Até a Próxima Noite escrita por Pandora Imperatrix


Capítulo 3
Descartável




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“Meus olhos e coração travam uma guerra mortal
De como repartir entre eles a visão que têm de ti:
Meus olhos rejeitam o que meu coração vê,
Meu coração, aos meus olhos, a liberdade de te ver.
Meu coração alega ser por ele que te vejo
(Um quarto nunca visto com olhos puros),
Mas os acusados negam-lhe a autoria,
E dizem que és bela somente para eles.
A demanda, sem precedentes,
Divide as opiniões, todos reféns do coração;
E por seu veredicto se determina
A parte dos olhos claros e do doce coração –
Assim: meus olhos veem o que me mostras,
E meu coração vê apenas o teu amor.”

William Shakespeare – Soneto XLVI

 

Poder-se-ia dizer que Príncipe Naruto não estava tendo um bom dia.

Não fosse o bastante o rude despertar que havia tido de seu cochilo — porque as responsabilidades pouco se importavam com seu status de recém-casado ou que havia passado a noite inteira acordado fazendo algo muito diferente do que recém-casados deveriam fazer — e a perigosa discussão que se seguiu, havia recebido um falcão de Sasuke desprovido de boas notícias. Ele sabia que o primo não tinha de fato, culpa pelo que estava acontecendo — se ele quisesse ser justo, teria que admitir que a culpa era, na verdade, dele mesmo — mas desde criança a rivalidade entre os dois havia feito com que esse comportamento fosse o seu habitual, então, traição ou não, ele estava murmurando xingamentos envolvendo o nome do Imperador enquanto não lia uns pergaminhos que precisavam ser examinados, ponderados e separados em pilhas das quais ficavam categorizadas as questões que ele podia resolver na ausência de Sasuke, o que poderia esperar e o que ele não dava a mínima, quando a entrada de seu sogro foi anunciada.

Era mesmo, tinha aquilo, e ele que havia quase se esquecido, sentiu a irritação que já estava sentindo se juntar com a fúria resgatada da noite anterior se unirem, explodindo em seu peito de modo sufocante.

Era por aquele tipo de coisa que Sasuke era o Imperador e não ele, pensava enquanto suas mãos apertavam com tanta raiva mal contida os braços do trono em que era obrigado a sentar na ausência do verdadeiro monarca, porque assim que Hyuuga Hiashi havia entrado na sala ele havia imaginado mil formas dolorosas de castigar seu sogro, que é claro, havia vindo para prestar os costumeiros respeitos e não conferir se ele não havia assassinado sua primogênita como implicitamente havia prometido.

O general se curvou as três vezes necessárias antes de se levantar e o olhar nos olhos, audácia.

— Naruto no Miya¹, minhas mais sinceras felicidades, foi com muito gosto que entreguei meu bem mais precioso, minha primogênita, em suas honradas mãos.

Antes de responder ele respirou fundo duas vezes e tentou se lembrar que a última coisa que ele precisava agora era de uma guerra civil, pois era isso o que qualquer maus-tratos causados no general do maior batalhão do exército real causaria, casamento com Hinata ou não. Afinal, ele já tinha o bastante com que se preocupar, havia a ameaça constante da Nuvem, bastante drama político envolvendo os nobres para fazer com que a pilha de pergaminhos parecesse cada dia maior e, é claro o motivo pelo qual ele estava sentado aí e não Sasuke, o mínimo que ele podia fazer era o contrário do que todos esperavam que ele fizesse: não estragar tudo.

Mesmo que seu impulso gritasse por cabeças rolando, ou pelo menos um pouquinho de sangue.

— Hyuuga-dono, meu sogro, me perdoe por minha rudez e por minha ignorância, você me vê aqui em cima, mas sabe que não é o meu lugar, afinal, sou apenas o filho de um regente e uma estrangeira e nunca fui conhecido por minha sabedoria, mas eu sempre pensei que com pessoas destinadas a liderar por seu próprio direito era diferente e eu me pergunto, como o líder de um clã tão distinto quanto o Clã Hyuuga poderia cuidar tão mal de seu “bem mais precioso”?

Naruto, embora que ainda apertasse com força os dragões de madeira em que estava apoiado a ponto de o interior de suas mãos terem começado a doer, não pôde esconder o meio sorriso de satisfação ao ver a expressão no rosto de seu mais novo e mais detestado parente. E demorou um pouco até que o homem reunisse palavras para responder ao Príncipe Regente.

— De fato sua humildade é tão grande quanto o vasto território de nossa nação, Denka-sama² — Naruto teve que se controlar para não cair na gargalhada ali mesmo, era exatamente por esse tipo de coisa que ele evitava a sala do trono o máximo que pudesse, nenhuma das palavras que os nobres diziam mereciam ser ouvidas, sempre eram mentiras e ameaças veladas — mas não compreendo sua indagação, eu, na verdade, fiz o que todo nobre cuja esposa somente o agraciou com filhas deseja fazer, um bom casamento.

— Um bom casamento? Bem, suponho que de certa forma agora você faz parte da família real, alguns devem considerar isso como algo bom, mesmo quando seu acesso a essa posição tenha sido através de alguém que não possui poder real ou é bem quisto pelos demais nobres ou ainda — ele fez uma pausa — é considerado um monstro por muitos.

Naruto sentia um misto de admiração e completo nojo pela capacidade de nobres, especialmente Hyuugas de manter a expressão, ou melhor, a falta dela, completamente límpida mesmo em momentos como aqueles.

— Denka-sama... Você perguntou se eu sou um homem sábio, um homem sábio daria ouvidos a fofocas da Ooku³?

— Minha mãe, Kushina Chuugu4 me ensinou que muitas vezes o que é dito pelas mulheres da Ooku tem muito mais verdade do que o que sai pela boca de homens ditos como honrados.

— Embora eu sempre tenha considerado Chuugu Heika uma mulher muito sábia, não acho que seja prudente se guiar pelas palavras de uma mulher nesses casos, Denka, afinal, ela também pertencia à Ooku.

Se a raiva de Naruto havia sido grande, nada se comparava com o que ele sentia após ouvir aquelas palavras e num impulso se levantou, fulminando Hyuuga com o olhar.

— Pois fique sabendo que no momento minha mãe, uma mulher estrangeira, estaria sendo mais prudente que você ao dar ouvidos às fofocas da Ooku. Eu não sei o que faz com que você se sinta tão seguro, mas garanto que é um sentimento falso e cuidado, pois também é traiçoeiro e você pode acabar com bem menos do que barganhou.

— Sinto muito, mas não sei aonde Denka-sama pretende chegar.

— Eu tive a impressão de que você não liga muito para o destino de sua filha mais velha, então não me surpreenderia se a mais nova tivesse o mesmo destino, afinal, eu devo precisar de uma nova esposa em breve.

Sakura batia o pé impacientemente enquanto aguardava para as portas serem abertas, tal ato fez com que uma das guardas femininas na porta do quarto da princesa a olhasse de cima a baixo e bufasse de desgosto. Era por esse tipo de coisa que ela não conseguia gostar da Ooku, tudo levava uma eternidade, tudo tinha uma etiqueta correta e completamente inútil e ainda havia a competição sem sentido entre as “mulheres do Imperador4”, sinceramente, a maioria delas nunca haviam sequer olhado na mesma direção que Sasuke e agiam como se fossem as próximas na linha de sucessão.

Ela sorriu quando as portas finalmente abriram, mas se lembrou de manter o olhar no chão quando entrou nos aposentos de Hinata no Miya.

— Muito obrigada, vocês podem se retirar.

Não era comum se deixar a princesa a sós com uma criada, mas Hinata não era a Naishinnou5 ou mesmo a Imperatriz, então as medidas de segurança eram mais leves em relação a ela mesmo que, com o Imperador sem filhos, era dela a atual responsabilidade de gerar os herdeiros do trono. E, além disso, era o dia seguinte a sua noite de núpcias, era de se esperar que uma curandeira fosse mandada para examiná-la, geralmente seria um trabalho para a própria Tsunade, mas todos sabiam da proximidade da princesa com Sakura que também tinha ganhado fama como reconhecimento por seu bom trabalho.

Assim que todos saíram, Sakura levantou o sorridente rosto para Hinata.

— Me conte tudo que aconteceu! — disse ela antes que Hinata tivesse chance de dizer qualquer coisa. — Eles disseram que você dormiu até o início da tarde, então? Eu devo mesmo te examinar e fazer você beber esse chá amargo para fertilidade ou aconteceu o que nós temíamos?

Hinata desceu o olhar para a bandeja que Sakura carregava e corou, havia um recipiente de cerâmica cheio até a borda de um líquido marrom escuro que não parecia nada apetitoso, mas só de pensar no que ele supostamente faria...

— E-eu temo que seja a segunda opção.

Sakura murchou como uma flor.

— Oh.

Hinata sorriu, tocada pelas reações da amiga. Quando eram crianças e brincavam juntos, Sakura sabia da admiração que Hinata tinha por Naruto no Miya e vivia tentando fazer com que ele prestasse mais atenção dela, mas naquele tempo tudo com que ele se importava era em vencer Sasuke Tennou6 em suas competições infantis.

— Está tudo b-bem, — disse a princesa, com um ar consolador — eu estou aqui, não estou?

— Mas, você está me dizendo então que ele tinha mesmo a intenção de... — ela continuou num sussurro — matar você?

Hinata mordeu os lábios antes de responder, com aquela pergunta, Sakura havia modificado completamente o clima na sala.

— Foi o que ele d-demonstrou com suas palavras.

— Céus... — Sakura se levantou e começou a andar pelo quarto. — O que está acontecendo, afinal? Eu não estou te chamando de mentirosa, é claro, mas não consigo acreditar numa coisa dessas, ainda mais o Naruto, você sabia que ele chorou quando matou um coelho da primeira vez que foi levado para caçar? Como acreditar que uma pessoa dessas... — ela parou. — Desculpe, você deve estar mais chocada do que eu, é claro.

— Não, está tudo b-bem, para mim também é difícil de acreditar.

— E o que você vai fazer agora?

— Continuar de onde parei, eu suponho — ela suspirou.

— Você fez como combinamos? Não terminando a estória.

Os lábios de Hinata se curvaram num pequeno sorriso.

— Sim. Estou feliz por ter d-dado tudo certo.

— Eu suponho que sim — disse Sakura prosaicamente. — Mas realmente, não consigo acreditar... — e se deixou cair se frente a Hinata novamente, a cabeça baixa e as mãos nos cabelos.

— E eu não acho que você deva.

— O que? — Sakura levantou o rosto em direção a outra, seus olhos verdes parecendo maiores que o normal. — Mas você não disse que ele deu tudo a entender que te mataria?

Hinata fez silêncio por alguns segundos, seu cenho levemente franzido.

— Sim e não — disse depois de ponderar consigo mesma.

— Desculpe, não compreendo.

— Quando Naruto no Miya levantou o véu e m-me olhou nos olhos ele parecia tão chocado quanto você há poucos minutos, era como... Se ele estivesse com m-medo?

— Medo? — Sakura fez uma careta, a cada minuto tudo aquilo fazia menos sentido para ela.

— Sim, — pontuou Hinata — e depois, quando ficamos a sós, ele estava num estado terrível de nervos, falando alto e q-quebrando as coisas.

— Oh céus! Ele não te machucou, machucou? Porque se ele te machucou eu juro que príncipe ou não eu vou lá agora e-

Hinata não pode evitar e riu, por mais que na maioria das vezes não gostasse do quão agressivo era o relacionamento de seu marido com a amiga que tinham em comum, tinha que concordar que tinha seus momentos engraçados.

— Não, Sakura-san, ele nem sequer me tocou.

— Oh, isso é bom, eu suponho. Não tão bom quanto se ele tivesse... — ela corou e Hinata pareceu achar a manga de seu kimono muito interessante por alguns momentos. — Bem, mas você disse que ele estava falando alto, o que ele estava dizendo?

— Ele estava dizendo coisas ruins sobre meu lorde pai, na verdade.

— Seu pai?

— Se eu me recordo bem ele disse que Chichi-ue7 havia me, repetindo suas palavras, “dado em sacrifício” em troca de poder político.

Sakura olhou para Hinata com o que só poderia ser interpretado como pena.

Miya-sama9 que me perdoe pela franqueza, mas ele não está errado

— Na verdade vocês dois estão, — disse ela cheia de dignidade após inspirar profundamente — Chichi-ue não consentiu com este casamento em momento algum.

Sakura fez uma expressão muito engraçada no momento a seguir, como se fizesse uma conta muito complicada e o resultado não fizesse sentido, Hinata se compadeceu dela e continuou:

— Foi ideia do meu lorde avô. Mas como eu lhe disse antes, foi escolha minha.

— Olha, eu confesso que nunca tive o mais terno dos sentimentos em relação ao seu pai, mas ele acabou de subir no meu conceito? Talvez eu pare até de adicionar as ervas mais amargas nos remédios que faço para ele. 

— Sakura-san! — exclamou Hinata escandalizada e se ela fosse sincera consigo mesma, um tanto divertida.

As duas riram, mas quando se fez silêncio Sakura estava séria e pensativa.

— Mas Miya-sama... O que você me diz não faz sentido. Se ele iria executar você ao fim da noite porque se importava tanto com as intenções do seu pai?

— Exatamente.

— Isso está tão estranho... Céus eu gostaria de poder falar com o Sas- Tennou Heika9 pessoalmente. Talvez eu devesse falar com o Naruto?

— Não acho uma boa ideia — a expressão de Hinata se fechou.

— Porque?

— Recebi um recado da minha irmã mais cedo, — ela retirou um envelope de uma das dobras de seu kimono — ela disse que quando Chcihi-ue foi ver Naruto no Miya hoje a conversa não foi muito bem.

— Parece que Naruto ainda estava com raiva? Algo positivo de certa forma...

— Não tenha tanta certeza, ele deixou bem claro que pretende me descartar e deu a entender também que sua próxima noiva será minha irmã.

Sakura empalideceu.

— O que está acontecendo, Hinata no Miya?

— Eu não sei e estaria mentindo se dissesse que não estou com medo de descobrir.

As palavras trocadas com Sakura e do bilhete de Hanabi ainda giravam na cabeça de Hinata enquanto ela era vestida para mais uma noite com seu marido. Quando as damas se afastaram, após amarrarem seu obi10, e ela foi posta de frente para grande espelho de metal polido e seus olhos brilharam em faiscante prateado, realçados pelo carvão esfregado em suas pálpebras. Naquela noite vestiria um kimono verde-água com estampa de crisântemos, as mangas de seda eram curtas e seus antebraços eram cobertos apenas pelo translucido hitoe11 que era mais longo do que o normal, feito para ser mostrado e deixar seus braços tentadoramente mais expostos. Nessa noite, havia solicitado para que deixassem seus longos cabelos caírem livres e apenas enfeitado pelo dourado ornamento no topo de sua cabeça, havia sentido dores o dia inteiro após ter passado a noite com o pesado penteado da cerimônia de casamento e havia aprendido sua lição, mas talvez, ela olhou para si mesma mais uma vez, ela não fosse sentir dores no dia seguinte, se não fosse bem-sucedida, jamais sentiria coisa alguma.

Príncipe Naruto estava afastado do centro quando foi deixada por suas damas de companhia, ele estava de pé, um cotovelo apoiado na janela e o rosto virado em direção às estrelas e com suas vestes cor de berinjela em bordados prateados, parecia fazer parte da imensidão poente que se estendia no céu lá fora naquele início de noite. Ele não se virou para olhá-la quando entrou e Hinata sentiu ser uma pena que sempre a anunciavam agora quando estavam juntos, gostaria de poder observá-lo como antes. Era estranho, é claro que ela queria ser notada por ele no passado, em suas loucas fantasias ele sempre dizia que apenas fingia não notar os olhos dela sobre si e confessava culpado do mesmo em relação a ela. Mas sim, ela gostava do manto do disfarce que a desatenção dele provia, era proteção aceita de bom-grado por sua timidez.

As portas foram fechadas atrás de si e ela meneou o corpo em reverência, quando ergueu os olhos mais uma vez encontrou os azuis dos olhos dele sobre si. Hinata engoliu em seco.

— B-boa noite, meu marido.

— Hinata... Hinata — ele suspirou o nome dela e lentamente se aproximou, quando estavam frente a frente ele ergueu o queixo dela com o indicador, expondo o pescoço que havia prometido separar da cabeça. — Porque você ainda está aqui? Achei que a mensagem dada ao seu pai havia sido clara o suficiente.

Ela desviou do olhar dele, mas não se moveu para se separar de seu toque.

— N-não sei do que está falando, meu marido. O-onde mais eu iria?

— Para algum lugar seguro’ttebayo... — a mão desceu do queixo para o pescoço, era quente e pesada, grande o bastante para circundar mais da metade do pescoço dela, um gesto e estaria tudo acabado. O polegar se movendo sutilmente quando ela engoliu em seco e quando um arrepio atravessou seu corpo, Hinata não teve certeza se ele havia sido inteiramente motivado pelo medo. — Bem longe daqui.

— Meu lugar é no palácio c-com você.

Ele deixou o braço cair e se afastou dela, indo se sentar nas almofadas cercando a mesa posta para dois.

— Sirva o chá — disse ele sério.

Ela se sentou diante dele e seguindo as regras aprendidas desde a infância ela começou a preparar a bebida. A mesa estava arrumada para ocasião, então ela somente seguiu protocolo, se perdendo no conforto do ritual enquanto as palavras dele ainda ecoavam em sua mente, mesmo que, vagarosamente, seu coração começasse a desacelerar. Sem olhar para seu marido, Hinata apanhou o chawan12 e adicionou as folhas pulverizadas de chá dentro do receptáculo, com cuidado para não se atrapalhar com a manga longa de seu kimono, adicionou a água quente, mas parou ao ouvir Naruto rir. Ainda meio absorta em sua tarefa, ergueu os olhos pare ele inquisidoramente.

— Eu vou ficar realmente surpreso quando alguma coisa te assustar’ttebayo.

Ela apanhou chasen13 e misturou a água e o chá.

— Porque diz isso, Denka-sama?

— Depois do que eu acabei de dizer... Suas mãos estão ainda mais firmes que ontem. Me diga, Hinata, você sempre foi valente assim? As lembranças que eu tenho da infância são todas de você afastada das brincadeiras mais perigosas, escondida atrás de Neji.

Hinata sentiu uma pontada no coração ao ouvir aquele nome.

— Eu sempre fui muito tímida... e e-ele muito zeloso.

— Ele era um homem honrado.

— Sim, ele era — ela então se curvou para frente, oferecendo a bebida com as duas mãos.

Ele levou o chawan aos lábios e bebeu.

— Perfeito, mas eu não esperava nada diferente.

Ela sentiu as bochechas corarem e desviou o olhar para o chão, então se lembrou do que havia acontecido mais cedo e decidiu preparar chá para si também.

— Minha irmã me mandou um bilhete hoje — começou num tom de voz descompromissado — ela me disse das intenções que Denka-sama deu a entender para nosso pai, são elas verdadeiras?

— Eu não dei a entender nada, Hinata eu acho que fui muito claro’ttebayo.

E pela primeira vez ela sentiu algo além de admiração, amor e medo por seu marido, algo muito parecido com raiva queimou no estômago de Hinata.

— Entendo, mas d-devo lembra-lo que minha irmã ainda tem treze anos e não pode c-conceber ainda.

— Assim como com você, não precisarei dela para isso.

Se sentindo rebelde, os movimentos de Hinata pararam e ela voltou o olhar para ele que ergueu as sobrancelhas surpreso com a ferocidade nos olhos dela.

— E para que Denka-sama precisa de mim?

Ele franziu o cenho e tomou mais um gole de sua bebida quebrando o contato visual e, por um momento, Hinata pensou ter visto uma fagulha de culpa na expressão dele.

— Me disseram que você passou o último ano na casa de uma tia em Suna, você e essa tia são próximas?

— Ela é o mais próximo de uma m-mãe que eu tive, visto que a s-senhora minha mãe tinha a saúde frágil e raramente estava disponível. Mas Denka-sama, devo avisá-lo, minha tia já é casada.

Após dizer isso um barulho algo e estranho foi ouvido, parecia uma mistura de crepitar de fogo e latidas de cachorro, mas o mais estranho, o som tinha a cadência de uma boa gargalhada.

— O q-que é isso? — ela perguntou olhando em volta, pois a fonte do barulho parecia estar muito perto.

— Termine de contar sua estória.

Ela teve um pequeno sobressalto e voltou a olhar para ele, seus olhos arregalados, o príncipe estava pálido, como se tivesse com mais medo que ela.

— Agora dattebayo!

— C-certo... N-nós estávamos em, hm... Oh sim, os irmãos haviam acabado de receber o ultimato: ou entregavam a cabeça do irmão mais velho ou a guerra que havia arrasado os dois países envolvidos reiniciaria.

“O irmão mais velho, vamos chamá-lo de Hiroshi, e seu concelho passaram a noite anterior ao dia marcado pelos inimigos discutindo o que iriam fazer sem achar uma saída boa o suficiente e chegaram até mesmo cogitar entregar a menina para os sequestradores. Mas que valor tinha a menina? Era somente uma criança. Matando Hiroshi, eles derrotariam um poderoso líder, matando uma criança só criariam um mártir, o que não os beneficiaria em nada.

Foi então que o irmão mais novo, vamos chamá-lo de Hitachi, surgiu com seu plano. Deve se lembrar que eles eram gêmeos, idênticos a ponto de confundirem até mesmo seus pais na infância, os inimigos jamais notariam a diferença.

Hiroshi foi o primeiro a protestar. Afinal, por mais que guardasse rancor do irmão desde o nascimento de seu prodigioso filho, ele ainda era o irmão mais velho e seu instinto e dever era de proteger seu irmão mais novo e aquela troca de papéis não lhe agradava em nada.”

O príncipe pareceu relaxar conforme ela falava, mas depois da última frase, em vez de temeroso, ele parecia triste, seu cenho franzido como se as palavras dela os tivessem levado além da estória. Hinata fez uma pequena pausa antes de continuar.

“Mas, o resto do concelho pareceu achar aquela uma resposta viável e eles resolveram colocar o plano em movimento apesar dos protestos de Hiroshi.

Na manhã do outro dia, Hitachi fora despido de suas roupas humildes e sobre seus ombros fora colocado uma das ricas vestes de seda do irmão, seu cabelo foi penteado de forma idêntica ao mais velho e em deu dedo fora colocado um anel de jade. Mas, quando estavam prestes a deixar a casa reservada ao líder do clã, este mesmo apareceu, disposto a terminar com aquela estória.

Ele e o irmão discutiram como não faziam há anos e no final Hiroshi, coberto de culpa pelos anos que seu irmão viveu como um criado e pelo tempo que havia sentido inveja dele mesmo sendo tão mais bem-aventurado, perguntou, por quê? Porque ele estava disposto a morrer por alguém assim?

Hitachi apenas sorriu e disse: você é líder do clã, para você todos nós somos irmãos, mas eu só tenho um irmão, você, e farei de tudo para protegê-lo.

E então, pela primeira vez os papeis se inverteram e quando Hitachi deu a ordem, os guardas deteram Hiroshi enquanto Hitachi caminhou para sua morte.”

As palavras de Hinata dissolveram em silêncio que foi quebrado somente quando Naruto colocou o chawan de volta a mesa.

— Acabou?

Hinata lançou um olhar nervoso para a janela, lá a lua ainda brilhava alta no céu, um círculo vermelho a contornava, mal sinal de acordo com a superstição. Ela inspirou profundamente e se curvou para pegar um doce na mesa tentando demonstrar tranquilidade que estava longe de sentir.

— N-não.

“Os filhos de Hitachi e Hirochi cresceram juntos e pouca coisa mudou em suas características, ela continuou a ter menos bons atributos que o que se desejava, coisa que ficou mais acentuada quando sua irmã nasceu, e ele continuou a ser o melhor em tudo que fazia, mas a dinâmica dos dois mudou completamente. Yuuzu, como vamos chamá-lo, que costumava a ter adoração por sua prima, Tsubaki, ao descobrir que seu pai havia morrido para salvar a seu tio, passou a odiá-lo e sua filha por associação. Ou... era o que ele demonstrava durante nove anos...”

Ela parou ali e seu olhar se voltou para a paisagem noturna mais uma vez, notando quanto as estrelas brilhavam tão frias, tão distantes.

— Hinata?

— Sim, onde estávamos?

“Se Yuuzu não odiasse Hirochi e Tsubaki o suficiente, depois de descobrir que o líder do clã e o concelho haviam decidido que ele casaria com Tsubaki quando ela completasse dezessete anos havia sido a gota d’água e ele passou a demonstrar abertamente o quão contrário ela a aquele estratagema.

Mas se o ódio de Yuuzu era quente como fogo em sua infância, fazendo com que ele fosse rude com Tsubaki e entrasse constantemente em brigas, conforme os anos foram passando, apenas se tornou uma raiva fria e foi se moldando a sua personalidade de forma que ele se tornou um rapaz de poucas palavras e olhares gélidos. Ele parou de demonstrar seu descontentamento em relação a prima e o destino que partilhavam, mas muitas vezes ignorava totalmente sua presença como se sua vontade fosse o suficiente para fazer com que ela não existisse.”

— Você fala isso como se fosse algo bom’ttebayo. Meu pai sempre dizia que “a indiferença e o abandono muitas vezes causam mais danos do que a aversão direta14”.

Hinata o olhou genuinamente surpresa, então seu olhar caiu e se tornou distante.

— Minako Tennou era sem dúvidas um homem s-sábio.

— Ele iria gostar de você — Naruto disse, e então arregalou os olhos como se tivesse deixado a informação escapar por descuido.

— Oh? — ela foi pega de surpresa pela pequena revelação.

— Ele gostava de estórias também — ele suspirou — o que aconteceu em seguida?

“Eu falava sobre Yuuzu, e seus sentimentos em relação a Tsubaki, eles ficaram mais complicados conforme eles foram amadurecendo, afinal, o primeiro amor é aquele que deixa raízes mais profundas, pois o amor é como erva daninha que mesmo o árido solo do rancor não consegue matar por completo. Mesmo que sua presença o lembrasse sempre de como seu pai havia morrido inutilmente, como ele pensava, toda vez que Yuuzu via sua prima lembrava da promessa que havia feito a seu pai, de protegê-la sempre, promessa que ele se recusava a quebrar.

Mais tempo se passou e quando estava próximo do aniversário de Tsubaki e do casamento, Yuuzu que havia se tornado um hábil guerreiro foi enviado junto a um pequeno contingente de guardas para buscar sua noiva que havia sido enviada para casa de sua madrinha no país vizinho para terminar sua educação, visto que a esposa do líder do clã havia morrido ao dar à luz a sua segunda filha.

Mas quando faziam a viagem de volta, a carruagem foi atacada por bandidos.”

Assim que Hinata terminou a frase, seus olhos cansados se voltaram para a janela e lá estava, ainda cinzento e frio, mas inconfundível, o sol.

Naruto seguiu o olhar de sua esposa.

— Até a próxima noite?

Ela se sobressaltou.

— Denka-sama?

— Eu perguntei se amanhã você terminará a estória.

Ela se curvou, o sino tocou, as portas se abriram.

— Se assim você permitir, meu marido.

 

1 - Naruto no Miya: "no Miya" é como se referencia ao príncipe.

2 - Denka-sama: Modo de se adereçar ao príncipe territorial.

3 - Chuugu: Imperatriz.

4 - Mulheres do Imperador: na Ooku era dito que todas as mulheres pertenciam ao Imperador, inclusive as damas da corte e a guarda da Imperatriz que era feita por mulheres guerreiras.

5 - Naishinnou: Princesa coroada, consorte do príncipe coroado herdeiro do trono.

6 - Tennou: Imperador.

7 - Chichi-ue: modo respeitoso de se referir ao próprio pai.

8 - Miya-sama: modo respeitoso de se referir ao príncipe ou princesa.

9 - Tennou Heika: Vossa majestade o Imperador

10 - Obi: Faixa de tecido parte do kimono que envolve a região da cintura.

11 - Hitoe: Parte mais interior da vestimenta, para se usar sob o kimono.

12 - Chawan: Uma espécie de cumbuca de cerâmica feita pra tomar chá.

13 - Chasen: Algo próximo de um fouet usado para misturar o chá.

 


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Notas finais do capítulo

Me perdoem se o final ficou meio meh, esse capítulo é de transição e eles tendem a ser assim mesmo e quando eu estava escrevendo o final eu estava com muito sono.

Mas eu compenso no capítulo quatro, tem ação chegando!

Queria também dizer que estou com orgulho de mim por ter sido tão boazinha com o Hiashi nesse capítulo, não gosto daquele velho.

Queria agradecer aos novos comentários e dar boas-vindas aos leitores que me acharam através do grupo de fanfics NaruHina do facebook, eu estou realmente muito feliz de saber que algo assim ainda existe, até pouco tempo eu me sentia muito sozinha no fandom, obrigada em especial a whatapanda que foi quem me apresentou a tanta gente legal.

No próximo capítulo:

Hinata tem uma chance de escapar de seu perigoso casamento e também FOGO!



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