteceria.

O tempo foi passando, as férias pareciam voar e tudo se reiniciaria. Os dois amigos estavam no parque, deitados sobre a grama embaixo de uma árvore que amenizava o calor daquele dia. O silêncio reinava até que Mia o quebrou.

— Ed?

— Sim?

— Posso te pedir uma coisa?

— Claro.

— Descreva tudo o que vê agora para mim.

— Tá bom, bem... O céu está azul, sem nuvens, a luz do sol está em todos os lugares torrando, tem gente fazendo piquenique, crianças correndo por aí, tem um frisbee amarelo voando por aí... Tinha um frisbee voando e acertou um cara. — Ed começou a rir da situação.

— Ri das desgraças dos outros? Vai rindo, não se preocupa com o carma, não? Tudo que vai, volta.

— Nem tudo. E era um frisbee, não um boomerang.

— Você nasceu inteligente assim ou fez curso?

— Posso te indicar, se quiser.

— Não, obrigada.

— Mas por que queria que eu dissesse sobre tudo isso?

— Eu tenho medo de não lembrar mais como são as coisas, as cores, as formas, os rostos das pessoas, sua cara de toupeira, a cor dos seus olhos azuis.

— Na verdade são verdes —  ele corrigiu, rindo da garota.

— Calado — Ela bateu no braço do amigo.

— Desculpa. Mas você não vai se esquecer, você vai ficar bem, Mia.

— Ligaram lá para casa, era do hospital. Eles acharam um doador compatível.

— Isso é ótimo, Mia.

— É eu sei — ela respondeu desanimada.

— Mas por que você não está animada com isso? Você poderá voltar a ver!

— Se der certo sim, mas o médico me explicou minha situação, Ed.

— Qual o problema? — ele perguntou apreensivo.

— A chance de não dar certo é de trinta por cento.

Você irá e eu estarei com você em cada um desses momentos. Vamos passar por isso juntos, Mia. Lembra? Eu sou sua testemunha.

— Obrigada, Ed, por ser meu amigo e não desistir de mim.

— Eu nunca faria isso. Não vou desistir de você. Mia, eu só tenho esta vida e não tenho tempo para não acertar.

— Obrigada. Ed, quero te pedir outra coisa.

— Que seria?

— Seus olhos! É a primeira coisa que eu quero ver.

— Será o que você quiser.

DIA SEGUINTE, NO HOSPITAL....

 

Mia havia dado a entrada e já estava na cirurgia de transplante de córneas já fazia cerca de 1 hora e meia. Ed, nervoso, andava para todos os lados até que o médico apareceu dizendo que a cirurgia havia sido um sucesso sem nenhuma complicação, deu algumas instruções de como deveriam ser feitos alguns procedimentos fora do hospital e outras coisas.

Quando Ed finalmente pôde ver a amiga, ela tinha uma faixa em torno dos olhos e ainda dormia serenamente. Então ele preferiu deixá-la descansar e, seguindo a recomendação de Ruth, foi para casa para voltar no outro dia.

Todos estavam nervosos, afinal, um tempo após a cirurgia, hoje seria retirada a faixa. Mia estava cheia de expectativas e Ed não estava diferente, então se colocou na frente da garota quando a faixa foi totalmente retirada e ela ainda mantinha os olhos fechados.

— Pode abrir, Mia — o médico avisou.

Assim que abriu os olhos, foi recebida pela pergunta do amigo.

— E então?

— Realmente seus olhos são verdes, toupeira.

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Escrita por Matheus Debiasio.

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