Serendipity escrita por Hitari Amai


Capítulo 1
Capítulo único




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Mais um dia se passou e eu não fiz nada de diferente.

Acordei. Fui para a faculdade. Conversei com os amigos. Almocei. Estudei. Voltei para casa. Tomei um banho. Deitei em minha cama. Estou pensando nisso novamente.

Rotina.

Na verdade, eu nem estou tentando fazer com que algo diferente aconteça, acho que estou simplesmente esperando que algo caia do céu.

Até mesmo as músicas se tornaram repetidas, a comida não tem mais sabor, o mundo está diferente. Porque eu estou diferente. E eu odeio ser.

Peguei o meu celular do criado-mudo apenas para colocá-lo novamente. Eu já sei o que encontraria nele: mensagens da minha namorada, vídeos pornográgicos, redes sociais, coisas sem sentido… Tudo resultado do meu vazio interior.

Eu tenho a namorada perfeita, uma casa confortável, uma família financeiramente estável, amigos divertidos, a vida perfeita (para alguns). No entanto, isso e nada são a mesma coisa. Vazio é como me sinto.

Por que eu estou assim? Por que me sinto tão incompleto? Por que estou tão sensível?

Perguntas, perguntas, perguntas e nenhuma resposta.

Eu quero sair.

Naruto, meu melhor amigo, me chamou para assistirmos um filme. Eu disse que não queria.

“Eu quero sair”, disse há algum tempo. Sou contraditório às minhas próprias palavras. Quero sair de mim, sinceramente.

— Filho - minha mãe disse ao entrar em meu quarto e me ver deitado na cama -, está tudo bem? Você chegou e não disse nada.

— Está - não, não estou nada bem.

— Você deve estar cansado da faculdade - concordei. - O jantar está pronto, venha comer quando quiser, mas não vá muito tarde.

Ela se retirou. Gostaria que ficasse.

Mãe, às vezes eu gostaria que a senhora voltasse aos tempos antigos e me deixasse dormir em seu colo, afagando os meus cabelos, reclamando que está na hora de cortar. Eu quero voltar para minha infância, onde minha única preocupação era saber com qual cor pintaria o meu desenho.

Me perdoe por quase não olhá-la nos olhos, tenho medo de que descubra o que sinto, que me julgue por isso, que diga coisas que eventualmente irá se arrepender.

Eu sou egoísta. As pessoas me dizem coisas que me fazem mal, mesmo eu sabendo que elas não tinham essa intenção, eu quero culpá-las pelas minhas dores, mas sei que, no fim, eu me condeno.

Eu perdi a mim mesmo e não faço ideia de como me reencontrar.

Levantei de onde estava e fui jantar. Mas acho que nunca deveria ter saído do meu quarto…

— Como está a faculdade, Sasuke? - o meu pai perguntou.

Parece que aqui em casa as pessoas só sabem falar disso.

— Difícil, mas eu dou conta - outra mentira.

Parece que me tornei um grande mentiroso.

Jantei. Tomei banho. Voltei para minha cama, o meu único porto seguro.

Chorei sem saber o motivo. Chorei porque não sabia o motivo. Chorei porque eu sou o motivo.

Eu tento parar de chorar. Escondo as minhas lágrimas como se a qualquer momento alguém fosse entrar no quarto. Eu quero que alguém entre. Eu quero que me ajudem.

Grito em meu travesseiro com o som abafado e ninguém escuta. É tão difícil pedir socorro, tenho medo do que possam dizer.

“Isso é frescura”, “vá trabalhar porque isso é preguiça”, “você está reclamando de barriga cheia”, “isso é falta de Deus”, “tanta gente sofrendo lá na África…”.

Não, depressão não é frescura. Não, não é preguiça, estou cansado da vida. Não, meu coração está vazio. Não, não é falta de Deus. Eu sei que tem gente na África que passa fome, frio e dor, mas os problemas deles não anulam os meus.

Todo mundo gosta de falar dos africanos, mas ninguém estende a mão para eles. Não doam nada. Às vezes, sequer lembram deles em suas orações. Adoram falar da vida difícil deles, mas ajudar ninguém quer.

“Eu ajudaria se pudesse”, eles rebateriam. Mas quando alguém do próprio país, alguém que é amigo deles, quando esse alguém só precisa de que o escutem, pede ajuda, essas mesmas pessoas o apedrejam, o julgam, o ferem. Como posso acreditar que você ajudaria os africanos se pudesse, se quando alguém do seu lado pede ajuda, você nega?

Hipócritas. São o que todos são.

Viver se tornou um fardo. Acordo todo dia arrependido de não ter morrido na madrugada. Eu não quero morrer, mas às vezes eu desejo nunca ter nascido. Oh, mãe, por que a senhora me teve?

Eu durmo mal e acordo com os olhos inchados. Mas agradeço a Deus por me fazer dormir, interrompendo o meu choro. Há quem não acredite, mas acreditar nEle é a única coisa que me motiva a continuar lutando. Porque eu já desisti da minha família e amigos, a cada dia que passa eles se tornam mais impacientes.

Será que eu sou mesmo amado? Eles dizem que sim com a boca, mas eu não sinto nada. Eu sei que eles não estão mentindo, mas eu me tornei incapaz de sentir o amor. Eu disse que me tornei mais sensível? Sim, mais sensível a dor.

Qualquer palavra negativa, ação boba, uma ignorada, e eu já me machuco. Isso é tão egoísta.

Egoísta. Sensível. Mal agradecido. A cada dia que passa, mais defeitos encontro a meu respeito quando me olho no espelho. Não na aparência, mas na alma.

O que as pessoas dizem a meu respeito, se tornou uma verdade em meus pensamentos, mesmo eu sabendo que eles estão errados. Socorro! Estou tão confuso.

Eu quero acreditar que o amanhã será diferente, que eu serei diferente, mas não consigo. As pessoas não mudam, apenas eu.

“Você está sofrendo por besteira”, minha namorada me disse isso hoje. Ninguém sofre por besteira, meu amor, senão não seria besteira. Chorei amargamente ao me lembrar, porque a única pessoa que eu poderia contar era ela, e ela me disse as piores palavras que eu já ouvi na vida. Ah, ela não entende, não é culpa dela, eu nunca lhe expliquei totalmente o que estou passando. É minha culpa.

Me tornei culpado pelas palavras e ações dos outros. Mas continuo sendo egoísta por pensar apenas em mim e em meus problemas.

Eu sinto fome. Estou faminto na alma e ninguém me dá de comer. Só o que vem me alimentando são minhas preocupações e fardos.

Boto um sorriso no rosto, mas a verdade é que eu nem sei mais como se faz isso. Desaprendi o ter prazer. Finjo que está tudo bem porque eu quero que esteja. O medo que secretamente retorna e pega em minha mão.

Desenhar era um hobby, agora já não tenho mais forças nem para levantar uma caneta. Eu estou odiando os meus desenhos porque eles são o que eu sou. Vazios. Eu os amava, agora odeio.

A minha alma suspira e desfalece. Não tenho esperança nem em mim mesmo, aprendi a conviver com a solidão, mas não a desejo.

Eu não sei o que está acontecendo, eu quero saber, mas tenho medo. O que acontecerá quando eu encontrar todas as respostas que busco? Eu serei finalmente feliz? Ou eu não saberei como resolver mesmo tendo as respostas?

Minhas emoções se tornaram uma montanha russa. Eu estou bem. Sou minha própria felicidade e ansiedade. Mas, sabe, às vezes eu me odeio. E a vida se repete… O gostar e o não gostar de mim. Quando isso chegará ao fim?

Eu enxugo minhas lágrimas porque ninguém fará isso por mim, eu sei. Se for para depender dos outros em tudo, morrerei das mais diversas formas. Lavo o meu rosto na poça que eu mesmo formei e me levanto.

Eu sei que a vida tentará novamente me derrubar e eu desejarei muitas vezes permanecer na posição em que ela me deixar. Eu não posso desistir, eu quero, eu não posso fraquejar, eu quero, eu não posso! Mesmo que o mundo vire as costas para mim, eu não serei como eles. Porque quando eu desistir de mim mesmo, não terei a mais ninguém.

Cresci para entender o mundo, mas ele não tenta me entender. Quem liga para as preocupações de um jovem?

Eu quero me dar tapinhas nas costas e dizer que está tudo bem. Me olho no espelho e digo essas palavras após fechá-los:

“Tudo ficará bem”.

Quando os abri, eu desejei estar morto. Eu só queria que alguém me matasse neste silêncio barulhento. Eu quero viver, ajude-me a fazer isso.

“É só uma fase”, eles dizem. E estão certos. É uma fase de muitas outras que virão.

Tentam me derrubar e conseguem, às vezes eu mesmo me derrubo. Rio em deboche a mim mesmo. Por favor, Deus, faça com que esse inferno acabe.

Tenho medo de conversar com alguém e essa pessoa diga outras coisas ruins que me façam pior, como minha namorada disse. Tenho medo do que irão pensar, tenho medo de preocupar a eles, eu sou a personificação da covardia. Mas é confortável ao mesmo tempo em que é incômoda. A mudança é assustadora porque foi ela quem me trouxe para o desespero.

Eu estou pessimista, sei que pensamentos negativos atraem coisas negativas, mas é praticamente impossível ser otimista em meio ao caos. Eu sou o caos.

Pessoa que não me escuta, por favor, escuta-me! Sei que nunca adivinhará o que sinto se eu não disser, mas esteja atenta a mim. Me dê a oportunidade de falar, de confiar.

Ensina-me a sorrir novamente, a acreditar no amor, a confiar. Eu estou perdido em mim mesmo. Na frente dos amigos eu sou um, e em meu silêncio me torno outro. Quem eu sou?

Respiro fundo, tenho que me acalmar.

Ouço o barulho da chuva caindo. Minutos de paz tomam conta de mim. Abro a janela e a observo cair e levantar o cheiro de terra molhada. É algo bem comum, mas quantos param para observá-la?

É como eu, poucos param para me observar. Mas há quem observe. Há uma pessoa que eu penso em pedir ajuda, mas não tenho coragem. Sim, há um nome em minha mente, vejo o seu rosto com clareza. Mas por que não tenho coragem de dizer a ela?

Ela diria o mesmo que os outros? Sei que não, mas o medo me faz recuar. Eu não posso deixar a insegurança me dominar. Nunca saberei o que ela dirá se eu não arriscar. A resposta negativa eu já tenho, devo correr atrás da positiva.

Você me ouvirá? Enxugará as minhas lágrimas? Será o meu ombro amigo? Em meio ao desespero, eu penso em você. Não, minha namorada não era a última pessoa que eu poderia contar…

Me preocupei demais em preocupar as pessoas que amo com os meus problemas, veja onde parei. Peço socorro para quem não ouvirá, como posso pensar que me ajudarão? Enquanto isso, há alguém do meu lado pronto para me receber.

— O que foi? - meu irmão perguntou assim que entrei em seu quarto. - Por que está chorando?

— Porque eu tive uma feliz descoberta ao acaso - obrigado, chuva, pude perceber que não estou só.

— Você não parece feliz - Itachi se levantou da mesa de estudos e se aproximou - Você está bem?

Eu senti vontade de mentir. Mas chega disso.

— Eu queria estar.

Meu irmão me olhou profundamente e sorriu antes de me abraçar. Me deu tapinha nas costas.

— Conte-me tudo, eu ouvirei.

Novamente senti vontade de mentir. O sentimento de “não quero preocupar ninguém com os meus problemas” se tornou mais forte.

“Falar é a melhor solução”, vi isso num post em homenagem ao setembro amarelo. Eu nunca me abri totalmente para minha namorada, apenas disse que estava muito triste e sem motivação. Se eu me abrir para o meu irmão, sem esconder nada, será diferente?

— É uma longa história, começou há quase três anos…

Ele me fez sentar na cadeira em que ele estava antes e ele se sentou na cama. Não disse nada, apenas fez um gesto para que eu prosseguisse.

Contei tudo. Contei minhas inseguranças e medos. Contei o que pensava. Contei sem esconder nada .Chorei enquanto o fazia, mas fui me sentindo mais leve, não foi 100%, mas me sentia bem melhor.

— Não sei que conselho eu poderia te dar, me desculpe - ele parecia chateado. - Desculpe-me por não ter percebido antes.

— Não se sinta culpado, por favor, não faça isso se quiser me ajudar - suspirei. O que eu menos preciso é que ele se magoe.

Com um olhar gentil, Itachi arrancou uma folha de seu caderno e me entregou juntamente com uma caneta.

— O que é isso?

— Escreva coisas que gostaria de fazer.

— Não estou com ânimo.

— Eu estou estudando medicina - disse -, enquanto faço residência, observo que muitos pacientes doentes fisicamente, adoecem o emocional - suspirou. - Eles aceitam suas condições e começam a morrer lentamente. Eles começam a conjugar o verbo no passado, param de sonhar, se arrependem de muitas coisas e se sentem culpados por outras - peguei os itens de sua mão. - Sabia que o que mata os pacientes é essa falta de motivação? Idosos que conjugam o verbo no futuro vivem mais. A depressão, infelizmente, é uma doença que faz exatamente isso com as pessoas.

Eu não consigo pensar no futuro mesmo. Até fazer uma mísera lista eu não consigo. Mas há uma coisa que eu gostaria de fazer…

— Eu quero sair - escrevi o primeiro. - Quero sair dessa rotina.

Itachi assentiu e começou a pesquisar no computador lugares para viajar.

— Que tal um esporte radical? - pensei alto.

Quero sentir o meu coração bater, ter a certeza de que estou vivo. Não vou deixar a depressão tomar de mim o que me pertence, o meu sorriso, objetivos, sonhos, minha vida.

— Parece bom - concordou. -, e que tal uma ajuda comunitária? Há pessoas que precisam de ajuda assim como você.

— Por exemplo…?

— Doação de sangue - me olhou. - É simples, mas pode ajudar muito a quem precisa.

— Acha mesmo que se eu fizer uma lista irei melhorar?

— Acredito que você já esteja bem melhor só por ter me contado - respirou fundo. - É como um remédio, não fará efeito se você não tomar corretamente. É um esforço diário.

Concordei.

— Você já passou por isso? - perguntei após um bom tempo em silêncio. - Você parece entender bastante.

— Não vou negar, Sasuke, que se você não tivesse sido sincero, eu provavelmente diria que era frescura - comentou sem graça. - Eu pensava isso antes, mas ver que alguém que eu amo passa por isso há anos, me fez perceber o quão ignorante eu era. É como dizem: “Você só entenderá a dor do outro quando passar pela mesma dor”. Me desculpe e obrigado por me ensinar.

Depois de tantos anos, eu finalmente sorri sinceramente e de todo o meu coração. Demorou, mas finalmente descobri um tratamento.

Há cura? Não sei, posso ter algumas recaídas no futuro e várias cicatrizes. Mas não saberei se não arriscar.

— Tenha paciência, Sasuke. Todo tratamento é chato, leva tempo e você pode querer desistir porque não está tendo efeito imediato. Mas não desista, tentarei dar todo o meu apoio - sorriu. - Você pode estar odiando isso, mas tente pensar que você aprenderá muito com essa situação. Você poderá ajudar outras pessoas, não cometerá os mesmos erros, se tornará mais forte, mas sensível o suficiente para se compadecer dos outros. Será mais humilde e aprenderá a dar valor a pequenas coisas e mais valor a vida.

Isso é uma verdade. Por mais que eu pense que seja um futuro distante, ou otimismo demais pensar assim, consigo entender que coisas ruins vêm e vão para nos ensinar.

Começarei o dia assim: com calma, paciência e firmeza. Listei os meus objetivos e os concluirei. Um após o outro, um passo de cada vez, viverei mais o presente e olharei mais para o futuro, mas sem me esquecer do passado. Não me esquecerei dos meus erros, nem do meu lamento, mas mudarei a partir de agora. Eu conduzirei os meus passos, não mais a depressão.

Amor próprio? Talvez demore até que isso aconteça, mas não desistirei. Eu tenho que recuperar o que foi tirado de mim, e lutarei até o fim.


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Notas finais do capítulo

Dedico essa one para todos os ignorantes sobre este assunto.



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