Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 45
Breve ilusão




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Com o passar do tempo, eu ficava mais fraca e debilitada devido as sessões de quimioterapia, minha imunidade estava muito baixa, por isso, não podia sair do meu quarto, assistia a vida lá fora pela janela. E David ficava mais e mais ausente, tinha consciência que ele fazia isso para não me ver daquele jeito, então, vieram as tatuagens, mesmo após as reprimendas de Jean-Pierre, seguiram-se as bebedeiras e brigas, não sabíamos mais o que fazer para acalmar os ânimos e sua alma desalentada, ele estava de mal com o mundo, com a vida, revoltado com o que acontecia comigo, algo fora do seu alcance, não havia nada o que fazer, somente esperar que o tratamento desse certo. Jean-Pierre tentava contornar a situação e manter a calma, para não me fazer sofrer ainda mais.

Naquela noite, eu acordei sobressaltada e estava sozinha na cama, levantei o mais rápido que pude e me arrastei para fora do quarto, quando ouvi vozes vindo lá de debaixo.

— Você não está vendo que está fazendo muito mal a sua mãe? Está piorando as coisas, rapaz? – Apesar de baixo, o tom de Jean-Pierre era firme e duro.

— Não dá para piora. Está tudo uma merda – A voz de David era pastosa e arrastada, ele estava bêbado. – Ela vai morrer!

— Não diga isso! Ela não vai morrer!

— Quem está querendo enganar! Minha mãe vai morrer! – David falou mais alto.

— Fale baixo! Não quero acorde sua mãe, não quero que ela o veja nesse estado lamentável! Suba e vá dormir!

Voltei para a cama, fingi que estava dormindo, enquanto chorava baixinho.

Meus pais vieram me visitar por alguns dias, achei bom para Cecília e pensava que poderia manter David um pouco mais em casa, contudo, estava enganada, ele continuava a fugir para a o mundo lá fora e para longe de mim e da dura realidade.

Meu pai não conseguia disfarçar a sua expressão de dor ao me ver assim, percebi que ele lutava contra as lágrimas, para não chorar na frente da minha triste figura. Já minha mãe sempre foi mais forte, passando um certo ar de segurança, que sabia que era mentira, só uma máscara, que por dentro devia estar desabando, lutando para se manter de pé.

Foi em uma tarde que me sentia excepcionalmente bem, Cecília saiu para passear com os avós relutantes por me deixar sozinha, Jean-Pierre estava no trabalho e era folga de Francine, mas eu ansiava por um momento de paz e solidão, longe dos olhares cautelosos aqueles que me cercavam. Confortavelmente, deitada no sofá da sala, fingia que lia um livro que não despertou meu interesse, fechei os olhos, quando ouvi a porta da frente abrir e fechar, David passou por mim, sem me olhar.

— David!

Ele parou, porém não se virou.

— O que é, mãe? – respondeu, em um tom entediado.

— Olhe para mim, fale comigo – pedi de modo brando. Relutante, ele se voltou, lenta e dolorosamente. - Venha até aqui.

— Por quê?

— Porque eu quero ver você melhor

Ele deu alguns passos na minha direção e parou ao lado do sofá, contra a luz da janela, por alguns instantes de breve ilusão, jurei ter visto Olivier ali, mas era David.

— E aí?

— Meu filho imagino como está se sentindo, assustado, impotente e injustiçado pelo o que está acontecendo comigo, mas eu estou fazendo tudo que posso ao meu alcance para me curar.

— Você está enganada, não sinto nada disso.

— Eu entendo, se pudesse também fugiria, fingiria que não há nada de errado, mas não posso. Só de peço que fique um pouco mais de tempo junto a mim, preciso da sua força e da sua presença para poder lutar.

Ele me encarou por algum tempo e caiu de joelhos ao meu lado, apoiando a cabeça na minha barriga.

— Mãe, eu não quero que você morra – disse entre soluços, que sacudiam os seus ombros com força.

— Eu também não quero morrer e deixar você e sua irmã. Eu amo muito vocês, queria tanto vê-los crescer e ser felizes – respondi, passando a mão suavemente nos seus cabelos. – Você promete ficar ao meu lado?

Ele concordou com a cabeça, naquele momento achei que tudo ficaria bem, até naquela madrugada, quando acordei, assustada, com fortes dores nas costas sem conseguir respirar, ao meu lado, Jean-Pierre despertou em um pulo, acendeu as luzes para deparar comigo, sufocando.

— Precisamos ir para um hospital, agora! – ele declarou exasperado, vi o pavor no seu rosto.

Ele chamou pelos meus pais, para ajudar, mas como não conseguia andar por causa da dor, eles me carregaram nos braços pela escada, tal qual uma criança, colocando-me com cuidado dentro do carro. Pela janela do carro, antes de partirmos para o hospital, ainda vi a máscara de dor e desespero que o rosto do meu filho se tornou ao assistir toda aquela cena lúgubre, quis falar com ele dizer que ficaria tudo bem, mas não tive forças para isso.

 No hospital, fui colocada no oxigênio às pressas para respirar melhor, em seguida, submetida a alguns exames de emergência para saber o que estava acontecendo, e apesar de não falar nada, pude perceber pela expressão de Jean-Pierre que o resultado não foi bom.

— Então, como está? – quis saber, já deitada na cama de um quarto, já medicada com fortes analgésicos, que me deixaram um tanto zonza, e com tubo de oxigênio enfiado nas minhas narinas.

— Está tudo bem.

— Você é um péssimo mentiroso, Jean-Pierre – constatei com um sorriso triste. – Eu quero saber a verdade.

Ele deu um longo suspiro, sentou-se ao meu lado, segurou minha mão e me encarou com aqueles lindos olhos verdes cheios de dor.

— A lesão cresceu, já está atingido a coluna. Por isso, eles querer tentar um tratamento mais radical.

— O que eu tenho a perder? – indaguei, dando de ombros com dissimulada indiferença.

— Só que terá que ficar internada por algum tempo.

Fiquei abalada por ter que ficar longe dos meus filhos e do meu marido.

— Tudo bem – menti.


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