O apartamento de Shinya era grande, tão grande que podia ser chamado de apartamento. A maioria das habitações no Japão eram cubículos como os que que Kira morava, que consistiam em um quarto com um banheiro e, se desse sorte, uma janela. Aparentemente, a nova vida de Kira tinha muito mais do que aquilo. O apartamento era bem decorado, todo em tons de branco, cinza claro e um rosa dourado. Na sala, havia janelas grandes que iam do chão ao teto e um mezanino que Shinya lhe disse que era mais pra fazer charme. Quando subiu no mezanino, Kira viu que havia uns pufes e alguns livros espalhados. A cozinha era grande também, com uma geladeira, vários armários e um grande relógio preto em cima da geladeira. Não havia divisória entre ela e a sala.

— Por que mora em um lugar tão grande se é sozinho? — perguntou Kira de maneira direta.

— Gosto de espaço. — começou Shinya, com um meios sorriso no rosto. — E quando me mudei pra cá, a minha equipe toda morava aqui também. Agora cada um tem sua própria casa.

— E você decidiu que era uma ótima ideia me trazer pra morar com você?

Shinya assentiu.

— Bem, obrigado pela escolha. — disse Kira, olhando o apartamento a sua volta.

Shinya sorriu e disse:

— Disponha. Mas só pra constar, vamos estabelecer alguns combinados. — Kira engoliu em seco, imaginando o que o ruivo iria lhe dizer. — Primeiro, eu não sou seu pai, sou seu líder de equipe. Isso significa basicamente que não sou obrigado a tolerar algumas coisas. Segundo, agora você mora aqui, o que lhe obriga a zelar pelo bem da casa, como arrumar seu quarto, lavar a louca, essas coisas. Terceiro, se você sair, tenha a decência de pelo menos avisar onde você vai, porque não sou obrigado a ficar te procurando. Quarto, você tem a obrigação de treinar pelo menos uma hora por dia na simulação que tem no segundo quarto a direita.

            — Você tem um quarto de simulação? — Kira perguntou e Shinya assentiu. Só nesse momento, Kira percebeu como o ruivo era rico.

            — Venha. — disse Shinya. — Vamos escolher seu quarto.

            Os dois entraram em um corredor com cinco portas. Kira ficou imaginando toda a equipe de Shinya morando ali, em qual quarto cada integrante ficava.

            — Pode escolher qualquer um. — disse o ruivo. — Menos o último, porque esse já é meu.

            Kira andou até o final do corredor e escolheu o penúltimo quarto. Shinya sorriu. Kira abriu a porta, revelando um quarto de tamanho médio com janelas que iam do chão ao teto, uma cama grande e uma mesa com um computador.

            — Esse é seu novo cantinho agora. — disse Shinya, e Kira sorriu.

            Kira e Shinya estavam na cozinha enquanto o ruivo cozinhava algo. Os olhos do mais novo percorriam a casa toda, ainda abismado com tamanha  beleza do apartamento. Por alguma razão, Kira lembrou-se do encontro com Subaru no elevador e também se lembrou de que não havia contado a Shinya sobre aquilo.

            — Er... O Subaru já morou aqui também? — perguntou Kira.

            — Não. — começou Shinya. — Ele saiu da equipe antes disso.

            — Por que vocês brigaram?

            — Porque ele só pensava em si mesmo e em ganhar. Eu não sou assim. Na verdade, penso em ganhar, mas não faco de tudo pra conseguir isso. Sou mais sossegado do que ele.

            — Ou ingênuo. — Kira sussurrou, mas foi alto o bastante para que Shinya ouvisse.

            O ruivo desligou o fogo e virou-se de frente para Kira, encarando-o. Kira queria fugir dos olhos inquisidores de Shinya, mas não havia como.

            — Por acaso, ele falou pra você o que aconteceu do ponto de vista dele? — Shinya perguntou com uma calma assustadora. Kira apenas assentiu. — Foi o que pensei. Sabia que não viria naturalmente de você pois já escutei esse discurso de que sou ingênuo antes.

            — Essa coisa de sentir que o que eu falo não é ideia original minha vai durar até quando? — perguntou Kira.

            — Até você parar de pegar a opinião dos outros como verdade absoluta.

            — Mas o que aconteceu?

            Shinya desligou o fogo de novo.

            — O que, ou melhor, por que você quer saber?

            — Se agora vamos ser mestre e aluno tenho que saber do seu passado.

            Shinya o olhou intrigado, e então disse:

            — Primeiro, não sou seu mestre, sou seu líder de equipe. É algo diferente. Segundo, eu não te devo satisfação das coisas que já aconteceram comigo. O que você precisa saber é que Subaru foi a maior decepção da minha vida pois ele era uma pessoa brilhante que ficou cego pelas próprias ambições. Pronto. Agora vamos comer, senão a comida esfria.

            Kira percebeu que era melhor comer mesmo, primeiro porque já estava com fome e segundo pois deixara Shinya irritado com essa conversa. Do outro lado do balcão, Shinya comia em silêncio, sempre olhando para o próprio prato. Odiava falar de Subaru e odiava mais ainda quando as pessoas perguntavam dele. A lembrança do menino de olhos vermelhos que um dia fora seu amigo ainda era algo sensível em sua mente. Ele tentava deixar de lado, mas aparentemente, sempre vinha alguém pra relembrar. Estava cansado de passar por isso toda a vez.

Após comerem, os dois foram cada um pro seu quarto. Shinya disse para Kira que era melhor ele dormir, já o que dia seguinte seria intenso. Kira agora estava em seu novo quarto fitando agora seu novo computador. A tela preta refletia seu rosto, mostrando-o uma expressão cansada. Deveria tentar ir dormir, como Shinya lhe dissera, mas não estava com sono o suficiente. Pensando no jantar que ocorrera horas antes, estava meio arrependido de ter tocado no assunto “Subaru” com o Shinya, mas parecia algo inevitável no momento; ele queria saber, do ponto de vista do ruivo, o que aconteceu. Kira se fitou por mais alguns minutos na frente do computador, mas decidiu que seria melhor se deitar. Quando foi pra cama e olhou o quarto ao seu redor, por um segundo, desejou que aquela fosse sua vida pra sempre.