Somos Amigos escrita por Holanda


Capítulo 1
Capítulo Único




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Eu tinha uma vida tranquila, alguns chamariam de tediosa, mas eu gostava. Quando tudo mudou? Ah, é, foi quando ela entrou por aquela porta. Era final de expediente, faltava apenas uma hora para eu fechar a loja, já não havia muitos clientes circulando e notei uma garota pequena e loira examinando a prateleira com as pelúcias de animais.

— Boa tarde, sou seu atendente, posso ajudá-la em algo? — Eu disse minha fala protocolar de sempre, mas toda minha compostura caiu por terra assim que ela se virou.

Meu coração subiu para a boca e por longos segundos, não consegui articular nenhum pensamento coerente, muito menos alguma palavra para dizer. Como aquilo era possível? Não faço ideia, mas foi o que aconteceu.

— Bedivere?

Ela falou meu nome. Ela se lembrava de mim. Claro, que tolice, depois de termos passado seis anos estudando juntos, como ela não se lembraria de mim? Mesmo estando há quatro anos sem nos ver. O que aconteceu mesmo? Por que perdemos contato? Ah sim, ela foi estudar na Alemanha.

— Não está me reconhecendo? Sou eu, Arthuria Pendragon. — Ela disse. Foi quando percebi que acabei divagando nos meus pensamentos. Eu deveria estar parecendo um idiota naquele momento.

— Claro que lembro, como não lembraria, eu apenas… não esperava, me desculpe.

— Tudo bem, eu também não esperava te encontrar aqui, foi uma grata surpresa.

Foi a melhor surpresa que poderia acontecer.

— Você trabalha aqui? — Ela perguntou olhando para meu uniforme.

— Essa loja é minha. — Falei com alguma timidez.

— Sua? Mas que benção.

— Sim, agradeço a Deus todos os dias por ser um homem tão afortunado.

Ela sorriu, parecia tão feliz como nunca a vi antes. Os anos a fizeram bem, isso era evidente em sua expressão e em sua postura. Se aquilo era possível, ela estava ainda mais bonita do que eu conseguia me lembrar.

— Você voltou para a Inglaterra? — Perguntei, não queria só saber sua resposta, queria ouvir mais  de sua voz.

— Por enquanto sim.

— Quer dizer que ficará por pouco tempo? — Ela assentiu. — Voltará para a Alemanha?

— Não exatamente…

A vi desviar o olhar para o lado, qual seria o problema?

— Saber? Já escolhi um, vamos logo!

Saber? Quem é Saber? Com quem aquele rapaz ruivo de origem asiática estava falando?

— Quem é o seu amigo, Saber? — Ele falou com seu sotaque fortemente carregado que eu não soube identificar de onde era.

— Esse é Bedivere, meu velho amigo do tempo da escola, também frequentávamos a mesma igreja aqui na cidade. — Ela disse apontando para mim. — Bedivere, este é Shirou Emiya, meu… noivo.

Noivo? Ela vai se casar?

Espero que eu tenha feito um bom trabalho em disfarçar a desolação que senti naquele momento.

— Prazer em te conhecer. — Ele sorriu simpático e eu educadamente apertei a mão dele.

— Também é um prazer te conhecer. — Eu disse.

— Legal, que tal pagarmos isso e irmos logo Saber?

Por que ele fica chamando ela daquela maneira? Que tipo de apelido de casal era aquele?

— Deixe que eu mesmo passo o produto para vocês. — Eu falei e o tal de Shirou agradeceu me entregando um leãozinho de pelúcia que ele havia escolhido.

— Estou muito feliz que tenhamos nos reencontrado Bedivere. — Ela disse quando já havia pagado pela compra. — Seria ótimo que não perdêssemos contato.

— Ah, claro. — Sem muita vontade, eu lhe dei um cartão de visita da loja, tinha meu número escrito nele.

— Obrigada, hoje estamos com um pouco de pressa, mas vamos nos ver outro dia, para conversarmos mais. — Ela disse sorrindo para mim, eu tolo como sempre me peguei sorrindo de volta, a admirando de longe, como sempre fiz a minha vida toda.

Ela se foi, de braços dados com seu noivo estrangeiro, trocando olhares e sorrisos carinhosos. Que casal bonito, qualquer um pensaria. Eram jovens e apaixonados, não tinha como negar. Ele a estava a fazendo feliz, eu deveria ficar feliz com isso, mas não estava. Só conseguia pensar em quantas oportunidades deixei passar para dizer que a amava. Agora era tarde. Ela irá casar com um bom homem e a mim só restava me conformar. Amá-la calado e admirá-la de longe já era-me normal, afinal, fiz isso quase que a vida inteira, que me custa continuar fazendo?

Mas aquilo se mostrou uma tarefa mais difícil do que parecia em um primeiro momento.

Na semana seguinte a ligação dela me surpreendeu, queria se encontrar comigo, como velhos amigos. Fomos daquele parque que ficava perto de nossa antiga escola, o local perfeito para relembrar os bons tempos.

— Ele parece ser um bom rapaz, como se conheceram? — Eu devo ter alguma inclinação masoquista para ter feito tal pergunta.

— Foi em Berlim.

— Mas ele não é alemão?

— Não, ele é japonês.

— Japonês? Você conheceu um japonês na Alemanha?

— Eu sei que é estranho. Ele é filho adotivo de um casal formado por um japonês e uma alemã. Vamos para o Japão no final do ano, para o noivado.

— Você está feliz?

— Sim, estou.

— Tem certeza?

— Ultimamente estou pensando em como as coisas serão diferentes por causa do casamento.

— Se vocês se amam, então vai dar tudo certo, vocês poderão superar qualquer coisa que vier. — Eu atrevidamente coloquei minhas mãos nos ombros dela a olhando nos olhos.

Ela me sorriu tão ternamente que fez eu me sentir tão bem, mas que tipo de pecado era aquele que eu não conseguia evitar?

— Obrigada pelo seu apoio, mas tenho medo de não conseguir me adaptar.

— A vida de casada?

— A vida no Japão.

— O quê? Vocês vão morar no Japão? Por quê?

— Foi algo que conversamos muito, e decidimos que essa era a melhor opção.

— Melhor opção para você ou para ele?

— Para os dois.

— Mas você não parece estar feliz com essa decisão.

— É uma cultura muito diferente, é normal sentir certa insegurança.

— Já te conheci mais orgulhosa.

— Eu passei por muita coisa… e Shirou me ajudou.

Eu poderia ter te ajudado, se tivesse me contado, se tivesse me procurado…

— Entendo… acho que ele pode te fazer feliz.

— Obrigada, e você?

— Eu?

— Não tem ninguém?

— Não… estou sozinho.

Estou sozinho porque não consigo amar ninguém que não seja você. Infelizmente, não tive coragem de dizer aquilo. Quero ficar feliz por eles, sim quero ficar feliz apenas a vendo feliz, mesmo que seja ao lado de outro, mas foi doloroso a ver do lado dele na cerimônia de noivado com a família Pendragon. Me senti um completo intruso, apesar dela ter se esforçado para conversar comigo, mas aquele nó dentro de mim não se desfazia.

— Eu faço questão de ter a benção do reverendo. — Ela disse enquanto conversamos na porta da igreja. — Shirou não é cristão, mas ele veio porque isso era importante para mim.

Eu gastei um tempo olhando para o terço que estava em minha mão, eles eram de países diferentes, culturas diferentes e até a religião era diferente, deveriam se gostar muito para passar por cima de tudo aquilo em nome daquele relacionamento. Fiquei me perguntando se eu conseguiria fazer aquilo. Será que aceitaria uma garota tão diferente de mim? Eu sempre fui apaixonado por ela, e tivemos tanto em comum. Frequentávamos o mesmo clube de hipismo, a mesma igreja aos domingos, tínhamos gostos parecidos e opiniões próximas. Agora ela abandonaria tudo para ir viver em outro país em nome do amor.

Eu levantei o rosto e a vi ali tão bonita, seus olhos verdes brilhantes e sua expressão pacata e não tive dúvidas. Sim, eu abandonaria tudo, se fosse por ela.

Ela vai casar com outro. Ela vai embora para o outro lado do mundo. Por que devo ter medo de me declarar e perdê-la se já a perdi mesmo sem fazer nada? Mas se eu estragar o relacionamento dela e ela se entristece, jamais me perdoaria. Será que eu me perdoaria se não fizesse nada? Deixar ela ir embora, simplesmente assim, e conviver para sempre com a dúvida se poderia ter sido diferente?

Se ela soubesse que eu sou um covarde ordinário, ficaria decepcionada comigo, não posso deixar que isso aconteça. Pena que demorei demais para me decidir. Quando a procurei, ela já havia viajado para o Japão. Por que eu sempre fazia aquilo? Por que sempre passava mais tempo pensando do que agindo e acabava deixando tudo se esvair por entre meus dedos? Era oficial, eu havia me transformado de um homem satisfeito na vida para um homem entristecido e decadente, em apenas seis meses. Uma marca que só me causava vergonha.

Se eu tivesse o poder de mudar o passado, ou pelo menos voltar lá e me bater até meu eu tomar uma atitude, infelizmente tais milagres não eram possíveis, mas outros eram.

Quase um ano depois daquele dia que nos reencontramos em uma tarde de outono, lá estava ela novamente em minha loja, entrou sozinha, e lhe perguntei sobre como estava indo o casamento da forma mais cordial que podia.

— Eh, não deu certo.

— Se separaram?

— Na verdade, nem casamos.

Tentei não demonstrar nada ouvindo aquilo.

— Se quiser conversar? — Ofereci meu ombro amigo, era isso que eu era não é? Amigo.

— A mãe dele era um pessoa incrível, nos damos muito bem.

— A alemã?

— Sim, ela se chama Irisviel.

— Mas? — Incentivei.

— De imediato tive atritos com o pai dele.

— Entendo, será que foi porque você é ocidental?

— Não… não foi por isso que acabou. — Ela parecia tão desconfortável, eu tinha vontade de me levantar daquela mesa e abraçá-la. — Na verdade, acho que não quero falar sobre isso.

Deslizei minha mão pela mesa até meus dedos encontrarem na palma dela, para minha satisfação, ela retribuiu o toque, e meu coração se aqueceu quando ela sorriu, mesmo ainda estando com o olhar tão triste.

— Por que será que eu vim aqui? — Ela disse desfazendo o sorriso.

— Desculpe, o que quer dizer?

— Eu acabei de voltar do Japão, ainda nem liguei para meus pais, estava tão triste… e acabei vindo parar aqui, por que será? — Ela me olhou, me fazendo perder o fôlego com sua intensidade. Gostaria de dizer que vi algo á mais ali, mas não tinha segurança, ela sempre foi tão boa em esconder tudo que sentia dos outros, até mesmo de mim.

— Por que somos amigos? — Por que eu continuava insistindo nisso de amigos?

Ela sorriu.

— Sim, somos amigos, obrigada por ser meu amigo. — Ela disse se levantando. — Posso voltar aqui outra vez, para conversamos?

— Eu adoraria.

Ela parecia um pouco mais feliz, por enquanto, aquilo era mais do que suficiente para me deixar alegre. Mas não poderia perder essa segunda oportunidade que Deus estava me dando, daquela vez, eu diria para ela o que eu sentia.

Aquele deveria ser o dia perfeito. Eu a convidei para irmos a igreja juntos, como fazíamos antigamente, por muita insistência minha e do reverendo, ela aceitou tocar uma música no coral como fazia na adolescência. Eu me sentei na fila na frente e apreciei cada movimento e som que ela produzia com a flauta. Foi lindo, e ela ainda se atreveu a dizer que não praticava há muito tempo, não tinha como ela fazer nada que não fosse perfeito.

— Você tocou maravilhosamente bem, estou encantado. — Eu lhe disse quando saímos.

— A música que era bonita. — Ela respondeu modesta como sempre. — Eu estou me sentindo muito bem hoje, é uma sensação nostálgica que não sei explicar, acho que é graças a você, Bedivere, só tenho a te agradecer por tudo que fez por mim nos últimos tempos.

— Eu não fiz a toa.

— Como? — Ela se virou ficando de frente para mim. — Quer dizer que está me ajudando com algum interesse?

— Sim… meu interesse é te ver feliz, porque… — Eu fiz uma longa pausa tentando não parecer que iria desmaiar a qualquer momento.

— Por quê?

— Porque o único jeito de eu ser feliz é te vendo feliz.

— Bedivere? — Ela pareceu surpresa, mas não se afastou.

— Arthuria, eu tenho sentimentos por você desde que te conheci há muitos anos atrás. Nunca deixei de ter, mesmo quando esteve fora do país, mesmo quando estava comprometida com outro homem, eu sei que isso não é certo… é vergonhoso, para falar a verdade. — Eu a olhei em busca de alguma coisa que pudesse me dar uma resposta do que ela estaria pensando, mas sua expressão era inelegível. — Vou entender se não quiser mais me ver, ou que somos apenas amigos, vou respeitar qualquer decisão que tome. — Eu dei um passo para trás lhe dando espaço que eu achei que ela precisaria.

Mas em um movimento rápido ela segurou minha mão:

— Não quero que se afaste de mim. — Ela se aproximou a ponto de está perto o suficiente para eu sentir o cheiro de seu cabelo. — Você me faz bem, quero que fique perto de mim.

— Como seu amigo?

Ela colocou uma de suas mãos sobre meu peito, de certo que ela podia sentir meu coração batendo acelerado mesmo sob o casaco de lã que eu estava usando.

— Por favor, me diga. — Implorei já não aguentando a espera por sua resposta.

— Sim, quero que seja meu amigo, para sempre.

Não sei dizer o que senti naquele momento, mas pelo menos eu ainda podia ser seu amigo.

— Mas só porque somos amigos, não significa que não possamos ser algo a mais, não é?

Sim, somos amigos até hoje, mas agora também somos esse algo a mais que ela havia falado. Naquela ocasião, lembro-me bem de ter sorrido e me inclinado, nos beijamos pela primeira vez, desde então, não nos separamos mais. Era uma lembrança terna de como começamos nosso relacionamento, coisas que eu fazia questão de recordar sempre, principalmente agora que estávamos fazendo nosso primeiro ano de namoro, que se for depender de mim, vai ser o primeiro de uma vida inteira ao lado de minha amiga.




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