A Maldição do Cisne escrita por Mar


Capítulo 10
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Era uma tarde comum da vida de Maríade. Querendo ou não, ela havia realizado o sonho que Hellina teve um dia. Casada com Bastien há quinze anos, com um filho e grávida do segundo.

Pietro, seu primogênito, tinha quinze anos e era extremamente inteligente. Havia pulado dois anos e agora fazia sucesso na turma avançada. Mar nunca sorriu tanto como ao descobrir que seu primeiro – e, pelos planos, único – filho seria homem. Sem perigo de ser amaldiçoado. Já bastava ela. Quando contou a Bastien sobre seu medo, logo que descobriu que estava grávida, tiveram uma das conversas mais longas de que lembrava em seu casamento. Ele, sem nem ter um diploma de psicologia, ajudou a superar a fobia horrível de ter uma filha, de ser uma péssima mãe. Seu “acompanhamento psicológico” durou meses, até descobrirem que seria um menino. Bastien diariamente lhe dizia que se fosse menina, jamais seria amaldiçoada, pois receberia amor incondicional e apoio, tudo que Eleanora jamais havia dado a ela. Que ele estaria ali para ajudá-la a não cometer os mesmos erros.

O destino era engraçado. Depois de todo o pavor por que passara, nascera Pietro. E agora, tendo superado seus receios, ela estava grávida novamente, e de uma menina. Sua barriga proeminente sempre despertava um sorriso em Bastien.

Seu marido havia, afinal, se formado em psicologia. Montou um consultório e era ali que exercia a profissão que escolhera e combinava tanto com sua personalidade. Mar era artista em tempo integral, porém, trabalhava em casa. Quem diria que ela cairia no clichê machista dos sonhos de Hell. Porém... ela era ou não uma mulher do século dezenove?

— “Tô” em casa, mãe – anunciou Pietro, jogando seus sapatos em qualquer lugar e a mochila no sofá. Ele era alto como o pai e tinha os mesmos cabelos castanhos, embora tivesse herdado os olhos negros dela.

Mar estava terminando uma escultura na sala e estreitou os olhos para o abusado que era seu filho.

— Escuta aqui, seu inútil, você está achando que sou sua empregada? Vá colocar agora seus tênis e sua mochila no seu quarto se não quiser levar uma sova – praticamente rosnou para ele, que apenas rolou os olhos. – Abusado!

Pietro correu para o quarto, embora estivesse desdenhando da mãe. Criatura demoníaca, desde criança. Bastien ria, dizendo que o gene do capeta vinha dela. Sua vida tinha se tornado um clichê eterno.

Marie Isabelle se mexeu em sua barriga. Ela era agitada, mas por sorte, Mar continuava jovem. Se tivesse os trinta e cinco anos de Bastien, certamente não levaria tão bem essa gravidez. Mar suspirou, com um pouco de dor nas costas, mas querendo terminar aquela encomenda o mais rápido possível.

Embora não pudesse reclamar da vida que tinha, Maríade as vezes lamentava não poder fazer amor com o marido à noite ou dormir ao seu lado normalmente, de conchinha, como os casais dos livros dos quais ela ria. Ele, no entanto, não lamentava, dizendo que sua forma de Cisne era tão bonita, que para ele não fazia diferença. No fim, Bastien havia se mostrado tão romântico quanto Julien.

— Mãe, a vó Nora vem aqui essa semana? Ela ficou de me ajudar em umas coisas, mas disse que você estava sendo insuportável e ridícula e não queria ela aqui. – Pietro voltou vestindo apenas um short e se jogando no sofá.

Mar bufou.

— Sua avó é a ridícula, Pietro. – Continuou delineando a face da escultura sob suas mãos. – Estou irritada e não a quero aqui. E você pare de tentar me aborrecer. Sabe que não gosto dela.

Pietro resmungou. Adolescentes são tão chatos, pensou ela, estressada, como sempre.

— Mãe, deixa de ser chata, cara. Qual o problema de ela estar aqui? Você pode não suportá-la, mas adoro a minha avó e exijo que ela esteja presente, ok?

— Pietro! – Deixou a escultura de lado para ralhar com ele. – Eu não estou nem aí para o que exige, está bem? Já fui muito benevolente deixando ela conviver com você todos esses anos. Infelizmente, é claro como ela te influenciou. Não quero cometer o mesmo erro com sua irmã. Agora cale a boca e vá comer. Quando seu pai chegar vamos conversar. Suas garrinhas estão muito afiadas.

Deu um safanão com os cabelos e ignorou as respostas e caretas dele. Mais tarde conversariam.

Depois disso, teve umas quatro horas de paz. Pietro permaneceu em seu quarto, provavelmente no maldito celular. Marie depois de um tempo se acalmou e Mar, ao checar o horário, quase cinco horas, resolveu pedir o café da tarde. Sempre comiam nessa hora, pois sua forma de cisne não permitia que jantassem como uma família normal. O café seria bem completo, pois para a conversa que teriam, devia se alimentar bem, já que não poderia beber.

— Mar, cheguei. – Bastien passou pela porta e se dirigiu direto para ela, logo se abaixando para beijar sua barriga. – Olá, Marie, chutou muito hoje? Maltrate sua mãe enquanto pode, quando você nascer vai ser a vez dela e ela joga sujo. – Ele se ergueu novamente e beijou seu bico carrancudo. – Oi, mon amour. Pediu comida hoje?

— Pedi, seu ingrato. Sua filha vai ser uma peste como Pietro, e quem vai botar ordem na casa? Inútil!

Empurrou-lhe e voltou a atenção para seu trabalho novamente.

— Oi, pai – cumprimentou Pietro.

— Sua mãe está azeda por quê? – perguntou calmamente, passando a mão pela barba crescida e jogando o casaco no sofá.

— Azeda é a puta que te pariu, Bastien. Junte essa merda desse casaco e coloque no cabide. Não sou empregada de ninguém.

Bastien revirou os olhos, sabendo que não tinha como discutir. Maríade grávida podia ser insuportável.

— Ela não quer que minha avó venha aqui e quero que ela venha. Ela não tem o direito de me afastar de vó Nora. Temos um assunto importante para falar e a quero presente. – Pietro deu de ombros, caminhando com o pai para o quarto. Mar estava atenta aos dois. Eram muito amiguinhos quando era para falar mal dela.

Bastien riu, era um som cansado.

— Vamos falar sobre isso mais tarde. Você disse que tinha novidades e todos queremos saber. É melhor fazer isso cedo antes que sua mãe se transforme.

Mar estreitou os olhos, manuseando os braços do homem que estava esculpindo dessa vez.

— É exatamente por isso que quero a avó Nora aqui, mas se não tem jeito, vai isso mesmo – concordou o filho.

Quinze minutos mais tarde estavam todos na mesa. Mar encarava mais do que desconfiada Pietro, que ignorava a mãe estoicamente. Bastien apreciava a comida, como se soubesse que vinha uma tempestade pela frente.

Subitamente, a porta foi escancarada e Eleanora entrou, como se estivesse em sua própria casa.

— Vó – exclamou o primogênito, parecendo bastante aliviado e um pouco contente por ver sua mãe zangada e tentando levantar normalmente com aquela barriga redonda.

— Está maluca, Eleanora? – gritou Mar para a mãe. – É a minha casa, não tem permissão para invadir!

Nora olhou para a filha, zombando de sua macheza e acenando para o neto e o genro. Bastien cumprimentou a sogra com uma risada discreta.

— Eu sou sua mãe, não preciso de permissão, Maríade. Meu neto queria que eu estivesse aqui, então aqui estou. – Eleanora fez uma falsa cara de tédio e pegou o prato à frente da cadeira de Mar. – Se já terminou, vou pegar seu prato.

Eleanora se sentou, sem esperar a resposta de Mar, que praticamente soltava fogo pelas ventas, e serviu-se, ignorando o farelo da refeição anterior..

— Então, filho – começou Bastien. – Vai falar agora? Sua avó já chegou.

Mar bateu os pés, mas Bastien pegou sua mão para acalmá-la e sentou-a em seu colo, alisando seu ventre proeminente. Ela ficou contrariada, mas era cada vez mais perceptível a tensão de seu filho. Apesar do incentivo de seu pai, Pietro permaneceu calado até todos terminarem de comer. Mar não saiu do colo do marido, mas fuzilava a dupla dinâmica formada por sua mãe e o amado netinho respondão.

— Ok. – Pietro suspirou, parecendo se preparar. Todos voltaram a atenção para ele. – Eu estou namorando.

Ninguém se mexeu. Estavam esperando por algo mais. Eleanora estava estranha, como se esperasse alguma explosão, mas Maríade não fazia o tipo mãe ciumenta. Sabia que seu filho tinha admiradoras; estar namorando não era surpreendente.

— Vá em frente – mandou Bastien, sentindo a pressão.

Pietro procurou pelos olhos de Eleanora. Mar passou a mão pela testa, impaciente.

— Filho, o sol está quase se pondo. Quero terminar isso antes de me transformar, então, fale logo.

Ele se levantou lentamente e desapareceu pelo corredor, seguido pelos olhares curiosos dos familiares. O silêncio fazia a expectativa crescer e aquilo estava deixando todos nervosos. Nora olhou direto para Bastien e, como se sua filha não estivesse ali, aconselhou:

— Segure ela. Não vai ser um fim de noite animado e ela está grávida. – Sua expressão séria dizia muita coisa, mas Maríade não desvendou os segredos que ela e Pietro guardavam.

— O que está acontecendo, Eleanora? – Ele apertou sua patricinha com cuidado.

Nora apenas balançou a cabeça, mas a grande novidade não tardou a ser revelada. Pietro entrou na sala trazendo uma pessoa pela mão.

— Mãe, pai... essa é a mulher da minha vida. Hellina.

...

O coração de Mar parou pelo que pareceram horas. Olhar a mulher que quinze anos atrás ela havia deixado em Pardais, de mãos dadas com a razão de sua vida, o fruto do único amor da vida dela fez com que estivesse às portas de um enfarto.

— Olá, Mar – Hell cumprimentou cautelosamente.

Maríade começou a ficar vermelha. Não sentia nem mesmo as mãos de Bastien tentando impedi-la de avançar na prima. Eleanora assistia com a mão na boca e um humor tão negro quanto a penugem do Cisne à sua frente.

Hell estava linda, como sempre. Os cabelos castanhos claros presos em uma trança, que descia por suas costas. O vestido florido de alcinhas dava-lhe um ar juvenil, mas isso apenas inflamava seu gênio.

Sua vagabunda— sussurrou, certa de que seu rosto estava coberto de penas e seus olhos muito vermelhos. – Não respeita nem mesmo meu filho. Uma criança.

— Mar, ma vie. Se acalme, você está grávida. – A voz de Bastien era apenas um eco. Ela já havia se soltado de seu aperto e se levantado.

Mãe!— protestou Pietro. Hell mordia os lábios, olhando nervosamente para a barriga de Mar.

— Não! – Gritou. – Eu. Não. Aceito. Isso! Como pode, Pietro?! Eu não te dei educação? Proíbo esse relacionamento! Essa vaca é centenas de anos mais velha que você! Ela é uma mulher amaldiçoada, você está maluco?

Mar arfou em seu ataque histérico. Como era possível que justo quando havia conseguido seu final feliz essa mulher tinha que voltar – e enfeitiçar seu bebê?! Como isso teria acontecido? Pietro não tinha nada em comum com Julien! Não era doce, poderia ser até meio frio. Era mandão, arrogante, até mesmo esnobe! Onde essa paixão se encaixava? Apesar dessas dúvidas que brotavam em sua mente, Mar sabia que eram apenas desculpas, pois Pietro era filho de seu pai também. Era determinado, intenso. Podia ser apaixonante, com seu sorriso bonito e encantador com seus assuntos inteligentes. Mas porque tinha que ser justo com Hell?

— Mãe, pare com seu ataque! Nós já estamos juntos e ponto final. – Pietro cruzou os braços, tentando ser firme perante sua mãe furiosa.

Parecia uma batalha de titãs. Bastien e Nora assistiam calados a discussão. Hellina parecia preocupada, mas muito determinada, uma vez que em nenhum momento havia soltado a mão de seu namorado.

Mar começou a hiperventilar, de olhos arregalados. Era um castigo. Só poderia ser. Certamente para estarem ali, se assumindo, mesmo sabendo que Mar ainda tinha a alma de Cisne Negro, era porque existia amor verdadeiro. Se ela fizesse algo definitivo para separá-los, seu filho perderia a memória. Estava em um beco sem saída. Ou perdia seu filho, ou engolia Hellina.

— Bastien. – Se virou para o marido, sem ar. Ele estava muito sério, sabendo que a escolha estava nas mãos dela, ao mesmo tempo que sentia que seu chilique não passava de birra. Mar jamais abriria mão do filho. Apesar de tudo, não existia mais tanto ódio em seu coração.

Bastien pegou a tampa de papelão de uma das caixas em que a comida veio embalada e começou a ventilar seu rosto. Convivendo ao longo dos anos com ela, percebeu que Maríade era propensa a fazer muito drama com tudo, e sentiu-se relaxar ao perceber que a maior parte de sua cena era isso. A mãe e o Cisne batalhando em uma guerra perdida.

De repente, ela arregalou os olhos e sua pele já branca foi ficando leitosa, uma palidez doentia cobrindo cada centímetro.

Quando ela olhou em direção à sua mãe, seu rosto adquiriu um tom esverdeado. Um cisne azul escuro a encarava, tão chocado quanto ela estava. Bastien começou a juntar os pontos, também sentindo seu pulso disparar.

— Q-que horas são? – A voz de Mar voz não passava de um sussurro. Ela olhou para as próprias mãos, e então para a janela. O céu estava escuro. – O que vocês fizeram? – Olhou para Hell e Pietro, que estavam perdidos, encarando mãe e filha como se vissem um fantasma.

E o mundo parou.

Milhares de lágrimas desceram pelo rosto de Maríade, que agora corava loucamente, por uma mistura de emoções indescritíveis. Havia raiva? Com certeza. Seu filho era uma criança, não estava pronto para certas responsabilidades. Porém, havia um júbilo que superava em muito todas as coisas.

Quando Pietro nasceu, seu primeiro pensamento foi que ele era seu recomeço. Mesmo ao casar com Bastien ela tinha dúvidas de que podia ser feliz e fazê-lo feliz também. No entanto, ao pegar seu pequeno menino no colo, soube que nada daquilo realmente importava, pois ele era o melhor dela. E se havia sido permitido a um Cisne Negro fazer algo tão bonito, era porque existia algo de bom nela.

Contudo, ela nunca pensou que ele seria seu salvador. A pessoa que a libertaria do maior medo de seu coração. De um jeito errado? Completamente. Mas o filho de um Cisne Sombrio jamais faria as coisas do jeito certo.

Mar berrou. Um grito tão alto que todo o mundo poderia ouvir. Um som humano, saído da profundeza de sua alma. Era um som bonito.

Era o som de um Cisne livre.


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