Defying Gravity escrita por Senhorita Nada


Capítulo 3
Pull of Gravity


Notas iniciais do capítulo

Eeee chegamos ao final!

Uma boa leitura para você~



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/744722/chapter/3

Há quanto tempo ele estava ali, ou onde sequer era ali, Katsuki não tinha mais ideia. Depois de terem deixado a presença daquela coisa alienígena, ele fora deixado no que presumia ser outro lugar, na escuridão total. Podiam ter se passado algumas horas, ou mesmo semanas ou meses. A única coisa que ele conhecia era a escuridão. Estava dentro dele, ao redor dele, em seus pensamentos e em sua barriga, pulsando com seu sangue e entrando em sua respiração. Em algum ponto Shigaraki o colocara numa cadeira, ainda amarrado, e ele tentara resistir. O albino desgraçado estava certo, no entanto, e fora uma tentativa plenamente inútil. Ele até rira, vendo o garoto se contorcer e olhar feio, jurando vingança com os olhos.

 

Aos poucos, as amarras físicas iam se tornando desnecessárias, quando as amarras psicológicas se prendiam mais fortemente ao redor de Katsuki. Os pensamentos que rodeavam sua mente eram suas piores lembranças, as visões de seus piores medos, um pesadelo atrás do outro que o faziam acordar, se é que sequer dormira para começar, suando frio no escuro. Mais e mais, isso reforçava o poder da sombra, e ele quase a sentia se esticar dentro dele, estendendo tendões em seus órgãos internos. Era como se a coisa crescesse dentro dele, seu sofrimento a alimentasse e ela ficasse gorda e forte com seus medos, suas dores.

 

“Calma, calma, Kacchan~” Shigaraki o confortara, os dedos longos e finos correndo por seu cabelo, os lábios secos tocando sua bochecha e seu pescoço. “Vai passar, já já. E quando passar, você nunca mais vai sentir algo assim. Nunca mesmo.”

 

Ele queria ser capaz de responder, de mandá-lo se foder, mas a sombra dentro dele sugava suas forças como um parasita, e ele só pode aguentar.

 

Em algum ponto Shigaraki finalmente se afastou dele. Vinham sons da escuridão - impactos e gritos e sibilos muito distantes para que Katsuki compreendesse ou se importasse. Mas Tomura parecia extasiado - ele bateu palmas alto, o sorriso maníaco em seu rosto, ainda que Bakugou não conseguisse vê-lo.

 

“Ah, ele chegou. Não está feliz Kacchan? O Midoriya veio atrás de você!” Ainda havia vida o suficiente dentro de Katsuki para seu estômago revirar com aquela informação. Não não não, vá embora, você vai morrer, seu idiota, seu imbecil desgraçado do caralho EU FIZ TUDO ISSO E VOCÊ VAI MORRER.

 

“Eu vou recepcionar nossos convidados. Você não tem problema em estar sozinho, hm? Não tem medo do escuro, eu espero.” Shigaraki deu uma última risada, afagando o cabelo loiro de Katsuki como que a um bichinho de estimação bem comportado, antes da luz aparecer. Mesmo a luz fraca que passava pelo vão da porta foi o suficiente para fazê-lo gritar, sensível como estava, sentindo a sombra dentro dele se mover. E então Shigaraki se fora, e ele estava sozinho novamente, a cabeça pendente sobre o encosto da cadeira.




Ochako derrubou mais um deles com o tiro da pistola a laser que Momo lhe dera. Já tinha perdido a conta de quantos tiros tinha dado até agora, ou mesmo de quanta munição tinha; eles não paravam de vir, por mais que lutassem eles não paravam de vir. O lugar para onde conseguiram rastrear o traje de Bakugou, após algumas horas de angustiante falta de sinal, era quase do outro lado de Hosu, a algumas quadras do portão Norte. Não era um lugar muito protegido, e sim um velho galpão ou depósito abandonado antes mesmo da cidade ser contaminada.

 

“Isso é com certeza uma armadilha. Se preparem de acordo.” Deku dissera, e ele estava certo. Tinha sido muito esperto o plano dele de aproximação, vindo por túneis do subsolo para evitar o maior número de infectado. Ele tinham irrompido há poucos minutos, e ela tinha atirado em tudo que se mexesse, mas ainda não tinha sinal do loiro explosivo. Ela sabia que Deku deveria estar preocupado, do jeito que os olhos dele percorriam o lugar da última vez que o vira. Depois de todas as brigas, ele era quem, junto com Kirishima, claramente se preocupava mais com Bakugou.

 

Deku era inteligente, carismático, um bom líder. Exatamente como Bakugou era, e ela não.

 

Ela se sentia culpada. Dissera todas aquelas coisas para Deku sobre Katsuki, apenas para ver algo horrível acontecer com ele logo em seguida. Ela nem sequer dormira aquela noite, passando madrugada inteira vomitando de culpa e pesar, implorando desculpas a Katsuki e a Deku em seus pensamentos, por sequer ter tido pensamentos ruins sobre ele para começar. E fora uma das primeiras a aceitar a missão de resgate, em grande parte pela ideia de ser capaz de resgatar Katsuki ajudar a suspender o peso da culpa que sentia.

 

“Que pena, Uraraka Ochako. Você perdeu mais uma vez.”

 

Ochako agiu automaticamente, apenas mirando e atirando na pessoa que lhe dirigira a palavra antes mesmo de compreender o que tinha sido dito. Um infectado se interpôs entre eles e levou o tiro, caindo no chão com um baque surdo, e expondo o rosto da pessoa atrás.

 

“S-Shimura?” A visão de seu antigo veterano a pegou de surpresa, ainda mais que ela estava sem máscara, e ele estava rodeado de infectados que o ignoravam completamente.

 

“É Tomura agora. Mas isso não vem ao caso. Você viu, não viu? Na sua cabeça.” Ele levou o dedo indicador à têmpora, inclinando-a para o lado inocentemente como um cachorrinho confuso. “Tooodas as vezes em que você perdeu o Midoriya Izuku. Tooodas as vezes em que ele morreu. Não é frustrante, Ochako? Ver a pessoa que você ama morrer e morrer e morrer de novo? E tudo isso… Por conta dele…”

 

“Não… Eu não…” Ochako queria mentir. Dizer que não era verdade, que nunca sentira aquilo na vida, mas as palavras não ditas pareciam se manifestar fisicamente em sua garganta, uma massa de sentimentos negativos que ela não conseguia engolir. Ela não podia negar o que corroera um lugar em seu coração ao longo desses meses.

 

“É tudo pelo Bakugou. Quantas vezes ele chorou pelo Bakugou? Quantas vezes morreu pelo Bakugou? Foram muitas né?” Shimura continuou suas provocações, pressionando o indicador contra a bochecha de forma pensativa. “As coisas seriam melhores dessa vez se você simplesmente se livrasse do Bakugou, não?”

 

Não…”

 

“Eu posso te dar essa chance, Ochako-chan.” O sorriso no rosto dele era largo o bastante para distorcer suas feições, o sorriso daqueles consumidos pelas sombras, as mesmas sombras que agora pareciam dançar em sua barriga. “Você sabe que agora não pode bater o Bakugou. Mas… Eu posso mudar isso… Se você quiser.”

 

O que ele propunha era mau. Era errado. Ela deveria ter negado imediatamente. Mas, quando Ochako abriu a boca, percebeu que não conseguia falar. Não conseguia dizer a palavra não. Ao invés disso, o que vinha a sua mente era e se. E se dessa vez desse certo? E se isso era o que ele deveria ter feito sempre? E se Bakugou era a perdição de Deku e ela tinha que salvá-lo? E se e se e se e se…

 

“Não. Eu não sou esse tipo de pessoa, Tomura, ou seja lá como se chame agora. Eu não vou cair nos seus joguinhos.” Sua voz tremia. Ela toda tremia, mas ela tinha que dizer isso. Não havia como aquilo dar certo, por mais tentador que fosse - e acima de tudo, Ochako nunca deixaria a escuridão dentro dela tomar conta.

 

“Vai abrir mão da chance de salvar o Midoriya, como você sempre quis?” Ele levantou a sobrancelha, estendendo a mão a ela numa promessa muda. “Ele está a seu alcance, Ochako. Ele vai ficar tão triste quando Bakugou se for, não? Vai precisar de bons amigos para apoiá-lo nessa hora difícil. Alguém que o entenda melhor do que ninguém! Isso que você sempre quis, não? O seu destino está bem ao seu alcance!”  

 

“Se esse é meu destino, então eu recuso.”

 

Os infectados ao redor de Tomura rosnaram numa sincronia perturbadora, e então pularam na direção dela. Eram no mínimo dez, e Ochako não tinha certeza se tinha tanta munição. Ainda assim, ela fez mira com a arma, pronta para atirar. Era muito rápidos, mas ao menos uns três ela conseguiria derrubar antes de-

 

A luz a pegou de surpresa. Ela ergueu a mão para proteger os olhos, ofuscada com o brilho súbito. Podia ouvir Tomura gritando, e o som de algo grande se chocando com o chão, mas foi outro grito que realmente chamou sua atenção. Uma luz bem mais cálida, bem mais suave, que ela conseguia encarar sem medo.

 

“URARAKA!”

 

“Iida-kun…?”

 

Iida a segurou pelos ombros, assustado, olhando-a de cima a baixo procurando por algum machucado. “Está bem? Algum deles a atingiu?”

 

“Não…” Ela ainda cobria os olhos pela luz, mas aos poucos ia se acostumando à sensação.

 

“Que bom.” Iida relaxou visivelmente ao saber disso, um pequeno sorriso de alívio brincando em seus lábios. “Eu estava preocupado que algo tivesse acontecido com você… E-e com Midoriya e Bakugou, é claro.Eles ainda estão mais para dentro do complexo e não sabemos muito bem como as coisas estão...”

 

“Q-que luz é essa? É tão forte…”

 

“Kaminari e Yaoyorozu conseguiram colocar alguns refletores para funcionar, e Todoroki e Kirishima estão ajudando a manter o perímetro.” O rapaz explicou. “Nós perdemos contato com você e Midoriya depois que entraram nesta área do depósito, então eu vim atrás…”

 

“Deku-kun está aqui?” Ochako engoliu em seco, a apreensão que ela achava ter deixado para trás voltando, mais forte, com a forte sensação de que ela não iria gostar em nada da resposta. “Onde ele está?”





Midoriya irrompeu porta a dentro. O depósito estava escuro como breu, a única luz disponível sendo a de seu capacete, uma quietude desconcertante se comparada ao inferno rondando a construção e os andares superiores. Ele varreu o local de canto a outro com os olhos e a luz, vendo que estava totalmente deserto - exceto por uma coisa. Uma cadeira, no centro do recinto, com uma pessoa amarrada. Quando a luz recaiu sobre ele, o cabelo claro e as roupas não deixaram dúvidas, e ele correu, o coração quase na garganta de tanta preocupação.

 

“KACCHAN!”

 

De início, ele não conseguia ouvir bem, pela voz do loiro estar muito baixa, muito fraca. Foi somente  “Fique longe… Seu nerd idiota…” Os olhos vermelhos de Katsuki estavam cheios de lágrimas, a primeira vez que o via chorar em anos. Surpreso, Izuku parou no lugar, inseguro sobre como agir.

 

A explosão o pegou desprevenido, um clarão súbito tomando conta de seu campo de visão com um branco doloroso, um estrondo perto demais fez suas orelhas tinir. Lentamente retornando à realidade, Midoriya foi tomando consciência de que estava no chão, jogado de costas contra o concreto, com o mundo inteiro girando a sua volta numa espiral nauseante. Pelo menos meus olhos… Funcionam… E ouvidos… Espere, isso é uma rachadura-

 

O peso das botas reforçadas de Bakugou o atingiu direto no estômago, empurrando o ar de seus pulmões e o ácido garganta acima. Izuku se dobrou de dor, e foi apenas a mão pesada do outro ranger agarrando seu pescoço que impediu seu café de continuar a jornada esôfago acima. A criatura usando o corpo de Katsuki pressionou seu amigo de infância de volta ao chão, os joelhos de cada lado dos quadris de Midoriya, enquanto sua mão livre tateava a parte de trás do pescoço do outro, em busca da tranca de seu capacete.

 

“K-Kacchan…” O nome era tanto um apelo quanto uma pergunta, os olhos verdes do garoto arregalados com medo e incompreensão. Izuku viu o amigo sorrir, aquele mesmo sorriso que o assombrava pelos anos de combate, o mesmo que vira no rosto de seu pai quando este tentara matar a ele e a sua mãe, e ele sentiu seu coração afundar no peito, o gelo do medo e desespero percorrendo suas veias junto com seu sangue. Kacchan sempre sorri, mas nunca assim, nunca assim, por favor- Lentamente o vermelho das íris de Katsuki se tornava preto, preto como a noite, como o espaço sem estrelas, até que não havia mais cor alguma naqueles olhos que não o preto que Midoriya tanto temia.

 

Prisioneiro em sua própria mente, Bakugou estava gritando e se debatendo, lutando futilmente contra a força que se apoderava dele. Ele não era mais do que um boneco agora, vendo seus braços se movendo sem sua vontade como os de um estranho, a boca se contorcer num sorriso que ele não queria, a língua umedecendo os lábios em antecipação a algo que o deixava aterrorizado. Cada vez mais ele resistia mais desesperadamente, disposto a se rasgar e machucar e explodir para retomar controle do próprio corpo, para impedir a si mesmo de fazer com Izuku o que havia sido feito com ele, mas ele não era mais do que uma pequena fagulha na escuridão agora, nem mesmo uma chama. Uma mente sem corpo, uma alma sem carne, retirada de tudo que acontecia a seu redor.

 

Que tipo de criatura amaldiçoada você é, Katsuki? A própria voz soava fria e desdenhosa em sua mente. Era mesmo ele? Era algo da infecção que o usava? Nem mesmo conseguia ter certeza, na situação em que estava. Você primeiro o matou, e então pisou e cuspiu nele. E agora você vai fazer algo muito, muito pior. Está orgulhoso?

 

EU VOU MATAR VOCÊ.

 

Faça como quiser. Eu tenho muito do que vocês chamam de vidas, Katsuki. E não importa quantas delas você matar. Nunca vai negar o que fez… Ou o que está fazendo.

 

CALA BOCA CALA BOCA CALA BOCA-

 

“Qual o problema, Deku? Você não queria ficar embaixo de mim? Quer ficar em cima então?” A voz era a de Bakugou, jocosa e rude, mas havia algo de distorcido no tom, um eco que fazia os pelos da nuca de Midoriya se arrepiarem. “Acha que eu não percebia como me olhava? Só um idiota como você pra achar que eu não estava vendo.”

 

Os dedos de Izuku tremulamente se fecharam ao redor do pulso de Bakugou, tentando se dar mais espaço para respirar reduzindo a pressão em seu pescoço. Em resposta, a criatura pareceu pressionar mais ainda, cortando o pouco ar que Midoriya conseguia inspirar de seu tanque. Ele começou a se debater, arfando alto, as duas mãos puxando e arranhando no esforço de conseguir respirar, os pés dançando contra o concreto desgastado. A coisa deu uma risada rouca, se dando alguns instantes para assistir o desespero de Izuku, o jeito com que seus olhos se esbugalhavam com súplica e esforço e o rosto ficava roxo antes de finalmente soltar seu pescoço.  

 

Midoriya inspirou profundamente, o coração acelerado, tonto o suficiente para fechar os olhos e não notar o sutil clique a suas costas. O ar era frio, confortável e mais que bem-vindo em seus pulmões sedentos, e foi apenas depois dos primeiros arquejos que ele notou o sutil cheiro de fumaça ao longe, o adocicado de podridão por baixo, e o arrepio em sua coluna o fez abrir os olhos para constatar que a criatura tinha finalmente retirado seu capacete.

 

“Nem foi tão ruim, hm?” A coisa usando a pele de Bakugou provocou com uma risada baixa. “Agora podemos brincar à vontade, sem aquela coisa no caminho. Não é isso que você quer, Izuku?” Ele pressionou o joelho entre as pernas de Midoriya, fazendo o garoto jogar a cabeça para trás, colidindo dolorosamente contra o chão sujo. Ele estava tão perto, mais perto do que Izuku se lembrava de quando discutiram da última vez, os lábios logo acima dos dele, a respiração quente em seu rosto. Ele conseguia sentir as pernas de Katsuki pressionadas contra ele, em seu quadril e entre suas pernas, as mãos uma de cada lado de sua cabeça, o perfume dele em suas narinas…

 

O soco atingiu o loiro direto na mandíbula, fazendo agulhadas de dor subirem o braço de Izuku até o cotovelo pelo impacto. O segundo golpe foi um chute nas costelas, logo abaixo do cotovelo que a criatura tentou usar para se defender. O som de dor subsequente era genuinamente Bakugou, mas Midoriya mordeu a culpa junto com o lábio inferior, seguindo de um segundo chute após trocar a perna de apoio, dessa vez um impacto sólido no peito que impulsionou a coisa para longe dele.

 

“Você não é o Kacchan.” Ele disse pausadamente, uma raiva incontida em sua voz e seu olhar enquanto afagava a mão machucada. “E eu vou te arrancar do corpo dele, nem que seja a força!”

 

A criatura riu, o eco mais pronunciado agora que das outras vezes - como se não fosse somente a voz de Katsuki saindo de sua boca, e sim várias junto a ela, um coro desconcertante que agora levava um dedo aos lábios, estudando curiosamente o sangue de um corte. “Quer falar com Bakugou? Por que não disse logo? Mostre a ele como está se sentindo, Kacchan.

 

Tão mal a criatura falou, o corpo de Katsuki se dobrou como que em dor, levando as mãos ao rosto com um grito de frustração. Ele correu as mãos pelas bochechas e, se estivesse sem as manoplas do traje, certamente teria se rasgado com as próprias unhas. Quando seus olhos focaram em Izuku de novo, um deles estava ainda completamente escuro - mas o outro era o vermelho que ele lembrava e amava, e quando ele gritou, Midoriya foi capaz de reconhecer que era realmente Katsuki ali, e não a criatura controlando seu corpo.

 

“Deku seu nerd desgraçado, vá embora! Me deixa aqui, pega o pessoal e vai!”

 

“Claro que não, Kacchan! Todo mundo aqui já fez tanta coisa, não vamos voltar sem você!”

 

“CARALHO DEKU, ME ESCUTA! S-se você não tivesse vindo… Não tivesse voltado… D-de novo, eu vou matar você de novo, e é culpa minha, sempre foi culpa minha!” Ele estava chorando agora. Tinha chegado ao fundo do poço, o limite do patético, não podendo controlar nem mais o próprio corpo nem o que sentia. As lágrimas pareciam quentes escorrendo em sua pele, e ele as limpou agressivamente, tentando e falhando em suprimir os soluços que balançavam seus ombros. “Eu tentei te manter longe, me afastar, na esperança de que dessa vez, dessa vez seria diferente, eu não teria que carregar essa culpa mais uma vez… De te matar mais uma vez.”

 

“Mas não, você é um maldito idiota do cacete e vem atrás de mim, mesmo depois desse esforço… Você é doente, seu desgraçado, que quer tanto morrer assim?? Quantas vidas até você entender… Até você enfiar nessa cabeça teimosa do caralho que eu não sou bom pra você? Eu não sou bom o suficiente…” Antes gritando com frustração e raiva incontidas, a voz de Bakugou foi baixando e estremecendo, até ele completar, pouco acima de um murmúrio: “E não sou coisa boa.”

 

A sensação das mãos de Izuku na dele era a mais confortável que sentira em todo o seu tempo naquele lugar esquecido do mundo, mesmo que fosse através das manoplas. Os olhos verdes brilhavam como velas à luz da lanterna - uma pequena luz na escuridão, mas era luz de qualquer forma. “Então vamos quebrar o ciclo. Dessa vez, eu não vou morrer. Dessa vez, você não vai carregar essa culpa.”

 

“Ah, claro… Tão fácil, filho da puta.”

 

“Se é o que aconteceu tantas vezes, não seria porque temos que quebrar isso?” Midoriya perguntou, virando a cabeça inquisitivamente, daquela forma que Katsuki odiava amar. “Afinal, a gente não pode mudar o passado. Mas podemos mudar o futuro.”

 

Uma das mãos machucadas dele se moveu para seu rosto, sua bochecha, afagando o lugar onde as lágrimas correram. “A verdade é que não há constantes no universo, exceto uma: eu vou sempre escolher você.”

 

Izuku diminuiu o espaço entre eles até ter seus lábios contra os dele. Katsuki queria gritar, chorar, fazer alguma coisa, mas no momento a única coisa que conseguiu foi um gemido frustrado antes de mergulhar na luz que Izuku era. Ambos tinham visto, sentido isso tantas vezes seus sonhos, em suas lembranças, mas dessa vez era real, ali e agora. Era o gosto de Midoriya em sua língua e os dedos de Bakugou em seu cabelo, era as mordidas de Katsuki em seu pescoço e os círculos dos dedos de Izuku em sua cintura. Era pra isso que eles nasceram de novo e de novo e de novo, para se verem, para se amarem, como partículas sincronizadas em lados opostos do universo; por mais diferentes e distantes, ainda juntas.

 

E então veio a dor. Súbita, lancinante, como se tentasse arrancar fora sua alma, uma dor que o fez urrar contra os lábios de Midoriya, e só agora sentir a força com que o garoto o segurava. Ele mal conseguia ver, ofuscado como estava pela luz, luz tão forte, forte demais, algo dentro dele estava queimando, queimando…

 

Izuku se afastou com cuidado, um dos braços ainda segurando Bakugou contra si, a outra mão segurando o sinal de ajuda que ele acabara de ativar. O laser partia a escuridão em que se encontravam, lançando sombras comuns, inofensivas ao redor de Midoriya e Katsuki, iluminando seus rostos com uma luz azulada. Ele conseguia sentir Katsuki tremer, o ouvia gritar enquanto a luz queimava a sombra dentro dele, e nesse momento Deku o abraçou com mais força, pressionando beijos em seu cabelo.

 

“Tá tudo bem, Kacchan. Você vai ficar bem.” Ele murmurou a promessa contra seus cabelos. “Eu estou com você, e vou estar sempre.”






A luz do sol ainda o incomodava, doendo em seus olhos e pinicando na pele onde alcançava. A praga da escuridão demorava a sair do sistema, mesmo com os banhos de luz frequentes. Ele só seria liberado da quarentena quando isso acontecesse, lhe foi dito, quando tivessem certeza que não havia mais traço das criaturas de sombra nele, e mesmo depois de solto provavelmente ficaria em observação por anos, como um dos pioneiros do tratamento da possessão. Não lhe apetecia em nada a ideia de virar cobaia de algum cientista louco para cutucá-lo e enfiar luz em sua cara até descobrir como expurgar aquelas coisas deste universo para sempre, mas não havia o que pudesse fazer a respeito. De qualquer forma, o loiro tiraria satisfação de ajudar a frustrar quaisquer planos que aquela raça coletivamente filha da puta tivesse, depois de tudo.

 

Também era um consolo saber que passaria bem menos tempo que Tenko e seu grupo de malucos. Demorara um tempo até que ele pudesse olhar de novo para seu veterano sem muito ressentimento, e até o presente, ameaças de morte eram trocadas entre ele e o esquadrão mais velho diariamente. Especialmente aquele corno do Jin, e a psicopata da Himiko. E o Dabi, tinha que ser irmão do maldito do Todoroki. Esquece, todo mundo nessa merda é um escroto do caralho.

 

“Katsunii!” A voz de Kouta o tirou de seus pensamentos, e ele se virou no catre de hospital para localizar o garoto que acenava animadamente do outro lado da cela de quarentena. “Desenha comigo!”

 

“Você anda muito mimado, viu moleque?” Bakugou reclamou, mas ainda assim se levantou e sentou de frente ao menino e à parede de plástico reforçado que dividia suas celas. Usando uma das canetas eletrônicas que lhes foram dadas para distração, ele rapidamente fez um sketch de um dragão, sentindo certo orgulho quando o garoto bateu palmas em resposta, os olhos brilhando como se fosse a coisa mais incrível que tivesse visto.

 

“Você desenha tão bem, Katsunii!”

 

“Eu sou um homem de muitos talentos.”

 

“Faz mais! Por favor!”

 

Ao dragão se seguiram um corvo, um lobo, uma ovelha e um cachorro. Ele estava no meio de fazer um gato quando Dabi, que assisti a sessão de desenho da cela logo em frente, deu uma pequena risada.

 

“Você tem um coração de manteiga derretida, Bakugou.”

 

Katsuki lhe deu o dedo em resposta. “Enfia uma banana de dinamite no cu e rebola, Todoroki!”

 

“Não na frente da criança, Katsuki.” Shimura, na cela ao lado de Dabi, estava em seu horário de banho de sol. Ele cobriu o rosto com o braço, criando uma leve sombra para abrir os olhos o suficiente e julgar seu kouhai boca suja. A luz solar ainda o pinicava como uma multitude de agulhas em sua pele. “Você é uma má influência pra ele.”

 

“Mas é o fim da picada mesmo. Você enfia parasitas alienígenas de outra dimensão no meu cérebro, e depois se acha no direito de moderar minha linguagem.”

 

“Eu deveria ter colocado o parasita alienígena na sua boca.” Tenko concedeu, fechando os olhos novamente para retornar a sua sessão de tortura particular. “Ela ficaria mais limpa.”

 

“Escuta aqui, Shimura, pega uma daquelas suas mãos e-”

 

“Bakugou Katsuki.” A voz eletrônica da segurança interrompeu o xingamento certamente criativo que o loiro preparava. “Você tem um visitante.”

 

“Oh, seu namorado voltou.”

 

“Pelo menos alguém aqui está namorando. É mais do que a maioria de vocês doentes conseguiu.”

 

Ele deixou o grupinho de Shimura rindo e brincando entre si para focar de forma apropriada no visitante. Izuku se aproximou da cela, um sorriso tímido no rosto sardento, as bochechas vermelhas como ele sempre ficava ao vir visitá-lo agora, algo que Katsuki achava tanto tolo quanto adorável. Os dois braços estavam cobertos de ataduras, uma raridade num universo em que a medicina era tão avançada.

 

“Ainda de braços enfaixados, hm.” Era impossível não comentar a respeito, visto que ele estava encarando tão claramente que o namorado puxou a manga da camisa para baixo, quase como se quisesse esconder os machucados.

 

“Devo tirar na semana que vem. É parte da minha punição por desobedecer, eles disseram, ficar longe do combate durante esse tempo.”

 

“Que morte horrível.”

 

“Eu estou conseguindo sobreviver.” Izuku soltou uma pequena risada, um som cristalino que fez Bakugou cobrir parte do rosto com o braço, para que ele não visse que estava ficando vermelho. “Sinto sua falta, no entanto.”

 

“Você sempre foi o mais meloso, realmente, Deku.”

 

“Desculpe, Kacchan…”

 

“Enfie essas desculpas no cu.”

 

A clarabóia acima da quarentena se abriu, com o início da dose diária de sol que os pacientes deveriam ter como parte do tratamento. A luz do sol refletia nos cabelos loiros de Katsuki, na pele macia e perfeita, naqueles olhos por trás dos longos cílios claros. Era o suficiente para tirar o fôlego de Izuku, o quão lindo ele era, o quanto ele brilhava na opinião de seu namorado.

 

“Nem dói mais tanto assim.” Ele comentou, observando a luz que recaía sobre sua palma, sobre as inúmeras pequenas cicatrizes em seus dedos. Seu sorriso cresceu, desafiante, e ele olhou para Izuku com jeito de menino travesso que o deixava vermelho dos pés a cabeça. “Quem sabe eu também não sou solto desse manicômio semana que vem, Deku. E aí você vai ver o que é bom pra ti, quando puser minhas mãos em você.”

 

Por agora, eles enfrentaram o destino e venceram. Por quanto tempo seria assim, Katsuki não tinha certeza. Mas sabia que tanto ele quanto Deku estariam dispostos a continuar tentando. A deixar para trás as culpas e pesos do passado, e a, talvez, viver de forma diferente. Só eles dois contra o universo, ele gostava disso - e era o que poderia acontecer uma vez que finalmente saísse da quarentena.

 

O que era alguns dias depois de tantas vidas? Katsuki estava mais do que disposto a esperar.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

É o segundo final feliz que escrevo esse ano. Estarei traindo minhas raízes de finais tristes? *gasp*

Foi uma viagem tanto escrever essa fic, pros meninos e pra mim também. Escrevi tudo no celular, porque estou sem computador, e foi horrível. Mas pelo menos saiu a tempo, e é isso que importa, eu acho. :v

Para você que leu até aqui: Obrigada! Agradeço por ter dado uma chance a minha escrita. ♥ Provavelmente nos veremos de novo no próximo Delipa. Então... Até lá?