Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 1
A tempestade




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 Andando o mais rápido que podia, quase me chocando com as outras pessoas que me encaravam abismadas, enquanto arrastava minha mala atrás de mim, até que finalmente, cheguei diante do portão de embarque de onde deveria sairia o meu voo. Estava esbaforida e nervosa, com meus pensamentos confusos e minhas emoções a flor da pele, joguei-me em uma das cadeiras da área de espera e respirei fundo, aliviada. Estava salva! Preste a sair daquele país, deixar todo aquele pesadelo para trás e voltar a minha vida normal de antes.

— Não se preocupe, querida. Aqui dentro estamos seguras, nada de mal vai nos acontecer – a senhora pequena e de cabelos grisalhos e olhos azuis brilhantes, sentada ao meu lado, disse-me com uma expressão simpática. Eu ainda concentrada em apenas respirar, interroguei-a com o olhar, sem compreender como ela poderia saber a respeito da minha fuga. – Você não precisa ficar assim assustada por causa da tempestade? – Ela concluiu.

Então, voltei a realidade, só aí olhei para as grandes janelas do aeroporto, e apesar de ainda estarmos no meio da tarde, estava muito escuro lá fora, parecia que a noite havia chegado mais cedo, com a luz do sol bloqueada pelas pesadas nuvens cor de chumbo, e logo em seguida a chuva torrencial começou a desabar com um forte estrondo, formando uma espessa cortina de água diante de nós, e relâmpagos cortavam e iluminavam o céu, seguidos pelos fortes rugidos dos trovões. Pisquei meus olhos, várias vezes, diante daquela visão, como se esperasse que desaparecesse de repente, tal qual um pesadelo.

— Todos os voos estão atrasados por causa da tempestade – a senhora me informou, com um forte suspiro de resignação.

Sem acreditar que aquilo estivesse acontecendo comigo, ergui os meus olhos para o painel que avisava as chegadas e partidas dos voos e, para a minha total desilusão, descobri que ela dizia a verdade. Todos os voos estavam atrasados ou haviam sido cancelados.

— Eu preciso voltar para casa! Eu preciso sair daqui, agora! – Disse, aflita, tentando impedir as lágrimas de angústia que brotavam dos meus olhos, meu coração voltou a acelerar.

— Querida, não podemos sair, temos que esperar a liberação dos voos – ela repetiu, pacientemente, com se eu fosse uma criancinha.

 – A senhora não entende... – falei um pouco mais exaltada, quase em pânico, ela me fitou assustada. – Eu preciso voltar para o meu país, para a minha casa, para o meu noivo, imediatamente, antes que aconteça um desastre.

— Você está muito nervosa, minha querida. Não há nada a fazer a não ser esperar que o tempo melhore – ela rebateu com calma. – Quer tomar um chá comigo?

— Não, obrigada – respondi cabisbaixa.

— Por que não se acalma e conta para mim, o que aconteceu para você estar tão sobressaltada assim? Talvez, isso a ajude tranquilizá-la.

— A senhora nunca entenderia – digo, derrotada, balançando a cabeça em negação.

— Quem sabe? Eu já vi e vivi muito, querida – respondeu, compreensiva.

Fitei-a, em dúvida, talvez, desabafar com alguém estranho, ajude-me a clarear as minhas ideias e passar o tempo de espera.

— A senhora acredita que pode haver algum tipo de conspiração do universo ou do destino, para que duas pessoas se encontrem e se apaixonem? – pergunto com a certeza que ela me achará uma louca.

— Eu não sei responder a sua pergunta, querida. No entanto, como eu disse, já vi muitas coisas e ouvi muitas histórias inexplicáveis, mas nós nunca teremos certeza. – Ela se deu um sorrisinho de cumplicidade.

— A minha história um pouco longa e complicada - afirmei, depois de um longo suspiro, deixando meus ombros caírem, vencida.

Então, ela olhou através da janela, para o dilúvio que caía lá fora.

— Desconfio que teremos muito tempo de espera pela frente. - E me deu um olhar maroto e eu ergui os ombros, tomei folego para iniciar a minha narrativa:

— Bem, tudo começou há algumas semanas atrás, eu levava uma vida calma e normal, até aquela noite que achava que seria a mais feliz de toda a minha vida, eu não desconfiava que nada de especial estivesse para acontecer, quando meu, então, namorado Samuel me convidou para jantar com o pretexto de comemorarmos o nosso quinto ano de namoro, em um dos restaurantes mais requintado da cidade. Ele gostava de frequentar lugares requintados e elegantes, como aqueles, que combinavam com o seu jeito. Sabe, ele é um executivo de uma grande empresa, está acostumado com esse tipo de ambiente. Mas, entre o café e a sobremesa, Samuel ficou com uma expressão estranha e em completo silêncio, tirou uma pequena caixinha de joias forrada de tecido preto do bolso e colocou-a sobre a mesa. Percebi seu olhar apreensivo, imaginei o que estaria por vir, quando peguei a caixa e abri, vendo esse enorme e maravilhoso anel de diamante de lapidação princesa. – Estiquei a mão para mostrar-lhe o anel no meu dedo.

— É muito bonito, querida – a senhora ao meu lado afirmou e eu sacudi a cabeça concordando.

Continuei meu relato.

— Eu já esperava que um dia ele me pedisse em casamento, mesmo assim, meu queixo, literalmente, caiu e meus olhos quase saltaram das orbitas, sem poder acreditar, levantei meu olhar e encarei ar vitorioso e de satisfação dele.

— Você quer se casar comigo, Gisele? – Ele perguntou, apreensivo, segurando o ar dentro do peito.

— Sim! Sim! Sim! – repeti, quase gritando de euforia.

Samuel deu um sorriso luminoso, tirou a caixa da minha mão, o anel de dentro dela e colocou-o no dedo anelar da minha mão direita.

Meus olhos dançavam entre o rosto orgulhoso de Samuel, com seus olhos âmbar reluzindo, e o anel cintilando no meu dedo, apesar de ter que confessar que eu o achei um pouco exagerado, no entanto, estava tão contente, por ter ficado noiva daquele homem maravilhoso, que nem me importei com esse pequeno detalhe, vivia um verdadeiro sonho.

Após o jantar, fomos ao apartamento dele, e nós.... – Não sabia quais as palavras que deveria usar para não parecer vulgar.

— Fizeram amor – interveio a velha senhora, com um sorriso conivente.

— Sim, fizemos amor, com calma e tranquilidade, como sempre. Meu noivo é um amante muito gentil.  Samuel era sempre tão delicado e carinhoso, nada com ele era impulsivo ou sem controle. - A senhora ao meu lado ergueu as sobrancelhas em uma expressão indefinida. - E, depois, ficamos deitados na cama por um longo tempo acordados, abraçados, conversando sobre os detalhes do nosso casamento e do nosso futuro, juntos, porque éramos assim, planejávamos cada pormenor da nossa vida. Quando contamos a novidade, todo mundo fico feliz e para comemorar nossos pais fizeram uma linda festa para os amigos mais chegados e familiares. Tudo foi perfeito e emocionante. Eu andava nas nuvens com aquele anel cintilando no meu dedo, vislumbrando um futuro prospero e belo, ao lado de um homem charmoso, lindo e inteligente – digo com um ar sonhador.       

Paro de falar por alguns instantes, refletindo na minha vida antes dessa viagem, a senhora ao meu lado me aguarda, pacientemente.

Aquele momento, a minha vida estava perfeita, noiva e feliz. Além da minha carreira profissional estar ascensão, eu me dedicava de corpo e alma ao meu trabalho, era muito competitiva, havia ascendido rápido na empresa e meu noivo me incentivava muito a isso. Nesse ponto, éramos muito parecidos quanto ao que pensávamos para a nossa vida e futuro.

 - No entanto, no meio desse meu idílio, tive que fazer uma pequena pausa, pois, precisava vir ao casamento de uma grande amiga, aqui em Londres. Já havia planejado bem essa viagem, há muito tempo atrás, desde que soube do noivado da minha amiga de infância Luana.

Nem sei como nos tornamos tão amigas, já que éramos exatamente o oposto uma da outra. Luana sempre foi espontânea e aberta, enquanto eu era cometida e ponderada, acho que nós nos complementávamos. Uma prova disso, foi quando ela conheceu o seu noivo durante o carnaval, e nunca mais se separaram, eu achava aquilo a mais completa loucura, principalmente, quando ela largou tudo, sem vacilar, e veio morar com Willian em Londres, dizendo que estava apaixonada e não poderia perder essa chance de ser feliz.

Por fim, Samuel não poderia viajar comigo, devido a um projeto importante em que estava trabalhando, então, fingi que não me importava, não queria que se sentisse mal por isso. Seria uma viagem bem curta, ficaríamos apenas alguns dias de nossa vida separados, tinha tudo sob controle. Não revelei a ele que fiquei um tanto desconfortável por viajar sozinha, não gosto de avião, de lugares fechados, onde não temos controle sobre nada, posso até confessar que tenho um pouco de medo.

Pois bem, naquela noite, Samuel me levou até o aeroporto, nós nos despedimos, entre delicados beijos e abraços, por um longo tempo, jurando nos comunicarmos todos os dias.

— Quero que todos vejam o seu anel de noivado, Gisele. Para que saibam o quanto a estimo - ele declarou de jeito um tanto formal, fazendo questão que eu usasse ao meu anel de noivado durante a viagem. Mesmo não estando muito à vontade com isso, porque era muito caro e chamativo, contudo, concordei para deixá-lo feliz, não querendo contrariá-lo. Então, assim que passei pela porta para a área de embarque, depois que o anel se prendeu mais uma vez na minha malha, eu o tirei e guardei no seu devido estojo dentro da minha mala de mão, sentindo meu dedo mais leve, pois ele era muito pesado e ainda vivia enganchando nas roupas e nas bolsas, me atrapalhando toda. Morria de medo de perdê-lo quando o tirava para usar o banheiro e lavar a mão. Além de todo mundo, ficar reparando aquele objeto enorme e cintilante no meu dedo, achava aquilo um tanto ostensivo.

Quando comprei a passagem de avião, eu havia escolhido um assento na janela, pois planejava tomar um comprimidinho para dormir e apagar o resto da viagem. No momento do embarque, coloquei minha mala de mão no compartimento superior logo acima do meu lugar, sabia que meu anel estaria seguro lá, durante todo o voo. Aproximava-se da hora da decolagem e os assentos estavam quase todos ocupados, menos o do meu lado que continuava vazio, e eu desejava com fervor, que ficasse assim.

Porém, meu sonho se desfez, quando um homem aproximou, parou bem ali no corredor, colocou sua mala de mão no compartimento logo acima do meu assento e sentou-se ao meu lado, sem olhar para mim. Ajeitei-me na poltrona e dei uma olhada de canto de olhos no meu companheiro de viagem. Ele tinha um ar carrancudo, era alto, seus ombros largos fizeram com que eu me encolhesse mais para dar-lhe espaço, seus cabelos castanhos estavam despenteados, sua pele bronzeada, a barba por fazer, de aproximadamente uns dois dias pelas minhas contas, usava uma camiseta simples e meio amarotada, jeans desbotados e botas para longas caminhadas, dando-lhe um aspecto bem descuidado, além de emanar um leve cheiro de bebida, mas, eu não me importei, visto que, logo tomaria minha pilulazinha e apagaria, junto com as luzes da cabine. Após a decolagem, meu vizinho de poltrona pediu uma dose dupla de uísque, aquilo me importunou um pouco, com medo que ele ficasse bêbado e perturbasse minha viagem, mas nada aconteceu, ele tomou seu uísque lenta e silenciosamente, com o olhar perdido nos seus pensamentos.

Depois do jantar, fiz o que havia planejado, pedi licença ao meu calado colega de viagem, fui ao banheiro, escovei os dentes, pedi um copo d’água para a comissária, tomei o remédio para dormir, voltei para a minha poltrona, acomodei-me e apaguei. Só acordei, novamente, com a luz do dia invadindo a cabine, ansiosa para o fim da viagem. Assim que aterrissamos, ainda estava meio sonolenta, no entanto, aflita para sair dali de dentro, o mais rápido possível. Pulei por cima do homem ao meu lado, sem perceber o seu ar de divertido assombro, peguei minha mala de mão depressa para, finalmente, tocar em terra firme. Daí em diante, veio o de sempre, controle de passaporte, recuperar o restante das bagagens. Usei o trem até a cidade e, da estação final, um táxi para o hotel, onde ficaria. Já no meu quarto no hotel, só queria tomar um banho reconfortante e descansar um pouco, para me refazer, antes de sair com Luana e William mais tarde. Distraidamente, coloquei-a minha mala de mão sobre a cama e puxei o zíper, levantei a tampa, que caiu do outro lado com baque surdo, foi nesse momento que meu pesadelo começou, quando percebi que aquela não era a minha mala.


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