Cher Maître escrita por Mila Karenina


Capítulo 4
O que deu em mim?


Notas iniciais do capítulo

Olá, seres humanos maravilhosos que leem essa humilde obrinha de ficção. Quero informá-los que consegui escrever esse capítulo e já estou tacando aqui porque vocês merecem muito! Espero que vocês gostem... Escrevi o capítulo ouvindo Tove Lo e Marina and The Diamonds, a Rebeca estava meio Blue nesse capítulo, vocês irão entender!
Agradecimento aos leitores que comentam, lembrando que a história precisa muito do feedback de vocês para continuar. Como dizem os pastores sedentos por dinheiro, eu direi, sedenta por comentários: não deixem essa obra morrer hahaha
Beijocas e boas leituras ♥



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Senti o gosto salgado das minhas lágrimas enquanto caminhava. Odiava admitir, mas as opiniões das pessoas constituíam boa parte de meus pensamentos. Junto da ansiedade causada pelo encontro com meu irmão, estava a minha tão negada carência. Por mais que jamais fosse dizer em voz alta, eu era uma pessoa solitária.

Meu pai era dono de uma loja de materiais de construção, ficava ocupado o dia inteiro com assuntos do tipo. Minha mãe era enfermeira em um hospital, quando não estava de plantão, estava trancada em seu escritório estudando algum novo método de anestesia ou alguma coisa do tipo. Nenhum dos dois falava muito comigo, mas não reclamava. A culpa não era deles.

Enquanto cansava minhas pernas com minha caminhada diária até uma estrada onde passavam táxis e Ubers, percebi que as primeiras gotas de chuva começaram. As gotas que começaram espessas e grossas, foram aumentando gradativamente até que tudo se tornou esbranquiçado e percebi que estava começando a me molhar para valer.

Apertei o passo, precisava chegar logo em algum lugar coberto. Com meus passos rápidos, meu tênis começou a escorregar e quando percebi, tinha caído no chão. Não foi um tombo simples, eu estava estirada no asfalto e sangue escorria pelo meu rosto. Esperava que não tinha sido um corte muito grande, mas quando procurei pelo meu celular na bolsa e olhei, fiquei chocada com o que vi. Pelos meus conhecimentos adquiridos com minha mãe, eu havia cortado o supercílio.

Levantei, observando se alguém tinha notado meu descuido. Por sorte ou não, não tinha ninguém por aquela rua. Podia continuar minha caminhada, mas meu rosto continuou sangrando continuamente. Não era mais um rosto com sangue, era quase um sangue com rosto.

Já estava preparada para ligar para minha mãe quando um carro parou do meu lado.

Era um modelo sedan, pelo pouco que entendia de carros e graças ao meu irmão, podia jurar que aquele era um carro importado. A cor preta brilhava com as gotas de chuva que caíam e os vidros eram blindados. Quem era aquele? O presidente? Continuei minha caminhada, não sabia o motivo de um carro daqueles parar do meu lado e de tanto assistir a noticiários, comecei a achar que se tratava de um sequestro. O carro continuou me seguindo e eu continuei correndo, até que o carro parou.

Meu sangue gelou. Quem poderia ser?

A porta de carona da frente abriu-se.

— Vai querer continuar na chuva? — Uma voz familiar falou.

Não podia acreditar no que estava diante de meus olhos, era impossível para mim.

Continuei parada, meus músculos pareciam congelados. Então o homem saiu do carro, tirou seu agasalho e pôs sobre meus ombros. Rapidamente, me arrastou para dentro e fechou a porta. Encarei-o. Os olhos verdes de meu professor de Filosofia estavam arregalados. Ele parecia verdadeiramente preocupado pelo sangue que escorria de minha sobrancelha e inundava todo meu rosto. O dourado dos seus cabelos pareciam ainda mais brilhantes em um ambiente todo negro como aquele.

Por que ele estava salvando meu dia?

— O que aconteceu, Rebeca? — Ele perguntou. — Você está sentindo dor?

Falsidade. Era isso.

Ele não gostava de mim, tampouco eu gostava dele. Por que ele estava se preocupando, ou melhor, fingindo? Talvez quisesse bancar o bom moço. Não sabia, era difícil decifrar o enigma que Vicente Bordeaux era. Ocupada tentando identificar o tom de verde dos olhos do francês, perdi a noção e esqueci-me de responder às suas perguntas. Ele podia ser menos bonito, pensei. Seria mais fácil me concentrar com um cara menos gato perto de mim.

Peraí, eu tava chamando Vicente de gato? Graças aos céus que minhas amigas não podem ler meus pensamentos.

— Rebeca? — Ele insistiu.

Estava dentro de seu carro, sozinha com ele. Por mais que não confiasse nele e sobretudo, não suportasse sua presença, não poderia continuar na chuva. Eu estava sentindo frio, queria ir para casa. Não podia ser orgulhosa a ponto de descer do carro e continuar minha jornada solitária e sombria. Nossa, isso soou gótico.

— Eu caí.

O loiro ganhou uma feição divertida no rosto. Ele estava achando graça da minha resposta seca ou de minha desgraça?

— Percebi que caiu, Rebeca — Ele disse. — Mas como caiu?

Pensei em uma resposta irônica, mas estava precisando dele. “Tente soar educada”, repetia dentro de minha própria mente.

— Escorreguei no asfalto.

— Te levarei ao hospital — Afirmou. — Tem um não muito longe daqui.

Não, eu não iria ao hospital com ele. Por mais que minha ferida ardesse, não era nada insuportável. Estava suportando. Preferia continuar com aquela ardência do que passar mais tempo perto dele. Ele era um enigma que não queria decifrar, sabia que uma vez dentro de seu jogo, poderia acabar como Catarina. Fala sério, ele é atraente. Mais que atraente, devo admitir. Ele é lindo, lindo ainda parece pouco para defini-lo. O que eu tava pensando? Por que estava tecendo tantos elogios para descrevê-lo?

— Não precisa — Precisava mostrar propriedade em minha fala. — É um corte superficial no supercílio, não precisarei de pontos.

Nada parecia impressioná-lo. Nem mesmo meus conhecimentos de enfermagem o deixaram surpreso. Ele apenas assentiu e tirou o carro do lugar.

— Te deixarei em casa então.

— Não precisa se incomodar, eu dou conta de arranjar um táxi — Respondi. — Apenas me deixe na estrada e já estarei agradecida.

Sua expressão era imparcial como sempre, mas bem no fundo, ele parecia preocupado. Talvez fosse seu senso de adulto protetor chamando. Eu era sua aluna, afinal. Dizem que professores consideram alunos como filhos, quem sabe ele não estava olhando para uma de suas filhas em potencial. Seu olhar baixou, ele pareceu fitar meu decote por uma fração de segundos, porém logo voltou ao volante.

Estremeci com o pensamento que formou-se em minha mente. Ele não me via como uma filha, claro que não, ele não tinha idade para isso.

— Não posso fazer isso. Seria errado deixar uma adolescente desemparada por aí.

Franzi o cenho. O tom de sua voz era sempre assim, superior. Tive vontade de sair do carro no mesmo momento, mas meu bom senso continuou comigo. A chuva ainda caía lá fora, eu tava com frio.

— Tudo bem.

— Você está tremendo, Rebeca — Observou. — Vou ligar o aquecedor.

Não disse nada. Observei enquanto suas mãos foram até o aquecedor. Ele tinha mãos bonitas. Que tipo de pessoa presta atenção nesse tipo de detalhe? Eu estava enlouquecendo. Sem querer, acabei notando que não havia aliança em seu dedo. Ele não era casado. Já imaginava, ele não parecia do tipo que se ligava nesse tipo de coisa. Seus questionamentos filosóficos deviam tomar todo seu tempo.

Depois de lhe dizer meu endereço, começamos a passar por lugares conhecidos por mim. O parquinho infantil de meu bairro, o mercado local, a loja de meu pai também. Continuamos passando por lugares familiares, até que ele parou o carro em uma cafeteria. Olhei para ele confusa, mas ele foi rápido:

— Você está tremendo, acho uma boa ideia tomar algo para aquecer.

Estreitei os olhos. Quais eram suas intenções? Por que ele tava me ajudando, afinal? Aquilo estava confuso. Uma hora ele me maltrata e humilha na frente da turma inteira, na outra ele quer me comprar um chocolate quente? Parabéns, Vicente, você conseguiu ferrar com meu psicológico.

Não podia, mas acabei achando a ideia boa.

Descemos do carro, ele de um lado e eu do outro. Não achava legal ser vista andando por aí com ele, mas era improvável que minhas amigas vissem aquilo. Se elas vissem, suas teorias conspiratórias aumentariam consideravelmente. Deixei que Vicente entrasse no café primeiro, enquanto o secava de longe.

Alto. Ele era bem alto. Chutaria uns 1,90 de altura. Tinha ombros largos e braços fortes, provavelmente malhava. Sócrates deixava tempo para isso? Eis a questão, Hamlet diria. Os cabelos dourados continuavam arrumadinhos como sempre, mas pareciam mais livres. Uma barba por fazer iluminava seu rosto, assim como o seu look total black. Ele parecia um desses heróis de filmes, bonito e inteligente. Infelizmente, completamente arrogante.

— Pedi um chocolate quente para você, sente-se — Nem fora da escola ele perdia seu jeito mandão.

Não reclamei, apenas sentei perto dele na mesa que ele tinha escolhido.

— Sua casa está longe? — Ele questionou, enquanto a garçonete servia um cappuccino para ele e o meu chocolate.

— Não, eu posso ir caminhando daqui.

— Claro que você não vai. Te trouxe até aqui, te levarei em casa.

Sorri. Não sabia o motivo do meu abrupto sorriso, mas ele aconteceu.

— Quer contar para os meus pais sobre meu comportamento importuno na sua aula? — Ironizei.

— Talvez — Ele sorriu.

Ele sorriu. Um sorriso completo.

Se alguém me dissesse que estaria tendo uma conversa sarcástica com meu professor de Filosofia enquanto tomávamos bebidas em uma cafeteria em meu próprio bairro, eu riria eternamente dessa pessoa.

— Eu sou realmente tão irritante assim? — Quis saber.

Ele mexeu seu café com a pequena colher que lhe deram e me encarou depois, como se me analisasse.

— Suficientemente irritante — Respondeu por fim.

— Por que?

— Não sei, mas você de alguma forma tira minha atenção e a dos seus colegas. Ah! Agora além de ser culpada por tirar a atenção dos meus colegas, era a culpada por tirar a atenção dele também. O que eu fazia demais? Eu não me recordo de ter chegado gritando em sua aula ou algo do tipo. Talvez fosse minha beleza estupenda, se eu tivesse uma.

Tudo bem que eu não era uma garota feia, mas também não era linda. Eu era morena, cabelos negros quase azulados. Tinha um corpo comum, não era magra como uma modelo e também não tinha curvas tão bem desenhadas como Clarice. Meus olhos eram negros como as da maioria da população brasileira e minha altura era inexpressiva, parecia uma criancinha perto de Vicente.

— A culpa não é minha que nasci tão linda! — Debochei.

Aquele simples comentário melhorou meu dia. Sinal que minha atitude estava sendo recuperada. Ele não conseguia me limitar tanto, afinal. Estava conseguindo encará-lo e isso me deixava profundamente satisfeita. Meus comentários irônicos estavam deixando o loiro atordoado, o que era muito legal de se ver.

— É, a culpa não é sua — Ele debochou mais ainda.

E foi aí que tive uma ideia brilhante: provocaria ele com a paixãozinha de Catarina.

— Por mais que minha beleza seja intimidadora, é você quem anda arrebatando corações na escola…

Ele riu. Não foi só um sorriso, ele simplesmente caiu na gargalhada.

— O seu por exemplo, Rebeca?

Não podia acreditar que ele estava sugerindo aquilo. Era totalmente inadequado, certo? Ele não podia ser tão direto. Além do mais, era ridículo que ele pensasse que eu seria capaz de estar afim dele. Ele era bonito, fato, mas não era muito mais que isso. Odiava pessoas arrogantes, sobretudo as que se acham porque julgam a si mesmas como intelectuais.

— Claro que não — Afirmei. — Isso nunca aconteceria.

O sorriso voltou aos seus lábios rosados. Nunca tinha o visto tão brincalhão, talvez ele fosse assim fora da escola. Minha mente trabalhava com vários “talvez”.

— Tenho certeza que não.

— Você não quer saber quem anda suspirando por você pelos corredores?

— Não, não me interessa saber já que não é você.

Revirei os olhos. Aquilo era sério?

— É a sua querida Catarina.

O loiro não pareceu chocado, apenas balançou a cabeça positivamente e suspirou em seguida.

— Nem minha, nem querida — Afirmou. — Já tinha percebido que ela me olha com um certo deslumbramento.

— Talvez ela curta loiros altos com ar de superioridade…

— Eu tenho ar de superioridade?

Sério que ele não sabia?

— Claro que tem! É quase insuportável ficar perto de você — Fui sincera. — Você sempre me olha com essa cara de “eu sou tão inteligente”, sinto vontade de correr.

— Talvez eu te incomode tanto, porque no fundo, você é igualzinha a mim. Já pensou sobre isso, Rebeca?

Claro que ele teria uma resposta na ponta da língua. Ele era debochado, irônico, sarcástico. Não deixaria aquilo passar em branco. Obviamente, ele estava errado. Não olhava para as pessoas com aquele tipo de olhar, não pensava que ninguém era menos inteligente ou algo do tipo. Eu simplesmente não era como ele, jamais.

— Eu não sou como você.

— Então talvez queira ser.

— Também não.

— Tudo bem então, como quiser. — Ele me olhou de um jeito estranho. — Já terminou seu chocolate, Rebeca?

O jeito que ele dizia meu nome me irritava. Ele pronunciava de um jeito diferente, cada sílaba podia ser ouvida facilmente.

— Você gosta do meu nome.

Ele enfiou os dedos entre os fios dourados.

— Você pediu para eu te chamar de Rebeca, apenas acato ordens.

Não dava. Simplesmente não dava. Era impossível ficar perto dele e não querer sufocá-lo.

— Podemos ir? Mal posso esperar para limpar o sangue da minha cara… — Afirmei. — Falando nisso, será que as pessoas não vão achar que você está sequestrando a adolescente desemparada aqui?

O loiro parou de tomar seu cappuccino e lançou-me um olhar divertido, como se tivesse achado graça da minha piadinha. Sem me responder, levantou e pegou a comanda para pagar.

— Anote o preço de meu chocolate, te pago semana que vem — Declarei.

— Você não vai pagar nada — Ele afirmou. — Não vou ficar pobre por te pagar um chocolate.

Claro que ele não ficaria pobre! Era nítido que Vicente Bordeaux, nosso único professor francês, era rico. Ele vestia roupas de grife, tinha um carro importado e agia da forma mais cordial e elegante possível. Ele transpirava luxo, agia como um verdadeiro afortunado.

— Tudo bem, burguês safado! — Sussurrei.

— O que? — Ele perguntou confuso.

— Nada! Disse que mal posso esperar para chegar em casa!

*/*

Na viagem em direção à minha humilde residência, Vicente não trocou nenhuma palavra comigo. Tomei liberdade de reparar em seu carro. Não havia nada que não me lembrasse dele ali. Inclusive, um chaveiro com a torre Eiffel balançava no espelhinho. A França não havia saído dele.

— Você cresceu no Rio Grande do Sul, não é? — Quebrei o silêncio.

— Sim.

— Mas estudou em Harvard?

— Sim, me formei em Harvard, mas concluí meu ensino médio em Paris.

Até a forma que ele dirigia era engomadinha. Ele era uma pessoa totalmente sem graça, não parecia ter nada fora do lugar em sua vidinha perfeita. Talvez ele precisasse de alguns balanços. A imagem de uma mulher com ele formou-se em minha mente. Uma namorada seria legal na vida dele, alguma aventura romântica.

Sem entender, a imagem da nova professora de Literatura veio à minha mente. Eles formariam um casal interessante. Ambos intelectuais, professores e bonitos. Não entendi bem o motivo, mas uma sensação ruim tomou conta de mim ao imaginar os dois com as mãos entrelaçadas. Senhor, isso não pode estar acontecendo.

Mirei a janela e continuei a viagem em silêncio total.

*/*

Vicente parou seu carro na frente da garagem de minha casa. Saiu e abriu a porta para mim, como uma verdadeiro cavalheiro francês. Eu estava feliz, de alguma forma me sentia melhor depois daquele tombo. Sabia que era porque tinha recebido ajuda, mas não queria admitir. Ele já devia se achar demais.

— Obrigada, Vicente — Disse.

— Disponha, Rebeca — Ele respondeu.

Ele virou-se para ir embora. Não sei exatamente o que estava pensando, mas fui até ele, que parou e me olhou confuso. Subitamente, o puxei e o abracei forte. Para meu total espanto, ele me abraçou de volta e nós ficamos assim até que percebemos o que estávamos fazendo.

O que deu em mim? Não tinha resposta.

— Até quinta, Rebeca — Ele despediu-se e minhas bochechas pegaram fogo.

Louca. Era isso que eu era. Maluca, completamente desmiolada. Como eu tive coragem de abraçar o dono de meus tormentos?

— Ei, filha! — Minha mãe me surpreendeu. — O que aconteceu com seu rosto?

Dona Rose era uma mulher na casa dos quarenta. Tinha cabelos alguns tons mais claros que os meus, traços delicados no rosto e olhos castanhos como os meus. Diferente de mim, não era baixinha. Sua expressão denunciava sua preocupação.

— Eu caí — Expliquei a história de meu tombo.

— Quem te trouxe aqui? — Ela quis saber.

— Meu professor de Filosofia, o Vicente.

Minha mãe sorriu.

— Mas você não disse que o odiava?

— É, eu odeio…












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Notas finais do capítulo

Será que é ódio? Por favor, não deixem de comentar, sério. É muito chato que a história tenha uma média de comentários tão baixa...



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