A sereia e o pescador escrita por Widowmaker


Capítulo 1
Capítulo I – Lunara


Notas iniciais do capítulo

https://www.youtube.com/watch?v=9_WeI3AzIT4



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I - Lunara

A noite era o seu véu. Ela se escondia por trás das pedras enquanto o observava de longe. O pescador sequer estava ciente de sua presença.

Suas escamas deslizavam nas ondas suaves à medida que se aproximava da cabana do pescador às margens do oceano. As velas ainda estavam acesas dentro da casa, ela via isso através da janela. Sombras se movimentavam num padrão desorganizado, o homem atravessava o único cômodo de sua residência inúmeras vezes procurando se acomodar. O vento frio agitava a maré, que subia lentamente à medida que os minutos se passavam. As espumas nas ondas dançavam enquanto eram levadas até a praia, onde se desmanchavam e iam sendo absorvidas pela areia. A escuridão deixava um vazio que só o tempo poderia preencher. Assim, logo quando as luzes se apagaram, ela suspirou, voltando para o fundo do oceano.

 

Ela já não mais ouvia o som do piano, ela o sentia. Sentia sem tocar, assim como sentia seu precioso pescador. O som das teclas pressionadas formava uma música tranquilizante que, até mesmo os demônios dela paravam para ouvir. A melodia preenchia o vazio que a noite havia deixado, trazendo melancolia e paz ao terror e ao medo. Suas barbatanas se reviravam enquanto ela o assistia, sentada numa rocha há alguns metros da cabana do pescador. As gaivotas grasnavam durante a manhã, mas nada que pudesse interromper à canção do pescador. Seu corpo relaxava ao tê-lo por perto. Ela o desejava, mas não com as outras de sua espécie desejavam os homens mortais. Ela o queria para sempre, ela queria tomá-lo como seu parceiro, como os humanos faziam.

Talvez fosse melhor se eu fosse humana.

Seus pensamentos perversos voltavam a assombrá-la. Seus desejos primitivos a excitavam, tomavam cada vez mais espaço em sua mente. Indescritíveis. Ela mordia os próprios lábios tentando afastar estes pensamentos. Chacoalhava a cabeça na tentativa de retomar sua sanidade. Coçava suas escamas com força, a dor sempre a trazia de volta à realidade. Seus olhos enchiam-se de lágrimas novamente. Algumas escamas já faltavam em sua longa cauda. Usava suas unhas afiadas, conchas e até mesmo pedras que estavam por perto para parar seus instintos. A ideia de machucá-lo a aterrorizava e, sem ao menos perceber, sentia a dor aguda em sua cauda. Mais escamas eram levadas pelas ondas e seu sangue frio escorria, se misturando com a água salgada do mar.

A música cessou. O pescador se afastou de seu piano e voltou para dentro apenas para pegar o restante de suas coisas e carregar o pequeno barco que herdara de sua família. Ao vê-lo embarcar, ela se afastou, mergulhando na água e nadando em direção ao barco enquanto ele navegava para alto mar. Após pouco menos de uma hora de viagem, longe de tudo, o barco parou. O pescador estendeu sua rede e se acomodou em um banco no convés, acendendo seu cigarro e abaixando o chapéu.

Nada distante, ela o observava mais uma vez, encantada com cada movimento, cada som. Ele estava ali mais uma vez, imóvel, diante dela. Não sentia vontade de levá-lo para o mar com ela, sentia vontade de deitar-se no convés com ele. Acariciar seus cabelos cacheados, tocar sua barba volumosa e beijar os lábios escondidos sob ela. A vontade crescia quanto mais o tempo passava, se tornando difícil de se segurar.

Se descontrolou, surgiu perto da amurada, esticando ao máximo o seu braço direito para tentar alcançá-lo.

Um toque, é só o que preciso.

Tocou a canela do homem, o que o fez se remexer instantaneamente. Assustada demais para continuar, mergulhou depressa, enquanto o pescador se rebatia, olhando fixamente para a água a procura do que havia o tocado.

— Saia daí, – disse o pescador, esperando alguma resposta – eu quero ver você.

Não era a primeira vez que ela havia tentado algum contato com ele, e o homem já havia criado certo interesse em saber quem ou o que atrapalhava sua pescaria e seus momentos de solidão no meio do oceano.

— Não tenha medo – ao nutrir uma certa curiosidade, o interesse em conhecê-la crescia, por mais que não houvesse a necessidade de causar nenhum mal.

Ela relutou, escondendo-se embaixo do barco, onde não pudesse ser vista, mas por mais que fosse uma criatura do mar, por que sentia que estava se afogando? O mar a sufocava, e a ideia de perder a única chance que teve em anos também a sufocava. Seu peito doía, parecia que seu coração estava sendo esmagado. Por ela mesma. Insuportável.

Assim que o pescador decidiu que foi apenas a sua imaginação, notou que a água estava inquieta novamente. Agachou-se e fixou na água enquanto, lentamente, um rosto se tornava mais visível. Era o rosto mais lindo que o pescador havia visto, mas o que mais lhe chamou a atenção foram os seus olhos, selvagens como o oceano.

Infinitum.


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