A Maldição do Cisne escrita por Mar


Capítulo 5
Risos Sinceros




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Bastien honestamente não entendia o que havia de errado com Mar. Pensou que tudo estava indo bem, até se beijaram no final do encontro, mas fazia três semanas que a ruiva o ignorava descaradamente. Graças a isso, Hellina estava pegando no seu pé ainda mais.

Ele havia procurado Maríade na faculdade, descobrira seu número e diversas vezes havia ligado – e quando ela descobriu que era ele, imediatamente desligou o telefone. Tentara a abordar no almoço, na saída das aulas e ficou perigosamente perto de levar um chute no saco. Mas incrivelmente isso o atiçou mais.

Duas semanas após o início do “gelo”, ele foi à sua casa. De dia, ela não o recebeu, e à noite não havia sinal de vida no local. Aquilo foi estranho, pois Bastien praticamente havia montado acampamento ali a tarde e ninguém saiu. De qualquer forma, ele decidiu que medidas drásticas deveriam ser tomadas. Se do jeito tradicional não funcionou, ele partiria para o inusitado.

...

Andando pelos corredores da faculdade, Tentava pensar numa coisa que chamaria sua atenção, seus amigos estranhavam seu aspecto pensativo e o silêncio, relutantes em assumir que a patricinha era o motivo para tal evento.

— Qual é, Bast. Planejando um assassinato? – Jean, o mais baixo, riu.

— Não. – Bastien revirou os olhos. – Como posso participar das aulas de artes? Preciso dar um jeito de entrar lá.

Os três atrás dele não ocultaram sua surpresa.

— Porque quer entrar nas aulas de artes? Em que isso ajudaria a se livrar da Hellina? – questionou Jean, incrédulo;

— Na verdade, eu quero me aproximar da prima dela. A ruiva, lembra? Ela faz artes – comentou casualmente, sabendo o efeito que isso causaria.

O que?! Não foi ela que te esnobou depois do encontro de vocês? Porque está correndo atrás? – Marcel, o mais próximo do rapaz, perguntou.

— Sim, foi ela, mas tenho a impressão de que a irmã e a Hellina têm algo a ver com isso, então preciso tentar reverter a situação. Agora me dá uma ideia. Preciso ver isso o quanto antes. – Bufou, impaciente.

— Bem, tem como se voluntariar para posar para o pessoal de pintura e escultura. Estão fazendo a cadeira de corpo humano, mas só gays e modelos se inscrevem – Guillerme, sem dúvidas o mais tranquilo deles, informou. – Tem até um cartaz nos corredores pedindo voluntários.

Bastien, logo que ouviu a notícia, se animou, e saiu correndo para checar os murais e, de fato, encontrou:

Precisa-se de modelo voluntário para a aula de escultura do corpo humano.

Seus olhos brilharam. É isso!, pensou. Imediatamente pôs seu nome na pequena lista. Mar não teria como escapar dele durante uma aula. Após verificar se seu nome estava legível e seu contato certo, se virou, vendo seus três amigos de olhos arregalados, incrédulos.

— O que? – perguntou, aborrecido.

— Cara, você vai fazer isso por uma garota? – insistiu Jean.

Bastien revirou os olhos para o tom insultante.

— Não é da conta de vocês. Agora vamos, que daqui a pouco Hellina aparece do além para me infernizar.

Ele começou a andar, com fé de que agora daria certo.

Maríade estava cansada. Ela nunca tinha sentido realmente o peso dos seus mais de cem anos e, pela primeira vez, se perguntou como sua mãe aguentava.

Bastien era um maldito insistente que estava tornando sua vida muito difícil. Mar meio que havia superado – ou achava que sim – a intromissão de sua prima em relação ao rapaz, mas era difícil ter qualquer certeza com a presença constante do jovem Sens. Quer dizer, sendo sincera consigo mesma, Mar estava adorando o fato de que Bastien manteve o interesse, mesmo após as humilhações, os foras e, sem esquecer, todo o esforço de Hellina para conquistá-lo.

Sua priminha cadela não entendia que estava fazendo tudo errado?! Que Bastien não era o mesmo homem que Julien? Claro que não. Ela tinha certeza de que por serem da mesma família, eram igualmente imbecis; ou apaixonados, como Hell diria. Mar bufou, debochando da prima em seus pensamentos.

As últimas semanas foram agitadas, mas aquele dia especial estava… diferente. Para começar, Bastien não a havia abordado nenhuma vez. Na verdade, Mar sequer o tinha visto. Será que Hellina finalmente tinha ficado desesperada e tinha o raptado? A Cisne Negro riu de seus próprios pensamentos, assustando um dos adolescentes de se amassavam em um canto.

Sem se importar muito, ela foi para sua aula. Certamente o lindo cafajeste a encontraria na lanchonete.

Bastien chegou cedo à sala. Ainda estava vazia, a não ser por três ou quatro alunos espalhados. Era uma sala ampla e arejada, com janelas grandes na parede oposta a porta por onde ele entrara.

Dispostas de forma quase organizada estavam grandes cavaletes com pequenas mesinhas ao lado para apoiar o material de pintura, Bastien imaginou. Qual daquelas mesas seriam da Mar? Certamente uma isolada no fundo da sala ou nos cantos...

Porém, ao ver bem à sua frente um cavalete negro e elegante, grande e uma mesinha igualmente notável, percebeu que só poderia ser dela. Os pertences estavam obsessivamente organizados: carvão de desenho e lápis próximos à borda para rápido acesso, argila no canto oposto e em volta do pequeno bloco materiais que ele supunha ser usado para esculpir.

O mais impressionante, no entanto, era o cavalete de madeira negra ricamente entalhado, com enormes e aparentemente sedosas penas negras pendendo das pontas superiores. Atraído pelo adorno, ele se aproximou e tocou, levando ao nariz. Tinha o cheiro dela e a textura era tão suave que parecia seda – ou a pele da própria Maríade.

De tão concentrado nas coisas dela, não viu a chegada da professora, que agarrou seu ombro, falando:

— Você deve ser o modelo voluntário.

Bastien pulou com o susto.

Teve que respirar fundo para se acalmar. Seu coração quase saltou pela boca. Quando sentiu os batimentos cardíacos normalizarem, respondeu:

— Eu mesmo. Bastien Sens, prazer. – Estendeu a mão para a senhora.

A professora era uma mulher mais velha que devia ter sido bonita no passado. Certamente era vaidosa, mesmo tendo visivelmente passado dos cinquenta, mas agora parecia assustadora com seus olhos arregalados e a cara enrugada.

— Mabelle. Vejo que gostou do cavalete de Maríade. Especialmente das penas – comentou, erguendo uma sobrancelha grisalha.

— Sim. – Sorriu, sem se abalar. – Mar nunca me disse que fazia penas artesanais, só fiquei curioso. São lindas.

— Ela me disse que não eram artesanais, mas não especificou de que animal era – falou, admirando a peça ainda na mão do rapaz. De repente, pareceu sair de um transe. – É a primeira vez que posa?

Bastien assentiu.

— Apenas um trote dos meus amigos. Um desafio – esclareceu.

Mabelle acenou com a cabeça.

— Muito bem. Bom, você vai tirar a roupa e se colocar nesse pequeno palanque aqui atrás. – Apontou para o degrau imediatamente atrás deles, que Bastien havia ignorado. – Como é a primeira vez, vou deixar que faça as poses que quiser para se sentir mais à vontade, mas qualquer coisa eu te guio sobre qual será melhor. De tempos em tempos eu vou fazer soar uma buzina; você deve mudar de pose sempre que eu tocar. Fora isso, divirta-se.

— Ok – concordou. – O que vão fazer os alunos? Digo, vão me desenhar? Achei que fosse aula de escultura.

Mabelle começou a conduzi-lo para uma saleta, ao passo que o cômodo principal ia enchendo de alunos. Mar ainda não havia chegado.

— Eles precisam de algo em que basear a escultura. Vão fazer esboços de todas as posições que fizer e, mais tarde, vão escolher um deles para fazer uma miniatura que irá ser transformada em uma estátua grande. É o trabalho do semestre. – Entraram na sala anexa. – Aqui você pode tirar a roupa e colocar o roupão pendurado no cabide. Deixe tudo aqui.

— Tudo bem. Eles vão fazer essas esculturas com meu rosto? – Não pôde deixar de perguntar. Seria hilário Mar ser obrigada a esculpir seu rosto e corpo.

— Você é um homem bonito, Bastien. Talvez as meninas queiram fazer isso, mas, de modo geral, é apenas um modelo, não se preocupe – explicou, simpática. – Termine aí e venha. Estamos te esperando.

Calmamente se despiu. Estava pronto para ver a reação de Mar ao encontrá-lo no seu “santuário”. Riu perversamente.

...

Mar chegou na sala com poucos minutos de antecedência. Com sua usual postura altiva, passou pela porta sem olhar para nada nem ninguém, seguindo direto para seu cavalete e a mesa de apoio, os dois instrumentos que ela mesma havia esculpido.

Esculpir, na verdade a arte em si era uma das poucas coisas que Maríade amava abertamente. Não que ela considerasse uma expressão de sua alma, se fosse assim, certamente seria uma arte sombria; Mar considerava uma expressão da beleza universal, e ninguém poderia mudar isso. Umas das poucas lembranças agradáveis de sua mãe eram os elogios para sua arte – muito embora muitos outros criticassem sua escolha de estilo.

Se estabelecendo em seu lugar em frente ao palanque, já apoiando sua bolsa e pasta no gancho na mesinha de apoio, Mar olhou para frente, encontrando um Bastien seminu com um sorriso enorme e cheio de presunção. A Cisne piscou forte, achando que era uma alucinação. Quando ele ridiculamente acenou com a mão, ela soube que estava lúcida.

Estreitando os olhos, já começando a ficar irritada com a descarada invasão de um dos poucos lugares em que ela se sentia à vontade, Maríade sibilou:

O que. Pensa. Que. Está. Fazendo. Aqui?! – falou baixo para não chamar atenção dos alunos já presentes.

— Mar! Que coincidência! – Bastien não fez questão de manter a voz baixa. Ela lançou-lhe um olhar mortal, fazendo-o mudar a expressão falsamente surpresa para uma ultrajada e triste, com uma mão no peito. – Como assim, não está feliz em me ver?

— Dê o fora, Sens – exigiu, verdadeiramente ultrajada.

— Na verdade, não posso. Eu me comprometi a ajudar a turma de artes... Tudo culpa de uma aposta que perdi. – Ele fez um biquinho triste.

— Droga, Bastien! – Se sacudiu, com um silvo de irritação e subitamente resolveu ignorá-lo.

É isso. Vai ser melhor se eu não dar corda a ele, concluiu.

— Muito bem, pessoal. Teremos dez posições hoje – começou Mabelle. – Façam o esboço das dez e escolham três. Peguem leve com Bastien, ele é novo como modelo artístico, então peço paciência.

E então a aula começou. Mar tentou ignorar a cara dele e se concentrar no corpo, mas não estava fazendo muita diferença em sua concentração. Bastien era o tipo raro que estava de bem com sua forma física, então não hesitava em fazer poses mostrando os músculos magros, mas visíveis, e outras coisas idiotas, como biquinhos e mãos nos quadris e “exibindo” o bíceps, além de imitar esculturas famosas, como “O pensador” e “Davi” de Michelangelo, sempre perguntando qual soava melhor para eles.

Mar apenas ouvia os risinhos dos seus colegas para a espontaneidade dele. Porém, a gota d’água foi quando ele teve que tirar a cueca para um nu total. Ela simplesmente não pôde segurar uma enorme gargalhada ao ver um coração pintado na bunda dele. Foi a risada mais natural que já havia dado, sem malícia, havia apenas diversão em seu tom, e nesse exato instante Bastien soube que havia feito algo muito certo.

...

O resto da aula havia sido extremamente descontraído. Maríade parecia estar em um parque de diversões, sem mais conter as risadas, sempre debochando dele e até mesmo atirando lápis e pincéis nele, que revidava com beijinhos soprados em sua direção e mais poses imbecis que evidenciavam sua cada vez mais ridícula tatuagem falsa.

Sabendo que não poderia pressionar muito o coração de pedra de Mar, Bastien, assim que deu o sinal, se aproximou devagar e roubou um selinho, pelado como estava, e correu para o camarote para se vestir. Deixou que ela fosse embora, sabendo que não lhe abordaria ou questionaria nada, não fazia o tipo dela correr atrás de alguém. Entretanto, aquele curto período de três horas e meia havia feito sua semana.

Se estivesse correto, aquele fora o primeiro passo para conquistar a patricinha. Se precisasse continuar a se humilhar, que fosse!

...

Fazia mais de uma semana que Bastien e Maríade não se falavam. Hell continuava a tentar se aproximar do jovem Sens, mas ele estava tão focado em outras coisas, que muitas vezes a presença da morena grudenta passava despercebida.

Apesar da distância física e aparente desistência do francês, suas investidas em Mar eram constantes, apenas mais discretas. Todos os dias ela recebia um presente com alguma alfinetada, algo como um doce, para desfazer o humor azedo natural dela, ou exercícios faciais para consertar a cara de nojo.

Quando eles se cruzavam no corredor, tudo que Mar fazia era mostrar um dedo ou virar a cara para ele, por mais que internamente estivesse explodindo em risadas pelo inusitado das provocações.

Porém, um dia Bastien notou que a patricinha parecia particularmente chateada. Durante o dia, passou por ela e reparou no cantinho de sua boca curvado para baixo, que fazia com que sua expressão soasse nervosa, até. Qualquer um que tivesse passado tanto tempo concentrado em seu rosto saberia que Mar estava abatida.

Ele tentou falar com ela, mas foi dispensado. Mandou o “presente”, mas ela não deu sinais de que recebeu, então ele soube que deveria, mais uma vez, tomar uma atitude mais drástica.

...

Mar estava em um dia especialmente nublado. Ela nunca se deixava esquecer o dia exato em que fora amaldiçoada, a sensação havia sido assustadora e dolorosa, e mais uma vez a lembrança a assolava.

Normalmente aquilo acendia sua raiva, Mar gostava de manter sua ira acesa, pois não achava que Hell deveria ser perdoada, no entanto... Bem, dessa vez a lembrança extra da maldição deixou-a se sentindo mal, até mesmo triste. Olhar para Bastien a fazia recordar que não era livre para ficar com ninguém, tentar se apaixonar. Especialmente ele, que parecia fazer questão de ter sua atenção.

Por isso, ignorou a presença dele o dia inteiro. Porém, no final da tarde, depois de mais momentos de auto piedade que estavam puxando-a cada vez mais para baixo, Mar foi surpreendida por uma multidão que cercava um carro.

Havia uma pessoa em cima do capô. Era Bastien, e ele olhava diretamente para ela. Com um movimento de sua mão, uma melodia começou a tocar. Sem acreditar, Mar viu quase em câmera lenta ele levar um microfone perto da boca. E o que ouviu ficaria marcado pra sempre em sua mente.

Era horrível! Ele era tão desafinado e cantava bem errado, pois a música era em alemão, uma língua que ela dissera-lhe que falava. Vagamente Mar entendia o que a música queria dizer. Era uma letra bonita, falando de sorrisos e momentos ao ar livre, e quando finalmente entendeu o que significava toda aquela cena, abriu um sorriso.

Um sorriso cheio de dentes, que enrugava os olhos. Nem mesmo o tom desafinado a incomodava mais, tamanho o sentimento de saber que ele, mesmo sem saber o motivo porque estava triste, se importava.

E pela primeira vez em mais de cem anos, sentiu seu coração disparar.


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