WSU's O Temerário: PAR escrita por Lex Luthor, WSU, Christopher Aguiar


Capítulo 1
Par


Notas iniciais do capítulo

Os personagens presentes nesta fanfic, agora não são mais integrantes ao universo do WsUniverse, as histórias deles serão rebootadas e continuadas no seguinte perfil: https://fanfiction.com.br/u/225214/



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Cícero, Cidade do Corsário

 

Do alto de um prédio, no subúrbio da cidade, o Caveira observa o movimento da calada da noite, enquanto se comunica com o seu primo por uma escuta.

— Eu versus Jesus, no octógono?

Sim, como acha que seria? — pergunta Matheus, o primo de Marcos.

O Caveira ri sem graça.

— Não sei — responde o Temerário, com incerteza —, acho que eu provavelmente diria “nenhum homem vivo pode me derrotar.” e aí; Ele responderia algo como “mas Eu morri e ressuscitei”.

Tá, e o resultado?

 — Ah, bicho... sei lá... — coça a cabeça, pensativo. — acho que eu chutaria a bunda dele, o cara era um carpinteiro hippie.

Verdade, o cara não é de briga. — Matheus concorda com a análise. — Acho que ele viraria a outra face, ou algo do tipo.

É então, que um grito interrompe a conversa.

— Pega ele! — grita a voz masculina.

Logo, o Caveira, atentando para o grito, pergunta através da escuta:

— Tá tendo algo aqui no Cícero que eu não sei? — questiona, preocupado.

Você não sabe, nem eu.

Ele corre em direção ao parapeito oposto ao que estava, para tentar reconhecer de onde veio o grito.

As vermelhas lentes da máscara de caveira focam num jovem correndo na vazia Avenida Malta, enquanto duas vans brancas chegam em alta velocidade. Percebendo que seria alcançado, o rapaz loiro entrou num beco estreito demais para que os veículos passassem.

— Tu é um policial e tá fazendo ronda, bicho. — fala o Caveira, indignado. — Olha no radar, ou qualquer equivalente. Tem algo soando como uma avalanche de merda aqui no Cícero e não parece nada com um surto psicótico meu — limpa o pigarro na garganta —, dessa vez.

Porra nenhuma. — responde o primo do outro lado da linha. — Não teve nada de ocorrência nas imediações.

— Vou ter que desligar aqui e averiguar, aspirador-de-pó-nasal — despede-se, pelo codinome.

Afirmativo, desbracito.  Cambio, desligo — encerra a chamada e o herói salta do prédio.

O garoto com roupas hospitalares corre ofegante no beco escuro, uma van chega fechando o beco e vários homens de jaleco branco descem correndo atrás, quando desce um último, não de jaleco, mas com um tipo de roupa paramilitar e chupando um pirulito de cereja.

— Merda. — fala o homem negro, tirando o pirulito da boca, observando o caminho escuro de paredes de tijolos. — Tinha que ser você, Dominique — coça sua barba longa.

O doce cai no chão, ele o pisa com seu coturno negro e força o pé em movimento giratório, arruma a boina na cabeça e corre com o a mira apontada para frente.

O jovem em fuga, quase chegando ao fim do beco, congela desesperado e ofegante, quando a outra van fecha a última saída. 

— Senhor Dominique Belikov! — grita o paramilitar, chegando logo atrás apontando sua arma para o jovem. — Chega de fugir, rapaz! Essa cidade é perigosa demais para ter uma peça rara de milhões de dólares à solta

— Vá se foder, Jubileu! — esbraveja o rapaz, colocando suas mãos trêmulas para trás.

— Deixa a mão baixa, filhinho. — diz Jubileu, com o cenho franzido. — Os sedativos podem não funcionar com você, mas eu cavo a sua cova.

O garoto sorri, nervoso.

— Eu duvido muito, otário! — Flamas alaranjadas irradiam nas mãos do menino, quando ele fala. — Você mesmo disse que eu valia milhões!

Ele atira uma bola de fogo em direção a Jubileu, que se esquiva, mas sente os pelos do lado esquerdo de sua barba queimarem e vê logo atrás, seus amigos em gritos de agonia sendo engolidos pelas chamas, que acaba por parar na van que obstruía o beco, explodindo-a.

Dominique desaba de joelhos no chão e de tão exausto fica de quatro, sentindo uma gota de suor escorregar de seu nariz ao pingar.

 — Bela tentativa, seu bostinha mal cagado. — diz Jubileu, pisando com seu coturno nas costas do jovem. — Agora você vai...

— Ô, chefe — interrompe um dos homens de jaleco, tocando seu ombro por trás.

Jubileu vira-se impaciente para este e indaga-lhe:

— Mas o que é agora, caralho?!

Ele parecia assustado, mas sem sequer olhar para os olhos de seu líder.

— O que é aquilo? — pergunta, apontando para a parede do prédio, que compunha o beco.

O Temerário, como uma aranha desce com a mão direita e os pés aderidos ao muro, pois o seu braço esquerdo era algo peculiar, uma espécie de prótese em forma de lâmina, um tipo de foice atritando aos tijolos, soltando faíscas.

 — Vão ficar olhando, porra?! — Jubileu aponta para a estranha figura. — Derrubem essa assombração de filme japonês!

Os homens de branco abrem fogo ao alto, mas o Caveira dá um salto mortal de costas antes de ser alvejado e, ao cair, decepa a mão armada de um dos atiradores, para só então rolar sobre seu ombro, aparando a queda.

Em solo, as balas o acertam, mas param no traje reforçado de aramida, sua lâmina acerta o ombro de um dos homens de jaleco e sai, em seguida acerta o joelho de outro. Ele abaixa-se, aplicando uma rasteira em mais um, que cai ao golpe e tem o pé separado da perna pela foice do Caveira.

— Aí, esquisito! — grita Jubileu, pisando em Dominique. — É melhor ficar de boa, se não eu largo o dedo aqui!

Aos poucos, o exausto garoto desperta e observa o diálogo dos dois.

— Que nada, negão. — responde o Caveira com sua intimidadora voz grave. — Essa é a nova tendência de barbas pro verão?

Dominique ri, forçado, até que o seu algoz pressiona o pé contra suas costas.

— Bem que eu tava sentindo um cheiro te pentelho queimado.

“Esse fuzil dele, essa merda é munição perfurante. Se ele atirar, eu me ferro. Acho que eu estou agindo bem em distraí-lo com essas prov...”

— Cala a boca, porra! — esbraveja Jubileu, atirando na perna direita do Temerário.

O Caveira olha atônito para sua perna, o atirador está espantado com a sua própria atitude, quando um grito fino, tal qual o de uma moça, ecoa pelo beco e todos assistem inertes à cena do berro do Temerário, apontando para o próprio ferimento.

Dominique segura o coturno de Jubileu e, logo, um fogaréu espalha-se por toda a sua roupa, enquanto ele rola pelo chão do beco.

Então, um homem de jaleco joga um tecido sobre ele cessando as chamas. Ao ouvir o barulho das sirenes de viaturas aproximando-se, este toma a atitude de puxar o incendiado para a van que restou na saída do beco e sai às pressas.

O Temerário, mancando, segura o garoto em seus braços e segue letamente para a outra saída, mas ao chegar lá, percebe a inutilidade de seus esforços vendo a viatura os interceptar.

— Droga! — grita o Temerário, decepcionado.

O único policial que estava no veículo desce.

— Põe o garoto no porta-malas — fala Matheus, apressado. — Rápido!

Ambos entram no carro e saem do local rapidamente com um cavalo de pau.

— E você disse que não tinha nenhuma ocorrência — fala o Caveira, com o incomodo da dor na voz.

— E não tinha, eu vim pelo grito de uma moça em perigo — responde Matheus.

 

 

 

A Cripta

 

 O peculiar herói e o policial chegam à Cripta, a base de operações do infame herói Caveira. Tudo naquela antiga casa, recinto este onde Marcos morou por bastante tempo. Qualquer coisa lá soava como improvisado, para que não fossem levantadas suspeitas, inclusive a mesa de operações médicas onde está deitado o ferido com a perna suspensa por uma corda presa ao teto, apenas de cueca.

— E aí, o moleque criou uma puta bola de fogo com as mãos — Tragou o cigarro artesanal —; parecia uma kame-hame-ha.

Matheus sorri, enrolando uma faixa na ferida perna direita do homem na maca, que estava levantada.

— Dá cá esse bagulho, desgraça. — estende a mão para seu paciente, pedindo o fumo e ele o entrega. — Isso é efeito.

— Tô falando — diz Marcos, insistente —, não tem nada de efeito da erva e nem surto.

— Beleza. — Matheus dá a sua tragada. — Tu tem sorte, a bala atravessou sem tocar nenhum osso. Consegui suturar, mas é melhor ir pro hospital.

— Eu não posso, tenho uma reunião urgente com o pessoal da MutaGenic daqui a pouquinho, pela manhã — fala o ferido, levantando-se — e lançamento da sonda para Mercúrio é amanhã.

— Fala sério, quantos milhões você torrou nesse projeto? — indaga o primo.

— O bastante para reproduzir propulsores com tecnologia da nave da Karen Maximus. — responde Marcos, ao levantar da maca para vestir um short esportivo. — Vou ter que ir agora, chega de aventuras por hoje.

 O herói percebe então, que está sentindo falta de algo.

— Ô, Matheus. — chama a atenção do policial, que responde com um aceno. — Tu tirou o moleque do porta-malas?

— Mer... — responde com meia palavra.

Apressadamente os dois andam para o estacionamento fechado, na parte da frente da Cripta, onde passam pela Besta, o Opala preto do Temerário. Mais à frente está a viatura, ao olhar para a traseira do veículo a reação de surpresa de Marcos é inegavelmente explosiva.

— Puta que... — fala, levando sua única mão a cabeça. — Eu te falei pra tirar o moleque!

Um gigantesco buraco redondo, com sinais de explosão na mala e o portão da garagem havia tido suas trancas derretidas, fundidas no calor do fogo.

— Ih, rapaz! — murmura Matheus. — Isso vai dar ruim pra mim.

Marcos olha apertando os olhos para o primo.

— Pra você? — pergunta sarcástico. — Tem um moleque atirador de fogo à solta e gente caçando ele... mas vai dar ruim pra você, né?

O polícia olha para baixo.

— Poxa, bicho... foi maus. — fala olhando para o primo com a culpa nos olhos. — Perdoe aí o vacilo, a decepção.

O herói dá apenas uma risadinha sarcástica.

— Decepção? — indaga irônico, com um sorriso nos lábios. — Você não me decepcionou não, bicho!

Aquelas palavras pareciam tranquilizar o policial.

— Pra decepcionar tem que ter alguma surpresa. — termina o seu argumento.

Matheus pasma boquiaberto e seu primo entra na Besta.

— Jesus te socaria forte na boca do estômago, agora — rebate o primo.

— Tô indo embora, vai que a burrice seja hereditária.

— Então não vai fazer nenhum efeito, pois você já herdou! — retruca o policial agressivamente. — Fala sério, você não pode dirigir com um braço só! — A ignição é feita no Opala, que ronca o motor. — Seu desbracito imbecil!

O barulho do veículo aumenta.

— O que?! — pergunta Marcos, como se estivesse surdo.

— desbracito imbecil! — grita Matheus.

— Puta codinome bosta, como tudo o que você faz! — ironiza o herói. — O que eu te coloquei é bem melhor e agora é o meu codinome, pois eu cheiro muito mais do que você!

— Estou cagando forte para sua opinião, seu maneta do caralho! — esbraveja o policial.

— Sou o novo aspirador-de-pó-nasal-dois-ponto-zero-master! — grita Marcos. — Ou Maradona! — Marcos para um instante, ofegante pelas ininterruptas falas aos berros. — Que é um equivalente bem mais sucinto — explica-se.

A besta segue de ré, bate no que resta do portão derretido e para fora da garagem.

— Caralho, como é difícil dirigir e passar marcha ao mesmo tempo. — fala o herói no Opala.

O veículo faz a volta e deixa a Cripta.

 

 

 

Sede da MutaGenic, Cidade do Corsário

 

Numa sala de reuniões executivas, ao lado da imensa mesa de doze lugares, discutem Jubileu, com seu uniforme tático quase destruído, e Anthony Lincoln Braga, com seu suéter preto, o CEO da MutaGenic Inc.

— Foi uma loucura, o desgraçado do Dominique me fez pegar fogo.

— E isso justifica eu perder milhões? — indaga Anthony, irritado, olhando para Jubileu com seus olhos verde-claros.

O CEO passa os dedos por entre seus negros cabelos sedosos, olhando para o teto.

— Quem adivinharia que o Caveira iria chegar e, de quebra, a polícia também? — diz o homem com meia barba.

— Jubileu, Jubileu vá se... barbear. — o empresário perde a paciência, mas não a classe. — Está ridículo. E quer saber...

Os olhos de Anthony ficam intensos, suas pupilas se contraem.

— Cem mil por Dominique vivo e cinquenta, morto. — fala o CEO, sorrindo. — Espalhe a notícia por aí. 

 

 

 

Casa de Marcos Fonseca

 

Marcos, com um terno preto-acinzentado e riscas de giz brancas, sentado no sofá de sua casa e abraçado a uma garrafa de Uísque Fonseca observando o nada, seu Gato persa albino e tira a sua atenção de seu profundo olhar para o nada.

— Fala, otário — cumprimenta o felino.

O dono responde com um sorriso bobo e vê o bichano subir no centro de mesa totalmente de vidro no meio da sala, quando derruba um porta-retratos. Ele olha para a fotografia e vê seu sorriso congelado, ao lado de seu primo Matheus. Nesse instante, o seu vinil começa a tocar a introdução de Just The Two of Us, de Bill Whiters e Grover Washington Jr.

 

I see the crystal rain drops fall, and the beauty of it all

(Eu vejo as gotas de chuva caírem, e a beleza de tudo isso)

 

Ele admira a foto, ao lado do companheiro. Filho único, foi o mais próximo de um irmão que teve durante toda a vida.

 

Is when the sun comes shining through, to make those rainbows in my mind

(É quando o sol vem brilhando, para fazer aqueles arco-íris na minha cabeça)

 

Os dentes de Marcos aparecem no sorriso quando lembra da comemoração do seu primeiro título mundial de MMA, no qual comemorou com felicidade ao lado de seu primo na mesma foto.

 

O turbilhão de lembranças boas invade a sua cabeça, bons momentos como a briga generalizada contra vários Ronalds McDonald’s numa convenção da multinacional de fast-food, que terminou com Matheus causando uma fratura exposta no cotovelo de um dos palhaços e Marcos ter apagado outro, num mata-leão. Tudo isso com as crianças assistindo horrorizadas.                                                  

Just the two of us

(Só nós dois)  

O primo com farda de policial e bêbado urinando numa foto do Soldado Fantasma ao chão, cumprimentando o Marcos com um sinal positivo, que com um olhar e sorriso de satisfeito, devolve o gesto.    

— Pai! — interrompe Vanessa. — Eu te perguntei se você tomou os seus remédios hoje! E você ficou cinco minutos em silêncio sorrindo para o Cupipinho e a foto no centro, tem algo errado?

Marcos olha enfezado para sua filha. — Está falando comigo como se eu fosse criança?! — esbraveja cuspindo as palavras abraçado à garrafa. — Tá criando uma carninha nos seios e já está se achando superior a mim? Eu sou o seu pai, garota!

Vanessa, impaciente coça os olhos.

— Tá bêbado, né? — Olha desconfiada para o pai. — Se tiver tomado o remédio com uísque de novo, não vai ter efeito nenhum.

— Cadê a sua mãe? — pergunta o pai, ignorando as recomendações.

— Foi levar o Júnior para a creche, para dar plantão... você viu ela saindo! — Vanessa coça a cabeça, preocupada. — São dez da manhã e olha o seu estado!

— Você não devia estar na escola?

— Grande! — Vanessa sorri, irônica. — Eu estudo de tarde, pai, você também sabe disso. Marcos levanta-se da cadeira, com os olhos intensos e os aperta rangendo os dentes.

— Agora lembrei o motivo de eu estar bebendo — uma fisgada na perna o interrompe —... a dor. Não a do meu peito, mas a da perna... Enfim, disseste dez? — indaga, espantado levantando-se da cadeira. — A reunião com a MutaGenic

Ele sai da sala apressadamente.

— Não vai dirigir bêbado, não é?! — pergunta a filha aos gritos, preocupada.

— Não, vou surfando! — grita ao responder.    

 

 

 

22º Batalhão da Polícia Militar da Bahia, Cidade do Corsário

 

— Sargento Fonseca, eu gostaria que entregasse o seu distintivo. — diz o capitão Rangel. — Decidimos que o senhor está suspenso das atividades na corporação até que seja julgado.

Do outro lado do birô, Matheus olha desconfiado.

— Por quê? — pergunta o sargento.

— Depredação de patrimônio público. — responde o capitão, mas o homem à sua frente apenas arqueia as sobrancelhas. — O rombo na traseira da viatura.

— Ah, faz sentido. — responde dando uma risada despretensiosa. — Só pra deixar claro, eu não fiz aquele buraco.

— Vai lá saber, você é primo de Marcos Fonseca. — Rangel põe as mãos na mesa. — É melhor que se mantenha fora de suas atividades até o fim das investigações, estamos analisando o seu depoimento sobre o ocorrido no Cícero.

O capitão levanta-se e o sargento faz o mesmo, prestando continência.

— Mantenha-se fora de encrencas, rapaz — recomenda Rangel.

Matheus concorda com um sinal positivo de cabeça e deixa a sala. Logo na saída, seu celular começa a tocar. Ele o puxa de seu bolso e vê que era Marcos a chamar. Recusa a chamada.

Logo a sua frente, vê um homem negro alto e familiar. Espreme os olhos tentando reconhecer, enquanto recusa outra chamada de seu primo. Decide bater no ombro de seu possível conhecido, o fazendo virar-se.

— Grande Jubileu! — cumprimenta Matheus, surpreso ao ver o amigo sem pelo facial algum. — Eu não te vejo desde que foi expulso da corporação por ir fardado para um clube de strip-tease!

— Matheus Pimpolho! — cumprimenta o antigo amigo.

— Uau! — impressionado, ri. — Achei que esse apelido tivesse morrido na década de noventa!

— Está vivo em nossos corações! — responde Jubileu em tom zombeteiro.

O sargento, percebendo a queimadura no rosto de seu amigo, pergunta:

— O que foi aí no seu rosto, bicho? — indaga tocando sua próprio face.

— Foi me barbeando — responde inseguro —... a laser!

Matheus concorda com desconfiança.

— Pode crer, barbeiro devia ser algo como Darth Vader com participação especial de Sweeney Toddy. — sorri sem graça. — Mas o que te traz aqui?

— Ah, sim! — Entrega uma foto para Matheus. — É que um parente meu sumiu do hospital, ele tem problemas mentais, e minha família ficou bastante preocupada depois do ocorrido no Cícero.

— “Parente doente mental fugindo de hospital” — o polícia reprisa a frase do amigo —, isso é comum demais comigo.

O sargento olha para a foto, tendo a mesma sensação que tivera ao ver Jubileu de costas.

— Poxa, bicho. — coça o queixo, olhando a fotografia. — Esse moleque parece meio pálido, né?

— S-sim — responde gaguejando. —, ele é meio-primo por parte da minha tia materna.

Logo, Matheus percebe que trata-se de Dominique na foto.

— Tratando-se daquela gostosa da sua tia, tudo é possível! — fala Matheus sorrindo, para não levantar suspeita alguma e termina por arrancar falsas risadas de seu colega.

Um clima tenso se instaura entre os dois, até que o gelo é quebrado por mais uma ligação de Marcos.

— Malditas empresas de telemarketing.  — fala o sargento, movendo o contato de Marcos para a lista negra. — Em que hospital disse que o seu parente estava mesmo? — pergunta entregando a foto de volta.

— Clínica Santa Clara — responde Jubileu.

— Eu vou mesmo investigar esse desaparecimento, então anota o meu número aí...

— Não precisa. — interrompe, com uma piscadinha. — Eu tenho o seu perfil no Tinder.

— Ah, claro — Matheus solta um sorriso amarelo.

 

 

 

Sede da MutaGenic, instantes antes

 

A mesa de reuniões estava lotada de representantes da MutaGenic, dentre eles o CEO Anthony Braga e, representando a F-Tech, Marcos Fonseca.

— Bom dia, senhor Fonseca. — cumprimenta Anthony, estendendo a sua mão. — Um belo terno com marcas de giz.

— Obrigado, senhor Braga, — Marcos aperta a mão estendida. — São da minha marca pessoa e, se bem pode ver não são marcas comuns, são palavras “fuck you”, que as formam.

Anthony arregala os olhos surpreso.

— Oh, mas que interessante! — elogia constrangido. — Desculpe, o senhor bebeu?

— Não, de forma alguma — fala Marcos levando a mão direita à boca para checar o próprio hálito.

— Está com cheiro de balas de Uber e uísque barato — rebate Anthony sentando-se na cadeira da ponta da mesa.

— Talvez eu tenha bebido um pouco — reponde Marcos, animado —, mas senhores, eu vim apresentar o novo Uísque Fonseca! — grita em êxtase, pegando a garrafa que havia colocado debaixo da mesa e servindo nas xícaras de cada um que estava sentado ali, mesmo mancando a perna direita.

Um senhor pede para que não seja servido com um sinal negativo com o indicador direito.

— Não, não, meu senhor. — fala Marcos, enchendo a xícara. — Eu insisto! Todos precisam provar dessa maravilha especial da minha marca pessoal! Trabalhos com uísques, champanhes e... — fala inseguro. — também trabalharíamos com vinhos, se não tivesse sido reprovados na fase teste pela enóloga Myrian Winshester. — finge uma tosse. — Puta total!

Na vez de Anthony ser servido, ele recusa.

— Desculpe, Marcos. — afasta o copo de si, arrastando mesa à frente. — Eu não bebo e não sei quando uísque se tornou a questão a ser discutida.

— Então morra desidratado, Anthony. — fala o empresário bêbado. — Talvez nem isso dê jeito, é tão bonito que parece ter sido feito em laboratório! — o elogio rende risadas de todos na mesa. — Eu viraria gay por você!

Anthony fica visivelmente embaraçado com a modéstia de Marcos.

— Eu estou em um relacionamento sério, me desculpe decepcioná-lo — responde ironicamente ao elogio.

Embriagado e descompassado, e com sua garrafa de uísque vazia, o CEO da F-Tech senta-se na outra ponta.

— Já que estamos falando sobre laboratórios, senhor Fonseca — fala Anthony, levantando-se —, que tal falarmos sobre amanhã de manhã?

— Sim — responde com dificuldade, colocando os pés sobre a mesa —, pule as preliminares, bonitão.

— Como bem sabe, nós iremos lançar a sonda com tecnologia da F-Tech e exploraremos o solo de Mercúrio para ver as condições de vida no planeta vermelho.

Marcos solta uma risada incontrolável, bate na sua coxa e tenta esconder o constrangimento com sua mão direita ao rosto.

— Como eu dizia, a sonda será enviada...

Os gargalhos, mas intensos interrompem a fala de Anthony, até, que Marcos os cessa com um intenso grito, como se tivesse se assustado. Porém, espantados ficaram todos naquela mesa.

— Continue. — responde seriamente. — É só uma técnica que aprendi. — explica o grito. — Você falava sobre vida em... — não consegue terminar a fala prendendo o riso.

É então, que dois seguranças adentram à sala carregando uma grande célula no formato de um caixão, porém mais espaçoso e soltando fumaça, como num show com gelo seco, que chama a atenção dos presentes.

— Nesta célula criogênica, senhor Fonseca — explica Anthony —, está a esperança do ser humano habitar o inabitável.

Pelo vidro frontal da célula, Marcos podia ver o rosto do garoto que tentou ajudar na madrugada do mesmo dia, desacordado.

Puta que me pariu — admira-se, sussurrando.

Por debaixo da mesa, ele tenta, de seu celular, fazer uma chamada para o seu primo Matheus, mas logo é rejeitada.

Atende, porra — sussurra baixo entre os dente, não dando mais ouvidos para o que Anthony falava.

— Senhor Fonseca! — o CEO da MutaGenic tenta chamar a atenção, alteando o tom de sua voz. — O garoto teve a estrutura genética modificada desde sua infância e pode tornar setenta por cento de sua composição corporal em fósforo, todo o resto consegue suportar extremas temperaturas.

Marcos tem mais uma ligação recusada por Matheus e, impaciente, levanta-se dando um soco na mesa.

— Você enlouqueceu?! — esbraveja. — Não pode enviar o garoto para Mercúrio, ele vai congelar lá! É loucura! É o planeta mais distante do Sol!

As pessoas na mesa se entreolham desconfiados.

— Com quem eu estou negociando? — indaga-se Anthony, decepcionado, olhando para baixo e balançando sua cabeça negativamente. — Senhor Fonseca, queira acalmar-se, ele já passou por todos os testes, o problema é que a ONU e esses órgão sem utilidade alguma não liberariam o envio do garoto, mas se fizermos de maneira oculta... só precisamos de uma autorização.

Os seguranças exibem suas armas de alto calibre com sorrisos satisfeitos em seus rostos.

— Eu posso deixar você pensar o quanto quiser — fala Anthony rindo, malicioso —, mas aqui mesmo nas nossas instalações, até amanhã. Revistem-no, celulares, cortantes, armas de fogo.

Os guardas armados seguem até Marcos e começam o processo de revista, enquanto ele franze o cenho olhando para Anthony.

— Se você tem planos para viver algo, ou estar ao lado de alguém um dia — fala com uma entonação mais séria, sendo apalpado pelos revistadores —, então não devia ameaçar um homem.

Os seguranças param.

— Está limpo — fala um deles.

 

 

 

Clínica Santa Clara, Cidade do Corsário

 

Matheus observa a sala de recepção lotada de pacientes que esperam sua ficha ser chamada, ele escora-se no balcão onde uma recepcionista, já uma senhora de idade, mexe em seu computador.

— Nossa! — admira-se Matheus, enfático. — Como está quente hoje, não, minha senhora?

A mulher tira seus olhos da tela e o observa por cima dos óculos.

— Tanto faz, aqui tem ar condicionado — responde nada simpática.

O policial suspenso espanta-se com a antipatia e ri para quebrar o gelo da conversa.

Essa daí não deve trepar tem uns trinta anos — sussurra para si mesmo.

— O que disse, senhor? — pergunta a mulher.

— Não é incrível como as pessoas usam das condições climáticas para puxar assunto?! — pergunta sorrindo.

— Então, pule a previsão do tempo e puxe logo o assunto.

Matheus enfeza-se com a mulher pouco cortês.

— Sumiu um garoto ontem aqui nessa clínica e eu estou — puxa um distintivo falso, que logo põe de volta no bolso da calça. — investigando o caso — fala apreensivo.

A senhora o olha sério.

— Pode me mostrar o distintivo de novo? — pede a recepcionista.

Ele puxa novamente a ferramenta de identificação.

Delirius Sex Shop. — lê a mulher, que dá um sorriso malicioso. — Desculpe, mas eu não vou poder dar nenhuma informação a você.

O policial afastado suspira.

— Não de graça. — aquele sorriso continua em seu rosto. — Não tenho uma boa noite sexo há uns trinta anos.

— É mesmo? — sorri sem graça.

— Sim, se deixar seu número — fala mais desinibida, mordendo a ponta do polegar. — eu te dou o que quiser.

Ela arrasta um cartão da clínica e uma caneta para ele.

— Se trapacear, não terá nada de mim.

Matheus, constrangido, escreve o número e passa o cartão.

— Tudo bem, o que posso dizer é que o garoto chegou aqui com hipotermia e em menos de uma hora, suas taxas voltaram ao normal. — explica a senhora. — Deveria ter sido sedado, mas não foi e talvez por isso ele sumiu na madrugada, tem uma rombo gigante na janela onde ele estava.

— Típico. — responde Matheus. — Não tem mais nada? Isso não vale um número de celular.

— Olha, você não é o único com problemas! — a velha se irrita. — Uma enfermeira, Linda Bertrand, também desapareceu ontem, no plantão.

— Mas que coincidência! — surpreende-se Matheus.

— Só tenho uma ressalva — a recepcionista fala, de sobrancelha arqueada —, a liberação dos dados dela estão condicionados à sua contraparte do acordo.

— Obrigado, depois falamos sobre isso — olha no crachá —, Rita.

— Furacão. — corrige a senhora. — Rita Furacão.

Matheus dá as costas sem titubear, mas o seu celular começa a tocar. Ele olha para o visor e olha novamente no balcão, onde Rita acena sorrindo com um aparelho em mãos.

 

Jubileu e Rita Furacão, acho que acabei de atualizar as definições de fundo do poço da vida sexual.

 

Saindo da clínica, o investigador começa a pensar no que fazer.

 

 Eu posso ter sido suspenso das minhas atividades como policial, mas certamente não me suspenderam o ID de consulta. Sendo assim, eu posso puxar toda a ficha de Linda Bertrand.

 

Ele pesquisa, de seu celular, os dados criminais da enfermeira, mas acha apenas algumas multas de trânsito por excesso de velocidade e suspensão por embriaguez ao volante.

 

Ok, linda. Você gosta de voar alto, multas por excesso de velocidade e embriaguez, certo? Então, já o seu CNH e seu CPF. Vamos agora consultar o seus imóveis no site da receita.

 

Matheus acha dois imóveis, uma casa no Cícero. Já é o bastante para ele tomar a sua decisão.

 

 

 

Rua Fonte Nova, Cícero

 

Matheus encosta o seu sedan alguns metros antes da casa da enfermeira e segue a pé até lá. Já é noite e não há uma luz sequer em todo o velho imóvel. Com um alicate de arrombamento, ele separa as travas do cadeado do portão de ferro, em seguida o abre. Percorre um pequeno trecho de terra até chegar à porta de madeira da frente.

Então, chuta a porta da frente por duas vezes, que cede e o libera a passagem. Liga a lanterna de seu celular e procura por um interruptor, até que acha e ao apertar o botão, sente uma pancada na nuca, caindo instantaneamente.

 

 

 

Algum lugar na Cidade do Corsário

 

Marcos, amarrado a uma cadeira de madeira, observa o jovem à sua frente despertar na célula criogênica, aos poucos suas pálpebras vão abrindo e fechando.

 — Fala, Lázaro Ramos — cumprimenta o amarrado.

— O-o que? — pergunta o rapaz, confuso.

— O Foguinho de Cobras e Lagartos, lembra? — o garoto balança a cabeça negativamente. — Onde esteve nos últimos vinte anos?

— Num laboratório.

Um silêncio constrangedor se instaura naquele galpão vazio.

 — Pelo menos eu acho que o meu irmão vai se dar bem — fala o garoto em tom de desabafo.

— É o que, bicho? — pergunta Marcos, impressionado.

— O meu irmão gêmeo, o Dominique. — fala o menino explicando-se. — Ele foi para o hospital ontem, fingiu uma hipotermia.

 — Cacete! — grita o impressionado refém. — Então é bem provável que o seu irmão tenha dado o pé na bunda, mas por que caralhos você não fez isso também?

— Eu bem queria saber. — fala o menino loiro de maneira triste. — Passei a minha vida inteira ouvindo que o “Dominique é melhor que o Dimitri” — diz fazendo uma imitação infantil — e isso sempre foi o motivo das nossas brigas.

Marcos sente uma dor cortante em sua perna direita.

— Ai! — murmura, fazendo uma careta. — É garoto, eu tenho alguém meio que parecido com um irmão, mas no meu caso eu sou o bonzão, o mais bonito e é por isso que sou de difícil relação.

Dimitri tem risadas arrancadas pelo jeito modesto do homem à sua frente.

— Pode crer. — confirma o menino na célula. — Mas quer saber de uma coisa? — Olha profundamente nos olhos do empresário. — Estou feliz por ele. Talvez nunca mais o veja, já que vou pra Mercúrio sozinho, só que você me tranquilizou dando esperanças que ele nunca mais vai voltar pra cá. Eu sempre vou querer o melhor pro meu irmão.

Uma lágrima solitária desce pelo lado esquerdo do rosto de Marcos.

 — O senhor tá chorando, seu...

— Marcos, garoto. — responde emocionado. — Me chamo Marcos e não é por conta do seu triste futuro iminente — disfarça —, mas pelos pontos rompidos na minha perna.

A calça social do empresário já tinha se formado uma pequena roda de sangue. Eles veem a porta do galpão abrir-se.

— Boa noite, senhores. — cumprimenta Jubileu, trazendo uma garrafa de uísque. — Vejo que está se dado bem com a nossa cobaia, senhor Fonseca! Ele já te falou o quanto é bom em sobreviver às altas temperaturas? Criar e manipular fogo?

O empresário espanta-se, ao ver o rosto do homem que acaba de entrar.

— O que houve, senhor Fonseca? Parece que viu um fantasma.

— Eu nunca vou deixar vocês enviarem o Dimitri para Mercúrio, isso é absolutamente insano! — esbraveja Marcos. — Ele tem família!

Jubileu sorri, olha para baixo e aproximando-se de sua perna, percebe o sangramento na calça.

— Fui enviado para cá tendo a árdua tarefa de dar-lhe um incentivo de que esse espécime é capaz de sobrevier a Mercúrio, mas vejo que eu nem comecei a minha tortura com uísque Fonseca e você já se cortou? — indaga ironicamente.

— O meu uísque é tão ruim assim, que vocês não degustaram o presente e vão usá-lo para esses fins? — pergunta evasivo e apreensivo.

É então que o homem de rosto queimado aperta os olhos vendo o ferimento. O suor frio escorre pela testa do refém e a porta se abre mais uma vez.

— Contem-me as boas notícias! — brada Anthony, animado. — Está uma bela noite lá fora, senhor Fonseca! Deveria tomar a decisão de assinar os termos e aproveitá-la.

O CEO da MutaGenic aproxima-se dos três.

— Poderíamos estar aproveitando juntos. — diz Jubileu, passando uma mecha de cabelos de Anthony para trás da orelha.

Os lábios de ambos se tocam e eles continuam num demorado beijo.

— Eita, porra! — admira-se Marcos. — Olha o moleque olhando pessoal!

— Eu já sou bem grandinho, Marcos, tenho dezesseis. — Dimitri rebate. — E já acostumei com as demonstrações de afeto exageradas por aqui.

— Bem que ele disse que estava num relacionamento sério. — comenta, ainda impressionado. — Tô ficando ereto aqui, é melhor pararem! — o beijo continua mesmo após o aviso.

As línguas se tocam mesmo fora da boca, por repetidas vezes.

— Que deselegante, pessoal!

 

 

 

Casa de Linda Bertrand

 

Matheus desperta. Sua visão, embaçada e turva, vai aos poucos tornando nítida a imagem de Linda, a enfermeira com uma panela nas mãos e Dominique, o jovem com poderes pirocinéticos.

— Anotaram a placa? — pergunta o policial, desnorteado.

— Caramba, Linda. — diz o menino impressionado. — Acho que o cara ficou retardado depois da panelada.

— Não exagera, Dom. — fala a enfermeira, preocupada. — Foi só uma leve concussão, confia em mim, sou enfermeira.

— Leve? — indaga Dominique, numa surpresa irônica.

Matheus fricciona as mãos no rosto, tira o falso distintivo do bolso da calça e o mostra.

— Polícia — alerta balbuciando.

— Prefiro ficar longe das algemas, grades e... mordaças — fala o garoto, rindo para o distintivo.

A enfermeira mostra dois dedos para o policial.

— Quantos dedos eu tenho aqui?

— Dezoito. — responde confuso. — Não, onze.

— É, eu acho que bati meio forte — diz a enfermeira, coçando a cabeça.

Dominique fuça o celular de Matheus procurando por algo significativo.

— Parece que o maluco é da polícia mesmo, Linda. — conclui o rapaz pirocinético. — O que a gente faz?

O aparelho nas mãos do garoto recebe uma chamada.

— Alô? — cumprimenta Dominique, ao atender.

Matheus? — O aparelho reproduz a voz feminina do outro lado da linha. — É a Elisa.

— Eu sei, eu vi o seu contato na chamada.

Nossa, sua voz tá meio estranha — a observa a esposa do primo.

O rapaz força a garganta com três falsas tossidas.

— Virose — responde secamente.

Deve ser por isso que não está trabalhando. — analisa a mulher do outro lado da linha, inocente. — Olha, o Marcos sumiu desde quando foi para aquela tal reunião com a MutaGenic e já é de madrugada, estou preocupada — fala a esposa do sequestrado.

— O Marcos? — pergunta o Dominique, confuso. — MutaGenic?

Ainda se recuperando, o policial percebe a conversa.

— Me dá o celular, moleque! — fala Matheus entredentes.

— Ah, sim! — diz o garoto, fingidamente reconhecendo. — O Marcão!

Ele não atende as minhas ligações, mas me mandou uma localização pelo GPS quinze minutos atrás. — ela suspira, ao dizer. — Eu vou te reenviar, você devia estar dormindo. — fala como se já pedisse desculpas. — Por favor, me liga se souber de algo e... melhoras.

A ligação é encerrada.

— Não sabe que é falta de educação atender o telefone dos outros?! — esbraveja o policial.

O garoto continua olhando para a tela do celular.

— É a estação de lançamento da sonda. — fala Dominique. — O seu amigo está lá.

— Pausa! — interrompe Matheus, furioso. — Agora eu quero saber que merda está acontecendo aqui; esse poder de fogo que meteu um rombo na minha viatura, o motivo dessa maluca ter me dado uma panelada, coisas do tipo!

 — Não vamos te contar nada! — grita Linda.

Dominique estende sua mão em direção à enfermeira.

— Tudo bem Linda, eu preciso de ajuda agora. — diz em tom triste. — Eu sou um experimento da MutaGenic, fui desenvolvido para colonizar Mercúrio, assim como o meu irmão. — O garoto suspira. — E isso vai acontecer em algumas horas... a não ser que eu os impeça.

Matheus olha profundamente para o garoto, afinal, ele sente o mesmo. Ambos estão no mesmo barco, na mesma situação.

— Eu posso te ajudar, tenho um plano — fala o policial, dando esperanças ao garoto. — Mas vou precisar de poder de fogo — olha para Dominique. — e uma motorista de fuga — o dedo indicador vai na direção de Linda.

A enfermeira olha para trás de si.

— Pera, sou eu? — pergunta, sem entender. — Acho que escolheu errado.

— Você tá cheia de multas de excesso de velocidade e embriaguez ao volante — responde Matheus.

Ela olha para baixo, reflexiva.

— E por isso tomaram o meu carro. — responde Linda. — Vão tomar essa casa, atrasei a hipoteca.

Dominique e Matheus se entreolham, surpresos negativamente.

— Então, não tenho nada a perder — continua Linda.

 

 

 

Base espacial da MutaGenic, cinco e dezessete da manhã

 

Marcos contempla Jubileu, mas o faz com apenas o olho esquerdo, pois o direito tem um inchaço roxo e de seu lábio, desce um pequeno filete de sangue escorrendo pela vasta barba loira.

— Aí, a parte da tortura com o uísque não tem nada a ver com enfiar o gargalo da garrafa no meu cu, né? — pergunta o arquejante torturado.

— Você já vai descobrir — fala o torturador abrindo a garrafa.

— Fiquei um pouco pensativo, pouco antes do Anthony sair daqui — justifica o homem com olho inchado.

Jubileu coloca um pirulito de cereja na boca.

— Sabe — fala com o som abafado pelo doce —, ontem eu topei com o Temerário no Cícero e... eu fodi com a perna direita dele, ele gritou que nem menininha.

— É só uma coincidência, senhora — rebate Marcos.

O torturador tira uma pistola de seu coldre na cintura atira na coxa esquerda de Marcos, que segura, prende o fôlego.

Desgraçado — murmura sem forças, após o disparo.

— É até convincente você ter segurado sua menina interior, cara. — diz Jubileu sorrindo. — Mas não vou ligar com isso, só quero que você assine a porra da liberação.

A garrafa aberta de uísque é virada, derramando o líquido no rosto ferido do refém e depois no ferimento de bala. O ardor faz com que a vítima solte um urro e Dimitri observa tudo de dentro da célula, fechando o seu punho.

— Você vai ter pena de uma cobaia? — pergunta o torturador, sério. — Elas são descartáveis! Podemos te arranjar uma de presente depois! Uma criança de urânio, boro, hidrogênio... você escolhe!

Ele vira-se para a célula criogênica, olhando para o garoto dentro.

— Pode até ser o irmão gêmeo do Dimi! — Aponta a mão para a cobaia. — Que, aliás, filhinho — fala tirando o pirulito da boca e apoiando a garrafa de uísque no chão. —, eu movi os pauzinhos e não pense que ele vai fugir numa boa!

O torturador vira-se novamente, para o homem ferido.

— O que tem a dizer, senhor Fonseca?

De cabeça baixa, Marcos vê seu sangue cair do rosto ao chão, quando levanta a cabeça.

— Será que a senhora poderia me desamarrar para eu tomar os meus remédios tarja preta? — pergunta suspirando. — Eu sofro de esquizofrenia e acho que estou alucinando com você fingindo ser durão.

— Não me chame de senhora, por favor — retruca Jubileu.

— Então o Anthony é a mulher da relação? — pergunta Marcos.

— Não, nós dois somos os homens da relação — responde seriamente.

— Isso é papo de quem dá a bunda — fala Marcos observado seu algoz com um olhar profundo.

Jubileu, impaciente, coloca sua arma no coldre e põe um soco inglês na mão direita.

— Me solta daqui, vou te mostrar que o capeta existe e ele só tem um braço — provoca o refém.

— Tá se achando o machão, não é? — diz o torturador, soltando o pirulito ao chão.

Ele vai até a cadeira e parte as cordas que amarram o empresário.

Marcos se põe em guarda, com apenas uma mão e de frente a Jubileu, esquiva do direto de esquerda revidando com uma tapa desferida de sua mão única.

— Não é assim que vocês brigam? — pergunta irônico.

— Você é mesmo um babaca, sempre usando de provocações para o adversário cair na sua. — sorri o torturador. — Não vai funcionar comigo.

— Já caiu, quando me soltou — responde o empresário, maliciosamente.

Ele desfere um jab que acerta o queixo de Marcos, mas ele apenas sorri e balança a cabeça negativamente, como se o golpe não tivesse o afetado.

— Com uma mãozinha de veludo dessa, não vai me machucar...

É interrompido pelo direto de direita, entrando com o soco inglês em sua bochecha.

— Tá legal, essa doeu. — fala abaixando o rosto. — Foi bem perto do nariz, senti até o cheiro de pau da sua mão.

 Marcos agarra a cintura de Jubileu, tentando derrubá-lo, mas ele tem sua perna direta chutada na ferida e perde a força no braço, caindo com uma joelhada no queixo.

— Já cansei de você, vou te fazer um novo buraco — fala levando a mão ao seu coldre de cintura.

— Ui, adoro — ironiza o ferido, mesmo caído.

Ele assusta-se ao ver que não há nada.

— Procurando por isso, boneca? — pergunta Marcos do chão, apontando a arma para seu adversário.

Jubileu fecha os olhos e ouve um disparo.

Não sente dor alguma, apenas o calor das chamas provocadas pelo tiro que acertou a garrafa de uísque no chão e como se tivesse vida, o fogaréu o ataca como se tivesse criado viada e se multiplica.

O empresário ri descontroladamente, em meio aos gritos de agonia de seu adversário. Dimitri sai da célula criogênica destruída pelas chamas que se alastram quebrando-a.

Na recepção, um caminhão baú da F-Tech para em frente a catraca. O segurança da guarita fala com o motorista.

— E aí, man! — cumprimenta Matheus, disfarçado ao volante. — Viemos da manutenção da sonda.

O homem olha seriamente para dentro da cabine, onde estão Linda e Dominique com um fardamento completo da empresa de tecnologia.

— O lançamento será daqui a meia-hora. — fala o segurança, sério. — Não tem nada agendado aqui.

— Desculpa, amigo. — diz o falso motorista sorrindo. — Sigo ordens do cara lá de cima — aponta o indicado esquerdo aos céus —... o sem braço, que fala muito.

— Eu lamento, mas não posso liberar a entrada com meia-hora do lançamento.

— Tá legal, cara! — esbraveja Linda. — Essa merda não vai sair do chão e a culpa é sabe de quem?

O segurança, apreensivo olha para o botão de liberação e aperta-o. A catraca abre-se, liberando a passagem para o caminhão.

— Linda, vou parar ali na frente e você pega o volante. — fala Matheus, tirando os óculos escuros e o boné. — Dom, vou precisar que você cheque a sonda e se o Dimitri estiver lá, não titubeie em agir.

As chamas cessam e Jubileu com sua pele queimada arqueja ao chão. Levanta seu braço e a pele colada ao solo se rasga. Apenas ouvem o seu gemido ao chão. Dimitri franze o cenho preocupado e Marcos estende sua mão.

— Deixa quieto. — fala o empresário. — Ele vai ter socorro se sobreviver, a gente não.

As palavras são o bastante para que ambos deixem o galpão, com o jovem pirocinético dando o ombro de apoio para o torturado, que manca. Eles saem pela porta única do galpão, que dá acesso a um corredor, o corredor do desespero.

— Usou suas chamas sem ativar os alarmes de incêndio? — pergunta Anthony, a poucos metros de distância. — Seu irmão nunca conseguiu essa façanha, Dimi! — elogia sorrindo.

Ele vai para a parede do lado e acerta o alarme de incêndio com o cotovelo, quebrando o vidro protetor e acionando-o. Então, uma chuva desce em todo o corredor.

— Mas agora é tarde — completa seriamente, com seus cabelos molhados.

O sangue no rosto de Marcos vai sendo limpo pelas águas que descem.

— Olha, Anthony. Eu entendo e respeito muito esse lance de você e o do Jubileu! — fala o empresário ensanguentado, nervoso. — Até tenho um primo como vocês... na verdade, ele não é gay, eu que mudei o interesse dele para homens no Tinder.

— O que fizeram com ele? — pergunta Anthony, raivoso. — Levem o garoto para a sonda.

Anthony, acompanhado de seus homens de jaleco fortemente armados, vai em direção ao galpão, passa encarando Marcos e desfere uma coronhada na cabeça, o fazendo cair ajoelhado.

— Eu te falei, Anthony! — grita ao chão. — Se tiver algo a perder, não ameace um homem.

O CEO da MutaGenic segue para o galpão e, ao entrar, vê o corpo queimado estendido ao chão. Ele para atônito e perplexo com o que está diante de si, ajoelha-se e o toca com suas mãos trêmulas. Ofegante, não consegue segurar o choro e solta um berro, que é ouvido por todos no corredor.

Ok, pessoal. — Dominique ouve a voz de Matheus por uma escuta. — Vamos seguir com a próxima fase da Operação Cavalo de Tróia.

Com Linda ao volante, o caminhão para e é desligado, mas o som estridente de um potente motor é ouvido, quando a porta do baú do caminhão é arrebentada pela Besta, o poderoso automóvel do Caveira, numa arrancada.

O celular no bolso falso do terno de Marcos alerta, com uma voz feminina e mecânica.

Besta a trinta metros de distância — é o bastante para o empresário sorrir.

Um dos homens, sabendo de onde vem o som, acha o celular.

— Ele escondeu um aparelho aqui, chefe — diz mostrando celular para Anthony.

— Fiz o bolso para entrar com maconha em grandes eventos, mas veio a calhar agora — Marcos faz a observação sincera, mas vista com maus olhos pelos seguranças.

Besta a vinte e dois metros de distância — continua o telefone, na mão do homem de jaleco branco.

Do lado de fora da parede, o veículo é guiado por Matheus com todo o traje e aparatos tecnológicos do Temerário.

— Como pode o Marcos estar a oito metros de mim, se tem uma parede na minha frente? — indaga Matheus para sim mesmo.

Anthony aproxima o cano de sua pistola semiautomática na testa de Marcos.

— Nunca mais me ameace — diz encostando sua testa ao cano —, faça!

— Seu filho da puta, não sabe com quem acabou de mexer — fala o revoltado, destravando a arma.

Ele suspira com o dedo no gatilho, quando a parede do corredor é explodida, fazendo com que Anthony caia desacordado e arma escape de suas mãos.

Todos atordoados com o barulho, observam surgir da poeira os olhos vermelhos do Caveira e sua característica risada.

— Que bela performance! — Marcos bate a palma de sua mão no chão. — Aplausos, aplausos! — grita em êxtase.

Marcos agacha-se, os tiros vão em direção aos olhos vermelhos e os acertam, mas quando a poeira abaixa e os disparos cessam todos veem que são apenas óculos com luzes led, pendurados ao teto, e a risada continua, quando uma mão cheia de garras cortantes bate a cabeça de um guarda contra a parede violentamente.

Anthony desperta e vendo a situação de risco, corre para sair do corredor.

Aos olhos de Marcos, já há um bom tempo longe de seus remédios, Jesus aplica uma joelhada voadora na têmpora de um adversário e acerta a glote de outro, sufocando-o.

— Nunca que eu entraria num octógono com esse marceneiro aí — fala Marcos, cansado. 

Logo em seguida, as falsas unhas afiadas entram no peito de outro, fazendo um grito de susto ser ouvido e o arremessam contra o gritante. Uma arma é disparada, mas o Caveira rola saindo da linha de ação dos disparos e, ao levantar, acerta um direto no queixo do atirador, fatal. 

Jesus, tendo nocauteado todos os homens ali, pega Marcos em seus braços.

— Eu sabia que você não socaria o meu estômago, Jesus. — diz o alucinado, sorrindo. — Obrigado por me salvar. — Levemente estapeia o peito de Cristo, com um riso de orelha à orelha. — Você sempre com essa velha mania de salvar os babacas.

Confuso, Matheus leva o companheiro ferido para a Besta e fala com a grave voz do modulador:

— Eu não sou Jesus, bicho.

Marcos tosse.

— Eu sei que não... é o fodido do aspirador-de-pó-nasal! — fala rindo, fraco.

O homem por baixo da máscara sorri.

— Ficou mais bonito cheio de hematomas, desbracito — elogia o torturado.

— E você ficou melhor escondendo seu rosto com a máscara de caveira.

O caminhão para em frente a imensa sonda, prestes a ser lançada e Dominique desce.

— Me deseje sorte, Linda — diz o garoto loiro.

A enfermeira apenas sorri, observando o garoto seguir andando ao alvo. Ela pega o seu celular e vê uma mensagem.

Estamos te vendo daqui.

Linda sorri nervosa, gira a chave de ignição e acelera, o caminhão colide nas costas de Dominique ao frear e o pobre rapaz cai desacordado. A enfermeira desce do grande veículo, vai até o corpo e checa os batimentos.

— Desculpa, garoto. — fala com pena ao corpo desacordado. — Eu até te ajudei a fugir, mas eu tô cheia de dívidas e você vivo são cem mil.

Os seguranças descem da imensa plataforma de lançamento, pegam o garoto desacordado e levam-no de volta para onde vieram, onde Anthony os espera com uma maleta.

— Esses são os meus cem mil? — pergunta Linda, contente.

O empresário, ainda molhado a olha nada satisfeito.

— Senhorita Bertrand. — sorri sádico, entregando a maleta à enfermeira. — A saúde do meu espécime realmente era de meu interesse, mas apenas pelo experimento científico que eu fariam, pois eles são completamente descartáveis! — grita Anthony, aproximando-se revoltado da moça. — É por isso que não temos bases médicas na MutaGenic, mas não precisa atrapalhar meus negócios, vaca! Eles morrem, morrem, morrem!

Ele empurra a moça do alto da plataforma de aço, ela grita horrorizada enquanto sofre uma queda de dez metros. O empresário afaga seus cabelos molhados.

— Que dia difícil — lamenta.

O estrondo do impacto do corpo com o solo o assusta.

Os dois guardas observam o boquiabertos, impressionados com a frieza.

— O que estão olhando? — pergunta o impaciente Anthony. — Levem o garoto para uma célula ao lado do irmão! — grita autoritário.

Abaixo da plataforma, a Besta encosta bem próxima ao local de lançamento da sonda.

— Sabe que daqui em diante é com você, não é? — pergunta Marcos, olhando sério.

— Eu meio que já tava ligado nisso.  — responde Matheus, inseguro.

— Vai lá cara, agora é a sua vez de ser o herói. — fala o empresário, pondo a mão no ombro do Caveira. — Eu nunca teria sido algo sem você.

As palavras fazem com que o primo policial ignore o uniforme tático e abrace o ferido.

— Eu não vou decepcionar, não dessa vez — fala o Caveira antes de sair do veículo.

Marcos tecla um botão e uma freezer aparece pouco antes da marcha, ele tira de lá uma Budweiser e, de seu bolso, uma cápsula, que ingere com um gole de cerveja. Liga o som do carro e aciona a primeira música, logo a batida de I Say a Little Prayer, na voz de Aretha Franklin, toma conta do lugar. Ele então observa seu primo correndo em direção à grande estrutura.

— Às vezes temos que mentir para encorajar alguém a fazer algo estúpido. — diz, segurando sua lata. — Eu sou o melhor.

 

The moment I wake up; Before I put on my makeup

(No momento em que me acordo; Antes de colocar a maquiagem)

 

Matheus, o Caveira, salta na estrutura de treliças brancas de aço, as escalando com suas botas e luvas de sucção.

 

I say a little pray for you

(Eu faço uma pequena prece por você)

 

É então que ele salta, ao chegar na plataforma, surpreendendo os guardas de Anthony, atirando com tasers, quase simultaneamente, anulando os dois seguranças.

 

While combing my hair now,

(Enquanto penteio o meu cabelo agora,)

 

— Não, seu desgraçado! — grita o empresário, que dispara incontroladamente contra o peito do Caveira.

 

And wondering what dress to wear now,

(E enquanto penso em que vestido usar agora)

 

O Temerário continua de pé, assuntando o homem com a arma descarregada.

— Você está impedindo o progresso da humanidade! — esbraveja Anthony.

A porta da sonda começa a descer para fechar-se.

 

I say a little prayer for you

(Eu faço uma pequena prece por você)

 

O herói lhe desfere um cruzado, o levando ao chão.

— Chega de loucos por hoje — fala com a grave voz do modulador.

Corre, salta e escorrega debaixo da porta antes do acesso ao interior da sonda ser serrado.

 

Forever, and ever, you'll stay in my heart

(Para sempre, e sempre, você vai ficar no meu coração)

 

No interior, avista os jovens em duas células criogênicas separadas.

— Vou tirar vocês daí, rapazes. — avisa, mexendo nos controles. — Meu primo projetou essa merda.  

 

and I will love you forever, and ever, we never will part

(e eu vou te amar para sempre, e sempre, nunca iremos nos separar)

 

— Lancem essa porcaria agora, droga! — exige Anthony, gritando de um comunicador.

 

Oh, how I love you

(Oh, como eu te amo)

 

As células criogênicas são desativadas os gêmeos não se contém e abraçam-se, emocionados.

— Não iria pra canto nenhum sem você, cara — fala Dominique, sorrindo choroso.

O fogo sai pelos motores de propulsão da sonda.

 

Together, forever, that's how it must be

(Juntos, para sempre, é como deve ser)

 

— Aí! É melhor se abaixar, Caveirão — alerta Dimitri.

Os gêmeos apontam suas mãos na mesma direção, os motores de propulsão falham.

 

To live without you, would only meen heartbreak for me.

(Viver sem você seria só dor para mim)

 

Da Besta, Marcos observa a porta principal da sonda ser destruída por uma explosão.

— Não! — grita Anthony, desesperado. — Vocês não podem fazer isso, eu criei vocês... é o meu DNA em seus corpos! Eu sou o seu pai!

Os três deixam a sonda.

— Desculpa, pai. — fala Dominique sorrindo. — Mas preferimos o termo “paternidade desconhecida”.

Dimitri estala seus dedos e um “x” de flamas alaranjadas se forma no ar.

Mais guardas começam a chegar e o trio corre em direção a Besta,

— O filho da puta conseguiu. — fala Marcos sorrindo, ouvindo o piano no desfecho da canção e observa o Caveira correndo em sua direção ao lado dos gêmeos pirocinéticos.

 

 

 

22º Batalhão da Polícia Militar da Bahia, Cidade do Corsário, dois meses depois

 

— Aqui está o seu distintivo — fala o capitão Rangel, arrastando o metal pela mesa de executivo —, sargento.

Matheus franze o cenho ao ver a cena.

— Vai-arranhar-mesmo-filho-de-rapariga? — fala rapidamente.

Sem entender, o superior indaga confuso:

— O que?

— Nada. — responde, fazendo descaso. — Dois meses parar apurar uma simples investigação? O Brasil tá foda.

— Sim, uma simples investigação que envolve alguém fazendo uso de compostos químicos explosivos.

— E o que concluíram? — indaga o sargento. 

— Responsabilizamos totalmente o Temerário pelos cadáveres no beco, pelo pé amputado, os incêndios com fósforo e o sangue — responde o capitão.

— Quê?! — espanta-se, Matheus com os olhos arregalados.

— Provavelmente ele está ligado com o vândalo da sua viatura. — Rangel sai de sua cadeira e levanta uma persiana horizontal de sua janela para espiar a rua. — Às vezes penso que ele está bem debaixo do nosso nariz e nunca conseguimos pegá-lo.

De sua cadeira o sargento, agora efetivo, pega seu distintivo e dá um sorriso.

— Talvez seja mais difícil do que pensa, capitão — fala ao deixar a sala.

Ao deixar do batalhão, recebe uma ligação ao ir em direção ao seu automóvel no estacionamento.

 

Desbracito

 

Ele atende, já que o número não está mais bloqueado para chamadas.

Aonde você tá? — pergunta Marcos, do outro lado da linha. — Pode passar aqui na construção?

— Bicho, é melhor você fazer aquela tal prótese que está em desenvolvimento. — responde Matheus, irritado. — Tá ficando chato ser a sua babá — frisa o descontentamento, desligando na cara do primo.

A raiva não é o bastante para que o sargento não vá ajudar o seu primo com uma carona. Ao chegar ao local, ele encontra Marcos numa cadeira de rodas automática.

— Não te incomoda ficar tanto tempo com a bunda pregada aí? — indaga o policial, ironicamente.

— Não, não incomoda. — responde o primo coçando a barba. — São sequelas de tiros nas pernas. — Ele passa a mão na cabeça lisa. — Os meus cabelos fazem mais falta, não deveria ter deixado a máquina de cortar com os gêmeos, ainda bem que deixaram os pelos da cara.

Matheus olha para a imensa construção civil, com vários homens trabalhando a todo vapor.

— Fazendo um lar para crianças especiais, careca e numa cadeira de rodas — analisa o policial —, se não fosse pela falta de um braço eu iria te denunciar por plágio agora mesmo.

Ele consegue arrancar uma boa risada do parente deficiente.

— Não estou fazendo isso sozinho, você sabe que não sou nenhum filantropo — rebate Marcos, olhando para a mulher de cabelos negros e fardamento militar.

Ela aproxima-se dos dois e aperta a mão de Matheus.

— Agente federal Carol Trap, prazer. — cumprimenta sorrindo. — Qual o motivo do riso? Estou precisando de um pouco de felicidade nesses dias infelizes — justifica a bela moça, com graça.

Marcos levanta-se de sua cadeira e aperta também a mão dela.

— Estávamos falando nas estratégias de superfaturar esta obra e, assim, obter lucros encima da parte pública — fala o careca, irônico, porém sem expressão facial alguma.

 O gesto impressiona Carol, que não hesita em observar:

— Achei que tivesse dito que tinha sequelas.

— Ele está com a saúde perfeita há um mês — responde Matheus.

— É verdade, mas nunca pensei que fosse tão bom andar numa cadeira como essas. — Marcos senta-se novamente e passa sua mão nos braços de couro preto do aparelho. — Me sinto como Ayrton Senna no GP Brasil de noventa e um.

A agente Trap arregala os seus olhos e decide desviar o assunto.

— Olha, lá o que é aquilo? — indaga estranhando algo.

Os gêmeos, Elisa com o bebê Marcos Júnior com pouco mais de um ano e Vanessa, sua filha mais velha com um brownie e uma vela de pavio incandescente acesa.

— Oh, que merda! — fala Marcos, disfarçando a emoção.

Ele enxuga uma única lágrima em seu olho direito.

— Parabéns, tiozão! — grita Dominique, acertando um pequeno soco no ombro do homem na cadeira de rodas.

Dimitri abraça seu pescoço, lustrando sua careca com a mão.

Vanessa senta-se em seu colo e a vela é estapeada e derrubada no chão por Marcos Júnior, do colo de sua mãe, que, rindo da situação, dá um selinho no marido barbudo.

— Ei, moleque. — Marcos chama atenção de Dominique. — Tiozão é o cacete! Eu não comi nenhuma tia sua.

 — Marcos! — Elisa chama a atenção de seu marido. — Tenha modos!

— Ok, comi todas elas — responde irônico.

A mulher solta um olhar flamejante.

— Discurso! — pede Vanessa.

Logo, todos pedem a mesma coisa em coro e Marcos levanta-se de sua cadeira novamente.

— Eu estou fazendo trinta e oito hoje e vejo que o bolo diminuiu muito com o passar do tempo — discursa segurando o brownie. — e eu não posso dividir ele com vocês... mas eu... — as palavras engasgam na sua garganta e seus olhos enchem-se de água. — eu só peço que a gente divida mais momentos assim — agradece erguendo o bolo e abaixando a cabeça num raro momento de timidez.

— Oun! — Vanessa se comove, beijando a bochecha de seu pai e arrancada as palmas dos presentes, até mesmo dos homens na obra.

Matheus e Marcos se desgarram do grupo e protagonizam um terno abraço fraternal.

— Foi um bom discurso, desbracito. — o primo sorri sem jeito. — Sabe, Par é o nome científico do fósforo — fala Matheus, explicativo.

— Caguei — diz Marcos sem importar-se.

— E, apesar de tudo, não tem como negar que somos um belo par, afinal, já são quase três anos nessa luta de Caveira.

— Que profundo, parece até que está justificando o título de um best-seller — fala Marcos, admirado.

— Nós podemos tornar esses garotos uma grande dupla também — fala o policial, olhando para os gêmeos brincando com o bebê Marcos.

Mas Dimitri para, quando o seu telefone começa a tocar.

Número desconhecido. — fala ao observar a tela. — Eu não devia atender, mas não resisto de curioso.

Dito isto, ele o faz.

— Alô? — cumprimenta.

O silêncio é a resposta, seguido de uma respiração ofegante.

 — Vocês vão se arrepender do que fizeram. — fala a voz grave e comovida, digitalmente modificada.

Em um quarto hospitalar, Anthony, chora aos pés da maca, com um corpo totalmente enfaixado e respirando com ajuda de máquinas.

— Eu vou colocar os seus irmãos para a caçada — fala, finalizando a chamada.

Ele olha carinhosamente para o corpo de Jubileu, despede-se com um selinho e, ao sair, toca num pote de pirulitos com um rótulo, em cima do criado-mudo.

 

Cereja

 

A ligação já havia terminado, mas Dimitri encara o celular apreensivamente, até que desvia o olhar para o seu irmão e logo o gêmeo percebe que não foi algo bom.

 

 

 

O TEMERÁRIO: PAR

 


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Notas finais do capítulo

Veremos mais dos gêmeos em WSU's NEO.



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