Girls and Blood — Reimagined Twilight escrita por Azrael Araújo


Capítulo 8
Seven




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Quando cheguei na aula de inglês minhas pernas ainda bambeavam e eu podia sentir minhas bochechas quentesPorém, quando a aula terminou, percebi que Erica não estava no lugar ao meu lado, e lembrei que feri os sentimentos dela. Mas ela e Mike me esperaram na porta, e torci para isso significar que eu seria perdoada um dia. À medida que seguíamos, Erica pareceu voltar a agir como sempre agia, seu entusiasmo aumentando Mike enquanto falava da previsão do tempo para o fim de semana. A chuva devia dar uma trégua curta, então talvez fosse possível fazer a viagem à praia que ele planejava. 

Tentei parecer entusiasmada como eles, mas eu só conseguia pensar que teríamos sorte se a temperatura chegasse a dez graus. Não era meu ideal de um dia na praia. 

O resto da manhã passou indistintamente. Era difícil acreditar que eu não estava imaginando coisas de novo, que Edythe tinha mesmo dito aquelas coisas, e que os olhos dela ficaram daquele jeito quando ela falou. Alguma coisa nela confundia minha realidade. Primeiro, achei que a tivesse visto parar uma van com a mão, e agora, isso. A fantasia original parecia mais provável do que a segunda, que eu a atraía de alguma forma. Mas aqui estava eu, entrando nisso de olhos bem abertos, sem nem me importar com a pegadinha no final. No momento, parecia uma troca justa, a gargalhada dela mais tarde por aquela expressão dos olhos agora. 

Fiquei ansiosa, nervosa e me sentindo uma completa estúpida quando cheguei no refeitório no almoço. 

O fato de que a garota Riley não havia aparecido na Forks High School hoje também não ajudava. 

Ela me ignoraria, como sempre? Haveria algum sinal por parte dela de que a conversa da manhã tinha mesmo acontecido? 

Fridey, in the Globe Reporter. 

Com uma pequena parte do cérebro, ouvi Jeremy. Erica o convidara para o baile, e eles iam junto com algumas outras pessoas: Allen e Angela — se eu tivesse um irmão gêmeo também sairia com ele —, Logan e Taylor. Acho que grunhi nas horas certas, porque ele não pareceu perceber a pouca atenção que eu estava dando a ele. 

Meus olhos se viraram direto para a mesa dela assim que passei pela porta, mas fui tomada pela decepção, como se tivesse levado um soco no estômago. Só havia quatro pessoas ali, e Edythe não era uma delas. 

Ela ia desaparecer toda vez que a droga de alguma coisa significativa acontecesse? 

Claro que a conversa da manhã só foi significativa para mim. Eu tinha certeza. Certeza. 

De qualquer forma, logo perdi o apetite. Peguei uma barra de cereais para ter alguma coisa para segurar e segui Jeremy roboticamente até a fila, desejando ser o tipo de pessoa que pode ir cedo para casa, o tipo que não se preocupa com faltas não justificadas e detenção e figuras paternas decepcionadas. 

 

— Edythe Cullen está olhando para você de novo — disse Jeremy. Passei a prestar cem por cento de atenção quando ele disse o nome dela. — Por que será que está sentada sozinha hoje? 

Minha cabeça se levantou de repente e segui o olhar dele. Edythe estava sentada a uma mesa vazia do lado oposto de onde costumava ficar no refeitório. As covinhas surgiram assim que ela soube que a vi. Ela levantou a mão e gesticulou com o indicador para que eu me juntasse a ela. Enquanto eu a encarava, sem acreditar totalmente nos meus olhos, ela deu uma piscadela. 

— Ela quer dizer você? — perguntou Jeremy. 

A surpresa dele era meio insultante, mas eu não me importava. 

— Hã... Talvez ela precise de ajuda com o dever de biologia, eu sei lá. — murmurei. — Acho melhor ver o que ela quer. 

Consegui sentir Jeremy me olhando conforme eu me afastava. Também conseguia sentir as manchas vermelhas horríveis subindo pelo meu pescoço e tentei me acalmar. 

Quando cheguei à mesa dela, fiquei de pé atrás da cadeira na frente dela, constrangida. 

— Por que você não senta comigo hoje? — sugeriu ela, dando um sorriso largo. 

Eu me sentei automaticamente, semicerrando os olhos enquanto observava a expressão dela. Era assim que a piada terminava? Ela não tinha parado de sorrir. Concluí que ainda não me importava. Eu topava qualquer coisa que me levasse mais uma vez para perto dela assim. 

Ela ficou me olhando, ainda sorrindo. Será que ela queria que eu dissesse alguma coisa? 

Esse é um péssimo momento para ser lerda. 

— Isso é... Hã... Diferente — consegui falar, por fim. 

— Bom — disse ela, e parou. Consegui sentir que havia mais, então esperei. O resto das palavras saiu em avalanche, se embolando tanto que demorei um minuto para decifrar o significado. Cuidado com a lerda. — Concluí que, já que vou para o inferno, posso muito bem aproveitar. 

Fiquei esperando, achando que ela explicaria, mas ela não disse nada. O silêncio foi ficando mais desconfortável conforme os segundos se passaram. 

— Você sabe que não entendi o que você quer dizer, né? — perguntei. 

— Estou contando com isso. — disse ela, e desviou os olhos para trás de mim. — Acho que seus amigos estão chateados porque roubei você. 

De repente, consegui sentir os olhos de todos eles nas minhas costas. Pela primeira vez, não me incomodou em nada. 

— Eles vão sobreviver. — dei de ombros. 

Ela sorriu. 

— Mas é possível que eu não devolva. 

Engoli em seco, e ela riu. 

— Você parece preocupada. 

— Não. — Parei para engolir em seco de novo, por ouvir minha voz começar a falhar. — Mas estou surpresa. Qual é o motivo disso tudo? 

Fiz um sinal para ela e para a mesa vazia. 

— Eu falei, estou cansada de tentar ficar longe de você. Então, estou desistindo. — O sorriso estava sumindo, e os olhos ficaram sérios no final. 

— Desistindo? — repeti. 

— Sim. Desistindo de tentar ser boa. Agora só vou fazer o que eu quiser e deixar os dados rolarem. — O sorriso desapareceu completamente, e um tom ríspido surgiu na voz sedosa. 

— Está me confundindo de novo. — revirei os olhos. Eu tinha a sensação de que ela sabia exatamente o que fazia e que fazia de propósito. 

Fiz uma careta para os meus próprios pensamentos e pareceu que ela achou isso engraçado. 

— Eu sempre falo demais quando converso com você. Esse é um dos problemas. 

— Não se preocupe. Eu não entendo nada do que você diz. 

— Como falei, estou contando com isso. 

Ficamos nos olhando por alguns segundos, mas o silêncio não foi constrangedor dessa vez. Foi mais... Carregado. Meu rosto começou a ficar quente de novo. 

— Então... — falei, afastando o olhar para recuperar o fôlego. — Numa linguagem clara, agora somos amigas

— Amigas... — murmurou ela. Pareceu não ser sua palavra favorita. 

— Ou não. — bufei. 

— Bom, acho que podemos tentar. Mas estou avisando de novo que não sou uma boa amiga. — O sorriso estava duro agora, o alerta era real. 

— Você diz isso muitas vezes. 

Era engraçado como meu estômago estava embrulhado. Seria por eu estar com fome, afinal? Por ela estar sorrindo para mim? Ou porque, de repente, eu quase acreditava nela? Percebi que ela acreditava no que estava dizendo. 

— Sim, porque você não está me ouvindo. Ainda estou esperando que acredite nisso. Se for inteligente, vai me evitar. 

Eu tive que sorrir, e vi o sorriso dela ficar maior automaticamente em resposta. 

— Achei que tínhamos chegado à conclusão de que sou imbecil. Ou idiota, sei lá. 

— Eu pedi desculpas, ao menos na segunda vez. Você pode me perdoar? Eu falei sem pensar. 

— Ah, claro. Você não precisa me pedir desculpas. 

Ela suspirou. 

— Não? 

Eu não sabia como responder — pareceu uma pergunta retórica, de qualquer modo. Olhei para minhas mãos ao redor da embalagem colorida da barra de cereais, sem saber o que fazer. Era tão estranho estar ali com ela, como pessoas normais. Eu tinha certeza de que só um de nós era normal. 

— No que está pensando? — perguntou ela. 

Eu levantei o olhar. Ela estava me encarando de novo, com os olhos dourados curiosos e, como na primeira vez que a vi, frustrados. Mais uma vez, meus pensamentos se recusaram a passar pelo filtro apropriado. 

— Estou tentando entender o que você é. 

O sorriso ficou tenso, como se os dentes tivessem ficado grudados de repente, mas ela o sustentou com cautela. 

— Está tendo sorte com isso? — A voz dela soou casual, como se ela não se importasse com a minha resposta. 

Meu pescoço ficou quente e, eu supus, horrivelmente manchado de vermelho. Durante aquele último mês, eu pensei um pouco no assunto, mas as únicas soluções em que consegui pensar eram totalmente ridículas. O nível de besteira de Clark Kent e Peter Parker. Ou, sei lá, pacto com o cara lá de baixo. Será que os irmãos Winchester visitariam Forks? 

Ela inclinou a cabeça para o lado e olhou nos meus olhos como se tentando ver através deles, direto no meu cérebro. Ela sorriu, de forma convidativa dessa vez, impossível de resistir. 

— Você não vai me contar? 

Mas eu tinha que resistir. Ela já me achava uma idiota. 

Balancei a cabeça. 

— É constrangedor demais. 

— Isso é muito frustrante — reclamou ela. 

— É mesmo? — Eu levantei as sobrancelhas. — Tipo... Alguém se recusando a dizer para você o que está pensando, mesmo fazendo o tempo todo comentários enigmáticos sob medida para deixar você acordada a noite inteira se perguntando o que ela podia querer dizer... Frustrante assim? 

Ela franziu a testa e projetou os lábios de um jeito perturbador. Eu me esforcei para manter a concentração. 

— Ou é frustrante, digamos, como se ela tivesse feito um monte de outras coisas estranhas, como salvar sua vida em circunstâncias impossíveis um dia, depois tratar você como um nada no dia seguinte, sem nunca explicar nada disso, mesmo depois de prometer? Frustrante assim? 

A testa se franziu ainda mais, depois virou uma expressão de mau humor. 

— Você ainda não esqueceu isso? 

— Ainda não. 

— Outro pedido de desculpas ajudaria? 

— Uma explicação seria melhor. 

Ela repuxou os lábios, olhou para além do meu braço esquerdo e riu. 

— O quê? 

— Suas namoradas acham que estou sendo cruel com você. Estão decidindo se devem vir interromper nossa briga ou não. 

Pisquei surpresa por um segundo. Namoradas? 

— Eu não tenho namoradas e você está tentando mudar de assunto. 

Ela ignorou a segunda parte da minha frase. 

— Você pode não pensar nelas assim, mas é assim que elas pensam em você. Elas querem você. 

— Não tem como isso ser verdade. — argumentei, irritada. Mas que droga...? 

— Mas é. Eu já disse, é fácil interpretar a maioria das pessoas. 

— Menos eu. 

— É. Menos você. — Ela voltou o olhar para mim e me examinou, parecendo perfurar os meus olhos. — Fico me perguntando o porquê disso. 

Eu precisei desviar os olhos. Concentrei-me em abrir a embalagem em minhas mãos. Mordi um pedaço, sem muita vontade, e fiquei olhando a mesa sem ver. 

— Não está com fome? — perguntou ela. 

Vi com alívio que o olhar dela estava menos penetrante agora. 

— Não. — Não achei necessário mencionar que meu estômago não estava em boas condições para receber comida. — E você? — Olhei para a mesa vazia diante dela. 

— Não, não estou com fome. — Ela sorriu como se eu não tivesse captado uma piada particular. 

— Pode me fazer um favor? — perguntei, com palavras que fugiram antes de eu dar permissão para que saíssem. 

Ela ficou séria com rapidez. 

— Depende do que você quer. 

— Não é grande coisa — garanti. 

Ela esperou, alerta, mas claramente curiosa. 

— Você pode me avisar com antecedência? Na próxima vez que decidir me ignorar? Para o meu próprio bem, eu acho. Para que eu fique preparada. 

— Parece justo. 

Ela parecia estar tentando não rir quando eu olhei. — Obrigado. 

— Posso pedir um favor em troca? — perguntou ela. 

— Claro. — Foi minha vez de ficar curiosa. O que ela quereria de mim? 

— Me conte uma de suas teorias. 

Ops. 

— De jeito nenhum. 

— Você me prometeu um favor. 

— E você já quebrou promessas — lembrei-lhe. 

— Só uma teoria... Eu não vou rir. 

— Vai, sim. — Eu não tinha dúvida disso. 

Ela olhou para baixo, depois para mim através dos cílios longos, os olhos dourados abrasadores. 

— Por favor? — sussurrou ela, inclinando-se para mim. 

Sem permissão, meu corpo se inclinou para perto dela, como se ela fosse um ímã e eu fosse um clipe de papel, até o rosto dela estar a menos de trinta centímetros do meu. Minha mente ficou totalmente vazia. 

Balancei a cabeça para tentar pensar com clareza e me obriguei a endireitar o corpo. 

— Hã... O quê? 

— Só uma teoriazinha. — ronronou ela. — Por favor. 

— Bom... Hã... Você foi picada por uma aranha radioativa? — Ela também sabia hipnotizar? Ou eu é que era um fraca irremediável? 

Ela revirou os olhos. 

— Isso não é muito criativo. 

— Desculpe, é só o que eu tenho. 

— Nem chegou perto. 

— Nada de aranhas? 

— Nada de aranhas. 

— Nada de radioatividade? 

— Nadinha. 

— Droga. — murmurei. 

Ela riu. — A criptonita também não me incomoda. 

— Você não podia rir, lembra? 

Ela apertou os lábios, mas os ombros tremeram do esforço para segurar a gargalhada. 

— Um dia eu vou descobrir — murmurei. 

O senso de humor dela sumiu como se alguém tivesse desligado um interruptor. 

— Eu gostaria que você não tentasse. 

— Como posso não questionar? Quer dizer... Você é impossível. 

Eu não falei como crítica, só como afirmação. Você não é possível. É mais do que é possível. 

Ela entendeu. 

— Mas e se eu não for uma super-heroína? E se eu for a vilã? — Ela sorriu ao falar isso, com expressão brincalhona, mas os olhos estavam pesados com algum fardo que eu não conseguia imaginar. 

— Ah — eu disse, surpresa. As muitas dicas que ela deu começaram a surgir até fazerem sentido. — Ah, tudo bem. 

Ela esperou, rígida de estresse de repente. Naquele segundo, todos os muros dela pareceram desaparecer. 

— O que exatamente tudo bem quer dizer? — perguntou ela, tão baixo que foi quase um sussurro. 

Tentei organizar os pensamentos, mas a ansiedade dela me obrigou a responder mais rápido. Eu falei as palavras sem prepará-las primeiro. 

— Você é perigosa? 

Saiu como uma pergunta, e havia dúvida na minha voz. Ela era um pouco maior do que eu — nenhuma novidade, considerando minha estatura — mais velha e com um corpo tentadoramente delicado. Em circunstâncias normais, eu teria rido por usar a palavra perigosa para me referir a alguém como ela. Mas ela não era normal, e não havia ninguém como ela. 

Eu me lembrei da primeira vez que ela me olhou com ódio nos olhos, quando senti um medo genuíno, apesar de não entender a reação dela no momento e achar que foi tolice segundos depois. Agora eu entendia. Por baixo da dúvida, fora da incongruência da palavra perigosa aplicada ao corpo magro e perfeito, eu conseguia sentir a verdade. 

O perigo era real, embora minha mente lógica não conseguisse absorver. E ela estava tentando me dizer isso o tempo todo. 

— Perigosa. — murmurei de novo, tentando fazer a palavra se encaixar na pessoa à minha frente. O rosto de porcelana ainda estava vulnerável sem muros e sem segredos. Os olhos estavam arregalados agora, na expectativa da minha reação. Ela parecia estar se preparando para algum tipo de impacto. — Mas não a vilã — sussurrei. — Não, eu não acredito nisso. 

— Você está enganada. — A voz dela era quase inaudível. Ela olhou para baixo, roubando minha tampa de garrafa e girando-a de lado entre os dedos. Tirei vantagem da falta de atenção dela para olhar mais. Ela foi sincera no que disse, isso era óbvio. Queria que eu sentisse medo dela. 

O que eu mais sentia era... Fascinação. Havia um certo nervosismo, claro, por estar tão perto dela. Por medo de fazer papel de boba — algo natural em mim. Mas eu só queria ficar sentada aqui para sempre, ouvir a voz dela e ver as expressões surgirem no rosto dela, bem mais rápido do que eu era capaz de perceber. Então, é claro que foi nessa hora que percebi que o refeitório estava quase vazio. 

Afastei minha cadeira da mesa, e ela levantou o rosto. Ela parecia... Triste. Mas resignada. Como se essa fosse a reação que estava esperando. 

— Vamos chegar atrasadas — disse para ela, pegando a mochila. 

Ela ficou surpresa por um segundo, mas a expressão divertida já familiar estava de volta em seguida. 

— Eu não vou à aula hoje.  

— Por que não? 

Ela sorriu para mim, mas os olhos não estavam totalmente disfarçados. Eu ainda conseguia ver o estresse por trás da fachada. 

— É saudável matar aula de vez em quando — disse ela. 

— Ah. Bom, então... Estou indo. — Havia outra opção? Eu não era de matar aula, mas se ela me pedisse... 

Ela voltou a atenção para a mesa vazia. 

— A gente se vê depois, então. 

Aquilo parecia uma dispensa, e eu não era totalmente contra ser dispensada. Havia muito em que pensar, e eu não pensava muito bem com ela perto. O primeiro sinal tocou, e eu saí correndo pela porta. 

Olhei para trás uma vez e vi que ela não tinha saído do lugar. 

Tive sorte quando cheguei na aula; a professora ainda não estava na sala quando cheguei atrasada, com o rosto quente. Allen e Mike estavam me olhando: Allen com surpresa, quase assombro, e Mike com um tipo de ressentimento. 

A Sra. Banner entrou na sala nessa hora, mandando a turma fazer silêncio enquanto equilibrava caixas de papelão nos braços. Deixou as caixas caírem na mesa de Mike e pediu que ele começasse a passá-las pela turma. 

— Muito bem, pessoal, quero que todos tirem um objeto de cada caixa — disse ela enquanto pegava um par de luvas de látex do bolso do casaco e as vestia. O som áspero das luvas sendo puxadas nos pulsos me pareceu agourento. — O primeiro deve ser um cartão indicador — prosseguiu ela, pegando um cartão branco do tamanho de uma ficha e exibindo-o. Tinha quatro quadrados em vez de linhas. — O segundo é um aplicador de quatro dentes... — Ela ergueu uma coisa que parecia um prendedor de cabelos sem dentes. — E o terceiro é uma micro agulha estéril. 

Ela levantou um pedacinho de plástico azul e o abriu em dois. A ponta era invisível dessa distância, mas meu estômago revirou. 

— Vou andar pela sala com um conta-gotas com água para preparar seus cartões, então só comecem quando eu chegar até vocês. 

De novo, ela começou pela mesa de Mike, colocando cuidadosamente uma gota de água em cada um dos quatro quadrados do cartão dela. 

— Depois, quero que furem o dedo com a agulha, cuidadosamente... — Ela pegou a mão de Mike e deu uma estocada com a agulha na ponta do dedo médio dela. 

— Ai — reclamou Mike. 

Um suor grudento surgiu na minha testa, e meus ouvidos começaram a apitar de leve. 

— Coloquem uma gotinha de sangue em cada um dos dentes. 

Ela demonstrou, espremendo o dedo de Mike até que o sangue fluiu. Engoli em seco convulsivamente, meu estômago palpitando. 

— E depois, apliquem no cartão — concluiu ela, segurando o cartão com as gotas vermelhas para que víssemos. 

Fechei os olhos, tentando ouvir através do zumbido nos meus ouvidos. 

— A Cruz Vermelha vai fazer coleta de doação de sangue em Port Angeles no fim de semana que vem, então pensei que todos vocês deviam conhecer seu tipo sanguíneo. — Ela parecia orgulhosa de si mesma. — Os alunos que ainda não têm dezoito anos vão precisar de permissão dos pais. Tenho formulários na minha mesa. 

Ela continuou pela sala com as gotas de água. Encostei o rosto no tampo de mesa frio e preto e tentei me manter consciente enquanto tudo parecia ficar distante, sumindo em um túnel comprido. Os gritinhos, queixas e risinhos que meus colegas de turma faziam enquanto espetavam os dedos pareciam distantes. 

Respirei lentamente pela boca. 

— Srta. Swan, está tudo bem? — perguntou a Sra. Banner. 

A voz dela estava perto da minha cabeça, mas ainda soava distante, e parecia alarmada. 

— Eu já sei meu tipo sanguíneo, Sra. Banner. Sou O negativo. 

Eu não conseguia abrir os olhos. 

— Acha que vai desmaiar? 

— Sim, senhora — murmurei, xingando-me por dentro por não matar a aula quando tive a chance. 

— Alguém pode levar ela à enfermaria, por favor? — pediu ela. 

— Eu levo. 

Apesar de distante, reconheci a voz de Mike. 

— Consegue andar? — perguntou a Sra. Banner. 

— Consigo — sussurrei. Só me deixe sair daquipleo amor de Deus. Pensei. Vou nem que seja engatinhando. 

Senti Mike segurar minha mão — eu tinha certeza de que estava suada e nojenta, mas não me importei com isso — e me esforcei para abrir os olhos enquanto ele me puxava. Eu tinha que sair daquela sala antes que tudo ficasse preto. Cambaleei na direção da porta enquanto Mike passava o braço pela minha cintura, tentando me firmar. Passei o braço pelos ombros dele, mas tentei carregar o máximo possível do meu próprio peso. 

Mike e eu seguimos pelo campus. Quando estávamos perto do refeitório, fora de vista do prédio quatro, para o caso da Sra. Banner estar olhando, eu parei de lutar. 

— Posso me sentar um minuto, por favor? — pedi. 

Mikedeu um suspiro de alívio enquanto eu me sentava desajeitadamente na beirada da calçada. 

— E, o que quer que você faça, não tire a mão do bolso — pedi. 

Tudo parecia estar girando, mesmo com meus olhos fechados. Tombei para a frente, jogando a cabeça nas mãos, os cotovelos apoiados nos joelhos. 

— Puxa, você está verde, Isabella — disse Mcike, nervoso. 

— Me dá... Um minuto... 

— Bella? — Uma voz diferente chamou à distância. 

Ah, não! Isso não. Que eu esteja imaginando essa voz horrivelmente familiar. 

— Qual é o problema? Ela se machucou? — A voz estava mais perto agora, e parecia estranhamente perturbada. 

Fechei os olhos com força, torcendo para morrer. 

Ou, no mínimo, para não vomitar. 

Mike pareceu estressado. 

— Acho que está desmaiando. Não sei o que aconteceu, ela nem furou o dedo. 

— Bella, está me ouvindo? — A voz de Edythe estava bem do meu lado, agora aliviada. 

— Não — gemi. 

Ela riu. 

— Eu estava tentando ajudar, levando-a à enfermaria — explicou Mcike, num tom defensivo — Mas ela parou aqui. 

— Eu cuido dela — disse Edythe, com o sorriso ainda na voz. — Pode voltar para a aula. 

— O quê? Não, eu tenho que... 

De repente, um braço fino e forte estava embaixo dos meus joelhos, e eu estava sendo carregada sem nem perceber como cheguei lá. O braço forte, frio como a calçada, me segurou com força contra um corpo magro. 

Meus olhos se abriram de surpresa, mas só consegui ver o cabelo bronze. Ela começou a andar, e eu esperava cair, mas ela de alguma forma me sustentou. 

Pensando bem, eu não pesava tanto quanto uma van. 

— Estou bem, eu juro — murmurei. Por favor, por favor, que eu não vomite nela. 

— Ei! — gritou Mike, já dez passos atrás. 

Edythe a ignorou. 

— Você está horrível — disse ela. Consegui ouvir o sorriso na voz. 

— Me coloque na calçada de novo — gemi. — Vou ficar bem em poucos minutos. 

Ela nos levou rapidamente em frente enquanto eu tentava fazer minhas entranhas se acalmarem. 

— Então você desmaia quando vê sangue? — perguntou ela. Isso parecia diverti-la. 

Não respondi. Fechei os olhos de novo e reprimi a náusea, cerrando os lábios. O mais importante era não vomitar nela. Eu seria capaz de sobreviver a qualquer outra coisa. 

— E não era nem seu próprio sangue! — Ela riu. 

Parecia o som de um sino tocando. 

— Tenho sistema vasovagal fraco — murmurei. — É só uma síncope neuromediada. 

Ela riu de novo. Aparentemente, as palavras grandes que aprendi para explicar essas situações não a impressionaram como deveriam. 

Não sei como ela abriu a porta enquanto me carregava, mas de repente ficou quente; tudo, exceto o corpo dela encostado no meu. Desejei me sentir normal para aproveitar mais isso, a sensação do corpo dela tocando no meu. E sabia que, em circunstâncias normais, eu estaria apreciando o momento. 

— Ah, meu Deus — ouvi uma voz de homem arfar. 

— É só um desmaio — murmurei, tentando revirar os olhos. 

Um homem com aparência de avô, o enfermeiro da escola, ergueu o rosto de um livro, chocado, enquanto Edythe me levava para dentro do aposento. Ela me colocou em uma das macas, com delicadeza. 

— Estão fazendo tipagem sanguínea na aula de biologia — explicou Edythe para o enfermeiro. 

Vi o senhor idoso assentir com conhecimento. 

— Sempre acontece com alguém. 

Edythe cobriu a boca e fingiu que a gargalhada era uma tosse. Ela foi para o outro lado da sala. Os olhos estavam acesos, empolgados. 

— Só fique deitado um minuto, filha — disse o enfermeiro. — Vai passar. 

— Eu sei — murmurei. Na verdade, a tontura estava começando a passar. Em pouco tempo, o túnel sumiria e o mundo ficaria normal de novo. 

— Isso acontece muito? — perguntou ele. 

Eu suspirei. 

— Tenho sistema vasovagal fraco. 

O enfermeiro pareceu confuso. 

— Às vezes — acrescentei. 

Edythe riu de novo, sem se dar o trabalho de disfarçar. 

— Pode voltar para a aula agora — disse o enfermeiro para ela. 

— Eu tenho que ficar com ela — respondeu Edythe. 

Ela falou com tanta confiança que, apesar de repuxar os lábios, o enfermeiro não discutiu. 

— Vou pegar um pouco de gelo para colocar na sua testa — disse ele, e depois irrompeu porta afora. 

Fechei as pálpebras de novo. 

— Você tinha razão. 

— Em geral, eu tenho. Mas sobre o que especificamente desta vez? 

— Matar aula é mesmo saudável. — Tentei respirar de um jeito uniforme. 

— Por um momento, você me assustou lá fora — admitiu ela, depois de uma pausa. Seu tom de voz dava a impressão de que ela confessava uma fraqueza, algo de que sentia vergonha. — Pensei que aquele cara Newton tivesse envenenado você. 

— Hilário. — Eu ainda estava de olhos fechados, mas me sentia mais normal a cada minuto. 

— Sinceramente — disse ela — já vi cadáveres com uma cor melhor. Fiquei preocupada se teria que vingar seu assassinato. 

— Aposto que Mike ficou irritada. 

— Acho que ele me odeia — disse Edythe, de um jeito animado. 

— Você não tem como saber — argumentei, mas depois me questionei... 

— Você devia ter visto a cara dele. Ficou óbvio. 

— Como foi que você nos viu? Pensei que estivesse matando aula. 

Agora eu estava quase bem, embora o mal-estar provavelmente tivesse passado mais rápido se eu tivesse comido alguma coisa no almoço. Por outro lado, talvez fosse uma sorte que meu estômago estivesse vazio. 

— Eu estava no carro, ouvindo um CD. — Uma resposta tão normal. Isso me surpreendeu. 

Mas, claro, não é como se ela estivesse no meio da floresta escondendo um cadáver. Esquizofrenia... 

Ouvi a porta, abri os olhos e vi o enfermeiro com uma compressa fria na mão. 

— Aqui está, filha. — Ele a colocou na minha testa. — Parece melhor — acrescentou. 

— Acho que estou bem — eu disse, sentando-me. Só com um pequeno zumbido nos ouvidos, mas nada girava. As paredes verde-menta ficaram onde deveriam estar. 

Pude ver que ele estava prestes a me fazer deitar de novo, mas a porta se abriu exatamente naquele momento e o Sr. Cope colocou a cabeça para dentro. 

— Temos mais um — alertou ele. 

Desci da maca para liberá-la para a próxima vítima e devolvi a compressa ao enfermeiro. 

— Aqui, não preciso disso. 

Nesse momento, Mike cambaleou pela porta, agora apoiando Leann Stephens, outra garota da aula de biologia. Ela estava verde. Edythe e eu nos encostamos na parede para deixar que passassem. 

— Ah, não — murmurou Edythe. — Saia da enfermaria, Bella. 

Olhei para ela, confusa. 

— Acredite em mim. Vá. 

Girei o corpo e segurei a porta antes que se fechasse, disparando para fora da enfermaria. Pude sentir Edythe bem atrás de mim. 

— Desta vez você me deu ouvidos — disse ela, surpresa. 

— Senti o cheiro de sangue. 

Leann não estava enjoada só de ver outras pessoas. Bem menos constrangedor, pensei. 

— As pessoas não conseguem sentir cheiro de sangue — contestou ela. 

— Eu consigo. É isso que me deixa enjoada. Tem cheiro de ferrugem... E sal. 

Ela me olhou como se eu tivesse três cabeças. 

— Que foi? — perguntei. 

— Nada. 

Mike saiu pela porta, olhou para Edythe, para mim e depois para ela de novo. 

— Muito obrigada pela ajuda, Edythe — disse ele, com o tom doce demais, uma boa indicação de que Edythe estava certa sobre aquela história de ser odiada. — Não sei o que o Bella teria feito sem você. 

— Não foi nada — respondeu Edythe, com um sorriso divertido. 

— Você parece melhor — disse Mike para mim com o mesmo tom. — Fico feliz. 

— Não tire a mão do bolso — alertei novamente. 

— Não está mais sangrando — disse ele, com a voz voltando ao normal. — Você vai voltar à aula? 

— Não, obrigado. Eu teria que dar meia-volta e voltar para cá. 

— É, acho que sim... Então, você vai nesse fim de semana? À praia? — Enquanto falava, ele disparou um olhar sombrio para Edythe, que estava encostada no balcão atravancado, imóvel como uma escultura, fitando o vazio. 

Eu não queria chateá-lo ainda mais. 

— Claro, eu disse que iria. 

— Vamos nos reunir na loja dos meus pais, às dez. — Os olhos dela dispararam para Edythe de novo, e consegui perceber que ela estava com medo de estar deixando escapar muita informação. Sua linguagem corporal deixava claro que não era um convite aberto. 

— Estarei lá — prometi. 

— A gente se vê no ginásio, então — disse ela, andando insegura para a porta. 

— A gente se vê — respondi. 

Ele olhou para mim mais uma vez, o rosto redondo fazendo beicinho, e, ao passar pela porta, seus ombros arriaram. A culpa tomou conta de mim de novo. Eu não queria ferir os sentimentos dele, mas parecia acontecer sem parar. Pensei que teria que ficar olhando a expressão decepcionada por toda a aula de educação física. 

— Ugh, educação física — murmurei. Eu adorava a Educação Física, aqui ou em Phoenix, mas minhas entranhas aidam protestavam. 

— Posso cuidar disso. — Eu não tinha ouvido Edythe se aproximar, mas agora ela falava bem do meu lado, o que me fez pular. — Sente-se e pareça pálida — instruiu ela, em um sussurro. 

Não era nenhum desafio — eu era sempre pálida, e minha recente vertigem deixara um leve brilho de suor no meu rosto. Sentei em uma das cadeiras dobráveis que rangiam e encostei a cabeça na parede, com os olhos fechados. Desmaiar era exaustivo. 

Ouvi Edythe falar baixinho no balcão. 

— Sr. Cope. 

Eu não tinha ouvido o sujeito voltar para a mesa, mas ele respondeu: 

— Sim? 

— Bella tem educação física no próximo tempo, mas acho que ela não está se sentindo muito bem. Na verdade, eu estava pensando que devia levá-la para casa. Você pode dispensá-la da aula? — A voz dela era derretida como mel. Eu podia imaginar como os olhos deviam estar intensos. 

— Vai precisar de uma dispensa também, Edythe? — A voz do Sr. Cope falhou. 

Por que eu não conseguia fazer isso com as pessoas? 

— Não, tenho o Sr. Goff — disse Edythe. — Ele não vai se importar. 

— Muito bem, está tudo resolvido. Melhoras, Swan — disse o Sr. Cope para mim. 

Assenti levemente, exagerando um pouco na cena. 

— Consegue andar ou quer que eu ajude você novamente? — De costas para o recepcionista, a expressão dela tornou-se sarcástica. 

— Vou andando. 

Levantei-me com cuidado, e ainda estava bem. Ela abriu a porta para mim, seu sorriso educado, mas os olhos debochados. Senti-me idiota ao passar pela porta, para o chuvisco frio e fino que começara a cair. Mas era bom, a primeira vez que eu gostava da umidade constante que caía do céu. Lavava o suor do meu rosto. 

— Obrigado por aquilo — falei enquanto ela me seguia para fora. 

— Disponha — respondeu ela. E olhou para além de mim, para a chuva. 

— Então você vai? No sábado, para a praia? — Eu torcia para que ela fosse, mas parecia improvável. Não conseguia imaginá-la pegando carona com o resto do pessoal da escola; ela não pertencia ao mesmo mundo. 

Mas só o desejo de que ela fosse provocou a primeira onda de entusiasmo que senti pelo passeio que não era relacionado a garota Riley. 

— Aonde vocês vão? — Ela ainda olhava para a frente, sem expressão, mas a pergunta me deu esperança de ela estar pensando no assunto. 

— La Push, à primeira praia. 

Analisei seu rosto, tentando interpretá-lo. Seus olhos pareceram se estreitar minimamente. 

Ela olhou para mim e sorriu. 

— Acho que não fui convidada. 

— Eu acabei de convidar. 

— Não vamos, você e eu, antagonizar mais o coitado do Mcike esta semana. Não queremos que ele surte. 

Os olhos dela dançavam, como se estivesse gostando da ideia mais do que devia. 

— Tá, tudo bem — murmurei, preocupada com o modo como ela disse “você e eu”. Gostei mais do que eu devia. 

Agora, estávamos no estacionamento, então virei para meu carro. Algo pegou meu casaco, puxando-me para trás. 

— Aonde você vai? — perguntou ela, surpresa. 

A mão segurava meu casaco. Ela não parecia nem ter firmado os pés. Por um segundo, não consegui responder. Ela negava ser uma super-heroína, mas minha mente não conseguia processar de outra forma. Era como se a Supergirl tivesse deixado a capa em casa. 

Muito nerd, eu sei. 

Eu me perguntei se devia ficar, sei lá, incomodada por ela ser tão mais forte do que eu, mas eu não ficava insegura por coisas assim havia muito tempo. Desde... Bem, desde Lauren. 

— Bella — chamou ela, e percebi que não tinha respondido a pergunta. 

— O quê? 

— Eu perguntei aonde você vai. 

— Para casa. Não vou? — A expressão dela me confundiu. 

Ela sorriu. 

— Não me ouviu prometer que levaria você para casa em segurança? Você acha que vou deixar você dirigir nas suas condições? 

— Que condições? 

— Odeio ser a portadora de más notícias, mas você tem sistema vasovagal fraco. 

— Acho que vou sobreviver. — Tentei dar outro passo na direção do Tracker, mas a mão dela não soltou meu casaco. 

Eu parei e olhei para ela de novo. 

— Tudo bem, então por que você não me diz o que quer que eu faça? 

O sorriso dela se alargou. 

— Muito sensato. Você vai entrar no meu carro e eu vou levar você para casa. 

— Tenho dois problemas com isso. Um, não é necessário, e dois, e o meu carro? 

— Um, necessário é uma palavra subjetiva, e dois, vou pedir a Archie para levar depois da aula. 

Fui distraída pelo lembrete casual que ela tinha irmãos, estranhos, pálidos e lindos. Irmãos especiais? Especiais como ela? 

— Você vai criar caso? — perguntou ela, porque não falei nada. 

— Adianta resistir? 

Tentei decifrar todas as camadas do sorriso dela, mas não fui muito longe. 

— Meu coração gelado se aquece de ver que você está aprendendo tão rápido. Por aqui. 

Ela soltou meu casaco e se virou. 

Fui atrás dela com boa vontade. O movimento suave dos quadris dela era tão hipnótico quando os olhos. E eu não fiquei olhando enquanto ela andava na frente claro que não. 

O interior do Volvo era tão imaculado quanto a parte de fora, com um perfume suave. Era quase familiar, mas não consegui identificar. O que quer que fosse, tinha um cheiro delicioso. 

Quando o motor ganhou vida, ela mexeu em alguns botões, aumentou o aquecimento e baixou a música. 

— É “Clair de Lune”? — perguntei. 

Ela olhou para mim, surpresa. 

— Você é fã de Debussy? 

Eu dei de ombros. 

— Minha mãe ouve muita música clássica em casa. Só conheço minhas favoritas. 

— Também é uma das minhas favoritas. 

— Olha só — eu disse. — Temos alguma coisa em comum. 

Eu esperava que ela risse, mas ela só ficou olhando para a chuva. 

Relaxei no banco cinza-claro, reagindo na mesma hora à melodia familiar. Como eu só a via pelo canto do olho, a chuva borrava tudo fora da minha janela em manchas cinza e verdes. Demorei um minuto para perceber que estávamos indo muito rápido — mas o carro se movia tão suavemente, que não senti a velocidade. Só a cidade passando rápido foi que deixou evidente. 

— Como é a sua mãe? — perguntou ela de repente. 

Os olhos cor de caramelo me observaram com curiosidade quando respondi. 

— Ela é meio parecida comigo, com os mesmos olhos e a mesma cor de cabelo, mas é baixa. É extrovertida e bem corajosa. Também é meio excêntrica, meio irresponsável e uma cozinheira imprevisível. — Eu parei. Era deprimente falar do passado. 

— Quantos anos você tem, Bella? — A voz dela parecia frustrada por algum motivo que não consegui imaginar. 

O carro parou, e percebi que já estávamos na casa de Charlie. A chuva estava tão forte que eu mal conseguia ver a casa. Era como se o carro estivesse submerso em um rio. 

— Tenho 16 anos — respondi, meio confuso pelo tom dela. 

— Você não parece ter 16 — disse ela. Como se fosse uma acusação. 

Eu ri. 

— Que foi? — perguntou ela. 

— Minha mãe sempre diz que eu nasci com 35 anos e que entro mais na meia-idade a cada ano que passa, ao mesmo tempo em que me torno mais e mais uma irresponsável debilóide. — Eu ri de novo, depois suspirei. — Bom, alguém tem que ser a adulta em alguns momentos. — Parei por um segundo. — Você mesma não parece aluna do segundo ano — observei. 

Ela fez uma careta e mudou de assunto. 

— Por que sua mãe se casou? 

Precisei de um momento para responder. 

— Minha mãe... É muito jovem para a idade dela. Acho que o Phil a faz se sentir ainda mais nova. De qualquer forma, ela é louca por ele. — Eu não entendia, mas alguém por acaso acha que algum cara é bom o bastante para sua mãe? 

— Você aprova? — perguntou ela 

Dei de ombros. 

— Quero que ela seja feliz, e é ele quem ela quer. 

— Isso é muito generoso... Eu me pergunto... 

— O quê? 

— Acha que ela teria a mesma consideração com você? Independentemente de quem você escolhesse? — Os olhos dela ficaram atentos de repente, observando os meus. 

— A-acho que sim — gaguejei. — Mas ela é a adulta, ao menos no papel. É meio diferente. 

O rosto dela relaxou. 

— Ninguém assustador demais, então — zombou ela. 

Dei um sorriso para ela. 

— O que quer dizer com assustador? Com tatuagens e piercings na cara toda? 

— Acho que essa é uma definição. 

— Qual é a sua definição? 

Ela me ignorou e fez outra pergunta. 

— Você acha que eu posso ser assustadora? — Ela ergueu uma sobrancelha. 

Fingi examinar o rosto dela por um minuto, só como desculpa para ficar olhando para ela, meu passatempo favorito. 

As feições dela eram tão delicadas, tão simétricas. O rosto faria qualquer pessoa parar, mas não sair correndo na direção oposta. O contrário, até. 

— É meio difícil imaginar isso — admiti. 

Ela franziu a testa. 

— Mas tenho certeza de que poderia ser se quisesse. 

Ela inclinou a cabeça e me deu um sorriso exasperado, mas não disse mais nada. 

— E você, vai me contar da sua família? — perguntei. — Deve ser uma história muito mais interessante do que  a minha. 

Ela ficou cautelosa imediatamente. 

— O que você quer saber? 

— Os Cullen adotaram você? 

— Sim. 

Hesitei por um momento. 

— O que aconteceu com os seus pais? 

— Eles morreram há muitos anos. — Seu tom era categórico. 

— Eu sinto muito. 

— Eu não me lembro deles com muita clareza. Carine e Earnest são meus pais há bastante tempo. 

— E você os ama. — Não foi uma pergunta. Ficou óbvio pelo modo como ela falou os nomes deles. 

— Sim. — Ela sorriu. — Não consigo pensar em duas pessoas melhores. 

— Então você tem muita sorte. 

— Eu sei. 

— E seu irmão e sua irmã? 

Ela olhou o relógio do painel. 

— Meu irmão e minha irmã, e Jessamine e Royal também, vão se irritar muito se tiverem que ficar na chuva me esperando. 

— Ah, desculpe, acho que você tem que ir. 

Era idiotice, mas eu não queria sair do carro. 

— E você deve querer seu carro de volta antes que o chefe Swan chegue em casa, assim não precisa contar a ele sobre a síncope vasovagal. — Ela era boa com o jargão médico, mas a mãe dela era médica. 

— Tenho certeza de que ele já sabe. Não há segredos em Forks — resmunguei. 

Aparentemente, falei alguma coisa engraçada, mas não consegui saber o quê, e nem por que havia uma intensidade na gargalhada dela. 

— Divirta-se na praia — disse ela quando parou de rir. — O clima está bom para pegar sol. — Ela indicou a chuva torrencial. 

— Não vou ver você amanhã? 

— Não. Eleanor e eu vamos sair cedo para o fim de semana. 

— O que vão fazer? — Uma amiga pode perguntar essas coisas, não? Eu esperava que ela não conseguisse ouvir a decepção na minha voz. 

— Vamos subir a Goat Rocks Wilderness, ao sul de Rainier. 

— Ah, parece divertido. 

Ela sorriu. 

— Você pode fazer uma coisa por mim nesse fim de semana? — Ela se virou para me olhar nos olhos, com os dela ardendo daquele jeito hipnótico. 

Concordei, impotente. Qualquer coisa, eu poderia ter dito, e seria verdade. 

— Não se ofenda, mas você parece ser uma daquelas pessoas que atrai acidentes feito um ímã. Procure não cair no mar e nem ser atropelada por nada, tá? 

Ela mostrou as covinhas para mim, o que tirou um pouco da mágoa de ser chamada de incompetente. 

— Verei o que posso fazer — prometi. 

Saí no rio vertical e corri até a varanda. Quando me virei, o Volvo já tinha sumido. 

— Ah! 

Botei a mão no bolso do casaco, lembrando que esqueci de dar a ela a chave do meu carro 

O bolso estava vazio.


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