Ela é a coisa mais linda do mundo. Um pingo de gente com olhinhos brilhantes e dedinhos incrivelmente fortes. Quando Paula disse que teria o terceiro filho, eu quase derrubei os livros que carregava. De novo?! Naquela época, ainda não dava para ver a barriga. Agora seguro o bebê em meus braços. É uma menina, para a alegria de Sophie, a primogênita. Ela diz que será a melhor irmã mais velha do mundo.

A despedida é longa. Nós nos conhecemos na faculdade. Paula já está fazendo o Mestrado. Quer se tornar professora. Ficamos amigos. Eu, ela e Aya, que sempre teve um xodó muito grande por crianças. É outra que certamente terá muitos filhos quando for mais velha. Já estou até imaginando visitá-la daqui a dez, vinte anos, e encontrar uma casa bagunçada e repleta de gritos.

Meu apartamento está silencioso. Em um canto, Kurode termina de destruir meu chinelo. É o quinto par em três meses. Mas o brinquedo para cães que comprei está intacto sobre o tapete da sala.

Arrumo meu quarto. Separo algumas roupas e livros para doação. No meio disso tudo, descubro um único brinco com pedra vermelha. Devolvo-o a onde quer que o tenha encontrado. Aya e Pietro aparecem no final da tarde. Também trouxeram caixas repletas de coisas. Vamos juntos ao centro de recolhimento. As doações são para uma cidade distante que foi vítima de enchentes. As imagens no noticiário não eram nada animadoras.

Compramos uma pizza para comer lá em casa. Pietro implica com Aya o tempo todo. Eu me pego sorrindo. Estar com eles sempre me lembra a época em que participei do Exame Hunter. Os olhos âmbares de Aya têm a mesma vivacidade dos olhos de Gon, mas ela tem uma bondade só dela. E o Pietro, ele é só idiota mesmo.

Kurode é apaixonado pela Aya e chora um pouco quando ela se levanta para ir embora. Os dois se abraçam, e é uma coisa linda ver meu cachorro erguendo as patas daquele jeito, como se pedisse para ela ficar. Pietro sorri por cima do ombro antes de fechar a porta. Recolho o lixo, limpo a mesa de centro. Um banho frio é o último obstáculo antes de deitar na cama.

O dia foi cansativo, mas não estou com sono. Cato um livro qualquer para ler. Kurode deita a meu lado e nós ficamos assim por um longo tempo. Acho que caí no sono, pois acordo com o ruído do celular vibrando. Ele não está na mesa de cabeceira. Tateio o quarto inteiro até encontrá-lo no bolso da calça.

“Alô?” murmuro, esfregando as pálpebras.

Do outro lado da linha, uma espécie de chiado. Parece algo grande movendo-se com velocidade. Então, a voz.

“Leorio? Você está em casa?”

Não respondo. Não consigo responder.

“Você pode abrir a porta quando eu chegar? Eu... não tenho as chaves.”