O Guia do Heroi para Falar com a Mulher que Ama escrita por Alyeska


Capítulo 1
Mais uma visita




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Havia chegado o dia de visitar Rapunzel outra vez.

Quer dizer, não era bem uma visita já que Gustavo nunca a deixava perceber que estava lá, nem falava com ela. Era apenas para garantir a segurança da moça. Quando deixou a torre em que Zaubera a mantinha presa, escondeu-se em uma pequena casinha de madeira num vale afastado, nos confins do Sul de Sturmhagen. Rapunzel adotou tal estilo de vida porque quando sabiam de seus poderes, as pessoas a procuravam por cada pequena coisa, mas ela guardava o dom para o que fosse realmente necessário. No entanto, apesar de compreender o que a motivava, não conseguia imaginar como ela conseguia ficar tanto tempo sozinha. Eu sei o que você está pensando: não é como se Gustavo fosse a pessoa mais enturmada do mundo, mas ele pelo menos via gente todos os dias e andava por aí, livre. Talvez tenha vivido tantos anos escondida naquela torre que pra ela nem fazia mais diferença.

O rapaz loiro saiu do castelo de sua família durante a madrugada, bem antes de o sol despontar. Rapunzel costumava sair muito cedo de casa pra atender aos pedidos dos enfermos, então ele precisava chegar ao vale antes do amanhecer. Passou pelos guardas sem os cumprimentar, e eles fingiram que ninguém havia passado ali. Se fosse algum de seus irmãos maravilhosos, Gustavo sabia que seria completamente diferente, já que todo o reino adorava os dezesseis irmãos mais velhos do rapaz. Mas naquele momento esses pensamentos não cabiam em sua cabeça. Seu coração estava acelerado e ele quase tremia pela expectativa de vê-la. Não admitia que os arrepios aconteciam por causa dela, claro que não; mas eram.

Depois de pegar Dezessete, seu cavalo de batalha, seguiu para os portões. Os guardas o reconheceram e abriram pra ele sem nada perguntar. Dezessete pôs-se a galopar rapidamente assim que sentiu a grama nas patas ao invés do calçamento de pedras que cobria as ruas da cidade.

***

O céu estava deixando de ser negro, e era por isso que Gustavo sabia que estava chegando ao vale de Rapunzel. Só havia parado uma vez para que ele e o cavalo bebessem. A armadura já estava reluzindo com os primeiros raios da manhã quando ele começou a ver as elevações da montanha que ainda escondia a cabana de madeira do sol, e mantinha as flores em sua sombra. Fez com que Dezessete corresse mais devagar a fim de Rapunzel não os escutarem chegar e se aproximou das árvores onde sempre se escondia. Amarrou Dezessete em uma delas e aproximou-se mais da borda para vê-la quando saísse. A armadura tilintou um pouco quando Gustavo sentou-se no chão, ao pé de um pinheiro qualquer cercado de arbustos pontilhados de frutinhas vermelhas.

Lembrou-se da primeira vez que ele fora até lá e os comera, e de como voltou pra casa com várias pintinhas vermelhas por causa da alergia que as frutinhas danadas provocaram. Fora um dia triste. Gustavo ainda lembrava-se de tê-la seguido até ali e se escondido no mesmo lugar de agora, assistindo-a arrumar a casinha. Teve muita vontade de oferecer ajuda para arrastar os poucos móveis e arrancar a grama alta que havia ao redor, e depois, em outra visita, queria ter se oferecido para escavar a terra onde ela queria plantar batatas. Teve vontade de falar com ela muitas e muitas vezes, mas seu orgulho, que era tão grande quanto ele, falava sempre mais alto. Então ele apenas ficava lá, vendo-a ficar bem sem ele.

Como sempre, Gustavo imaginou como seria se aproximar. Apenas chegar à frente da porta e bater. Pensou em como ela abriria e se surpreenderia, mas depois sorriria pra ele e talvez o convidasse pra entrar. Ela faria chá de cardo vermelho pra eles, e o observaria enquanto Gustavo contaria suas histórias. Era assim que Rapunzel era, e era isso o que mais amava nela. Não admitia nem em pensamento que a amava, é claro; mas amava. A voz musical, o sorriso doce, a paciência... ele sentia falta disso todos os dias, enquanto tentava provar pra todo mundo sua valentia. Rapunzel era a paz que ele queria ter.

A moça de cabelos compridos saiu pela porta enquanto ele se decidia entre falar ou não com ela, outra vez. Levantou os olhos quando percebeu sua presença na frente da casa, os cabelos longos presos em uma trança enorme, que depois fora enrolada em um coque. Ouviu-a cantarolar uma canção alegre com sua voz suave e viu-a estender uma toalha de mesa na grama curta e verde, e depois entrar e sair da casa com uma cesta de piquenique, e organizar as coisas sobre a toalha. Jamais diria a alguém, mesmo que este perguntasse, que essa era a cena mais linda que já havia visto; mas era, sem sombra de dúvida.

Até aquele momento Gustavo não sabia o que fazer. Havia vários dias em que ele pensava sobre como proceder com Rapunzel, se falava ou não com ela. Ia até sua casa com freqüência para verificar se ela estava bem, mas também porque não se acostumava com a ideia de não tê-la mais por perto. Mas agora, naquele exato momento, Gustavo havia entendido que não se tratava dele. Não era sobre seus irmãos que o ignoravam, ou sua fama de fracassado no reino. Era sobre a felicidade de Rapunzel, e ele entendeu isso quando a viu cantar para os passarinhos, esmigalhando pão para alimentá-los. Ele viu o sorriso radiante da moça e soube que não podia arrastá-la para o seu caos. Ela era doce demais, pura demais, enquanto ele era bruto e rude. Seus dias eram agitados e geralmente terminavam com ele machucado de alguma forma, enquanto ela gostava da calmaria e do silêncio. Rapunzel não merecia ser a válvula de escape dele, um sofá pra que ele apenas descansasse; ela merecia alguém que fosse tão bom quanto ela.

Os dois duendes chegaram até ela correndo, lhe pedindo que fosse a algum lugar para ajudar alguém. Ele já havia visto aquela cena outras vezes, já que eram eles os responsáveis por entregar as mensagens das vilas e pessoas. Quando eles entraram na casa de Rapunzel para que ela se preparasse, Gustavo desamarrou Dezessete da árvore em que ele estava preso, e o puxou pelo vale antes que todos saíssem da cabana.

— É a última vez, amigo. – Gustavo disse para o cavalo, enquanto este relinchava alegremente e escavava a terra fofa com as patas por entre as árvores.

Quando montou em Dezessete novamente, o rapaz alto de cabelos loiros olhou pra trás, ainda vendo a toalha sobre a grama, imaginando Rapunzel ali. Guardou a imagem na memória, deu as costas ao lugar e fez com que o cavalo galopasse, prometendo a si mesmo que não voltaria mais. Deixaria que Rapunzel vivesse tranquila e feliz, como não conseguiria se estivesse ao seu lado, mas não esqueceria que a amava. Nunca teria coragem de admitir que a amava, é lógico que não; mas amava. Amava muito.

Seguiu em frente pela estrada, a armadura reluzindo, o cavalo resfolegando, sem ver outra vez o que deixava pra trás. E se alguém algum dia dissesse que havia lágrimas em seus olhos naquele dia, ele diria que era apenas o vento.


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