A Obra-Prima escrita por Viúva Negra


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal! Espero que gostem desta história da qual me dediquei muito e, se me permitem dizer, fiquei feliz com o resultado hehehe
Desde já agradeço pela leitura ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/743513/chapter/1

Às três horas da madrugada, quando todas as luzes sucumbiam à escuridão e os corpos cansados dos honestos e frustrados trabalhadores flutuavam nas nuvens de pedra que eram seus colchões, Carlos Nunes estava com os olhos bem abertos.

As pupilas dilatadas logo se adaptaram à ausência de claridade tal qual um felino e, sem esforço algum, Nunes podia indicar com o dedo todos os móveis que compunham aquele pequeno quarto.

A forma quadrangular intacta ao seu lado direito era o simplório criado-mudo que acomodava um diminuto abajur desligado e duas gavetas fechadas nas quais Carlos enchera de bugigangas. A silhueta retangular no mesmo canto era de sua singela escrivaninha cuja qual tinha a ela acoplada uma cadeira giratória. As linhas retas em suas paredes eram prateleiras nas quais suportavam figuras disformes de diferentes tamanhos, era ali que o olhar faiscante de Carlos levemente pousava.

Respirando fundo, exprimindo um sentimento de orgulho que fugia por suas narinas, Nunes encarava aquelas silhuetas confusas e as sombras que projetavam na amurada.

Chifres e asas cresciam nas paredes até suas extremidades ficarem embaçadas como a visão de um alguém tomado pela fraqueza. Um, dois ou até três pares de braços se arrastavam pela superfície fria até encontrarem serpenteantes tentáculos. Bocarras se abriam de modo a poderem engolir as próprias sombras, cabeçorras monstruosas flutuavam com a luz vinda do poste em frente à sua janela.

Um sorriso discreto se fez no canto da boca daquele rapaz.

Outros morreriam de medo de passar ao menos uma noite naquele lugar cercado por distintas formas perturbadoras sem a companhia reconfortante de uma lanterna, contudo Carlos sentia-se protegido. Ninguém poderia lhe fazer mal diante daqueles ferozes guardiões.

Um suspiro acompanhado do leve estremecimento de seu colchão fizera-o afastar os olhos daqueles desenhos estranhamente cativantes para focá-los na figura adormecida ao seu lado.

A luminosidade que cruzava sua janela fazia Carlos enxergar um pequeno corpo encolhido, apoiado em seu braço esquerdo. Os cabelos negros ocultavam parcialmente feições arredondadas semelhantes aos rostos orientais. Um dos finos braços caído sobre o peito pálido do rapaz desperto descia e subia acompanhando sua respiração. Por um instante, Nunes desejou pegar no sono, mas parecia que Sandman¹ estava punindo-o por algum tipo de crime hediondo do qual não se recordava ter cometido.

A insônia trazia a Carlos uma desconfortável sensação de impotência, toda aquela imobilidade lhe deixava nervoso. Deslizou seu tronco para a beirada da cama, ouvia o estrado ranger e tal ruído era ainda mais perturbador quando, solitário, cruzava a noite silente. Puxou seu braço debaixo da pequena cabeça enrolada em cabelos de nanquim respirando aliviado ao notar a inércia daquele corpo mergulhado em profundo sono. Sentou-se tateando o chão frio com a sola de seus pés à procura de suas pantufas, até que seus dedos afundaram em uma textura lisa e quente.

Mais uma vez o ranger do estrado o incomodara, o sujeito respondia ao barulho congelando seus movimentos de modo a ser comparado com um gatuno que teria sido pego em flagrante.

Nenhuma resposta se seguiu, a calma ganhava terreno em seu âmago motivando-o a avançar dois metros até a porta.

— Aonde vai, Carlos?

Foi por pouco.

Uma baforada de frustração foi tudo o que Nunes conseguira emitir.

— Vou tomar um copo d’água — resmungou ele.

— E daí você volta pra cama?

— É claro!

O sutil agudo em sua voz, para quem possuía uma audição apurada, revelava a mentira que o pequeno corpo em sua cama fazia questão de ignorar.

A janela da sala de estar estava logo a sua frente, deixando o brilho amarelado da luz do poste atravessar o liso vidro. Carlos torceu o nariz ao deparar-se com as cortinas abertas, escancaradas convidando qualquer indivíduo a deitar os olhos cobiçosos sobre sua mobília — que não era grande coisa, mas sabe o que dizem, o lixo de um é o tesouro do outro.

A precaução instintiva o obrigou a ir até a janela. Colocou suas mãos sobre as cortinas, contudo antes de fechá-las, Nunes deixou seu olhar passear por um momento pela rua vazia, tal qual pudesse sentir o frio asfalto sob seus pés e a brisa trespassando seu pijama adentrando em sua pele lívida. Estava tudo tão quieto.... Como se nunca houvesse existido vida. Aquela ideia por um instante o confortou, era quase que estupenda a hipótese de somente ouvir as batidas plácidas de seu próprio coração.

Os calcanhares do rapaz giraram em direção à cozinha, outro cômodo atolado em penumbra.

O pequeno conjunto de quatro cadeiras assemelhavam-se a um quarteto de velhas fofoqueiras que se agrupavam para falar mal das pessoas distintas de seus bairros.

Olhem! Ali vem aquele sujeito esquisito cambaleando feito um morto-vivo. Cruz credo!

 A geladeira era um segurança brutamontes que zelava pelo cômodo e, se avistasse algum invasor, atiraria uma peça de presunto congelado.

É bom vê-lo de novo, senhor Nunes.

A pia convertera-se em uma passarela na qual desfilavam copos de diferentes tipos e tamanhos, todos desejando abrigar o valioso conteúdo guardado na garrafa de vodca.

Olhe para nós, senhor Nunes, olhe para nós!

Um copo foi escolhido, mas não seria usado para saciar o vício de um alcoólatra, pelo contrário, mataria a sede de um corpo errante. Ao menos Carlos cumprira com sua palavra.

Tantas sombras em sua cabeça, tantas vidas as quais estas simplórias silhuetas podem ser atribuídas.... Aquilo lhe acendia feito uma descarga elétrica ondulando por suas veias. Como seriam cada um deles se possuíssem feições humanas? As velhas seriam delgadas e corcundas? O segurança seria um homem grande e careca? Os modelos seriam crianças e jovens cheios de esperança nos olhos? Como seriam?

Os olhos inquietos de Carlos pousavam em cada objeto inanimado cujo qual ganhava uma nova vida em sua mente. Aqui está o quarteto fofoqueiro, daquele lado está o segurança imoto, à sua frente estão os pequeninos modelos e ali.... Ora, ora, ora.... Se não é o espantalho magricela bem ali! Tão solitário neste baile estranho, ninguém o convidou para dançar.

— Dance comigo, Espantalho!

E Nunes conduziu o corpo fino e rígido daquela figura para lá e para cá, vendo sua roupa debaixo feita de palha varrer a poeira formando uma densa cortina que os cercava, protegendo-os das fofocas, da inércia, dos risos pueris.

— Você está gostando, Espantalho?

Uma pergunta sem resposta, um sorriso fulgurante que se apagou ao passo que tudo parara de girar.

Carlos não compreendia.

O Espantalho estava abatido. Mesmo sem olhos chorava, mesmo sem boca lamentava, mesmo sem coração sofria, mesmo sem cérebro sabia que a dor não era algo bom de se sentir.

— O que houve, Espantalho?

Ele nunca iria lhe dizer.

Carlos zangou-se. Sua solidariedade de nada resultava, não havia motivos para se compadecer pelas lamúrias daquele graveto frívolo.

Arremessou-o ao chão com indiferença.

Uma porta discreta num canto da cozinha lhe chamara atenção. O rapaz andou até lá levando em uma das mãos o copo com água pela metade; com a outra tateou a superfície linear, suavemente áspera e morna da madeira. Seus dedos conheciam aquele terreno, já havia estado ali.

Descendo delicadamente feito o momento vagaroso no qual se deve aproveitar a sensação de explorar um corpo feminino, Nunes sentiu o volume cálido da maçaneta preenchendo a palma avermelhada de sua mão. Tão pequena a ponto de sumir entre seus níveos tentáculos, transmitindo-lhe certo anseio.

Girou o punho para a esquerda, ouvindo o click cujo qual o motivou a prosseguir. A porta se abriu com um ranger familiar e até agradável aos ouvidos do rapaz proporcionando-lhe total vislumbre do outro lado.

Carlos ouvia as batidas de seu coração, não estavam agitadas ao encarar corajosamente o rosto faceiro da escuridão. Inspirou o ar frio do local que trazia o aroma úmido de argila entrando por suas narinas, preenchendo seu peito com a sensação da qual sua bússola mental o levara corretamente onde sua alma se encontrava.

Passeou sua mão pela parede até encontrar o interruptor. Apenas uma pressão exercida e tudo, cada canto obscuro, cada centímetro fantasiosamente recôndito fora banhado pela torrente luminosa que escorreu da solitária lâmpada no centro do alto teto.

Olhos mirrados pelo golpe reluzente logo se adaptaram ao perímetro claro, contemplando-o com paciente cuidado e admiração.

O que ternamente se aninhava na negridão, era obrigado a se mostrar sem o menor pudor. E não estavam felizes com isso. Rostos enrugados mostrando os caninos e até toda a arcada dentária encaravam Carlos de forma descontente. Garras longas e afiadas em mãos que continham cinco, seis, sete ou mesmo oito dedos, grudadas a corpos com dois, três ou quatro pares de braços cheios de pelos ou desnudos.

Aquelas personagens fitavam Nunes com desapontamento.

Por que acender a luz? Por que admirar caricaturas distorcidas, com asas que não podem voar, com dentes que não podem morder, com olhos e bocas que não podem falar ou chorar? Por quê?

A beleza deformada aquecia seu olhar orgulhoso. Tais semblantes esmaecidos em desespero o faziam sorrir, somente em imaginar o tamanho daquelas presas e garras fazendo cócegas em sua tez, o rapaz sentia um reconfortante arrepio pelo corpo.

Estava no meio de um circo de aberrações.

— Boa noite, meus queridos!

O som dissipou-se pela sala tal qual o soar de um gongo, tremulando o interior adormecido daquelas figuras.

Alguns passos adentro e Carlos finalmente tomara a área; o sentimento possessivo fez seu coração estabilizar as batidas. Tudo aquilo era seu. Feito um cão farejador, reconhecia seu cheiro vindo do canto onde pendurava um avental surrado, salpicado de tinta assimilando-se a uma peneira, tantos eram os seus rasgos e furos.

O suor acre lhe impregnava o nariz, porém não podia incomodar-se com tal odor, quando este lhe remetia a tempos dos quais, inconscientemente, faziam surgir a suave curva de um sorriso de um lado de sua boca.

A visão aguçada de um felino notava as marcas dos seus dedos sobre a larga mesa à sua direita. Pequenas pegadas coloridas dançando pela madeira lisa de um branco desbotado, descascado, deplorável aos olhos de quem só preza a beleza. A visão do rapaz debruçou-se sobre um bloco de clay² plastificado que o encarava tedioso.

Oh pobre massa enregelada! Era protegida somente por uma fina camada de plástico. Não tinha olhos, mas fitava Carlos, anseando pelo calor de habilidosas mãos em sua superfície seca e fria.

As pantufas de zumbis com olhos esbugalhados — como se sofressem ao serem esmagadas contra o chão — se arrastaram por pouco menos de um metro. O copo com água foi deixado de lado perto de uns instrumentos incomuns, a luz que ricocheteou na pequena quantidade de líquido os fez brilhar.

Os dedos de Nunes correram livres pelo plástico espalmado, suas pequenas unhas mordiscadas puxaram o material, que logo rompeu-se em um seco farfalhar.

Carlos umedecera os lábios ressequidos, soerguendo o desprotegido bloco. Lá no fundo, o rapaz pôde ver a real forma que se ocultava debaixo de camadas e mais camadas de massa.

Depositando o bloco sobre a madeira, Nunes buscou em um armário um caderno de desenho e um estojo desbotado. Voltando à mesa, puxou um pequeno banco de assento arredondado e começou a trabalhar.

O lápis dançava em diagonal sobre aquele salão lívido, vazio; deixava sua suave marca pela superfície lisa. A mão direita do rapaz ia conduzindo os passos leves; as linhas finas, apesar de as ideias estarem fervilhando em sua mente, seu corpo mantinha uma calma invejável. Sua mão firme não saía do compasso, era como se estivesse somente contornando uma figura oculta sob a folha em branco, algo que apenas ele podia ver.

Quarenta minutos depois e o esboço estava pronto. Era um belo desenho! Suas curvas seguiam do topo ao fim do caderno e os tons de cinza enterneciam o olhar daquele rapaz sem sono, mas não parava por aí.

A alguns centímetros de seus braços estava uma singela base giratória usada para modelar esculturas, arrastou-a para perto de si dando uma olhada ao redor da mesa. Notou que faltava algo importante para continuar seu mais novo projeto noturno.

De outra gaveta daquele mesmo armário, Nunes retirara alguns pacotes de arames e com eles fez um boneco fino e cômico cujo qual imitava quase que fielmente as posições da personagem desenhada no caderno.

Com o esqueleto de arame pronto e preso à base giratória, Carlos envolveu em suas mãos aquele pequeno e frio pedaço de clay, levando-o até um simples micro-ondas adormecido em um canto daquela garagem. O bip agudo ao ser ligado na tomada era como um aviso de que fora despertado de seu profundo sono e estava pronto para trabalhar.

Carlos depositou a massa dentro do micro-ondas e acertou o relógio para trinta segundos. À medida em que o tempo passava, o rapaz voltou à mesa para organizar seu ambiente de meditação extrema. Checou mais uma vez o esqueleto preso à base, achou-o fino demais para as belas proporções de seu desenho decidindo então aumentá-lo com um pouco de papel alumínio enrolado em toda a estrutura.

O apito indicando o fim da contagem soou. Nunes retirou aquela massa quente e amolecida do micro-ondas, carregando-a até a mesa. Seus dedos afundavam fácil sob o material morno, estava maleável. Um pedaço fora colocado sobre a estrutura de arame, a pequena massa era apalpada tal qual uma esponja e disposta sobre o esqueleto. Seus dedos deslizavam pela superfície lisa, curvando e esticando aquela fatia mole e acinzentada.

O clay estava ganhando forma. O escultor pegara dois pequenos pedaços e os enrolou separadamente de modo a se parecerem com bolinhas, grudou-os na peça maior e moldou até se parecerem com firmes e sensuais seios com mamilos rijos e arrebitados. Alisou e afundou a superfície onde se localizava a barriga para que, um pouco acima, as costelas saltassem aos olhos.

De ombros ossudos, saíram um par de braços magros cujos pulsos se encontravam pregados, cada um por grossas correntes delicadamente fabricadas pelos ágeis e hábeis dedos do notívago. Carlos esvaziava sua mente transformando-a em uma tela em branco cuja qual começava a pintar a história daquela criatura recôndita atrás das camadas de argila.

Eva, a Rainha dos Morcegos, capturada enquanto voava na escuridão noturna com seu amante pelos ratos impiedosos a mando de seu mestre, o Duque Arkus. Este queria Eva como esposa, para juntos governarem o reino das sombras, porém a deslumbrante rainha o desprezou, pois o julgava repugnante; então o duque jurou vingança.

Arkus pediu ajuda à Condessa Astrid, uma elegante viúva negra que adorava pregar peças nos pobres seres desavisados que cruzavam a noite. Astrid ordenou às suas filhas que tecessem as mais finas, porém resistentes teias que já existiram e estas o fizeram.

Eva sentia-se viva quando dançava no ar com seu amante, o jovem e apaixonado Lorde Stephan, ambos se aprofundavam no negrume silente sem que ninguém pudesse vê-los. Eram fantasmas livres, entregues a uma paixão obscura que nada podia ferir.

Numa noite, Eva e Stephan voavam pela floresta onde viviam, até o momento em que não mais puderam sentir suas asas muito menos a brisa gélida da madrugada em suas faces. Foi tão rápido quanto um piscar de olhos.

Eva pensou que estava sob o feitiço de um poderoso mago, pois ela e o lorde encontravam-se flutuando imóveis, contudo, a rainha pôde enxergar pequeninas formas negras se aproximando, logo viu que eram as filhas de Astrid. Esta surgiu suspensa em uma de suas teias, ordenando que enrolassem os amantes feito múmias egípcias.

A pobre rainha não compreendia o motivo de tal ato maligno até contemplar a figura imponente de Arkus e seus subordinados desfilando pelos galhos daquele salgueiro que chorava baixinho pela captura da formosa Rainha dos Morcegos.

Astrid deu um profundo beijo em Stephan, que morreu instantes depois em agonia. O corpo do jovem lorde foi deixado perante os pés da condessa, esta bradou à sua prole para se deliciarem com tal banquete e as animadas aranhazinhas imediatamente avançaram sobre o cadáver.

Arkus aguardou pacientemente enquanto regozijava-se com o sofrimento de Eva, que assistia imóvel à dissecação de seu amor.

O duque ordenou que a rainha fosse levada até o calabouço de seu castelo, onde foi acorrentada entre duas colunas e, inspirado pela cena anterior, permitiu aos seus filhos que devorassem as pernas da prisioneira.

Eva lamentou, todavia, reuniu forças das quais desconhecia possuir e assim suportou as centenas de dentes rasgando sua carne, roendo seus ossos, bebendo seu sangue tal qual o vinho que se saboreia após uma suculenta refeição. Do joelho para baixo não lhe restou nada senão um par de ossos dependurados.

Mas a vingança de Arkus ainda não havia terminado.

Com sua espada, o maléfico duque rasgou as sublimes asas da rainha, porém não as cortou fora e não o faria, pois Eva merecia sofrer por tê-lo recusado. Passaria seus últimos dias presa ao chão, urrando de dor pelas feridas expostas, vislumbrando as asas em farrapos apenas se lembrando da época na qual o céu chamava seu nome.

Definharia em pesar e sucumbiria ao arrependimento de ter negado tal nobre proposta.

Com a queda da bela Eva, Arkus governou o reino das sombras ao lado de Astrid. Ambos guardam a noite de maneira vil e tirana, não permitindo que uma alma sequer sonhe em encontrar paz na escuridão.

 

Por um momento, Carlos lamuriou-se pelo trágico fim da Rainha Eva, seus dedos desaceleraram à medida em que esculpia as pernas dolorosamente mutiladas da pobre criatura. Contudo, se perguntava por que Eva recusara matrimônio com o Duque Arkus?

Arkus era valente, tinha muitos súditos, era o companheiro perfeito, mas Eva não o amava. Ah, o amor! Sentimento traiçoeiro... Talvez Eva merecesse sofrer, pois tal criatura que rejeita outra assim não conhece o amor. Será?... E o que Eva sentia por Stephan? Ambos eram jovens, não tinham certeza de seus sentimentos, afinal, o que poderiam saber sobre sentimentos?

Nunes apertava e alisava a peça que viria ser a cabeça da rainha. O nariz triangular típico dos morcegos sanguinários erguido na direção da lua que lhe banhava com pálida angústia, os olhos turvos pelas lágrimas que derramava incessantemente, as sobrancelhas arqueadas suplicando aos céus para que lhe devolvessem a liberdade.

As asas esburacadas, piores que o avental de quem as moldava. Finas como seda, dobradas em sinal de fraqueza. Cada rasgo frio, cada onda produzida pelo encolhimento daquelas cortinas escuras era milimetricamente detalhado com aguçada atenção.

Carlos surpreendeu-se ao notar a forte luz que ofuscava a claridade de sua singela lâmpada, olhou para o relógio em um canto da parede cujo qual marcava pouco mais de sete da manhã. Apesar de não estar com sono, Nunes se pôs a caminhar em direção ao seu quarto, precisava pelo menos relaxar as costas, livrando-as da incômoda posição curvada que se submetia por horas a fio.

Antes de ir, o rapaz guardou cada objeto com desvelo como se fossem extremamente frágeis e, olhando uma última vez para a figura suplicante de Eva, apagou a luz e fechou a porta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

1. Sandman: é uma criatura do folclore europeu, conhecida como João Pestana em Portugal e no Brasil. Ele carrega consigo um saco com areia mágica para jogar nos olhos das pessoas em pequenas quantidades, fazendo-as dormir.

2. Clay: é o termo em inglês para "argila". Portanto, o clay nada mais é do que um bloco de argila usado para fazer esculturas. Possui várias cores, texturas, pesos e tamanhos, cada um adequado para um tipo de trabalho artístico.

É isso, pessoal, espero que tenham gostado. Nos vemos no próximo capítulo ;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Obra-Prima" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.