I just can't help myself escrita por Yukira Phantom


Capítulo 1
For I can't help


Notas iniciais do capítulo

Faz muito, muito tempo que não posto nada, provavelmente estou um pouco enferrujado, mas essa história se escreveu sozinha, nem pediu minha opinião e estava no papel. Me veio à cabeça, também, que a forma como está escrita me lembra um pouco 'Abstrato', porque Matt sempre está comparando Mello a alguma divindade... Ou coisa.
Escrevi ao som de "Can't Help Falling In Love" na versão de Twenty One Pilots, e recomendo.

Boa leitura!



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 Era quase etéreo o rosto de Mello naquele momento. Os pisca-piscas ora iluminando ora fazendo sombras contra sua tez pálida em diferentes padrões e vindas de diferentes direções, seu cabelo dourado moldando sua face que era angular quase geometricamente, como se tivesse sido cuidadosamente calculada antes de ser esculpida pelas habilidosas mãos de algum Donatello por aí, quase angelical se não fosse pela queimadura que desfigurou metade de seu rosto, mas que de forma alguma o deixou menos belo, para Matt, a cicatriz apenas fez com que o loiro parecesse mais humano, mais real. Antes, toda vez que seus olhos descansavam em sua forma ele se distraia porque era quase surreal ver o como o menino se movia ou falava ou mesmo respirava, ele parecia uma personagem que saiu diretamente de um livro ou talvez uma obra de arte histórica, era desconcertante, até, quando aqueles olhos azuis pousavam nele e ele se sentia esquecer como era respirar e como era se mover. Ainda assim, a pele distorcida que tomava seu lado esquerdo quase que por completo tomava a atenção de Matt por razões completamente diferentes que ele se recusaria a dizer em voz altas para evitar o constrangimento e manter os resquícios de dignidade que lhe restavam intactos. Ele devia se agarrar à essas sobras, porque senão, nada restaria do pouco orgulho que ele mantinha quase que casualmente à tira colo - diferente de Mello, que praticamente vestia sua soberba junto a todo aquele couro.

 

 O cheiro salgado do mar assim como um odor distante de peixe misturado com o de comida sendo preparada, frutos do mar, bebidas doces e alcoólicas, a areia da praia que os clientes traziam consigo de seus banhos no mar junto a algo que seu nariz identificou como protetor solar depois de algum tempo, um perfume um tanto nostálgico que lembrava ele dos raros dias ensolarados da sua infância em Winchester - ainda que muitas das vezes o uso do creme não fosse completamente necessário, mas ei, mormaço também queima - quando sua vida não era uma completa bagunça. Mesmo sendo de noite, tinham crianças presentes, correndo por entre as mesas, mas ninguém parecia se importar se não pelos pais que ocasionalmente levantavam a voz e pediam para que não saíssem de vista ou tomassem cuidado para não tropeçar, alguns pedidos de desculpa aqui e ali quando algum dos pequenos esbarrava em algo ou alguém. Um palco de bambu que parecia improvisado porque não tinha mais de trinta centímetros do chão, mas um homem de pele azeitonada tocava seu ukulele pacificamente, sua voz grave e muito bonita, do tipo que protagonistas de animações de super heróis geralmente tem e se encaixava perfeitamente com as músicas do Elvis Presley em sua boca, numa versão acústica das originais uma vez que era só o senhor e seu ukulele. Casais, amigos, colegas de trabalho, o lugar não era muito grande mas estava cheio de vida, o burburinho das conversas paralelas e de vez quando uma gargalhada, cabelos bagunçados que pareciam um tanto duros ao toque, provavelmente por causa de banhos de mar, mulheres com tangas sobre seus biquínis e alguns homens até mesmo sem camisa, estampas coloridas e florais pareciam ser a tendência sobre tecidos claros e leves que na opinião de Matt provavelmente eram muito mais confortáveis e frescos do que suas próprias vestimentas (e as de Mello, o mais novo ainda não conseguia entender como ele conseguia usar calças de couro, ou qualquer coisa de couro, mas também não reclamava do resultado).

 

Parecia um sonho, um daqueles sonhos lúcidos em que você sabe que está sonhando, mas que ainda assim não consegue ter controle sobre si mesmo - e que mais tarde vai acordar arrependido de não ter, por exemplo, tentado voar enquanto estava neste mundo onírico - porque no meio de todas essas cores, de tanta vida, estavam ele e Mello, que destoavam do lugar de uma forma tão gritante e óbvia que não fosse pela aparente boa educação, ou bom humor ou sei lá, dessas pessoas, eles provavelmente chamariam mais atenção, mas talvez por ser uma cidade costeira os moradores estivessem acostumados com estranhos, ainda assim, ele quase teve que se beliscar para ter certeza de que a estranha situação em que ele se encontrava era real, por diversos motivos, mas um dos maiores sendo que definitivamente não era o lugar de dois mafiosos, ou um mafioso e meio (o ruivo não tinha certeza se ele fazia parte da máfia, uma vez que ele não tinha que sujar as mãos além de seu trabalho como hacker, Mello fez questão de que fosse assim e francamente, ele estava grato por isso) e o calor e a iluminação um tanto quanto fraca apesar das inúmeras lâmpadas pequeninas distribuidas por todo o local, provavelmente até por não serem constantes, apenas faziam com que a sensação de estar vivendo o irreal fosse maior. Os dois não estavam sorrindo, ou conversando, nem mesmo trocando palavras do todo, ele jogava em seu PSP e o loiro tinha seu celular em suas mãos enluvadas e parecia um tanto quanto impaciente, ainda que o ambiente incomum não tivesse nada a ver com a origem de sua irritação - o que talvez fosse ainda mais incomum - mas era plausível, uma vez que as pessoas do outro lado das mensagens eram a razão pelas quais eles estavam lá pra começo de conversa, algo sobre um descarregamento importante de algum produto que com toda a certeza era ilegal e que deveria chegar de navio em algum momento da noite, e o restaurante em que eles se encontravam era relativamente perto do porto e, bem, eles estavam com fome, uma explicação comum até demais para a sensação em seu peito de que de alguma forma, havia algo de diferente naquela noite.

 

Matt desligou o jogo quando percebeu que já fazia algum tempo em que o aviso de que a bateria iria morrer logo estava estampada na pequena tela, mas ainda assim continuou segurando o aparelho como se estivesse jogando, como se de alguma forma o pequeno aparato pudesse ser uma espécie de escape caso ele precisasse de um, era um hábito velho demais para que ele pudesse fazer algo a respeito nesse ponto da vida dele, um conforto, uma barreira contra a realidade menos que perfeita em que ele vivia. Seus olhos terminaram na figura do garoto- homem, sentado à sua frente, ele quase não piscava enquanto bebia de cada detalhe que sua visão pudesse tomar do outro, como se ele já não pudesse desenhar Mello só de memória - ele podia, cada traço, cada sombra, cada detalhe, nem mesmo as próprias feições ele conhecia tão bem quanto as do chocólatra - seus goggles em torno de seu pescoço pareciam pesar mais do que o usual uma vez que era raro que o ruivo encarasse tão descaradamente seu amigo sem ser por trás das familiares lentes alaranjadas. Mas não desta vez, talvez por causa da estranheza que a situação lhe causava. Seu amigo não demorou a perceber que estava sendo observado, mas ele apenas levantou o olhar por um momento antes de continuar digitando em seu celular com impaciência, não era incomum, afinal, que Matt olhasse para ele, quando eles eram crianças ele o fazia todo o tempo, quase fixamente e de uma maneira que poderia até ser perturbadora, porém o loiro nunca se importou - ainda que parecesse ser um privilégio só dele, Mello uma vez chegou a socar uma das crianças da Wammy’s que o olhou torto, e o ruivo estava presente na ocasião - ele apenas continuava o que quer que estivesse fazendo e ignorava o outro, a não ser que Matt quisesse falar algo, mas por alguma razão não conseguisse - palavras sempre foram difíceis para ele - porque então, de alguma forma, o mais velho sempre sabia e esperava pacientemente que ele gaguejasse o que quer que fosse. É claro que as coisas mudaram quando eles cresceram, depois que Mello… Depois que Mello não mais fazia parte de sua vida, abruptamente, como se ele tivesse sido arrancado de si (mas ele quem escolheu o deixar, não, deixar a vida que ele levava, e Mail Jeevas foi só uma consequência dessa decisão) então, o ruivo evitava olhar, tocar e até mesmo falar com ele, não que não tivesse milhões de perguntas, ou que não o observasse diariamente tentando mapear quaisquer mudanças em sua pessoa, mas sempre por trás das lentes de seus goggles ou de sua franja e nunca por longos períodos de tempo para que passasse despercebido. Talvez por isso que desta vez Mello levantou o olhar por uma segunda vez, uma de suas perfeitas sobrancelhas arqueada, inquisitiva, e a irritação lentamente se dissipando, provavelmente porque era Matt, e não um de seus subordinados, e não Near ouQualquer outra pessoa no mundo, se por causa do passado que compartilhavam ou porque ele era uma das poucas pessoas que não temiam o loiro - e portanto não engolia suas besteiras - o mais novo não saberia dizer. Por alguns minutos que pareceram incrivelmente longos, nenhum dos dois disse nada, Matt estava perdido no céu infinito daqueles olhos agora sobre si, cativo da intensidade que eles reproduziam - e ele sabia que era só parte deles, que esse fogo não estava aí por causa dele — e mesmo que quisesse, era como se ele não fosse mais capaz de desviar o olhar, mesmo que ele soubesse que logo iria queimar por isso.

 

O quê?”  finalmente o loiro questionou, estressando as palavras, ele não parecia particularmente incomodado, mas as coisas afinal mudaram e já não havia tal coisa como silêncio confortável e uma troca de olhares unilateral por parte do mais novo.

 

Matt apenas negou com a cabeça, ele não tinha nada a dizer e o outro pareceu confuso por um momento, mas nada fez e também não desviou o olhar. Vagamente, o mais novo reconheceu a música que agora tocava seus ouvidos, seu cérebro, mais do que acostumado em trabalhar em múltiplas tarefas processando as palavras com rapidez, e ele estava um pouco surpreso que só agora ele prestou atenção na canção - pois ela lhe trazia lembranças de uma infância muito mais tenra do que seus dias no orfanato, muito mais gélida também - e que já alcançava os versos finais.

 

‘Take my hand, take my whole life too
For I can't help falling in love with you’

 

Sua pupilas estava tão dilatadas que pareciam o produto de narcóticos, lábios partidos quase que em choque e sua respiração presa na garganta, como se ele estivesse esquecido como se faz para que o oxigênio alcançasse de maneira apropriada seus pulmões, o aparato em suas mãos quase escorregando por entre seus dedos finos, mas ele não percebeu nada disso, assim como não percebeu o quão tenso Mello de repente parecia, porque o loiro sim percebeu tudo isso e muito mais, e fez suas próprias comparações com obras de arte e escultores históricos… Mas ele não prestou atenção na música, não pegou uma só palavra da letra e apenas temeu a intensidade com que seu amigo (amigo?) o olhava naquela noite tão... Desnecessária.


For I can't help falling in love with you’

 

 Copos foram colocados na frente dos dois, barulho do vidro contra a mesa de madeira soou mais alto do que realmente foi contra seus ouvidos, e aos poucos outros sons, as conversas, as risadas, os talheres, foram ficando mais altos, mesmo que o volume nunca tenha mudado. Ele piscou algumas vezes, o momento quebrado, completamente destroçado diante de si, e então olhou para a adolescente servindo suas respectivas bebidas, de maneira nervosa e tentando de uma forma muito óbvia não olhar demais para Mello (talvez por causa de todo o couro, talvez por causa da cicatriz, ou talvez fosse só a intensidade do momento à sua frente) ela limpou a garganta e lambeu o lábio inferior, ele notou que estava rachado e que ela provavelmente tinha algum mau hábito de morder e arrancar as pelinhas da boca.

 

“Seus pedidos já estão vindo.” a pobre garota tentou ser o mais educada possível, mas falhou com a forma que praticamente fugiu, quase tropeçando nos próprios pés para atender outra mesa, qualquer outra mesa que não tivesse um mafioso e meio para servir. Não que ela soubesse que eles eram mafiosos, ou pelo menos, que Mello era.

 

Quando olhou de volta para o amigo, ele estava mais uma vez concentrado em seu celular, e talvez o ruivo não tenha percebido o quão tensos os seus ombros estavam há um momento, mas ele percebeu o quão… Aliviado ele parecia agora, livre do calor em seus próprios olhos que apesar da ternura parecia assustar o outro muito mais do que fogo jamais poderia, mesmo depois da explosão. Matt então lhe deu privacidade uma vez mais e ficou ali, olhando para as próprias mãos por um longo tempo até que percebeu seu patético reflexo na tela apagada do PSP que ainda segurava e, quase com ódio, guardou o videogame portátil no bolso do colete, que era grosso demais para uma noite quase quente daquelas, colocou seus goggles e arrumou a franja para que os fios não ficassem presos de maneira estranha pelo elástico dos óculos, e por fim, acendeu um cigarro, fazendo una meia colcha e  tendo alguns segundos de dificuldade por causa do vento que entrava no restaurante, que não tinha uma das paredes mas sim uma varanda espaçosa no lugar. Ele o fez porque sem seus jogos, ele não tinha mais o que fazer, mas seria uma mentira dizer que ele não tirava certa satisfação pessoal sabendo que fumar era um hábito que Mello odiava, ainda mais durante uma refeição, dessa vez, no entanto, o outro não fez nenhum comentário. A caixa de Malboro vermelho ficou sobre a mesa, acessível todo o tempo.

 

E os últimos versos da música se repetiram de novo e de novo e de novo pela cabeça do garoto, numa spiral infinita, e quando seus pratos foram finalmente servidos, Matt não sentia mais apetite nenhum.


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Notas finais do capítulo

Comentem, por favor, eu me alimento de reviews ~ E, eu realmente quero saber o que acham depois de tanto tempo sem escrever eu preciso saber se ainda tenho "isso" em mim... Qual foi sua parte preferida? O que vocês acharam do pedacinho da visão do Mello, quase no final? ~

Obrigada por lerem, meus amores.



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