O Diário do Padre Thomas escrita por Wilmar Oliveira


Capítulo 3
19 de Outubro, 2003




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Hoje teve missa, a igreja estava bastante movimentada. Senti curiosidade em uma mulher de cabelos vermelhos que me observava, ela não tirava os olhos de mim, eu estava ficando constrangido com tudo aquilo. Outro fato interessante, foi de uma mulher loira que permanecia em pé ao fundo da igreja, ela me lançou um olhar de reprovação, abaixou a cabeça e saiu. Tive um susto ao olhar para a segunda fila e ver William acenando para mim, esfreguei bem meus olhos e forcei a visão, era apenas Augusto, um colaborador de minha paróquia acenando para mim para que eu me certificasse de que ele estava lá, afinal eu o repreendi alguns dias atrás por ele ter meio que abandonado a igreja por esses dias, fiquei feliz em saber que ele estava ali. Augusto havia perdido sua mãe há alguns meses e desde então sumiu da igreja, eu o encontrei na rua dias atrás e o confortei, dizendo para que ele não virasse as costas para a igreja, que ele voltasse a participar da missa. Eu vejo nele uma fé que eu não possuo, acho até que ele teria mais capacidade de ser padre do que eu mesmo, pois muitas vezes eu caio e demoro um longo tempo para me levantar, já desisti de ser padre muitas vezes, mas sempre me lembro de minha mãe que está doente no hospital, como ela está feliz em me ver na posição que eu estou isto por si só já me conforta. Enquanto a missa continuava, senti um leve arrepio, pois se passou pela minha mente um trecho da frase que William pronunciara: “_...eu não me arrependo do que eu fiz em amor à minha filha...” Perguntei a mim mesmo se eu seria capaz de agir como ele, mas pensei melhor e percebi que eu ainda tinha juízo na minha cabeça.

Voltando para o meu apartamento, eu senti um perfume diferente no ar, um aroma que me parecia familiar. Chegando na porta do meu quarto eu escutei alguém chorando aos soluços. Abri a porta com certa curiosidade e lá estava uma mulher de cabelos vermelhos, encolhida em um canto da parede. Caminhei até a mulher e perguntei o que ela fazia ali e porque estava chorando, foi quando tive uma surpresa desagradável. A mulher que estava ali era a mesma que me encarou durante toda a missa e o pior é que eu a conhecia, seu nome era Yuli. O que mais me deixou espantando, foi o fato de que ela já havia falecido há alguns anos atrás, seria aquilo uma ilusão de minha mente? Estaria eu ficando louco?

Dei alguns passos pra trás naquele momento, enquanto a mulher se levantava. De seus pulsos jorravam sangue, os cortes que ela possuía eram imensos, sua face de repente ficou pálida e em volta de seus olhos, formaram-se olheiras enormes.

Me lembrei de tudo o que havia acontecido no passado. Antes de me tornar padre, eu e Yuli éramos namorados, porém mamãe não aceitava a nossa relação, pois dizia que a mulher era má influência para mim. Yuli sempre foi uma ótima namorada, ela deixava transparecer em abundância o amor que ela tinha por mim, mas nossas personalidades eram um tanto quanto diferentes. Mamãe não aceitava o fato de Yuli usar sempre roupas curtas e decotes pra lá de ousados, ela dizia várias vezes pra mim, que a minha namorada se comportava como uma prostituta. As duas chegaram a discutir certo dia, pois minha mãe começou a dizer que ela não serviria para mim, que o lugar dela era em algum prostíbulo de quinta. Com o passar do tempo, minha mãe acabou sendo diagnosticada com câncer e ficou muito tempo sem forças para nada, precisava do máximo de atenção. Ela então me fez prometer em um momento de fraqueza que eu largaria de Yuli e me dedicaria a vida na igreja. Foi quando tudo começou a piorar. Yuli não aceitava o fim de nosso namoro, chegou a ameaçar várias vezes suicídio, outras vezes dizia que ia matar minha mãe. Ignorei diversas ameaças dela, o amor que eu sentia passou a se tornar pena. Até que um certo dia um telefonema veio me informar de que ela havia falecido. Sua ameaça de suicídio finalmente havia sido cumprida, ela tomou altas doses de um medicamento forte e cortou toda a extensão de seus antebraços, nas palavras da mulher do noticiário ela foi encontrada em volta à uma imensa poça de sangue.

Agora eu estava ali, de frente com Yuli. Ela havia ficado de pé, o sangue não parava de brotar de seus braços, ela olhou nos meus olhos e disse:

—O sonho desta vida deve terminar, acorde para a minha realidade, seu lugar é do meu lado e eu já reservei a sua passagem.

Ela lançou um olhar para algo que estava atrás de mim, era uma cadeira e uma forca. Olhei incrédulo, aquilo poderia ser alguma loucura de minha mente. Vozes sussurravam em minha cabeça, algo como “faça-o”. Fiquei atordoado com todas aquelas vozes soando repetidamente em minha cabeça e com o olhar sem vida de Yuli. Comecei a gritar como um louco, até que tudo se cessou. Olhei para todos os lados,não havia mais ninguém ali. A campainha tocou e pensei que poderia ser minha vizinha, assustada com meus gritos novamente. Fui até lá, pensando em um meio de explicar aquela situação desconfortável. Quando abri aporta, vi Yuli nitidamente em minha frente. Ela estava com os braços abertos, com o sangue escorrendo pelos seus cortes profundos. Seu sorriso também estava banhado em sangue, curiosamente combinando com seus cabelos vermelhos,  junto à toda aquela alegria enigmática. Ela abriu os braços e falou seguidamente: “_Me ame.” Bati a porta com força e gritei para ela ir embora, foi quando escutei as desculpas de minha vizinha:

—Me desculpe senhor Thomas, queria apenas saber se o senhor estava bem, me desculpe mesmo.

Abri a porta e pedi desculpas envergonhado, inventei que eu havia andado estressado com alguns assuntos e que ela não ligasse para aquilo. Ela, muito simpática me disse que não era nada e se ofereceu pra ajudar no que fosse necessário. Qualquer coisa, era só bater na porta de seu apartamento que ela estaria pronta a ajudar. A única palavra que consegui soltar na hora foi um “igualmente”. Logo entrei e tranquei a porta, com a maior vergonha do mundo.

Agora estou aqui em minha cama. Até então não aconteceu mais nenhum fato estranho. Apenas algo curioso que me chamou a atenção. Uma música não saia de minha cabeça, era a música que eu e Yuli costumávamos ouvir juntos. Senti um calafrio inoportuno, peguei um crucifixo e o agarrei com força, simplesmente por medo do que estaria por vir. Agora, vou ver se consigo dormir um pouco, mas tenho certeza que apenas o conseguirei se tomar novamente meu calmante.


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