Depois de uma segunda feira atribulada, chegamos agora na terça-feira onde as coisas começam a esquentar, principalmente por causa de duas figuras que foram propositalmente omitidas até então: nosso colega de sala misterioso e a destinatária de sua mensagem, Mimi. Deixemos o primeiro para o final, até para mantermos o suspense, e vamos nos focar na segunda, que está em seu caminho para a escola.

Mirian, ou Mimi para todo mundo que não são seus pais, tinha tudo para ser a típica patricinha da sala. Tinha dinheiro, gostava de moda e todo mundo que a via sentia um respeito esquisito, como se ela fosse famosa.

Bem, ela meio que era já que todo mundo na escola sabia quem era Mimi. Talvez não pelos mesmos méritos que Pedro, ela não jogava nenhum esporte, mas ainda sim, ela parecia alguém essencial para aquela sociedade escolar funcionar.

Veja, Mimi era uma patricinha com uma causa social. Talvez meio distorcida, mas eu não sou ninguém para julgar isso. Ela era a rainha dos excluídos. A maioria das pessoas que não tinham um grupo social pertenciam ao dela. Se você era um ninguém e queria entrar pro time dos populares, era só falar com ela. Claro, tinham algumas normas de vestuário, mas nada que fosse impossível de fazer se você não estivesse disposto. Algo como: se você não tivesse uma roupa rosa para usar nas quartas, Mimi te emprestava uma das dela, até porque o guarda-roupa dela era tão grande que parecia ter vindo de uma blogueira da moda.

Bem, Mimi era uma blogueira de moda, mas ainda não tinha despontado na internet. Todos achavam que era apenas uma questão de tempo. Afinal, mesmo tendo que usar uniforme todos os dias, ela dava um jeito de inventar. Naquela terça-feira, por exemplo, era um casaco comprido laranja, com plumas brancas nas pontas, e uma botinha de salto grosso – porque ninguém merece salto agulha no chão irregular da escola, né? – que acentuavam sua pele negra e suas curvas. Há quem diga que Mimi fosse gorda demais pra ser uma patricinha, mas ninguém tinha a coragem de dizer algo assim em voz alta.

Mimi também tinha, em seu grupo de asseclas, miminions, como grande parte da escola os chamavam, uma rede de informações invejável. Ela sabia de tudo e todos, talvez só perdesse para Ana Bia, a fofoqueira da sala™. E quando leu sobre o encontro de Pedro e Gustavo no dia anterior, não poderia estar menos chocada.

Ela tinha certeza que a história espalhada por Isabelle sobre a traição gay era mentira. Como? Nem ela sabia. Confiava no seu gaydar. E, para Mimi, não tinha como Gustavo ser gay, nem um pouco! Claro que esse julgamento vinha também do fato de nosso colega misterioso não ter conseguido escutar a conversa direito, mas descobriremos mais sobre isso quando ele der as caras.

Mimi entrou na sala e, surpreendentemente, quase ninguém olhou para ela. Talvez não devesse ter experimentado um novo jeito de prender o cabelo... Percorrendo seu olhar, percebeu que Gustavo tinha chegado já... Ah, então tudo bem, ele era o assunto do momento mesmo, não tinha problema...

Falando nele, Gus estava apreensivo naquela manhã. Tinha melhorado da diarreia, mas ainda sim achava que não era uma boa ideia ir para a escola. Depois de conversar com Pedro na sua casa e saber que todos o ignoravam, podia imaginar como os outros iriam reagir a ele. Foi uma surpresa chegar à sala e ser rodeado por um monte de gente, perguntando se ele estava bem.

— Nossa, muito difícil essa situação né? — disse Amélia, do grupo dos alternativos — Uma sacanagem que o Pedro é um merdinha...

Isabelle não tinha respondido sua mensagem. Ela tinha visualizado, disso sabia, mas ficara em silêncio. Isso o deixou mais apreensivo ainda, porque, depende do jeito que ela tivesse contado, podia ser ele o grande vilão da história toda.

— Falar pra você que o namoro com a Isa era de fachada e que ela já sabia de tudo foi uma sacanagem mesmo — disse Ivanna — Me espanta você ter guardado lugar pra ele mesmo assim, se fosse eu...

Isa ainda não tinha chegado e Pê sempre chegava atrasado. Era de costume as amigas dela guardarem o lugar dela e ele o de Pedro. Mas toda aquela confusão parecia dar um novo ar para aquele gesto inocente.

— Mas não é você... — disse Tereza.

Gus queria muito falar com Tez sobre aquilo tudo – será que ela estava junto de Isabelle ou não? – mas tinha medo de dar ruim para Pedro. Depois da mancada que fez contando a coisa errada pra pessoa errada, não podia mais arriscar antes de ter certeza em quem podia confiar...

Quando Matheus chegou à sala, Gustavo foi o primeiro a perceber, até porque era dele e de Vitor que tinha mais medo. Mesmo que todo mundo fosse legal, o que estranhamente era o caso, Matheus e Vitor eram machões demais para ter um amigo gay e ficarem ok com isso. Sem contar que eles também ignoraram Pedro sem dó no dia anterior.

— Guardando lugar pro namoradinho? — disse Matheus em tom pejorativo assim que pôs os olhos na mala de Gus jogada na carteira a frente dele. Não pode evitar, claro. Gustavo seria claramente considerado o "elo mais fraco" daquela reação e Pedro "não estaria lá para defendê-lo". Queria responder alguma coisa inteligente, mas estava cansado, triste e receoso demais para abrir a boca.

Foi aí que Mimi viu uma oportunidade:

— Como se você não guardasse lugar pra ele até semana passada — ela disse, sem nem olhar para Matheus — Deixa de ser escroto.

Um "uuuuuuhhhhh" correu por toda a sala. Matheus e Mimi não eram necessariamente um casal, mas era o mais próximo que a sala tinha de um. Os dois ficavam juntos frequentemente e até atuavam como um casal de vez em quando, principalmente quando brigavam.

A propósito, o apelido do casal era M&M, que nem o doce.

Matheus não sabia o que responder. A única pessoa que não tinha muita coragem para contradizer era Mimi, essa coragem de falar o que quiser quando quiser era uma das coisas que mais curtia nela. E também não ia ficar brigando se ela planejava trazer Gustavo para o bando dela – por qual outro motivo ela estaria defendendo ele? – o combinado entre os dois era ele nunca tirar sarro de nenhum dos protegidos dela, assim ela não falava mal do time de futebol pra todo mundo. Se os comentários dela sobre o time se espalhassem, ia ser como merda voando pelo ventilador.

Ele se sentou, sem olhar para Mimi também. Outro "uuuuuuhhhh" ecoou pela sala, vindo principalmente do grupo dos alternativos. Ia conversar com Mimi depois da aula. Aquela história não estava pegando bem para o time.

Gustavo deu um suspiro de alívio. Virou-se para Mimi. Aquilo não era um bom sinal. Se estava no radar dela pra se tornar um Miminion é que a situação estava feia. Pelo que ele entendera, Isabelle o deixou como vítima na situação também, o que ainda dava uma esperança para ele poder ser gay na escola um pouco mais tranquilamente. Agora, se Mimi estava do "lado dele" e nem ligava para Pedro, Pê não tinha esperança mesmo...

Pouco depois do comentário de Mimi, quando a sala já tinha contido um pouco os ânimos, o maior Mimiminion de todos, que, por um acaso, também é nosso personagem misterioso da conversa entre Pedro e Gustavo de segunda-feira. Mimi sorriu para o amigo e tirou a bolsa que colocou na carteira ao seu lado no objetivo de guardar lugar para ele.

Gustavo, por sua vez, engoliu seco. Não sabia como aquele menino iria reagir com tudo aquilo. Afinal, além de ser o maior assecla de Mimi, e, portanto, tão popular quanto ela, o menino que acabou de entrar era também a pessoa por quem Gus era apaixonado desde o primeiro ano: Takeshi, a primeira pessoa daquela escola a ter saído publicamente do armário.