[Heterodoxo]

O anoitecer gélido – salpicado de/com um chuvisco rigoroso – se impunha forçosamente à tardinha ensolarada e desanuviada de Jerusalém.

As madeixas extensas e avermelhadas de Maria Madalena se empertigaram, roçando-se levemente no tronco negro de Jesus Cristo. A cabeça feminina descansava despretensiosamente no abdômen másculo daquele com quem se casara recentemente, e o desferiu um beijo casto no local. Tal gesto o arrancou uma risada breve, rouca e sensual aos olhos amendoados e felinos da figura feminina. Erguendo-se com dificuldade, sentou-se aprazivelmente ao lado do cônjuge – que a lançou um sorriso cândido e afável – na esteira mediana. A barriga saliente que Maria Madalena ostentava, pesava consideravelmente e as mudanças corpóreas ocorriam numa velocidade assustadora, na concepção aturdida desta.

Em breve os recém-casados presentariam o mundo com uma criança concebida por intermédio do amor que nutriam e um empurrãozinho amistoso do coito anterior à união matrimonial perante o Altíssimo Deus.

Esta criança é uma vidinha frágil que já nos abala as estruturas, Maria Madalena pegou-se divagando ao acariciar ternamente e protetoramente a região protuberante.

— Sente-se mal, esposa? – a voz aturdida do marido, Jesus Cristo a trouxe à realidade, interrompendo os devaneios repentinos.

Fixando amorosamente as íris amendoadas às pérolas-negras dele, sorriu para este.

— Estou bem! Está tudo incrivelmente bem, marido! – e o enlaçou firme e acaloradamente, o puxando para um selar de lábios afogueado.

A noite que se aproximava prometia ser extensa e quente ao casal.