A Maldição do Cisne escrita por Mar


Capítulo 3
Bastien




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Depois daquele primeiro dia desgastante, tudo correu na mais absoluta paz. Não houve nenhuma tentativa de aproximação de Hell, embora quando ela cruzasse com Mar no corredor desse um sorriso encorajador. Mar bufava por dentro, e, quando estava de bom humor, retribuía apenas para ver o ânimo da outra.

Plus on monte, plus la chute. (Quanto mais alto se sobe, maior é a queda)

Algo que a incomodava também era o fato de estar sendo vigiada por uma das detestáveis bruxas da família Barrillére, protetora de Pardais. Imogen, uma loira alta e sardenta que tinha muitas mechas azuis e uma cara de tédio. Também não tinha amigos e não fazia muita questão de esconder que estava de olho nas cisnes. Isso incomodava Mar e a irritava imensamente, porém não podia fazer muita coisa, então se contentava em lançar incontáveis olhares venenosos.

Tudo estava normal até aí, porém, uns quinze dias após o começo do ano letivo, Hell começou a agir de maneira estranha. Um calouro entrou em sua classe de psicologia e Mar a viu perseguindo insistentemente o rapaz.

Observando-o de longe – e de perto também, já que não resistiu a dar uma esbarrada para checar o que havia de especial nele -, percebeu que Bastien era muito bonito, embora não fizesse o estilo favorito de Hellina, que gostava de loiros, ou melhor, de Julien. Bastien era alto e forte. Os cabelos castanhos escuros e rebeldes, sempre de modo despojado.

Sabia o nome do moreno confiante, pois ouvira Hell gritar, pedindo a ele que a esperasse. Que tipo de interesse teria Hellina nele? Bastien era um tipinho “pegador”. Nada no estilo de sua prima, que sempre sonhara com um casamento perfeito e muitos filhos. Além disso, Hell se dizia uma eterna apaixonada por seu Julien Sens. Pelo que pôde perceber nos olhos mel dela, seu amor continuava intacto, a dor da perda ainda latente.

Quem era Bastien? Talvez ela tivesse se aproximado dele porque o filho que ela teria com seu amado receberia esse nome. Não. Definitivamente não. Algo muito estranho estava acontecendo.

Sua curiosidade – ou desespero – era tanta, que ela chegou a questionar a mãe sobre isso.

— Então... entrou um calouro na turma na Hell – começou como quem não quer nada, quando chegou em casa ao nascer do sol, após passar a noite em dúvida sobre como prosseguir.

Eleanora estreitou os olhos, desconfiada.

— E?

— Fiquei curiosa, só. Hell sempre foi tão fiel a Julien e agora vive correndo atrás desse Bastien.

— Ela deve estar querendo recomeçar sua vida, assim como você disse estar fazendo.

Mar grunhiu, aborrecida. Nem quando “pedia” sua ajuda a inútil colaborava.

— Por favor, né, Eleanora! Ela estragou minha vida por causa daquele idiota e agora está toda se querendo para o moreno gostosão.

Eleanora finalmente entendeu e rolou os olhos.

— Sabe, Maríade, não entendo porque se incomoda com isso. Ele deve ter algo que lembre Julien, ela deve estar carente... Nada demais. Relaxe e sossegue.

Mar bateu a cabeça repetidas vezes na mesa de café da manhã. Nora apenas a contemplava, ignorando a atitude infantil.

— Ele não tem nada a ver com Julien, Eleanora! É moreno, forte, muito masculino, diferente daquele imbecil, que parecia uma gazela. E tem uma pinta de conquistador, do tipo que leva para o motel e desaparece com a camisinha pra não ter perigo de ser enganado.

— Talvez ela queira variar.

— Você está cada dia mais inútil, Eleanora.

E assim Maríade se levantou e saiu.

Desde aquele dia, ela estava obcecada pelo rapaz. Tudo estava tomando um caminho esquisito demais. Por exemplo: em vez de cair nos encantos de Hellina, Bastien fugia dela. No entanto, estava cada vez mais curioso a respeito de Mar.

O tempo inteiro seus olhos se encontravam e sorrisos eram trocados. Se Hell percebia, estava se mantendo calada. Por causa disso, Mar decidiu que providências deveriam ser tomadas. Para atrair tanto a atenção das duas, Bastien tinha que ser, no mínimo, diferente.

...

Bastien não conseguia tirar a ruiva da cabeça. Linda e altiva, ela nunca baixava a cabeça, sempre com seu narizinho empinado. Seus olhos pretos eram selvagens e parecia que sua alma era indomável. Um desafio impossível de ignorar para um cara que adorava coisas impossíveis.

Desde que havia chegado, ela havia chamado sua atenção. Não resistiu e procurou saber seu nome: Mar. Um nome interessante, para uma francesa. Bem, ele achava que esse era seu nome até ouvi-lo por completo da princesinha chata que o perseguia incansavelmente logo no primeiro dia.

Hellina, achava que esse era o nome, era sua colega em algumas cadeiras em psicologia. Na primeira aula deles juntos, ela já o procurava insistentemente, sempre tentando se aproximar, mas seus sentidos já haviam sido tomados pela tempestade negra que era Maríade. Sim, foi assim que Hellina a havia chamado, quando Bastien perguntou se elas se conheciam. Eram primas, pelo que a morena havia dito.

Elas não tinham muito em comum. Enquanto Bastien tentava chamar a atenção da ruiva e era ignorado – talvez esnobado fosse mais adequado –, Hellina não entendia todos os foras que levara. Não que ela não fosse bonita. Talvez a beleza fosse o único traço compartilhado pelas duas, embora fossem fisicamente diferentes, mas seu jeitinho princesinha indefesa era incrivelmente irritante. Ainda mais que as propostas nada tentadoras como passeios no parque ou para conhecer a família dela. Em que século a garota pensava que estava?

Fou (maluca), pensava toda vez que ela se aproximava com esses assuntos, como se fossem namorados, ou algo assim. Bem, de qualquer forma, ele já estava planejando se aproximar de Mar. Talvez assim Hellina o deixasse em paz.

Com isso em mente, Bastien foi determinado para sua aula. Psicologia era uma de suas paixões, queria entender a mente humana. Quem sabe assim talvez pudesse explicar a mente estranha de seus parentes. Por mais que tivesse conhecido os avós de seu pai no fim da vida, não pôde deixar de reparar que seu bisavô alucinava constantemente. Seu pai dizia que ele definhou por amar demais. Bem, sua mulher havia morrido cedo, então imaginava que fosse isso. Não entendia a mente dos apaixonados, de qualquer forma.

— Olá, Bast! – exclamou Hellina com um sorriso, ao vê-lo cruzar a porta.

Merde— sussurrou. Então se dirigiu a ela: - Olá, Hellina.

— Já disse que pode me chamar de Lin.

Ele rolou os olhos e disse:

— Hum. Não. Prefiro Hellina mesmo.

A expressão alegre de Hellina desmoronou um pouco, mas logo ela se recompôs. Eles sentaram lado a lado na cadeira e assistiram à aula. Ele estava ansioso demais para sair e tentar conversar com Mar. Esperava que ela não resistisse ao seu charme dessa vez.

...

Frenética, era como Maríade se encontrava. Se não descobrisse quem era esse Bastien no fim daquele dia, entraria na faculdade transformada mesmo e invadiria o sistema. Nem que para isso precisasse se humilhar digitando com a ponta de seu bico.

Era ainda pior vendo-o passear pelos corredores, como se fosse o rei do universo e sua cachorrinha – Hellina – atrás. Aquela seria a noite. E Mar aproveitaria para esfregar na cara de Eleanora que sua querida Hell não tinha se aproximado dele desinteressadamente.

Em sua tentativa de sondagem, chegou até mesmo a socializar com algumas pessoas, perguntando pelo futuro psicólogo, procurando saber mais.

Descobriu que ele nasceu em Paris, assim como seus pais e seus avós. Tinha vinte anos recém-completados. Sua mãe trabalhava no ramo da moda e seu pai era dono de uma pequena construtora, basicamente o sustento da família há duas gerações. Era um negócio lucrativo. Não tinha irmãos nem tios, pelo que sabiam – e Mar apostava que a pessoa que lhe passou as informações sabia muita coisa, visto que era conhecida como Stalker.

Seu bisavô ficou bem conhecido após publicar um romance água-com-açúcar que era ainda bastante recomendado, mas tinha morrido fazia alguns anos. Depois disso foram poucas as vezes que a família foi vista em revistas e em jornais.

Faltavam apenas duas informações cruciais para Maríade ficar satisfeita: porque Bastien resolveu cursar psicologia logo em Pardais, e qual o interesse de Hellina nele. Assim que tirasse a limpo isso, poderia dormir sossegada. Ou utilizar a seu favor para acabar com qualquer que seja o plano da prima. Dependeria do nível de importância de Bastien na vida dela.

Bem, até estar satisfeita, ficaria de olho.

Mar recém tinha terminado sua conversa com a Stalker quando foi abordada pela jovem Imogen, que a olhou com desprezo visível. O sentimento era mútuo.

— Não sei o que está planejando, Thomps, mas não esqueça de que está sendo vigiada e um desvio de comportamento mínimo a fará ser jogada para fora a pontapés e amaldiçoada novamente – falou friamente.

Mar sorriu cínica ao retrucar:

— Não sei do que está falando, querida. Apenas estou estudando, como deve ter reparado nessa sua vigilância inútil e patética.

Os olhos da bruxa faiscaram de ódio. Ela aparentemente não era muito poderosa com feitiços, mas Maríade sabia que essas eram as mais perigosas. O ardil que havia em suas veias era canalizado através de venenos e poções.

— Só estou avisando antes que o pior aconteça. E faço isso em consideração às outras que viveram aqui e respeitaram o tratado. Por que, por mim, você e sua mãe e prima não teriam posto os pés aqui, para começo de conversa. Está na cara que vieram para trazer problemas. Mas você quem sabe, Maríade. Boa tarde.

E assim, Imogen se foi. Seu rosto jovem inexpressivo lançando veneno pelos poros.

...

Hora do almoço. Ou “Hora do inferno”. Hellina estava há mais de meia hora falando sobre seus gostos, sobre passeios românticos, suas músicas clássicas favoritas, como era boa com costura e que sempre recebeu muitos elogios a respeito de sua voz.

Entre as pausas para respirar, Bastien dava um discreto aceno de cabeça, pois seus pais o ensinaram a tratar mulheres com respeito – por mais que quisesse arrancar suas línguas, ou dar um tiro em seus cérebros.

Na verdade, a impressão de Bastien era que estava em um daqueles bailes do século passado, onde a garota tentava impressionar o lorde com seus dotes para conseguir um casamento vantajoso. Não só isso, Hellina dava a impressão de esperar algo mais dele, como um tipo de reconhecimento. No início, ela soltava alguma informação pela metade, como se esperasse que ele completasse com algum conhecimento sobre ela vindo do além. Depois que Bastien apenas a olhou com cara de paisagem por mais de cinco vezes, ela desistiu e iniciou seu discurso sobre como uma mulher deveria saber passar as camisas do marido – o que ela fazia muitíssimo bem. E outras coisas inúteis.

Quando seu cérebro estava quase explodindo, ele resolveu virar o jogo:

— Então... Você e Mar são muito próximas?

Hellina paralisou e pareceu sem ar por um momento. Finalmente, pensou o jovem francês, já estava começando a pensar que ela não precisava respirar de verdade.

— Não. Por que a pergunta?

— Nada, não.— Ele pareceu desinteressado, embora estivesse um pouco desapontado. – Você disse que são primas, mas nem se cumprimentam no corredor ou almoçam juntas. Achei estranho.

— Ah! – Hellina sorriu um pouco. – Bem, Mar não gosta muito de mim. Ela diz que sou perfeita demais, uma farsa, pois o mundo é imperfeito e as pessoas também.

Bastien ergueu a sobrancelha.

— É mesmo? Bem, concordo com ela.

Quando a morena arregalou os olhos, surpresa pela frase, foi que Bastien se deu conta do que havia dito. Embora realmente concordasse, não poderia jogar na cara da outra. Não era nada cavalheiresco de sua parte.

— Perdão. Não foi isso que eu quis dizer. Apenas concordo que o mundo não é perfeito. Muito menos as pessoas.

— Compreendo. – A expressão dela dizia o contrário. Quando estava prestes a perguntar novamente, Hellina soltou – Meu amado uma vez disse-me que a perfeição estava nos olhos do apaixonado, e que a perfeição para ele era eu.

Bastien apenas a encarou inexpressivo. Os poetas de sua família diziam isso sempre, tanto que frase estava impressa nos anéis de casamento de sua mãe e avó. Mas, sinceramente, não entendera o propósito dela ao dizer-lhe aquilo.

— Legal.

O silêncio depois disso foi constrangedor. Hellina parecia triste demais para falar. Talvez saudades do tal amado. Bastien estava aliviado, embora incomodado. Tentando puxar assunto, perguntou:

— A Maríade mora com a mãe?

Ainda um pouco atordoada, ela respondeu gaguejando:

— Sim. Hã, n-não. Ela mora com a irmã Eleanora.

— Hum. Quantos anos ela tem? Vocês parecem bem novas. Moram aqui há muito tempo?

— Eu e ela temos 21 anos. Morávamos aqui, mas nos mudamos por um longo tempo. Sentimos saudades e voltamos. – Suspirou no final.

— E os pais de vocês? – Resolveu incluí–la para amenizar a impressão de obsessão com a prima.

— Minha mãe mora muito longe. Não conheço meu pai. Mar não tem mãe e pai. Fomos criadas juntas.

Que triste, pensou Bastien, tão altiva e segura. Será que Mar criou aquela personalidade para se proteger? Não parece. E, mesmo que seja o caso, ela exala força e não parece nem um pouco indefesa...

— Sinto por vocês, de verdade. – Segurou sua mão.

Os olhos de Hellina brilharam fracamente. Embora brilhasse um traço de esperança neles, ela pareceu perceber que ele não era quem procurava. Quase sorriu, satisfeito pela compreensão silenciosa, porém Bastien se decepcionou ao ver a determinação nos frágeis olhos mel.

Merde! Não dá para entender! Eu nunca dei nenhum tipo de retorno!, ele estava indignado. Quase gritou, tamanha a frustração. Bem, estava na hora de tomar medidas drásticas! Juntaria o útil com o agradável e chamaria Maríade para um encontro na frente de Hellina. Minaria qualquer traço de esperança e ainda se daria bem – isso se Mar não resolvesse esnobá-lo como sempre. Se bem que ele era um cara insistente.

...

Hora da saída. Os ombros de Mar estavam duros, já pensava no quanto doeria ao se transformar. Merde. Tudo por causa desse maldito Bastien, concluiu, amargurada.

Porém, se não fosse Hell, ela nem precisaria ficar tão obcecada assim. Então, indiretamente a culpa era dela. De novo. Maldita.

Já indo em direção à rua — estava a pé, pois seu carro estava para chegar —, quando Mar ouviu seu nome ser chamado. Seu nome de verdade, não o apelido. Maríade. No entanto, as únicas pessoas que conheciam e usavam era Hell e Eleanora. E aparentemente a família Barrillére. Porém, a voz masculina contradizia sua convicção. Olhando para trás, viu Bastien correndo em sua direção com uma Hellina esbaforida em seus calcanhares.

— Sim? – perguntou, erguendo uma sobrancelha, quando eles a alcançaram.

— Tudo bem? – O sorriso cafajeste de Bastien era muito sedutor, reparou Mar, sorrindo involuntariamente de volta.

Oui.

Agora era o rapaz que parecia incrédulo com a resposta curta, embora não tivesse sido desencorajado de maneira nenhuma, pelo que pôde perceber.

— Eu queria te convidar para sair. Tomar um café, talvez.

— Um café? – perguntou a ruiva, olhando discretamente para Hellina, que parecia catatônica. – Mas você é um estranho. Não sei quem é, onde mora... Como posso saber se não é um psicopata? – Sua cara de dúvida, como quem analisa os pontos, divertiu o rapaz, que estendeu a mão, se apresentando:

— Se esse é o problema, meu nome é Bastien. Bastien Sens


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