Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 19
O primeiro encontro




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Enquanto, eu me afastava com passos rápidos, quase correndo, voltando para casa, com a respiração ofegante e o coração aos pulos, fiquei imaginando quem seria aquele homem, talvez, um empregado ou um turista desavisado que aquela era uma propriedade particular, deveria ter mais ou menos a mesma idade do meu noivo, e ele havia mexido comigo como nunca ocorrera antes, pelo menos, tinha a absoluta certeza que nunca mais o veria na minha vida, outra vez. Por isso, senti meu coração pesar um pouco, pois estava intrigada e fascinada por aquele estranho.

Quando cheguei ao casarão, minha mãe estava aflita, querendo saber onde eu estava e porque me apresentava daquela forma tão descuidada e pouco condizente a minha posição social, com as roupas amarfanhadas e suadas, os cabelos despenteados e o rosto esfogueado.

— Estava andando lá fora? – respondi, de modo casual, nunca poderia contar a ela sobre minha visão.

— Sozinha? – ela perguntou, entredentes, em uma clara demonstração de desaprovação, confirmei com a cabeça. – Vá para o seu quarto se aprontar para o almoço. Uma dama nunca deve se apresentar dessa maneira tão vulgar e inapropriada – ordenou, contrariada.

Abaixei a cabeça e obedeci, mesmo achando que valeu a pena a bronca, depois que eu presenciei naquela manhã.

No meu quarto, sozinha, enquanto me aprontava, com esmero, para mais um enfadonho almoço, não parava de pensar no homem do rio, nos seus belos rosto e corpo, imaginando mil histórias ao seu respeito, quem seria ele, a sua origem e onde viveria, mas sacudi a cabeça, rindo de mim mesma, e voltei a minha vida real, certa que o fascinante estranho seria somente uma agradável lembrança.

Devo-lhe dizer que absolutamente nada na casa da família do meu noivo era descontraído, espontâneo ou informal, por isso vivia em completo estado de tensão, sempre cuidadosa da minha maneira de agir ou de falar, imaginava se um dia me acostumaria com aquilo e aquele estilo de vida rígido se tornaria natural para mim, como parecia ser para as outras mulheres ali presentes.

Apesar do almoço ser servido em uma sala menor, a mesa era posta com requinte e elegância, vários talheres e copos, servidos por empregados usando uniformes impecáveis, nunca estávamos à vontade à mesa ou em qualquer lugar da casa. As conversas giravam sempre sobre os mesmos temas, ou seja, políticas, economia, vida alheia e festas, que no fim se intercalavam com piadas ácidas de um estranho humor, onde as vítimas eram, comumente, as classes sociais mais baixas, o que me incomodava bastante, pois éramos totalmente dependentes deles, para viver as nossas vidas de luxo e ostentação.

Antes da refeição, ainda estávamos na antessala, bebendo aperitivos, que diziam servir para abrir o apetite, até que todos os convidados estivessem presentes para ocupar seus lugares à mesa. Eu olhava através da janela para os bem-cuidados jardins, fugindo das conversas, divagando em meus pensamentos, muito longe dali, por isso não percebi sua chegada.

— Finalmente, você veio se juntar a nós, ianque? – Ouvi a voz alegre de meu noivo Harold, o que fez minha cabeça se voltar lentamente, para sua direção e parado bem na minha frente, deparei com o homem do rio, totalmente vestido, mais igualmente belo, usando um paletó bem cortado, camisa branca, sem gravata, de um jeito informal, que eu não estava muito acostumada. Os cabelos louros, agora secos, eram mais claros do que eu imaginava, e estavam penteados para trás, seu sorriso perfeito era de um branco luminoso, no rosto levemente bronzeado. O ar ficou preso no meu peito.

— Venha, Charles. Deixe-me apresentar-lhe minha noiva, senhorita Mary Graham – Harold o trouxe junto a mim, eu fiquei paralisada, constrangida, meu rosto queimando até me lembrar que precisa estender a mão. Então, eu o fiz, ele segurou a minha mão, com firme delicadeza, pela primeira vez nossas peles se tocaram. Olhei para os olhos deles, que eram verdes e intensos como esmeraldas e ele olhou para os meus de uma maneira inexplicável.

— Muito prazer, senhorita Graham, Charles Wells – Sua voz era grave e gentil ao mesmo tempo, e eu soltei o ar com força.

— Muito prazer, senhor Wells – respondi com um fio de voz, um leve sorriso torto surgiu nos seus lábios, junto com um brilho travesso no seu olhar. Naquele momento, eu descobri que ele sabia que eu o assisti tomando banho de rio.

— Charles é meu primo americano – Harold continuou explicando em um tom animado – Eu já falei sobre ele para você. – Eu me lembrava vagamente de ouvir seu nome em alguma conversa. – Contei-lhe a respeito da minha tia Adelaide que se casou com um ianque da Califórnia, plantador de uvas.

— Não se deixe enganar, senhorita. Produzimos um dos melhores vinhos da Califórnia – Charles rebateu em tom falsamente sério, mesmo assim, sabia que era verdade.

Harold sorriu, há muito tempo, eu não o via assim tão feliz na presença de alguém.

— Califórnia não é o lugar no Estados Unidos, onde está acontecendo o movimento hippie? – perguntei, bastante interessada, sempre fui muito curiosa por esse estilo de vida livre, daquelas pessoas que não se preocupavam com regras, impostas pela sociedade.

— Esse movimento está acontecendo em todo mundo, mas digamos que lá é um pouco mais evidente. Na verdade, tenho alguns amigos que se tornaram hippies e acreditam na paz e amor – Charles respondeu, com um sorriso divertido.

— São um bando de arruaceiros e desocupados, que não entende a importância da sociedade e seus valores – Harold reclamou, de um modo razinza para sua idade, eu e Charles nos entreolhamos, quando fomos chamados a ocupar os nossos lugares à mesa.

Foi uma estranha coincidência, eu me sentar bem ao lado de Charles e no meio de tanto odores percebi o seu perfume, uma mistura de cítrico e pinho.

Começamos a refeição, como sempre com uma conversa superficial e uma piada de humor negro vinda do meu futuro sogro.

— Charles passará algum tempo conosco, para estudará em Oxford, tal qual, Harold – Minha futura sogra, Katherine, informou, em tom alegre.

— Charles, e a guerra? Vocês, americanos, mandaram tropas para lá? – meu pai perguntou, em tom de provocação, referindo-se a guerra do Vietnã, que eu nunca havia entendido muito bem, parecia-me uma luta sem nenhum sentido. Percebi um constrangimento esquisito no ar, a face de Charles se fechou em uma carranca e alguém tossiu incomodado com a pergunta, percebi que foi meu sogro.

— Eu não sei, senhor. Mas, essa guerra não é nossa, não devíamos estar lá do outro lado do mundo, desperdiçando tantas vidas em uma luta inglória – Charles declarou em tom solene, olhando diretamente para o meu pai.

— Eu lutei na última grande guerra – Meu pai tinha muito orgulho disso.

— Era uma guerra diferente, senhor.  Vocês defenderam o seu país e seus valores, mas nós não temos nada com uma guerra que acontece do outro lado do mundo – Charles não abaixou a guarda.

— Mas, estarão defendendo nosso modo de vida – Um amigo do meu sogro, Lorde Talbot, que também estava hospedado lá, deu sua opinião.

— Não o meu, senhor – Charles rebateu, senti uma pontinha de orgulho pelo modo de como ele defendia o que acreditava.

O clima ficou ainda mais pesado, porém, felizmente, Harold desviou o assunto para a caçada que ocorreria na madrugada seguinte. Durante o resto do almoço, Charles ficou taciturno, respondendo somente as perguntas diretamente feitas a ele.


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