Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 48
A História de David


Notas iniciais do capítulo

Eu não sabia que podia existir uma dor tão intensa, que parecia rasgar o seu peito. Havia tanta raiva dentro de mim, pelas injustiças da vida, por algo que não podia impedir, um destino inevitável. E aí, você cruza com alguém com uma dor igual a sua, talvez, até pior, que ainda tem um mínimo de esperança, mesmo beirando a loucura, e que se apega, desesperadamente, a ela para não desistir de vez



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A dor da minha alma

Quando o telefone tocou no início daquela manhã, ninguém precisou dizer nada, porque eu já sabia, ela havia partido. E eu nunca mais sentiria o calor tranquilizador do seu abraço, o aconchego do seu peito, escutaria a sua voz me acalmando. Foi como se uma mão de aço esmagasse meu coração, o ar ficou preso no peito, não conseguia respirar, precisava sair daquela casa, ir para bem longe dali, então, abri a porta e corri, corri e corri, sem destino, sem saber por onde passava ou para onde ia, até que minhas pernas vacilaram e cai de joelhos, o ar escapou em um urro de dor, forte e intenso. Era a dor da minha alma. Inclinei-me até o chão áspero arranhar minha testa, mas não me importei. Eu não me importava com nada, só queria que aquela dor acabasse, queria minha mãe de volta, não podia ser verdade que ela se foi para sempre.

— David – ouvi meu nome ao longe, mas não me mexi, não queria falar com ninguém, não queria vê ninguém, agora, só queria ficar sozinho. – David! O que houve? – Senti uma mão no meu ombro, olhei para cima e vi a nossa vizinha, Celine, mas não respondi. -  Meu Deus! Sarah! – Mas, ela adivinhou.- Eu lamento tanto! Vamos, querido! Você não pode ficar assim desse jeito largado, no meio da rua.

Por que não? Mas, não tinha forças para resisti quando ela me ajudou a levantar, eu a segui como um boneco sem vida, só hesitei um pouco quando tentou me levar para casa, não queria ir para aquele lugar cheio de lembranças da minha mãe, doía demais, saber que nunca mais a veria ali.

— Acho melhor irmos para a minha casa – falou, com paciência, e me levou para o portão em frente.

Apesar de sermos vizinhos e ela ser amiga da minha mãe, há muito tempo, nunca entrei naquela casa, sempre achei aqueles dois velhos muito estranhos, principalmente, o marido dela, com aquele olhar de doido. Da janela do meu quarto, eu sempre o observava escrevendo e escrevendo sem parar, quase o dia todo e, muitas vezes, a noite também.

Como imaginava a casa deles era estranha, fechada e escura, tinha um cheiro forte de coisa velha, um pequeno altar cheio de santos com uma vela acesa, mas nada daquilo me importava, parecia que estava anestesiado, quando ela me empurrou para uma cadeira.

— Sente-se, querido! Quer beber alguma coisa? Uma água ou um chá?

Queria beber conhaque, beber até cair e me esquecer de tudo.

— Não – sacudi a cabeça.

— Então, fique aqui que já volto. – Ela sumiu através de uma porta, fiquei encarando a cortina colorida na minha frente, a chama da vela dançando, a fumaça escura que saía dela.

— André! André! – Ouço passos correndo nas escada e gritos. – Você voltou!

O marido da vizinha parou na minha frente, percebi seu rosto desabar de decepção ao me ver. Ficamos nos encarando, ele com aqueles olhos vazios, sem falar nada. Até a vizinha surgir, outra vez, pela porta, carregando uma bandeja, com xícaras, um bule e um prato cheio de biscoitos.

— Louis, querido, esse é David, ele mora na casa bem em frente a nossa. O pai dele é o médico Jean-Pierre, você se lembra? Ele nos ajudou muito.

O velho não respondeu nem se mexeu, ficou olhando para mim de um modo estranho, como se fosse um ser de outro planeta. Mas, que se dane!

Ela arrastou o velho e o sentou na cadeira ao meu lado e começou a servir chá para a gente.

— Você vai se sentir melhor com isso – ela disse, quando me entregou uma xícara e deu outra para o velho. Nem todo o chá do mundo me faria sentir melhor, será que ela não entendia que minha mãe estava morta? Mas, segurei a xícara sem falar nada. – Vou avisar Francine que você está aqui. Ela deve estar preocupada – disse e saiu em direção ao telefone para falar com a moça, que cuidava da nossa casa.

 Ficamos eu e o velho em silêncio, era melhor assim, não queria falar com ninguém, ele me olhando daquele jeito estranho e assustador, então abriu a boca:

— Você é amigo de André?

— Quem?

— Meu filho.

— Não.

— Então, o que você está fazendo aqui?

— Sua mulher me trouxe para cá.

— Por quê?

— Acho que ela está preocupada comigo.

— Celine está sempre preocupada, por isso, vive rezando o tempo todo.

Eu dei de ombros, porque não ligava.

— Você conheceu André?

— Não.

— Ele é nosso filho – Estranho porque nunca vi ninguém nessa casa, além deles dois. - Ele foi estudar fora. Engenharia.

— Legal.

— Mas, ele sumiu – o velho falou isso de um modo casual, como se falasse do tempo. Eu o encarei surpreso. Foi quando olhei em volta e reparei em um monte de porta-retratos com as fotografias de um garoto louro em várias fases da sua vida. – Celina, quer que eu acredite que ele está morto, mas, eu sei que não está, que ele está vivo só que em outro lugar, outra dimensão. Ele atravessou um portal de tempo e espaço chamado buraco de minhoca. Já ouvi falar? – Arregalei os olhos, assustado, aquele velho é maluco.

— Sim.

— Todos pensam que esses portais são muito pequenos, só para partículas minúsculas, mas estão errados, eu sei que podem ser grandes, o bastante para uma pessoa passar. Eu tenho feito muitas pesquisas. Nesses últimos anos, quer ver?

— Não.

— Venha ver, será a descoberta do século, poderemos viajar de um lugar a outro em piscar de olhos – ele insistiu com uma expressão enlouquecida.

— Não, obrigado – respondi, irritado, só queria que ele me deixasse em paz.

— Por que não?! – ele gritou. – Você não acredita em mim, como os outros?!

Queria sair dali, fugir, ficar longe desse maluco, mas, Celine apareceu de volta.

— Louis, deixe o garoto em paz! – falou duro com o velho, que murchou.

— Ele não acredita em mim – queixou-se em voz baixa.

— Sim, ele acredita em você, só está muito triste, porque acabou de perder a mãe, por isso não quer conversar muito.

— A mãe?

— Sim, Sarah, a nossa vizinha.

—Sarah está morta? – A velha confirmou com a cabeça e percebi que o velho ficou mesmo chocado, então, eu me levantei, chega dessa loucura, só queria ficar sozinho.

— Vou para casa – anunciei.

— Você está bem? – Celina me perguntou.

— Não – Ela já devia saber a resposta.


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