Coisas da vida escrita por Blue Butterfly


Capítulo 6
Seis




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O que?’ A voz de Olivia soa alta do outro lado da linha, e Jane não precisa ver seu rosto para saber que ele está estampando indignação e descrença.

‘Ela tem uma filha. Ela tem uma filha e não tinha me contado, e quando eu voltei para o carro, no aeroporto, encontrei com ela lá, segurando uma bebê no colo.’ Jane explica de novo, enquanto abre a porta da geladeira e pega uma cerveja. Ela segura o celular entre o ombro e ouvido, e gira a tampa da garrafa.

Olivia tinha ligado para ela, como prometido, assim que pousara, e agora Jane estava lhe contando tudo o que acontecera em menos de três horas atrás.

‘E o que aconteceu?’ A voz de Olivia instiga a morena a continuar falando.

.

Nenhuma delas diz nada pelos segundos seguintes que se passam. Maura parece desconfortável com a presença da mulher ali, e Jane não consegue evitar o sentimento de traição e mágoa, e mil pensamentos correm por sua mente, e ainda que ela tente adivinhar a razão da outra não ter lhe contado sobre a filha, ela não consegue chegar a nenhuma conclusão.

É ela quem fala primeiro.

Ela planeja começar com ‘eu não sabia que você voltaria nessa semana’, mas o que sai de sua boca é ‘você tem uma filha?’. O que parece bem estúpido e óbvio, mas ela não. consegue. evitar.

Maura se remexe sobre os pés e então demonstra uma reação. Ela sorri levemente, e o orgulho que sente da menina é evidente.

‘Jane, essa é Evelyn, minha filha.’

A morena finalmente cria coragem para se aproximar, como se a introdução de Maura tivesse lhe garantido permissão, e então ela se curva um pouco e sorri para a menina. ‘Oi, Evelyn. Meu nome é Jane.’ E com uma mão, mais especificamente com o dedo indicador, ela acaricia a mão fofinha da menina.

Evelyn a estuda, segura seu dedo com curiosidade e depois oferece um sorriso cansado. No instante seguinte, ela se vira para Maura, esconde a cabeça no seu pescoço e faz um som que é entre um protesto e um choro.

‘Eu sinto muito,’ Maura começa, ‘ela é amigável, mas tímida. E, além disso, ela deve estar exausta por causa da viagem.’ Ela explica.

Jane pensa que Maura também está, a julgar pela expressão do rosto.

‘É claro’, a morena diz em compreensão, ‘não se preocupa.’ Ela sorri e acaricia a mãozinha de Evelyn, que ainda segura seu dedo - e depois se solta com gentileza. Ela observa como Maura sorri, dessa vez com mais fraqueza, ajeita a menina no braço mais uma vez. Seus olhos estão menores do que a morena se lembra, e Jane julga que ela deve ter passado bastante tempo no aeroporto - com um bebê, o que é ainda mais cansativo. Não querendo ser um incômodo, ela sorri educadamente e diz, ‘bem, vocês duas precisam descansar um pouco, eu imagino. E eu preciso voltar para o trabalho.’

Maura meneia a cabeça, Evelyn ameaça a chorar.

Jane não quer que a loira pense, em hipóteses alguma, que o que ela acabou de dizer é um fora. Então, ela tenta o melhor tom e adiciona, ‘é bom ter você de volta. Me liga para gente tomar um café?’

Porque, dane-se! Maura omitiu o fato de que tinha uma filha, mas qual seja a razão, a intenção da loira deve ter sido a melhor. E Jane gosta de Maura, e ela não vai desistir assim tão fácil.

A mulher parece aliviada, e Jane sabe, pelo pouco que a conhece, que é porque ela não queria ter dito que precisava partir. Maura é educada demais para dispensar alguém.

‘Eu prometo te ligar.’ Ela afirma.

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‘Ela disse que te ligaria?’ Olivia responde. No fundo, Jane consegue ouvir vozes de outras pessoas. ‘Olha, Jane, eu vou ser sincera. Ela é misteriosa demais. O que você conhece e pensa sobre ela?’

‘Quase nada, eu admito.’ Ela dá de ombros, embora a outra não consiga vê-la.

‘Qual sua impressão sobre ela?’

Jane anda até o sofá e se joga nele, de um jeito nada feminino. Ela faz um bico e arruma o celular na orelha. ‘Ela parece... arisca.’

A risada de Olivia preenche o outro lado da linha. ‘Isso é uma descrição para, o que?, um gato, eu acho.’

Jane ri baixinho, tenta de novo. ‘Cuidadosa, como se observasse tudo a sua volta. Como... Como quando a gente vai no mar, mas tem medo de entrar de uma vez, então só coloca os pés primeiro, testando. Entende?’

‘Perfeitamente.’ A outra diz. ‘Um minuto, Jane.’ A linha fica muda, depois ela escuta Olivia ditar um endereço para alguém, e depois retorna. ‘Pronto. Eu já estou no táxi.’ Ela suspira. ‘Bem, isso é compreensível. Talvez ela queria analisar bem a pessoa que está saindo, Jane, antes de envolver a filha.’

Jane se pergunta se essa é a verdade. Um pensamento cruza sua mente e sua garganta se fecha. Ela respira fundo, mas dessa vez é uma medida para deixar um acúmulo de tristeza, inesperada, escapar pelo ar.

‘O que é, Jay?’ A amiga murmura do outro lado, como se pudesse sentir o humor da outra.

‘Eu acho... Eu não sei, Liv. Talvez ela não tenha mencionado a menina porque, sei lá, talvez ela não queira investir em mim.’ Ela confessa seu medo, ironicamente se sentido mais valente ao fazê-lo.

‘Bem, se esse for o caso, então nós sabemos que ela é uma idiota bem grande, não é mesmo?’ Olivia diz com uma pequena explosão de raiva.

Jane ri baixinho de novo. Essa é Olivia, sempre emotiva, nunca teme esconder sentimentos ou reações. Ela bufa, e continua para Jane. ‘Se ela disse que iria ligar, eu esperaria. Só assim você vai saber qual é a dela.’

‘Hm...’ Jane não contribui muito para a conversa.

‘E, Jane... Como você se sente sobre isso, em relação à criança?’

Isso coloca um sorriso genuíno em seu rosto. Ela quer pegar Evelyn no colo e niná-la, abraçá-la, fazê-la rir, apenas com a memória. ‘Ah, Liv. Ela é tão linda. Olhos claros e cabelo loiro. E ela tava tão cansada, mas, ainda assim, quando eu tentei conversar com ela, ela segurou meu dedo e sorriu para mim.’

‘E você já tá caindo de amores por ela, não é mesmo?’ A outra provoca.

Jane ri, tenta bebericar a cerveja e, porque beber enquanto deitada nunca é uma boa idéia, o líquido escapa pela garrafa e escorre pela boca e pescoço. ‘Merda!’ Ela exclama.

‘De fato.’ Olivia replica.

‘Não, eu acabei de tomar um banho de cerveja.’ Ela se senta no sofá, coloca a garrafa no chão e tenta se limpar com a mão livre, isso tudo ao mesmo tempo que ouve Olivia rindo.

‘Você não muda, Rizzoli.’

A morena estala a língua, mas não argumenta. Elas ficam em um silêncio confortável, Jane ainda tentando secar o pescoço, Olivia perdida em pensamentos.

Mas depois, do outro lado, a voz da amiga vem tão baixa que é quase como se estivesse lhe contando um segredo. ‘Jay, eu sei que já disse isso antes. Mas eu acho mesmo que você seria uma ótima mãe.’

Os dentes dela se apertam enquanto ela seca a mão na calça. ‘Obrigada, Liv.’ Ela responde num murmúrio.

‘Eu amo você, Jay.’

‘Eu também amo você, Liv. Se cuida aí na Flórida, ok?’

‘Ok.’ A outra responde.

A ligação é terminada, e Jane se joga contra o encosto do sofá, olhos no teto e cerveja esquecida.

...

Maura não entra em contato com ela no próximo dia, e Jane não consegue evitar a rejeição que vem corroendo os cantos de sua mente. Embora ela tente se apegar nas palavras de suporte de Olivia (nesse caso, ela é uma idiota bem grande), sua mente divaga e divaga entre cenários e suposições. Talvez Maura seja casada, e ela nunca mencionara porque, assim como Evelyn, Jane nunca perguntara. Talvez, quem sabe, ela não seja casada, mas esteja envolvida com outra pessoa. Ou então ela realmente não esteja interessada em se envolver com ninguém. Não era isso que ela tinha dito outra vez, que ela não estava pronta para se relacionar?

Jane suspira e esfrega os olhos cansados com a mão. Ela abre uma pasta grossa com vários documentos, mas antes que ela possa tirar algum para fora, uma batida na porta pega sua atenção. Seus olhos encontram Rachel, e dessa vez mulher parece um tanto atordoada.

‘Problemas no paraíso?’ Ela provoca Jane, certamente percebendo logo de cara o desânimo da colega de trabalho.

‘Eu poderia te perguntar o mesmo.’ Ela devolve e suas sobrancelhas se juntam sutilmente, numa preocupação crescente. Rachel geralmente é mais calorosa e espontânea, mas agora ela parece estar um tanto derrotada.

‘Qual o problema, Rach?’ Jane pergunta, sua cabeça inclinando para o lado, sugerindo interesse.

‘Você não vai gostar disso, nenhum um pouco.’ Ela fecha a porta e se senta, entregando uma pasta de plástico azul claro para Jane.

A promotora termina de ler o documento, suspira e joga a pasta em cima da mesa antes de se inclinar na própria cadeira. ‘Abuso sexual.’ Jane resmunga e finalmente entende porque Rachel parace estar derrotada.

‘Você viu os dois nomes?’

Jane meneia a cabeça, estala a língua. ‘Paul Adams, o sobrinho do prefeito, nada menos.’ Ela revira os olhos e, de repente, o segundo nome passa pela sua cabeça. Gregory Cartner.

‘Gregory Cartner.’ Ela repete em voz alta. ‘Por que esse nome me é familiar?’

‘Não sei.’ Rachel diz, mas espreme os olhos como se tentasse encontrar uma conexão. E porque ela esfrega o indicador embaixo do olho esquerdo, como se tentando limpar a maquiagem borrada do olho, é que Jane se lembra.

.

Ela anda pelo campus da faculdade com pressa, primeiro porque o frio é quase insuportável, e segundo que ela está atrasada para o encontro com Frost, seu amigo de classe, no bar mais agitado da sexta à noite. Ela quase tromba com duas garotas que andam de braços dados vindo em sua direção, mas é rápida o suficiente para mudar o percurso e se safar do encontro.

Quando chega no final do quarteirão, ela corre e atravessa a rua, sabendo muito bem que deveria esperar pelo sinal de pedestre abrir, mas ei, ela está atrasada e Frost vai fazê-la pagar pelo menos duas cervejas por isso. Há apenas mais um quarteirão separando ela e o bar, então seus passos diminuem para que ela possa pegar o celular e mandar uma mensagem para o amigo, apenas para avisá-lo de que ela está chegando e de que ele pode pedir uma cerveja para ambos.

É então que ela ouve.

‘Me deixem em paz!’ A voz vem alta e meio quebrada, como se estivesse assustada.

Por puro instinto, Jane pára e se vira para o lugar de onde ela vem. É aquela ponte que conecta o final do campus da faculdade com um dos segmentos dos apartamentos dos estudantes. Ela é curta e desnecessária, e quem quer que tenha tido a brilhante idéia de projetar tal criação, não deveria ter muito o que fazer - foi o que Jane pensou desde a primeira vez que a vira.

A voz da mulher reaparece, e parece mais apavorada do que antes. ‘Não! Se afasta de mim.’

E Jane não pensa. Ela corre até suas pernas arderem, e quando alcança uma das entradas, seus pulmões estão queimando. Três pares de olhos se arregalam e a encaram por todo um minuto.

Dois garotos estão lá, além da dona da voz. Um deles parece estar encurralando ela, como se fosse uma presa, enquanto o outro tem uma mão no corremão, claramente impedindo seu alvanço. Não é difícil de descobrir o que eles estão planejando.

‘Perdeu alguma coisa?’ Um deles, o mais baixo e loiro, grita para Jane. A voz não vem carregada de fúria, mais cheia de sarcasmo e zombaria, talvez tentando colocar medo em Jane.

Mas eles definitivamente não conhecem Jane Rizzoli.

Ela anda com firmeza até estar a um palmo de distância dele, e olhando-o nos olhos, aponta o dedo indicador para a garota. ‘Você tá no caminho da minha amiga aqui, caso não tenha percebido.’

‘Ela não parece estar reclamando.’ É o outro quem retruca, mas Jane não se retrai, e abre um sorriso em desdém enquanto replica para o garoto em sua frente.

‘Você não fala por si mesmo? O que é? Você precisa também da tua mamãe pra trocar tuas fraldas?’ Ela ri com desprezo, e se inclina para frente, em ameaça.

Quando o outro apenas ri, com descaso, mas visivelmente ofendido, ela o contorna e se coloca entre a garota e o outro cara. Ele é tão alto quanto ela, cabelo castanho escuro, e nos olhos tem um olhar que a lembra de um tigre prestes a avançar em sua presa. Mas não é ele quem ela encara. Ela se vira para a garota - que não deve ser mais velha do que ela - e lhe dirige a palavra. ‘Eles estão te incomodando?’ A pergunta é desnecessária, mas ela quer a afirmação antes de agir. Os olhos claros estão abertos em medo, apreensão, mas a cabeça finalmente se move em sentido positivo, quase que imperceptivelmente.

‘Ei.’ O cara pega seu antebraço com força, e para Jane essa é a última gota d’água. Ela se vira com força para se livrar do aperto, e empurra o garoto com uma mistura de raiva e valentia, mandando-o passos para trás.

‘Não se atreva me tocar!’ Ela grita com a voz grave e ameaçadora, apontando um dedo para um, depois para outro. ‘Eu posso facilmente prestar queixa contra vocês dois. E minha amiga aqui também. Agressão física e tentativa de estupro!’ Ela quase rosna as palavras para os dois, e o mais loiro abre um sorriso carregado de desprezo.

‘Você sabe quem eu sou? Ninguém vai acreditar em você.’ Ele rebate, mas Jane se vira para ele, e aponta o dedo para si mesma e para a outra garota. ‘Eu sou testemunha dela, e ela, a minha.’

‘Gregory!’ O outro ergue a mão, chamando sua atenção. ‘Ela é problema. Deixa para lá.’

Jane quase avança para cima do outro, mais uma vez. Claro, mulheres sempre são o problema quando dois imbecis acham que podem fazer o que quiserem delas. Exceto quando elas reagem. Nesse caso, elas são mentirosas e problemáticas.

Em consideração à garota - que agora parece mais assustada do que antes - Jane deixa a provocação cair e morrer entre eles, mas estuda atentamente quando os dois se afastam, o olhar afiado e duro. Quando estão longe o suficiente e ela tem certeza de que não voltarão, Jane se vira para a garota e balança a cabeça em negativo, como se repreendendo a atitude deles.

‘Você tá bem?’

A outra parece assustada com a figura de Jane, mas balança a cabeça em sim, e no fundo dos olhos claros, a morena não tem dúvida de que vê gratidão. Isso é, além das lágrimas que já estão juntando ali. Jane respira aliviada, grata por não ter ignorado os gritos dela e seguido em frente para o bar.

‘Eles iriam, se você não tivesse aparecido, eles iriam...’ Ela começa, mas sua respiração está alterada de tal modo que ela não consegue dizer as palavras corretamente.

‘Eu sei.’ Jane acaba com sua agonia. ‘Mas nada aconteceu, ok? Você tá bem, agora.’

A garota estuda o lugar ao seu redor, e meneia a cabeça em sim. Seu peito sobe e desce furiosamente, e Jane acha que não é sábio deixá-la sozinha depois dessa situação. ‘Meu nome é Jane Rizzoli. Eu estava a caminho de encontrar um amigo no bar.’ Ela considera as próximas palavras. ‘Você gostaria de se juntar a gente? Deixar isso para trás?’ Ela se refere ao acontecido, e a outra parece incerta sobre o que escolher, mas depois ela dá de ombros e limpa os olhos.

‘Ok.’

‘Ok.’ Jane diz e oferece um sorriso. Ela não conhece essa garota, não sabe nada de seu caráter e personalidade, e não sabe, tão pouco, se Frost vai aprovar a nova adição ao grupo dessa noite, mas ela se sente tão mal pelo acontecido que de alguma forma quer melhorar o dia dela. ‘É logo ali na esquina. O bar, eu quero dizer.’ Ela diz porque não consegue ficar em silêncio. As duas começam a andar, e as palavras vão saindo de sua boca sem medida. ‘Você pode conversar comigo sobre isso, se quiser, outro dia. Mas por enquanto, talvez seja melhor se você se distrair um pouco.’

Os olhos azuis piscam para ela, e depois um sorriso corta os lábios. ‘Certo. Você tem razão.’

‘Qual seu nome?’ Jane finalmente pergunta.

‘Olivia. Meu nome é Olivia.’

.

Agora, no presente, Jane tem o cenho franzido em pensamento. Poderia ser a mesma pessoa? Poderia ser o mesmo cara que tentou assediar aquela que acabou se tornando sua melhor amiga?

‘Jane, você tá bem?’ Rachel se inclina e faz um gesto que sugere que ela vai segurar sua mão, mas depois retrai.

‘Sim, eu só me perdi em pensamento.’ Ela oferece, pobremente. Não quer compartilhar algo que, provavelmente, é apenas uma coincidência insignificante. ‘Esse caso vai ser um daqueles...’ Ela suspira, sentindo o cansaço por antecipação.

‘Nem me fale. Boa sorte com isso.’ Rachel se levanta e lhe oferece um sorriso em brincadeira.

‘O que? Você vai lançar ele para mim?’ Ela pergunta com descrença, revirando os olhos.

Rachel ri baixinho e dá de ombros. ‘Você é a melhor, Rizzoli. Foi o que eu disse para a testemunha. Mantenha minha palavra.’ E com isso, ela deixa a sala de Jane.

...

No dia seguinte, Jane quase não pensa em Maura. Na parte da manhã, ela conversa com a vítima do caso que Rachel tinha lhe entregado um dia atrás, e só a interação com a mulher lhe deixa focada e determinada a estudar o caso e elaborar a defesa, então ela passa o resto do dia com trabalho e apenas isso na mente. No período da tarde, depois de perder o almoço e finalmente achar que merece um intervalo, ela deixa o escritório para uma pequena caminhada até a cafeteria do prédio. O café de lá não é dos melhores, mas hoje ela prefere comer algo rápido ali do que ter que enfrentar o vento frio do lado de fora.

É só em torno das sete, já em casa e tomando uma sopa quente, que o celular vriba em cima da mesa da cozinha. Seu dia tem sido cinza e quieto, mas quando ela lê na tela o nome de Maura, de repente ela se sente aquecida.

Um dedo desliza pela tela do celular para que ela possa ler a mensagem por completo.

Olá, Jane. Como está?

A morena sorri com as palavras. Ela responde rapidamente enquanto mastiga um pedaço de cenoura.

Bem por aqui. E você?

Ela envia a mensagem e encara o celular como se ele pudesse tomar vida. O que Maura estaria fazendo naquele momento? Jantando também? Alimentando Evelyn? Colocando-a para dormir? Não, era um tanto quanto cedo para isso.

Bem. Há uma arrecadação de fundos no próximo sábado na universidade, incorporado a uma exposição de artes. Gostaria de me acompanhar?

É o que a próxima mensagem de Maura diz, e Jane sente o coração acelerar e aquela sensação de nervosismo em sua barriga.

Definitivamente.

Ela responde sem pensar, mordendo o lábio inferior para conter um sorriso.

Te mando o horário assim que eu conseguir estabelecer um.

Maura devolve, e Jane sente os dedos coçarem com o que seus pensamentos sugerem. Ela considera a questão por um minuto, e finalmente tenta arriscar.

Posso te pegar em casa?

Ela respira fundo e fecha os olhos, esperando por uma rejeição. Ela sabe que vai ficar decepcionada se a resposta for negativa, e tenta se convencer de que tudo bem, de que se Maura não quiser ser pega em casa, isso não deve significar nada. Mas quando o celular vibra de novo, ela lê a mensagem duas vezes, com tanta pressa que é preciso uma terceira vez para se certificar de que entendeu corretamente.

Claro. Te mando o endereço no dia, também.

Agora ela nem sem importa em esconder o sorriso. Ela ainda dá um soquinho no ar, comemorando o pequeno passo.

Perfeito. Estou aguardando ansiosamente!

Ela se atreve em soar através da mensagem tão empolgada como se sente. Depois, se sente tentada a perguntar sobre Evelyn. Mas e se Maura tomar isso como uma intrusão? Mas, e se ela não perguntar e Maura imaginar que sua filha está sendo ignorada propositalmente? O último é o que faz os dedos de Jane digitarem uma segunda mensagem rapidamente.

Como Evelyn está?

Ela digita e envia, rápido demais para que a hesitação apareça novamente. Dessa vez ela se levanta e leva o prato até a pia, lava alguns utensílios que estão ocupando espaço e coloca no escorredor. Quando ela volta para a mesa, um ícone de mensagem já está na tela.

Nesse momento, nós estamos conversando seriamente, desde que a sopa de ervilha foi parar no chão, em vez de dentro da barriga dela.

Jane ri com a mensagem e balança a cabeça, não conseguindo muito bem imaginar Maura conversando seriamente com um bebê. Ela morde o lábio inferior e responde.

Não a culpe. Quem é que gosta de sopa de ervilha, de qualquer jeito?

A morena se joga no sofá, liga a TV e espera pela resposta. Na tela, um filme qualquer é exibido, mas ela não está pretando atenção.

A julgar pelo comportamento, presumo que ela também não é muito fã de maçãs. Preciso ir agora. Boa noite, Jane.

A morena sorri de novo, imaginando uma Evelyn bem infeliz com a escolha do jantar, arremessando comida num ato prematuro de rebeldia.

Boa noite em dobro.

Ela digita e manda.

Em dobro?

Vem a pergunta de volta, como se Maura tivesse do outro lado esperando pela resposta anterior.

Para vocês duas. 

A morena esclarece, depois de revirar os olhos e rir sozinha.

Oh! Vem a mensagem, e pelas três bolinhas no canto do celular, ela sabe que Maura está digitando uma nova.

Não foi exatamente uma ligação, mas espero que conte.

É o que diz a seguinte, e Jane sorri, dessa vez carregada de uma confiança de que a última mensagem foi, indiscutivalmente, um flerte.


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