Dueto escrita por Jude Melody


Capítulo 1
Capítulo único




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— Oi — ele sussurra ao telefone.

— Oi — ela sussurra de volta.

Um breve silêncio faz-se ouvir do outro lado da linha.

— Eu não estava conseguindo dormir... — ele diz.

— Eu sei. A sua voz não mente.

O silêncio faz-se presente outra vez.

— Desculpe, não quis incomodá-la. Vou desligar.

— Não é incômodo nenhum.

Ela escuta o som da hesitação.

— Tem certeza? Você estava dormindo, não estava?

— Na verdade... Eu também não consigo dormir.

Um leve roçar de cabelos faz-se ouvir.

— Então, somos dois.

— Somos dois — ela recita.

Uma eternidade transcorre enquanto ela escuta os pensamentos silenciosos dele.

— Eu... precisava de alguém para conversar...

— Você sabe que eu sempre estou disposta a ouvir.

— Sim. — Ele engole em seco. — Você não me julgaria.

O som do sorriso escapa dos lábios dela.

— Quem sou eu para julgá-lo?

Ela espera, paciente, enquanto a respiração dele se acalma.

— Eu matei um homem.

As palavras soam secas, quase frias.

— Era um deles?

— Era...

Ela aguarda as próximas palavras, mas estas não vêm.

— Ele está aí?

O som do suor descendo pelo rosto é baixo, mas não escapa aos ouvidos dela.

— Está... Junto com os outros dois.

Suspiro.

— Seu coração está ferido.

— E eu não sei? — Ela ouve um som sofrido, talvez um arfar. — Eles circulam à minha volta... Como demônios na escuridão...

— Não é desses demônios que estou falando. — A voz soa calma, mas preocupada. — Os verdadeiros estão dentro de você.

— Eu sei... — ele responde, relutante. — Estou com medo.

Ela ouve o coração dele palpitar com a inesperada confissão. É uma música bela que se harmoniza com as lágrimas dentro dele.

— Se você não tivesse medo, seria ainda mais assustador.

Um ruído forte sugere um riso nervoso.

— Irônico, não é? Sentir medo do próprio medo. Sentir medo de não ter medo...

— O sentimento que o mantém humano — ela complementa.

Um novo roçar de cabelos sugere uma negação.

— Existem coisas mais profundas do que ele.

A respiração dela se acalma, tornando-se quase serena.

— Eu só gostaria de ouvir... — ele murmura.

Mais uma vez o silêncio.

— Minha mãe cantava uma música para eu dormir. Você...?

— Adoraria.

Ele respira com dificuldade. A tensão está mais forte do que antes.

Meu bebê... — ele murmura. — Por que chorar? Meu bebê... Não fica assim... Deita-te... perto de mim... e nunca te vá... Meu lindo bebê...

Ela deixa escapar um soluço. Nunca ouvira uma voz tão bela.

— Eu não lembro os outros versos... — ele diz em tom de desculpas.

— Mas o seu coração, sim. — Ela respira fundo, acalmando-se. — Sua mãe tinha uma voz muito bonita.

— Como você...?

— Posso ouvi-la cantando... pela sua voz.

Ela ouve o som de um riso. Um riso acompanhado por lágrimas silenciosas.

— Ela tinha uma voz linda.

Eles ficam em silêncio por um minuto.

— Sente saudades dela?

Ele inspira fundo. Seu coração se quebra.

— Muitas.

Ela suspira.

— Eu sinto muito. Muito mesmo.

— Nunca mais terei de volta... Os sorrisos... Os jantares em família... — Um som semelhante à tosse corta sua voz. — Acho que me lembro de outro verso.

— Cante...

Ele permanece em silêncio. Por tanto tempo, que ela quase chega a pensar que a ligação ficou muda.

Dos teus cabelos até os teus pés... — Ele respira fundo, pesaroso. — Meu doce pequenino és... Mas és tão precioso para mim... Tão doce assim... Meu querido bebê... — Uma risada amarga faz-se ouvir. — Não... Isso está errado.

— Nada está errado quando é nossa alma que canta.

— Não... — A respiração dele soa arranhada. — Eu esqueci... A única lembrança que eu tinha dela... Eu esqueci...

O som de lágrimas é interrompido por um soluço contido. A dor canta sua triste serenata.

— Existe muito mais do que isso em você. Há coisas que o tempo não consegue apagar.

— Eu sei muito bem disso. — A voz dele torna-se dura. — Essa dor... Essa angústia... Eu não consigo... Mãe, eu não consigo...

Ela escuta o sofrimento em silêncio.

— Quantos deles agora?

— Três... — Ele arfa, exausto. — Eles ficam rondando... Eles me fazem esquecer...

— É o ódio que tinham em vida... Um ódio que você conhece bem.

— Sim...

Ela escuta o som da deglutição. Saliva misturada a lágrimas.

— Eu deveria voltar a dormir agora... — ele murmura.

— Eu... — A hesitação tilinta por alguns segundos. — Acho que sei o resto da música.

— Você... O quê?

Ela inspira fundo.

Se eles soubessem quão doce tu és, amar-te-iam também. E esses mesmos que te desprezam, o que dariam para segurar meu bem?

Ele deixa escapar um riso sem humor.

— Que versos inconvenientes.

Ela suspira.

— Não há bondade naqueles corações para tanto...

— Eles dizimaram toda a minha família. — A voz dele torna-se dura, quase perversa. — Não me venha falar em bondade.

Outro suspiro.

— Eu só queria acalmar seu coração ferido. Acho que fracassei.

Ele suspira também. Quando volta a falar, sua voz está terna.

— Eu sei... Mas você não é a minha mãe...

Ela ouve o som das próprias lágrimas.

— E você não precisa carregar tão pesado fardo. É por isso que esqueceu a música. Não sobra espaço para o amor no seu coração quando carrega tanto ódio.

A voz dele se quebra totalmente.

— Mas eu não tenho escolha! Eu não tenho escolha! Não me sobrou nada, entende? Nada!

O sofrimento dele ecoa no coração dela.

— Sobraram seus amigos. Eles sabem quão doce tu és.

— Eles também não são a minha mãe!

A voz corta o ar, feroz, cheia de angústia e dor.

— Ninguém jamais será.

Ele retorna ao silêncio. Agora até sua respiração está quebrada.

Ela consegue escutar os demônios que falam dentro do coração dele.

— No que está pensando?

— Em nada — ele sussurra.

— Mentiroso.

— Na morte.

Um soluço a estremece.

— Na minha morte — ele diz. Um mero fiapo de voz.

— Não faça isso...

— Eu mal consigo lidar com três deles... — Ele suspira. — Imagine com treze... E ainda tenho meus próprios demônios.

— Eu ouço seu coração sangrar. Você está se matando...

— Foi o que eu acabei de dizer...

— Não. — A voz dela soa severa. — Você está matando seu lado humano. Mate mais um deles e não restará qualquer humanidade em você! Então, até mesmo a voz da sua mãe será uma lembrança distante e inacessível! Você está triste porque não se lembra dos versos da música? Se continuar por esse caminho, sequer lembrará que existia uma música!

Ela começa a arfar. Um pedido de desculpas ameaça escapar de seus lábios, mas um som ritmado interrompe seus pensamentos. Ele desligou o telefone.

Exausta, ferida, ela ouve o choro de seu próprio coração. Permanece em silêncio doloroso durante horas.

O telefone toca de novo, e ela atende.

— Oi... — ele sussurra.

— Oi... — ela sussurra de volta.

— Eu ainda não consigo dormir...

— Eu sei... A sua voz não mente...

Silêncio.

— Eu me lembrei do resto da música.

Silêncio.

— E como ela é?

— Eu não sei... — Ele ri. — Não lembro a letra... Mas me lembro dela cantando... Só cantando.

Ela ouve os versos no coração dele. A música mais pura da noite.

— Essa é a lembrança que derrotará os seus demônios.

— Eu sei...

— Você ainda é humano, afinal de contas.

Um riso suave faz-se ouvir.

— Eu ainda tenho medo.

Desta vez, o riso é dela.

— Uma canção de medo e tristeza.

— Sim...

Silêncio.

— Oi... — ela sussurra.

— Oi... — ele sussurra de volta.

— Eu não consigo dormir.

— Eu sei... Sua voz não mente.

— Ela nunca mentirá para você.

Ele ri.

— Uma canção de sinceridade e sofrimento.

Ela ri também.

— Nosso dueto.


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