Girls and Blood — Reimagined Twilight escrita por Azrael Araújo


Capítulo 13
Twelve




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Ela me olhou com irritação, e, como antes, parecia que estava esperando que eu soltasse em vez de se soltar, como poderia ter feito com facilidade.

Depois de um momento, ela fechou os olhos.

— Tudo bem — disse ela de novo. — Me dê um momento.

Eu não tinha problema com isso. Fiquei com a mão de leve onde estava, tirando vantagem dos olhos fechados dela para encarar abertamente. Lentamente, a tensão no rosto dela começou a sumir, até a pele ficar lisa e a expressão, vazia como a de uma estátua. Uma bela estátua, entalhada por um gênio artístico.

Afrodite, talvez. Era ela a deusa da beleza?

Havia aquela leve fragrância no carro de novo, uma coisa que eu não conseguia identificar.

E então, ela abriu os olhos e olhou lentamente para a minha mão.

— Você... quer que eu solte? — perguntei.

A voz dela foi cuidadosa.

— Acho que seria melhor.

— Você não vai a lugar nenhum? — perguntei.

— Acho que não, se você se opõe tanto.

Contrariada, tirei a mão da dela. Parecia que eu tinha segurado cubos de gelo.

— Melhor? — perguntei.

Ela respirou fundo.

— Não exatamente.

— O que foi, Edythe? Qual é o problema?

Ela quase sorriu, mas não havia humor nos olhos dela.

— Pode ser surpresa para você, Bella, mas tenho problemas com meu gênio. Às vezes, tenho dificuldade de perdoar facilmente quando alguém... Me ofende.

— Eu...?

— Pare, Bella — disse ela antes que eu pudesse dizer a segunda palavra. — Não estou falando de você. — Ela me olhou com olhos arregalados. — Você percebeu que eles estavam falando sério? Que iam mesmo matar você?

— É, eu meio que entendi que eles iam tentar. — eu fiz uma careta.

— É totalmente ridículo! — Parecia que ela estava se irritando de novo. — Quem é assassinado em Port Angeles? Qual é seu problema, Bella? Por que tudo que é mortal parece procurar você?

Eu pisquei.

— Eu... não tenho resposta para isso. — um ótimo momento para ser lerda.

Ela inclinou a cabeça para o lado e repuxou os lábios, expirando pelo nariz.

— Então não posso dar uma lição de boas maneiras naqueles marginais?

— Hã, não. Por favor?

Ela deu um suspiro longo e lento, com os olhos fechados de novo.

— Que desagradável.

Ficamos em silêncio por um momento enquanto eu tentava pensar em alguma coisa para dizer que compensasse... sei lá, a estranha decepção que dei a ela? Era o que parecia, que ela estava decepcionada de eu ter pedido que ela não fosse atrás de gangsteres com armas que a tinham... ofendido ao me ameaçar. Não fazia muito sentido, e menos ainda quando você contava que ela me pediu para ficar no carro. Ela planejava ir a pé? Voando? Tínhamos nos afastado quilômetros do local.

Talvez ela saiba aparatar.

— Seus amigos devem estar preocupados com você — disse ela. Passava das seis e meia. Eu tinha certeza de que ela estava certa.

Sem dizer mais nada, ela ligou o motor e deu meia-volta. Voltamos rapidamente para a cidade. De repente, estávamos debaixo dos postes de rua, ainda seguindo rápido demais, costurando com facilidade os carros que passeavam lentamente junto ao calçadão. Ela estacionou paralelamente ao meio-fio em uma vaga que eu teria achado pequena demais para o Volvo, mas deslizou para o local sem esforço na primeira tentativa. Olhei pela janela e vi a marquise iluminada do cinema. Jeremy, Erica e Angela estavam saindo, se afastando de nós.

— Como você sabia onde...? — comecei a dizer, mas depois só balancei a cabeça.

— Faça eles pararem antes que eu tenha que segui-los também. Não vou conseguir me controlar se me deparar com seus outros amigos de novo.

Era estranho como a voz sedosa podia soar tão... ameaçadora.

Urgh.

Pulei para fora do carro, mas mantive a mão na porta. Como antes, segurando-a ali.

— Jer! Angie! Yorkshire! — gritei.

Eles não estavam longe. Eles se viraram, e acenei com o braço livre acima da cabeça vendo eles correrem até mim, o alívio em seus rostos passando a surpresa ao verem o carro ao lado do qual eu estava. Angela olhou para dentro do carro e seus olhos saltaram de reconhecimento.

O que aconteceu com você? — perguntou Erica, em um tom estranho. — Achamos que você tinha ido embora.

— Não, eu só me perdi. E depois, encontrei Edythe.

Ela se inclinou para a frente e sorriu pelo para-brisa.

Os olhos de Jeremy saltaram das órbitas.

— Ah, oi... Edythe — disse Angela.

Ela acenou para ela com dois dedos, e ela engoliu em seco.

— Hã, oi — disse Jeremy na direção dela; em seguida, olhou para mim. Eu devia estar super pateta, com a mão segurando a porta abeta, mas sem soltar. — É que... o filme já começou, eu acho.

— Desculpe por isso.

Erica olhou no relógio.

— Ainda deve estar nos trailers. Você... — Ela olhou para minha mão no carro. — Você ainda quer ir?

Eu podia sentir um tom de ameaça misturado a uma súplica na sua voz. Ah, qual é.

Olhei para Edythe.

— Você também gostaria de ir... Edythe? — perguntou Angela, embora com um pouco de dificuldade de enunciar o nome dela.

Edythe abriu a porta do carro e saiu, balançando o cabelo comprido para afastar do rosto. Ela se inclinou sobre o capô e mostrou as covinhas num sorriso.

O queixo de Jeremy caiu.

— Já vi esse filme, mas obrigada, Angela — disse ela.

Angie piscou várias vezes e pareceu esquecer como falar. Fez com que eu me sentisse um pouco melhor por sempre agir como idiota perto dela. Quem conseguia evitar?

Edythe olhou para mim.

— Em uma escala de um a dez, quanto você quer ver esse filme agora? — murmurou ela.

Cinco mil negativos, eu pensei.

— Hã, nem tanto assim — dei de ombros.

Ela sorriu diretamente para Erica.

— Vou estragar a noite de vocês se eu fizer Bella me levar para jantar? — perguntou ela.

Jeremy só balançou a cabeça. Ele ainda não tinha se lembrado de fechar a boca.

— Obrigada — disse ela para ele. — Dou carona para Bella até em casa.

Ela voltou para o carro.

— Entre no carro, Bella — disse ela.

Angela e Erica ficaram me olhando enquanto Jeremy piscava, finalmente voltando à realidade. Dei de ombros rapidamente e entrei no banco do passageiro.

— Mas que diabos? — eu ouvi Erica murmurar quando bati a porta.

Não pude olhar melhor a reação deles. Ela já estava se afastando em disparada.

— Você quer mesmo jantar? — perguntei a ela.

Ela me olhou com dúvida nos olhos. Estaria pensando o mesmo que eu estava pensando, que nunca a vi comer nada?

— Achei que você talvez quisesse — disse ela.

— Estou bem — falei.

— Se você preferir ir para casa...

— Não, não — acrescentei, rápido demais. — Podemos jantar. Eu só quis dizer que não precisa ser isso. O que você quiser.

Ela sorriu e parou o carro. Estávamos estacionadas na frente de um restaurante italiano.

As palmas das minhas mãos começaram a suar quando saí do carro, me apressando para segurar a porta do restaurante para ela. Eu nunca tinha saído em um encontro assim, um encontro de verdade. Já tinha saído várias e várias vezes com Lauren em Phoenix, mas era diferente. Não era? Isso era diferente. Eu achava que sim.

Ela sorriu para mim quando passou, e meu coração saltou em um batimento duplo mortal.

O restaurante não estava cheio; era a baixa temporada em Port Angeles. Fomos recebidos por um homem bem arrumado alguns anos mais velho do que eu, bem mais alto que eu — todo mundo é mais alto que você, eu disse a mim mesma —, e com ombros largos. Os olhos fizeram a mesma coisa que os de Alngela e Jeremy, se esbugalharam por um segundo antes de ele controlar a expressão. Mas ele logo deu o sorriso mais caloroso que tinha e fez uma reverência profunda, tudo para ela. Eu tinha certeza de que ele nem sabia que eu estava ao lado dela.

— O que posso fazer por vocês? — perguntou ele enquanto se empertigava, ainda olhando só para ela.

— Mesa para duas, por favor.

Pela primeira vez, ele pareceu perceber que eu estava ali. O olhar que me lançou foi rápido e desinteressado. Fiz questão de cruzar os braços, agradecendo as aulas de artes marciais por me proporcionais bíceps definidos, e lhe lancei meu melhor olhar de não importa o quão ruim você acha que é, eu sou pior. Seus olhos voltaram para ela imediatamente. Acho que não o intimidei o bastante.

— Claro, er, mademoiselle. — Ele pegou dois cardápios de couro e fez sinal para Edythe segui-lo.

Eu revirei os olhos. Signorina devia ser a palavra que ele procurava.

Ele nos levou para uma mesa de quatro lugares no meio da parte mais movimentada da sala de jantar — Edythe balançou a cabeça rapidamente.

— Quem sabe um lugar mais reservado? — sugeriu ela, em voz baixa para o host. Pareceu que ela passou os dedos pela mão dele, coisa que eu já sabia que não era típica de Edythe, mas então o vi colocar a mão no bolso de dentro do paletó e percebi que ela devia ter dado uma gorjeta. Eu nunca tinha visto alguém recusar uma mesa assim, a não ser nos filmes antigos.

— Claro — disse o host, parecendo tão surpreso quanto eu. Ele nos levou por uma divisória até uma área com mesas em compartimentos, todas vazias. — Que tal aqui?

— Perfeito — disse ela, e abriu seu sorriso para ele.

Como um cervo pego por faróis de carro, ele parou por um longo segundo, depois se virou lentamente e cambaleou na direção do salão principal, com os cardápios ainda no braço.

Edythe se sentou em um dos lados do compartimento, perto da beirada, de forma que minha única opção era me sentar de frente para ela, com a mesa entre nós. Depois de um segundo de hesitação, eu também me sentei.

Um barulho soou do outro lado da divisória, como o som de alguém tropeçando nos próprios pés e se levantando. Era um som familiar para mim.

— Isso não foi muito legal.

Ela olhou para mim com surpresa.

— O que você quer dizer?

— Essa coisa que você faz, com as covinhas e a hipnose, sei lá. Aquele cara podia ter se machucado ao tentar voltar até a porta.

Ele deu um meio sorriso.

— Eu faço uma coisa?

— Como se você não soubesse o efeito que tem nas pessoas. — revirei os olhos.

— Acho que consigo pensar em alguns efeitos... — A expressão dela ficou sombria por um segundo, mas se abriu, e ela sorriu. — Mas ninguém nunca tinha me acusado de hipnose por covinhas.

— Você acha que as outras pessoas conseguem o que querem com tanta facilidade?

Ela inclinou a cabeça para o lado e ignorou minha pergunta.

— Funciona em você, essa coisa que você acha que eu faço?

Eu suspirei. — Sempre.

E depois, nosso garçom chegou com expressão de expectativa, que logo virou de assombro. O que quer que o host tenha dito, foi pouco.

— Oi — disse ele, com a surpresa deixando seu tom monótono enquanto ele recitava as falas mecanicamente. — Meu nome é Sal e serei seu garçom esta noite. O que vocês querem beber?

Assim como aconteceu com o host, os olhos dele não saíram do rosto dela.

— Bella? — perguntou ela.

— Uma Coca. — mas que droga, será que eu ia ter que esfregar meus bíceps na cara dele?

Parecia que eu não tinha dito nada. O garçom só ficou olhando para Edythe. Ela deu um sorriso para mim antes de se virar para ele.

— Duas Cocas — disse ela, e, quase como um experimento, deu um sorriso largo e cheio de covinhas bem na cara dele.

Ele chegou a oscilar, como se fosse cair.

Ela apertou os lábios para não rir e eu revirei os olhos, novamente. O garçom balançou a cabeça e piscou, tentando se reorientar. Olhei com solidariedade. Eu sabia como ele estava se sentindo.

— E um cardápio também — acrescentou ela quando ele não se mexeu.

— Sim, claro. Volto logo com as duas coisas. — Ele ainda estava balançando a cabeça quando se afastou.

— Você nunca tinha reparado mesmo? — perguntei.

— Faz um tempo que não me importo com o que pensam de mim — disse ela. — E não costumo sorrir tanto.

— Acho mais seguro assim. Para todo mundo.

— Todo mundo, menos você. Vamos falar sobre o que aconteceu hoje?

— Hã?

— Sua experiência de quase morte? Ou você já esqueceu?

— Ah. — Na verdade, eu tinha esquecido.

Ela franziu a testa.

— Como está se sentindo?

— O que você quer dizer?

Torci para ela não ligar os olhos de hipnose e me obrigar a falar a verdade, porque o que eu sentia no momento era... euforia. Ela estava bem aqui, comigo, espontaneamente, consegui tocar na mão dela e devia ter algumas horas à frente junto com ela, pois ela prometeu me levar para casa. Eu nunca me senti tão feliz e perdida ao mesmo tempo.

— Está com frio, tonta, enjoada...?

O jeito como ela listou as palavras me fez pensar em um exame médico. E eu não sentia frio nem enjoo... nem tontura de um ponto de vista médico.

— Deveria?

Ela riu.

— Estou me perguntando se você vai entrar em choque — admitiu ela. — Já vi acontecer com menos provocação.

— Ah. Não, acho que estou bem, obrigado.

Sinceramente, quase ser assassinada não era a coisa mais interessante que tinha me acontecido naquela noite, e eu não tinha pensado muito naquilo.

— Mesmo assim, vou me sentir melhor quando você colocar alguma comida para dentro.

Bem na deixa, o garçom apareceu com nossas bebidas e um cesto de pãezinhos. Ele ficou de costas para mim enquanto os colocava na mesa, depois entregou um cardápio para Edythe. Tendo concluído seus experimentos, ela nem olhou para ele dessa vez. Só empurrou o cardápio para mim por cima da mesa.

Ele limpou a garganta com nervosismo.

— Temos alguns pratos especiais. Hã, temos um ravióli de cogumelos e...

— Parece ótimo — interrompi. Eu não me importava com o que pediria, comida era a última coisa que eu tinha na cabeça. — Quero isso. — Falei um pouco mais alto do que o necessário, mas não sabia se ele percebeu que eu estava sentado ali.

Ele olhou para mim com surpresa e voltou a atenção para ela.

— E você...?

— Vai ser só isso. Obrigada.

Claro.

Ele aguardou por um segundo, na esperança de ganhar outro sorriso, eu achava. Ávido por punição. Quando Edythe ficou com os olhos grudados em mim, ele desistiu e saiu andando.

— Beba — disse Edythe. Pareceu uma ordem.

Beberiquei, obediente, e depois tomei um gole maior, surpreso por descobrir que estava com sede. Percebi que tinha terminado tudo quando ela empurrou o copo dela para mim.

— Não, não precisa — falei.

— Eu não vou beber — disse ela, e o tom acrescentava um .

— Certo — retruquei, e, porque ainda estava com sede, tomei o copo dela também. — Obrigado — murmurei enquanto a palavra na qual eu não queria pensar girava pela minha mente de novo.

O frio do refrigerante se irradiava pelo meu peito, e precisei afastar um tremor.

— Está com frio? — perguntou ela, agora séria. Como uma médica de novo.

— É só a Coca — expliquei, lutando contra outro tremor.

— Não trouxe casaco?

— Trouxe. — Automaticamente, levei a mão ao banco vazio ao lado do meu. — Ah, deixei no carro de Jeremy — percebi. Dei de ombros e tremi.

Edythe começou a desenrolar um cachecol creme do pescoço. Percebi que nunca tinha prestado atenção ao que ela estava vestindo — não só hoje, mas sempre. A única coisa de que eu conseguia lembrar era o vestido preto do meu pesadelo... Mas apesar de não ter registrado os detalhes, eu sabia que na verdade ela só usava cores claras.

Como hoje: por baixo do cachecol, ela estava usando uma jaqueta de couro cinza-clara, curta como as de motociclista, e uma blusa branca fina de gola alta por baixo. Eu tinha certeza de que ela sempre cobria a pele, o que me fez pensar de novo no decote em V do vestido preto do sonho, e isso foi um erro. Uma área de calor começou a surgir na lateral do meu pescoço.

— Aqui — disse ela, me jogando o cachecol.

Eu devolvi para ela.

— Estou bem, mesmo.

Ela inclinou a cabeça para o lado.

— Os pelos da sua nuca estão eriçados, Bella — declarou ela. — Eu roubei o cachecol de Archie, acho que ele ficaria zangado se eu deixasse que você se resfriasse.

— Não estou precisando — insisti.

— Tudo bem, tem uma jaqueta minha no porta-malas, eu vou...

Ela começou a se levantar, e eu estiquei a mão, tentando segurar a dela, fazer com que ficasse ali. Ela fugiu do meu toque e dobrou as mãos debaixo da mesa, mas não se levantou.

— Não vá — pedi baixinho. Eu sabia que minha voz estava intensa demais; ela estava só indo até o carro, não sumindo para sempre, pelo amor de Deus. Mas não consegui falar normalmente. — Vou usar o cachecol. Está vendo?

Peguei o cachecol na mesa — era muito macio e não estava quente como deveria estar por ter acabado de sair do contato com o corpo de outra pessoa — e comecei a enrolar no pescoço. Eu não conseguia me lembrar de já ter usado cachecol, então só fui enrolando em círculo até o tecido acabar. Pelo menos, cobriria o ponto vermelho no meu pescoço. Talvez eu devesse ter um cachecol.

O cheiro do cachecol dela era delicioso e familiar. Percebi que era o mesmo perfume do carro. Devia ser dela.

— Fiz direito? — perguntei a ela.

O tricô macio já estava aquecendo minha pele e ajudou a me esquentar.

— Fica bem em você — disse ela, mas riu, então achei que isso queria dizer que a resposta era não.

— Você rouba muitas coisas de, hã, Archie?

Ela deu de ombros.

— Ele é quem tem o melhor gosto.

— Você nunca me falou sobre sua família. Ficamos sem tempo no outro dia. — Foi na quinta anterior? Parecia bem mais.

Ela empurrou o cesto de pão para mim.

— Não vou entrar em choque — falei para ela.

— Só para me agradar? — disse ela, e fez aquela coisa com o sorriso e o olhar que sempre funcionava.

— Ugh — resmunguei enquanto pegava um pãozinho.

— Minha boa garota — disse ela, rindo.

Só olhei para ela de cara feia enquanto mastigava.

— Não sei como você pode agir com tanta indiferença — disse ela. — Nem parece abalada. Uma pessoa normal... — Ela balançou a cabeça. — Mas você não é muito normal, é?

Eu balancei a cabeça e engoli.

— Sou a pessoa mais normal que eu conheço.

— Todo mundo acha isso sobre si mesmo.

— Você acha isso de você? — perguntei, em desafio.

Ela repuxou os lábios.

— Certo — falei. — Você alguma vez pensa em responder minhas perguntas ou isso está fora de questão?

— Depende da pergunta.

— Me diga uma que posso perguntar.

Ela ainda estava pensando nisso quando o garçom passou pela divisória com meu prato. Percebi que, inconscientemente, tínhamos nos inclinado na direção uma da outra sobre a mesa, porque nós duas nos endireitamos quando ele se aproximou. Ele colocou o prato diante de mim — parecia muito bom — e se virou rapidamente para Edythe.

— Mudou de ideia? — perguntou ele. — Não há nada que eu possa trazer para você? — Eu achava que não estava imaginando o duplo sentido da proposta.

— Outro refrigerante seria bom — disse ela, indicando os copos vazios sem afastar o olhar de mim.

O garçom olhou para mim agora, e consegui perceber que ele estava se perguntando por que uma pessoa como Edythe estava olhando para alguém com eu daquele jeito.

Ah, também era um mistério para mim.

Ele pegou os copos e saiu andando.

— Imagino que você tenha muitas perguntas para mim — murmurou Edythe.

— Milharesho certeza de que sim... Posso fazer uma primeiro? É injusto?

Isso queria dizer que ela ia responder as minhas?

Assenti com ansiedade.

— O que você quer saber?

Ela olhou para a mesa agora, com os olhos escondidos atrás dos cílios. O cabelo caiu para a frente e escondeu mais o rosto.

As palavras não passaram de um sussurro.

— Nós conversamos antes que você estava... tentando entender o que eu sou. Eu queria saber se você fez algum progresso com isso.

 Eu não respondi, e ela levantou o rosto. Fiquei feliz pelo cachecol de novo, embora não pudesse esconder o vermelho que eu conseguia sentir subindo pelo meu rosto agora.

O que eu podia dizer? Fiz algum progresso? Ou só tropecei em outra teoria ainda mais imbecil do que aranhas radioativas? Como eu poderia dizer aquela palavra em voz alta, aquela na qual vinha tentando não pensar a noite toda?

Não sei como minha expressão devia estar, mas a dela se suavizou de repente.

— É ruim assim? — perguntou ela.

— Posso... podemos não falar sobre isso aqui? — Olhei para a divisória fina que nos separava do resto do restaurante.

— É muito ruim — murmurou ela, em parte para si mesma.

Havia alguma coisa muito triste e... quase velha nos olhos dela. Cansaço, derrota. Doeu de um jeito estranho vê-la infeliz.

— Bem — falei, tentando deixar minha voz mais leve. — Na verdade, se eu responder a sua pergunta primeiro, você não vai responder a minha. Você nunca responde. Então... você primeiro.

O rosto dela relaxou.

— Uma troca, então?

— Isso.

O garçom voltou com as Cocas. Dessa vez colocou-as na mesa sem dizer nada e saiu novamente. Eu me perguntei se ele conseguia sentir a tensão tanto quanto eu.ort Angeles hoje?

Ela olhou para baixo e cruzou as mãos lentamente sobre a mesa vazia à frente dela. Olhou para mim por baixo dos cílios longos, e havia sugestão de sorriso no rosto.

— Próxima — disse ela.

— Mas essa foi a mais fácil!

Ela deu de ombros.

— Próxima?

Olhei para baixo, frustrada. Tirei os talheres do guardanapo, peguei o garfo e espetei com cuidado um ravióli. Coloquei-o na boca devagar, ainda de olhos baixos, mastigando enquanto pensava. Os cogumelos estavam bons. Engoli e tomei outro gole da Coca antes de olhar para ela.

— Tudo bem, então. — Eu a fitei e continuei devagar. — Digamos, hipoteticamente, que... alguém... pudesse saber o que as pessoas estão pensando, ler a mente delas, sabe como é... com algumas exceções.

Parecia idiotice. Não tinha como, se ela não ia responder a primeira...

Mas ela olhou para mim com calma e disse:

— Só uma exceção. Hipoteticamente.

Ah, caramba.

Demorei um minuto para me recuperar. Ela esperou com paciência.

— Tudo bem. — Tentei parecer casual. — Só uma exceção, então. Como uma coisa assim funcionaria? Quais são as limitações? Como... esse alguém... acharia outra pessoa exatamente na hora certa? Como poderia saber que eu estava numa encrenca? — Minhas perguntas convolutas não faziam nenhum sentido no final.

— Hipoteticamente? — perguntou ela.

— Claro.

— Bom, se... esse alguém...

— Vamos chamá-la de Jane — sugeri.

Ele deu um sorriso torto.

— Se sua Jane Hipotética estivesse prestando mais atenção, o momento não teria que ter sido tão preciso. — Ela revirou os olhos. — Ainda não entendo como isso pode acontecer. Como alguém se mete tanto em confusão, de forma tão consistente e em lugares tão improváveis? Você teria acabado com as estatísticas de criminalidade de Port Angeles por uma década, sabe.

— Não entendo como isso pode ser minha culpa.

Ela ficou me olhando com a frustração familiar nos olhos.

— Eu também não. Mas não sei quem culpar.

— Como você soube?

Ela olhou nos meus olhos, dividida, e achei que estava lutando contra o desejo de simplesmente me contar a verdade.

— Pode confiar em mim, sabe — murmurei. Estendi a mão lentamente para colocar em cima das dela, mas ela puxou as dela dois centímetros, e deixei a minha pousar na mesa.

— É o que eu quero fazer — admitiu ela, a voz ainda mais baixa do que a minha. — Mas isso não quer dizer que esteja certo.

— Por favor — pedi.

Ela hesitou mais um segundo, e tudo saiu em um jorro.

— Eu te segui até Port Angeles. Nunca tentei manter uma determinada pessoa viva, e é muito mais problemático do que eu acreditava. Mas deve ser assim porque é você. As pessoas comuns parecem passar o dia todo sem muitas catástrofes. Eu me enganei, quando disse que você era um ímã para acidentes. Essa classificação não é ampla o bastante. Você é um ímã para confusão. Se existir alguma coisa perigosa em um raio de quinze quilômetros, vai chegar a você, invariavelmente.

Não me incomodei de ela estar me seguindo; na verdade, senti uma onda estranha de prazer. Ela estava ali atrás de mim. Ela ficou olhando, esperando que eu reagisse.

Pensei no que ela disse, hoje e antes... Você acha que eu posso ser assustadora?

— Você se coloca nessa categoria, não é? — Tentei adivinhar.

O rosto dela ficou duro, sem expressão.

— Sem dúvida.

Estiquei minha mão por cima da mesa de novo e a ignorei quando ela puxou a dela um pouco mais para trás, colocando a minha em cima da dela mesmo assim. Ela ficou muito parada. Fez com que as mãos parecessem pedra: frias, duras e agora, imóveis. Pensei na estátua de novo.

— Foram duas vezes agora — eu disse. — Obrigado.

Ela só ficou me olhando com um tremor nos lábios e a testa franzida.

Tentei aliviar a tensão com uma piada.

— Já pensou que talvez minha hora tivesse chegado naquela primeira vez, com a van, e que talvez você esteja interferindo no meu destino? Como naqueles filmes tipo A premonição?

Minha piada não gerou reação. Ela franziu mais a testa.

— Edythe.

Ela virou o rosto para baixo de novo, com o cabelo caindo sobre as bochechas, e mal consegui ouvir a resposta.

— Aquela não foi a primeira vez — disse ela. — Sua hora chegou no dia que eu a conheci. Não foram duas vezes que você quase morreu. Foram três. A primeira vez que salvei você... foi de mim mesma.

Tão claramente como se estivesse de volta na primeira aula de biologia, consegui ver o olhar assassino de Edythe. Ouvi de novo a frase que passou pela minha cabeça naquela hora: Se um olhar matasse...

— Você lembra? — perguntou ela. Estava me olhando agora, com o rosto perfeito muito sério. — Entendeu?

— Sim.

Ela esperou mais um pouco, outra reação. Como não falei nada, as sobrancelhas se juntaram.

— Pode ir embora agora — disse ela para mim. — Seus amigos ainda estão no cinema.

— Eu não quero ir embora.

Ela ficou irritada de repente. — Como você pode dizer isso?

Dei um tapinha nas mãos dela, totalmente calma. Era uma coisa que eu já tinha decidido. Não importava para mim se ela era... uma coisa perigosa. Mas ela importava. Onde ela estivesse era onde eu queria estar.

— Você não terminou de responder a minha pergunta — eu disse, ignorando a raiva. — Como você me encontrou?

Ela me olhou com irritação por um momento, como se estivesse desejando que eu também ficasse irritada. Como isso não funcionou, ela balançou a cabeça e deu um suspiro.

— Eu estava vigiando os pensamentos de Jeremy — disse ela, como se fosse a coisa mais normal. — Sem cuidado nenhum... Como eu disse, só você pode ser ameaçada de assassinato em Port Angeles. No início, não percebi quando você saiu sozinha. Depois, quando notei que não estava mais com ele, saí dirigindo em busca de alguém que tivesse visto você. Encontrei a livraria até a qual você andou, mas percebi que você não tinha entrado. Você foi para o sul, e eu sabia que teria que dar meia-volta logo. Só estava esperando você, procurando ao acaso pelos pensamentos de todo mundo que conseguisse ouvir, para ver se alguém tinha reparado em você, e assim eu saberia onde estava. Não tinha motivos para ficar preocupada... mas comecei a ficar ansiosa... — Ela estava perdida em pensamentos agora, olhando para além de mim. — Comecei a dirigir em círculos, ainda... escutando. O sol finalmente estava se pondo e eu estava prestes a sair do carro e procurá-la a pé. E então... — Ela parou de repente, trincando os dentes com um estalo alto.

— Então o quê?

Ela voltou a se concentrar no meu rosto.

— Eu ouvi o que ela estava pensando. Vi seu rosto na mente dela e soube o que ela estava planejando fazer.

— Mas você chegou lá a tempo.

Ela inclinou a cabeça de leve.

— Foi mais difícil do que você pode imaginar sair dirigindo, deixar que eles se safassem. Sei que foi a coisa certa, mas, ainda assim... muito difícil.

Tentei não imaginar o que ela teria feito se eu não tivesse pedido que ela se afastasse. Não queria deixar minha imaginação correr solta por aquele caminho em particular.

— Esse foi um dos motivos para eu ter feito você vir jantar comigo — admitiu ela. — Eu podia ter deixado você ir ao cinema com Jeremy, Erica e Angela, mas temia procurar aquelas pessoas se não estivesse com você.

Minha mão ainda estava sobre a dela. Meus dedos estavam começando a ficar dormentes, mas não me importei. Se ela não protestasse, eu jamais voltaria a me mexer. Ela ficou me olhando, esperando uma reação que não veio.

Eu sabia que ela estava tentando me dar um aviso com toda essa sinceridade, mas estava desperdiçando o esforço.

Ela respirou fundo.

— Vai comer mais alguma coisa? — perguntou ela.

Eu olhei para a comida.

— Não, estou satisfeita.

— Quer ir para casa agora?

Fiz uma pausa. — Não estou com pressa nenhuma.

Ela franziu a testa, como se minha resposta incomodasse.

— Posso puxar minhas mãos agora? — perguntou ela.

Eu puxei a minha. — Claro. Desculpe.

Ela me lançou um olhar enquanto tirava alguma coisa do bolso.

— Dá para passarmos 15 minutos sem um pedido de desculpas desnecessário?

Se era desnecessário que eu pedisse desculpas por tocar nela, isso queria dizer que ela gostava? Ou só que não se ofendia com o gesto?

— Hã, provavelmente não — admiti.

Ela riu uma vez, e o garçom apareceu.

— Como estamos? — perguntou ele.

Ela o interrompeu.

— Nós já terminamos, obrigado, e isso deve cobrir a conta, não precisa do troco, obrigada.

Ela já estava fora da cadeira. Tentei pegar minha carteira.

— Hã, me deixe... você nem comeu nada...

— É por minha conta, Bella.

— Mas...

Ela saiu andando, e fui logo atrás, deixando o garçom atônito atrás de mim com o que parecia uma nota de cem dólares na mesa à frente dele.

Passei por ela e corri para abrir a porta. Eu sabia que ela era mais rápida do que eu podia imaginar, mas a sala com um monte de gente dentro olhando a obrigou a agir como se fosse uma semelhante. Ela me lançou um olhar estranho quando segurei a porta, como se estivesse tocada pelo gesto, mas irritada ao mesmo tempo. Decidi ignorar a parte irritada e passei correndo por ela para também segurar a porta do carro. Abriu-se com facilidade, ela não tinha trancado. A expressão dela foi mais de diversão do que qualquer outra coisa, e encarei como um bom sinal.

Quase corri para o lado do passageiro, passando a mão no capô no caminho. Eu tinha a sensação enlouquecedora de que ela estava lamentando ter me contado tanto e que era capaz de sair dirigindo sem mim e desaparecer na noite. Quando entrei, ela olhou diretamente para meu cinto de segurança até eu colocá-lo, revirando os olhos. Eu me perguntei por um segundo se ela era algum tipo de maníaca da segurança, até reparar que não tinha se dado o trabalho de colocar o dela e de que estávamos disparadas pelo trânsito leve sem nem sinal de cautela da parte dela.

— Agora — disse ela com um sorriso sinistro — é a sua vez.


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Notas finais do capítulo

TT: @pittymeequaliza