Cordelia escrita por Maga Clari


Capítulo 1
Eu sou Cordelia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/742426/chapter/1

O silêncio para mim sempre foi muito perturbador. 

Aqueles corredores enormes sempre foram muito  incômodos, também. E aquelas vestimentas? Horrorosamente desconfortáveis! Mas que havia eu de fazer? Eu, logo eu, uma pobre criança! Nada, é claro. Nada havia de ser feito. Exceto por um único ato de rebeldia.

Sei que papai odeia quando sou malcriado. Por isso, entendi que era meu dever para com ele e para com meu povo ser o príncipe que o reino sempre quis e desejou. No entanto, não ficaria tão barato assim. Oh, é claro que não. Eu fazia de tudo para irritá-lo, perturbá-lo, assim como eu me sentia. 

Então, sempre que podia, eu corria pelos cantos fazendo barulho ao descer as escadas, cantava quando as amas me davam banho, e, principalmente, tintilava as taças dos banquetes fazendo música. 

Eu disse que o silêncio me deixava angustiado. Por isso, que o senhor meu pai, meu rei, fosse se limpar com dejetos de cavalo! Eu permaneceria rebelde e assim seria até quando meu limite permitisse.

Por acaso do destino, fiz um amigo numa dessas tardes tediosas. O vento corria bem forte, devia ser outono. A minha estação favorita. Talvez por ser a estação das goiabas vindas daquelas terras longe, longe, que ganhamos de presente no dia do meu nascimento. Ou talvez seja apenas porque o outono é alaranjado, assim como meu cabelo. É a única vez que me sinto especial.

Pois então, lá estava eu caminhando e brincando sozinho em minhas fantasias infantis de um príncipe sem ter com quem brincar. Eu não devia passar dos oito nessa época. Era o caçula da côrte. Sim, certamente possuía conhecimento das crianças do outro lado do muro, mas o senhor meu pai, meu rei, nunca me deixava atravessá-lo. Dizia-me ser tolice desnecessária. E eu estava feliz brincando sozinho. De verdade. Mas então tive o prazer de experimentar uma companhia. E foi o dia mais feliz da minha vida.

Meu amigo chegou na surdina. Olhando para os lados, temeroso. Creio que tivesse era medo de ser pego. Mesmo não fazendo nada além de subir e sentar-se no muro. Para observar o castelo, suponho. Corri até ele e subi também. Trocamos uma breve conversa de olhares até eu tomar uma atitude:

"Olá! Quem é você?"

"Creio não poder dizê-lo, vossa alteza"

"Mas por quê?"

"Porque não"

"Tudo bem. Meu nome é Cordélia"

"Cordélia?!"

Não tentarei mentir sobre meus sentimentos. Sobre ter ficado magoado com a reação que já estava há tanto tempo acostumado. Eu era forçada! A usar aquelas vestimentas tão calorentas e que pinicavam meu traseiro! Ah! Como eu queria poder falar minha verdadeira identidade para todos e qualquer ser vivo! Algo dentro de mim pulsava. Creio ter sido meu coração. Senti como se eu pudesse falar tudo para aquele garoto. Então, aproximei-me dele, com cuidado, coloquei meu cabelo atrás das orelha e olhei-o nos olhos.

"Você sabe guardar segredos?", perguntei, em sussurros.

"Sou muito bom com segredos", respondeu-me ele da mesma maneira, "Pode confiar em mim, vossa alteza"

Senti o ar sair dos meus pulmões. As mãos suarem e a saliva ser empurrada pela garganta. Mas os meus olhos? Não os havia de tirar daquele garoto por um segundo apenas! Eu confiaria nele. Eu precisava de um amigo.

"Sou uma garota"

E aquilo foi o bastante para nossa amizade começar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cordelia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.