Telma foi criando coragem enquanto passava o ferro com força nos colarinhos e observava a pilha de roupas já passadas sobre a cadeira. Estava quase terminando. A tia estava na sala. Hoje ela ia falar.

— Tia, eu queria falar uma coisa com você...

Tia Justina nunca se espantava com nada, como se ela lesse os pensamentos. Virou-se sorrindo para Telma, e fez a pergunta.

— Qual é o assunto?

— Queria pedir uma coisa...

— Hum... com tanta preparação assim, vem coisa por aí! Vou ver se posso atender. O que você quer me pedir?

— É que...

— Fala, desembucha!

— É para... sabe... eu queria poder vestir outras roupas quando eu estou de faxina. Tipo umas bermudas...

A tia pôs as mãos na cintura, como se estivesse zangada, mas abriu ainda mais o sorriso. Era como se já esperasse aquilo. Telma sentiu-se insignificante com seus pés descalços, e um frio subiu pelas coxas, eriçando os pelos.

— Posso saber o motivo?

— É que esses vestidos que a senhora me dá para vestir são muito curtinhos... aí eu fico com vergonha... quando tem gente...

— Ué, mas você não gostava de botar umas roupas curtinhas para ir a baile funk? O que foi que mudou?

— Eu gostava, mas... aqui é diferente... o Edu está sempre aí... às vezes ele vê minha calcinha...

— Ahhhh então é isso! Você está com vergonha do seu primo estar te vendo!

O coração de Telma bateu mais forte. Agora a sorte estava lançada. Tia Justina abriu ainda mais o sorriso, fez um suspensezinho e respondeu:

— Pois então você tem que agradecer muito a seu primo, pois ele está fazendo você descobrir a vergonha!

Telma ficou boquiaberta, sem ter nada para dizer. Mais uma vez os argumentos da tia a deixavam totalmente encurralada. Era aquilo mesmo, esta era a finalidade de tudo, desde o início. Notando o embaraço dela, a tia colocou a mão em seu ombro e chegou perto para dizer:

— Continua a melhorar seu comportamento, que eu vou liberar outras roupas, estão lá no armário esperando! Agora vai para o quarto estudar, que está na hora!

Lendo o livro de exercícios, mas com a mente longe dali, Telma fazia o balanço da conversa com a tia. Achava que tinha sido positivo. No dia seguinte, quando Eduardo veio zoar com ela como de costume, Telma até sorriu. Agora acreditava que tinha mesmo muito a agradecer ao primo. Caprichou na faxina, e foi novamente falar com a tia, desta vez com outro assunto.

— Festa na casa da sua amiga Alessandra? Pode ir, sim. Aquela que é boa companhia para você, está fazendo até você ir na igreja!

Mostrando estar satisfeita, naquela noite tia Justina liberou um bom vestido para Telma, que fazia muito tempo ela não usava. Telma ficou tão feliz que deixou-se ficar um longo tempo contemplando-se no espelho. Na festa, sentiu-se ótima. A casa da amiga era espaçosa e muito agradável, o pessoal era bonito e bem vestido, as músicas eram boas. Conversou com todo o mundo e dançou sem exageros. A um canto viu um garoto de cabelos cacheados e olhos verdes, ar meio de príncipe e de motoqueiro, camisa polo, corrente dourada e pulseira prateada. Na mesma hora ficou interessada e foi falar com ele.

— Como é seu nome?

— Ronaldo.

Telma lembrou-se de seu costume de se atirar em cima dos garotos, e agora ficava mesmo sem saber o que fazer. Mas ele percebeu  embaraço dela, e quebrou o impasse.

— Vamos dançar?

Dançaram separados, e depois dançaram juntinhos. Teria sido Alessandra quem pôs aquela música especialmente para eles? O beijo não demorou a sair.