Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 54
LII




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Eu nunca fui uma pessoa dedicada ao desenho, logo, desenhar um círculo perfeito sem recorrer aos utensílios próprios a essa função era uma dor de cabeça para mim. A intensidade da dor era diretamente proporcional ao tamanho do círculo: quanto maior o desenho, maior o sofrimento. Imaginem, portanto, a minha agonia ao tentar desenhar um círculo perfeito, à mão, com um diâmetro igual à minha altura, medindo eu um metro e sessenta e cinco. A veia na minha têmpora latejava tanto que cheguei a acreditar que tinha um ser invisível a tentar furá-la com um martelo pneumático.

— É fácil — Ashkore tentava, pacientemente, explicar-me pela enésima vez — Só precisas de desenhar quatro pontos de apoio e ligá-los com uma linha curva. Queres que te mostre?

— Não — neguei com um resmungo, afastando o cabelo do rosto com uma mão suja de carvão – Já te vi fazê-los vezes suficientes.

E isso só me frustrava ainda mais. Ashkore fazia aquilo parecer tão fácil! Como era possível? Ele dizia que simplesmente deixava a magia guiar a sua mão, mas eu estava mais inclinada a acreditar que o titã tinha partes de compasso no seu código genético. Ele nunca falhava a curva da linha, mesmo quando não usava os pontos de apoio que me recomendava. Nunca! E eu, que estava há já uma semana a tentar desenhar o diabo do círculo, ainda não conseguira qualquer progresso. Isso não seria um verdadeiro problema se o círculo não fosse essencial à abertura do portal. Segundo Ashkore, era até a parte mais simples da sua construção! Saber isso não me deixava nem um pouco ansiosa por descobrir quão difíceis seriam as partes seguintes…

Quando não estava a manchar as paredes da câmara de treino com as minhas tentativas fracassadas de desenhar um círculo, estava nas masmorras dos túneis a conversar com Lee através das grades da cela para onde Ashkore a atirou assim que saiu da enfermaria… ou a conspirar com Lithiel na cela mais à frente. Eu e a doppelganger tínhamos decidido, apesar da teimosia vingativa de Ashkore e das previsões pessimistas de Ihlini, criar o esboço dum acordo que pudesse satisfazer faeries e titãs e, assim, terminar com a guerra. Lee estava a par dos nossos planos, mas eu não lhe podia contar detalhes porque a segurança em redor dela era mais cerrada do que em redor de Lithiel. Se eu não conhecesse Ashkore, diria que ele estava com medo da ninfa…

O acordo começou por ser construído em torno da condição da libertação dos titãs presos em cristais. Em contrapartida, os titãs teriam de prometer não magoar os faeries. Era simples até aí. O problema residia somente no facto de Ashkore não aceitar perdoar os faeries e insistir em fazer alguém pagar pelo que lhe acontecera e aos seus irmãos. Lithiel, por incrível que pareça, concordava com ele nesse ponto. Não porque simpatizasse com os titãs após ouvir a verdade sobre a guerra da boca de Ashkore, mas por causa do que lhe tinha sido feito a ela…

— Os Sacerdotes não têm consideração por nada nem ninguém — dizia a rapariga, caminhando dum lado para o outro — Eles viraram-se contra os seus senhores, aprisionaram-nos, usaram-nos, deturparam a nossa história e mataram os que sabiam ou entretanto descobriram a verdade. Se eu não lhes consigo perdoar o que me fizeram para me silenciar e salvaguardar as suas mentiras, imagina os titãs! Não… Os Sacerdotes não merecem piedade. Eles e os seus cúmplices têm de pagar pelas mentiras que nos enfiaram pela goela abaixo durante todos estes anos!

— Os Sacerdotes são os líderes dos faeries e será com eles que teremos de discutir o acordo — lembrei-a — Eles jamais irão aceitar se uma das condições estiver a pedir que eles se entreguem para ser executados! Nem é justo pedir-lhes isso, não foram os atuais Sacerdotes que inventaram estas mentiras…

— Não inventaram, mas sustentaram — cortou-me Lithiel — Não fizeram qualquer gesto no sentido de repor a verdade, muito pelo contrário!

— Mesmo assim… Eles jamais aceitarão ser punidos como se a culpa fosse toda deles!

— Eu sei… eu sei… mas achas que os restantes faeries ficarão felizes por saber que os seus líderes têm nas mãos a oportunidade de acabar com a guerra com o mínimo de mortes e não o fazem por pura covardia? Aliás, quando os faeries descobrirem que foram enganados durante toda a vida, talvez entreguem os Sacerdotes de bandeja à justiça dos titãs! Esses mentirosos não terão escolha ou escapatória…

— Queres usar a pressão popular para os fazer ceder? — notei num misto de constatação com pergunta.

— Sim… Isso mesmo…

Eu fiz uma pequena careta.

— Não sei se isso vai resultar… Quero dizer, os Sacerdotes não darão a conhecer o acordo aos restantes faeries se os termos e condições não lhes interessarem, não é? Como poderão os faeries pressioná-los se nem sequer chegarem a saber do acordo?

— Oh, eles vão saber, não te preocupes. Só temos de espalhar uns rumores aqui e ali — Lithiel abriu um sorriso muito satisfeito e meio… maquiavélico — Um possível acordo com os titãs será o tipo de rumor que se alastra como fogo em palha seca. Toda a gente ficará a saber numa questão de horas. Toda a gente irá exigir explicações aos Sacerdotes…

Eu não tinha a certeza de gostar daquele plano. Em primeiro lugar, as negociações não resultariam num verdadeiro acordo se uma das partes estivesse a ser coagida e, em segundo lugar, a execução dos Sacerdotes ia contra o meu principal objetivo com aquela empreitada: evitar mais mortes. Por outro lado… tinha de admitir que aquela era a melhor ideia que tínhamos até ao momento.

Imagino que os meus pensamentos se tenham espelhado na minha cara, porque Lithiel disse:

— Os Sacerdotes não são inocentes, Eduarda, merecem ser punidos. Não se trata só de puni-los por mentirem a um mundo inteiro durante gerações. Temos de puni-los pela quantidade de pessoas que mandaram matar para que as suas mentiras não fossem descobertas! Eu sujei as minhas mãos por causa deles, Eduarda! Perdi tudo o que tinha…! Eles não tiveram piedade da pixie, de mim… do Lee! E também não teriam piedade de ti se te tivessem apanhado. Eles têm de pagar pelo que fizeram, Eduarda… Têm de pagar.

As suas palavras faziam mais sentido do que gostaria de admitir…

— Se… se colocarmos essa condição no acordo — comecei com um murmúrio —, os Sacerdotes seriam os únicos a ser executados?

— Não, eles não trabalharam sozinhos… Os seus cúmplices irão morrer com eles! Na Guarda de Eel, além da Miiko, serão executados o Jamon e o Leiftan. É possível que haja mais alguns membros da Guarda Reluzente a juntar à lista, mas teremos de fazer uns interrogatórios para descobrir quais são. Faremos o mesmo para as outras Guardas. No mínimo, teremos de apertar uns dez nós de forca…

Eu concordei com um fraco aceno, embora sentisse o meu coração apertado dentro do peito. A ideia de condenar tantas pessoas à morte atormentava-me. Eu sabia que a execução de Miiko e demais Sacerdotes era incontornável, mas os restantes… Eu não conhecia muito bem Jamon, não voltara a cruzar-me com ele depois do episódio da poção para detetar Maana, mas não me parecia que fosse má pessoa. Afinal, ele ajudara-me a descer as escadas quando já não me aguentava nas pernas e carregara-me nos braços até à enfermaria. E Leiftan… Leiftan era ainda mais complicado. Eu ficara danada ao ouvir a conversa entre ele e Nevra, quisera muito desfazer-lhe a cara à pancada, mas… condená-lo à morte? Isso não era ir longe demais? Eu não odiava Leiftan ao ponto de ficar indiferente ao término da sua vida. Como poderia odiar alguém que, apesar do que dissera, nunca me fizera mal…?

Na minha chegada à colónia, evitara pensar em Leiftan para não reviver a ira que me consumira ao descobrir a sua traição. Entretanto, mesmo tendo esfriado a cabeça, não me era mais fácil pensar nele. Pelo contrário. As certezas que a raiva inventara na minha cabeça começaram lentamente a perder força ante a lógica dos factos e, no final, eu só conseguira ficar muito confusa. Eu não conseguia entender as intenções e atitudes de Leiftan. Ele dissera que me queria matar, mas guardara o meu segredo, ajudara-me a criar a minha Maana, treinara-me na magia e no combate… O que pretendera ele com tudo isso? Ele não teria de me treinar ou ajudar a criar Maana se me quisesse simplesmente matar para atrair Ashkore…

Sacudi levemente a cabeça para afastar aqueles pensamentos. Matutar naquele assunto não sanaria as minhas dúvidas; Leiftan era o único que podia fazê-lo. A única coisa em que podia e deveria pensar naquele momento era na construção do acordo entre faeries e titãs.

Revi mentalmente o que eu e Lithiel já tínhamos decidido antes de dar voz a uma outra preocupação minha:

— Nós temos uma maneira de aliciar os faeries a tirar os titãs dos cristais e uma maneira de os fazer entregar os Sacerdotes… mas como faremos para os convencer a venerar os titãs?

— Eles não terão outra opção se quiserem sobreviver — disse a doppelganger, encolhendo os ombros.

— Eu não acho que uma veneração contrariada resulte, Lithiel…

— Então, queres encontrar uma maneira de fazer os faeries voltar a lamber o chão que vocês pisam?

— Não é preciso chegar a tanto, mas os faeries terão de sentir um mínimo de… “afeto” pelos titãs se querem que a adoração resulte.

À medida que as palavras me saiam da boca, a minha mente era preenchida por novas questões relativamente a Leiftan. Se os seus beijos tinham estimulado a minha produção de Maana… isso deveria ser um sinal de que ele gostara de mim de alguma forma. Mas se assim fora, então… porquê?

— Nesse caso, porque é que os titãs não nos devolvem as habilidades que nos tiraram? — sugeriu Lithiel, arrancando-me dos meus pensamentos — Quero dizer, quando os faeries souberem a verdade sobre a guerra, também irão saber que os titãs lhes tiraram a capacidade de produzir Maana e o controlo sobre os quatro elementos. Não acho que os faeries irão gostar de ver os titãs regressar ao que eram antes quando eles permanecem na mesma situação…

Eu fiz uma pequena careta.

— Compreendo o que queres dizer, mas também não acho que os titãs aceitarão devolver-vos as duas habilidades. Isso daria aos faeries o poder para se revoltar contra os titãs novamente.

— E se fosse apenas uma das duas?

— Poderia resultar… mas qual delas?

— Pessoalmente, preferia o controlo sobre os quatro elementos. Dar-me-ia muito jeito saber misturar água e fogo.

— Certo, mas… se fizéssemos isso, em que situação ficariam os seres elementais? Eles existem para vedar o acesso dos faeries aos elementos, logo, para vos devolver os elementos… não teríamos de “tirar” os elementais do caminho?

— Talvez.

Eu esfreguei a testa com uma mão exasperada. Quantas mais mortes seriam necessárias para devolver a paz àquele mundo…?

— Acho que seria mais seguro devolver-vos só a capacidade de produzir Maana — ponderei.

— Achas? Se os faeries recuperaram a sua capacidade de produzir Maana, poderão sustentar Eldarya sozinhos e não precisarão mais dos titãs — disse Lithiel.

— E daí?

— Daí, se os faeries não precisam mais dos titãs, poderão virar-se contra eles e matá-los sem ter medo de destruir o mundo. Nem precisarão deles vivos para fazer novos cristais!

Voltei a esfregar a testa com uma mão, soltando um longo suspiro cansado. Porque é que era tudo tão complicado…?

Passaram-se alguns dias sem que eu e Lithiel encontrássemos uma solução para aquele problema. A doppelganger insistia em reaver o controlo dos quatro elementos, mas eu recusava-me a aceitar essa decisão se tal levasse à morte dos seres elementais. Lithiel tentava convencer-me argumentando que não havia maneira de saber o que aconteceria aos elementais até os elementos serem devolvidos aos faeries e que poderia até não lhes acontecer nada, mas eu não me contentaria com respostas incertas. E foi assim que decidi interrogar Rubih sobre o assunto. Lithiel não gostou nada da ideia, temia que a elemental desse com a língua nos dentes e contasse os nossos planos a Ashkore, mas eu estava confiante de que conseguiria interrogar Rubih sem levantar suspeitas.

Encontrei-me com a elemental no final de mais uma tarde de tentativas falhadas de desenhar um círculo. Ashkore recomendou-me um treino com os elementos para me distrair desse assunto e, nem de propósito, o fogo era justamente o elemento que eu tinha mais dificuldade em dominar. O meu irmão acendeu uma fogueira para mim antes de ir tratar de assuntos da colónia e eu chamei Rubih para supervisionar o meu treino solitário. Não foi difícil envolvê-la numa conversa inocente e casual.

— As combinações entre elementos são infinitas — dizia ela enquanto eu tentava segurar uma chama na ponta do meu dedo indicador — As mais básicas são as combinações duplas, só com dois elementos. Fogo e terra fazem lava. Fogo e ar fazem relâmpagos. Fogo e água fazem vapor. Água e ar dão gelo. Água e terra dão lama. Ar e terra provocam explosões.

— Explosões? — repeti, curiosa — Porquê? Como é que isso funciona?

— Eu não sou uma elemental do ar ou da terra, não vos consigo explicar exatamente como acontece, Ama, mas ouvi dizer que é a energia que resulta do choque entre os grãos de areia movidos pelo ar que provoca a explosão.

— Não bastaria dominar a terra para fazer isso?

— Não, Ama, só a fusão com o ar permite aos grãos de areia atingir a velocidade necessária à criação de energia…

— Velocidade? Espera aí… — pedi, distraindo-me do treino quando uma ideia me atravessou o espírito e deixando a chama no meu dedo fenecer — Estás a falar duma espécie de acelerador de partículas?

— O que é isso, Ama?

— É uma máquina do meu mundo que produz energia através da aceleração de partículas microscópicas… Bom, não interessa — decidi ao ver a expressão muito confusa de Rubih — A questão é que essa máquina é muitíssimo perigosa! Se vocês conseguem fazer o mesmo que ela com a junção de terra e ar…

— Ah, sim, a junção de terra e ar é uma das mais perigosas — concordou Rubih — Conseguireis matar uma pessoa com um mero estalar de dedos quando aprenderdes a dominá-la, Ama.

— Foi por isso os titãs retiraram aos faeries o controlo sobre os quatro elementos? — inquiri no tom mais inocentemente curioso que consegui.

— Sim, Ama. Eram vários os faeries que retinham nos seus corpos a Maana que produziram com a adoração dos seus pares, antes da guerra, e, por isso, manuseavam os elementos com a mesma mestria que os titãs. Nós, os seres elementais, fomos criados para reverter isso…

— Como é que vocês impedem os faeries de manusear os elementos, na prática?

— É difícil explicar, Ama… Nós limitamo-nos a… retirar o elemento do seu alcance. É como se o elemento fosse… uma fonte rodeada por guardas. Nós somos os guardas e a nossa função é impedir os faeries de chegar à fonte.

— Mas vocês poderiam ceder-lhes permissão para chegar à fonte? Tipo… vocês poderiam autorizar um faery a usar mais do que um elemento?

— Poderíamos, se os Amos assim desejassem.

— Vocês já fizeram isso antes?

— Não, Ama. Porque perguntais?

— Por nada, estava só a pensar… o que aconteceria se os titãs devolvessem aos faeries a capacidade de controlar os quatro elementos.

— Isso seria um desastre, Ama!

— Ah, sim? Porquê?

— Os faeries não merecem tamanho poder! Eles usá-lo-iam somente para magoar-vos e prender-vos novamente nos cristais!

— Ah… pois… talvez tenhas razão — concordei com um pequeno sorriso.

Rubih mantinha uma expressão ligeiramente inquieta no rosto, como se estivesse a tentar entender a minha intenção com aquela conversa, mas eu distrai-a pedindo conselhos para manusear melhor o fogo.

A noite caiu entretanto e os habitantes dos túneis reuniram-se para jantar. Ashkore convidou-me a tomar a refeição com ele na sua ala pessoal, mas eu preferi jantar na companhia de Lithiel. Assim, poderia aproveitar para lhe contar o que descobrira ao conversar com Rubih.

A doppelganger começou por ficar satisfeita ao saber que os elementais poderiam devolver o controlo dos elementos aos faeries sem sofrer danos, mas não gostou tanto da minha opinião sobre o assunto:

— A Rubih disse que os faeries iriam usar os seus “novos” poderes para atirar os titãs de volta para os cristais… e eu concordo. Não acho que restituir o controlo dos faeries sobre os elementos seja uma boa ideia.

— Nesse caso, como pretendes convencer os faeries a venerar os titãs? — perguntou num tom ligeiramente arreliado e impaciente.

Eu soltei um pequeno suspiro.

— Vamos dar-lhes controlo sobre um outro elemento além da afinidade. Sei que não será tão bom como controlar os quatro, mas continua a ser melhor do que controlar só um. Acho que seria um bom equilíbrio…

Lithiel não parecia muito convencida, mas acabou por concordar.

O esboço do acordo entre faeries e titãs ficou concluído, por fim. Só faltava decidir a quem o mostraríamos primeiro. Eu já sabia qual era a opinião de Ashkore e sabia que mostrar-lhe o esboço não mudaria nada. Por outro lado, sendo ele o líder das forças que apoiavam os titãs, o acordo não teria verdadeira autenticidade diante das Guardas se o meu irmão não o subscrevesse. Lithiel aconselhou-me a tomar as rédeas da situação e iniciar as negociações sem Ashkore, mas eu era peixe miúdo. Eu não tinha qualquer autoridade ali. Não podia fazer nada…

— Não tens autoridade agora — disse Lithiel —, mas isso irá mudar quando trouxeres nove novos titãs da Terra…

— Eu não pretendo trazer nove novos titãs da Terra, Lithiel.

— Não? De certeza? Facilitaria imenso a nossa missão!

— Eu não quero envolver mais pessoas inocentes nesta história.

— Hum… Tudo bem, mas, nesse caso, como pretendes mostrar às Guardas que o acordo tem algum valor?

Hesitei, trincando nervosamente o lábio.

— Não sei… — admiti — Não sei sequer como é que vamos fazer o acordo chegar às Guardas! Nós estamos as duas presas aqui dentro, não temos maneira de comunicar com o exterior e o Ashkore desconfiaria se…

— Nós vamos sair em breve, não vamos? — cortou-me a doppelganger com um meio sorriso.

— Ai, vamos?

— Sim! Não vamos sair para ir à Terra?

— Nós vamos abrir o portal dentro dos túneis, Lithiel. Não vamos sair para lado nenhum.

— Não estás a entender onde quero chegar — constatou ela, arreliada.

— Não. Explica-te.

Lithiel revirou levemente os olhos e chegou-se à frente para murmurar:

— É simples, Eduarda… Nós vamos abrir o portal aqui nos túneis para ir à Terra… e na Terra poderemos abrir outro portal para ir para qualquer outro sítio de Eldarya!

— Isso… é possível? — perguntei, duvidosa.

— Claro que é! Será como uma bifurcação num túnel! Rápido e fácil, sem espinhas!

— Tens a certeza?

— Absoluta.

— E se o Ashkore descobrir?

— Como irá ele descobrir? Ele não irá connosco para a Terra, pois não?

— Não…

— A única maneira de ele descobrir seria cruzando-se connosco quando estivermos de volta a Eldarya, mas ele não tem razões para sair dos túneis tão depressa, pois não? Mesmo que tivesse, qual seria a probabilidade de ele viajar exatamente para o mesmo sítio onde o nosso portal irá parar?

— E onde irá o nosso portal parar?

— Não sei, algures perto de Eel. O Nevra poderá ajudar-nos a fazer chegar o nosso acordo à Miiko e ela, aos restantes Sacerdotes. Simples.

Dito daquela maneira, parecia simples… mas eu já sabia que as coisas não aconteceriam exatamente como nós gostaríamos.

O sucesso da nossa missão clandestina estava também, portanto, dependente da minha habilidade para abrir portais. Durante os dias seguintes, concentrei todo o meu tempo, esforço e atenção em desenhar um círculo perfeito. Acordava cedo, parava só para comer e, ao deitar, sentia-me tão frustrada com a minha ausência de progresso que não conseguia dormir. Cansada de ficar às voltas na cama, levantava-me e começava a desenhar tentativas de círculos nas paredes do meu quarto. Quando já não tinha espaço para mais, recorria aos meus poderes sobre a terra para substituir as partículas sujas que constituíam a pedra por partículas limpas e recomeçava tudo de novo.

Talvez tenha sido essa alternância constante entre magia dos elementos e tentativas de desenhar círculos que finalmente me fez entender o que Ashkore queria dizer sobre “deixar a magia guiar a sua mão”. Eu sentia… a magia fluir dentro de mim… e, por alguma razão, parecia mover-se em círculos.

Ashkore estava presente quando consegui desenhar o meu primeiro círculo perfeito. Veio felicitar-me com elogios e um longo abraço e eu desabei sobre o seu peito ao ser percorrida pelo alívio e soterrada pelas noites mal dormidas. Evitando um risinho divertido, Ashkore carregou-me de volta ao meu quarto. Deixou-me na cama e foi buscar comida, mas eu adormeci muito antes de ele regressar.

Concluída a minha luta para desenhar círculos à mão, pude finalmente avançar na aprendizagem para abrir portais e, como o meu irmão dissera, o pior ainda estava por vir. O círculo, afinal de contas, não era um círculo. Era um desenho intrincado com outros círculos, formas geométricas e símbolos estranhos no interior do círculo maior. Um desenho que eu jamais conseguiria reproduzir sem as indicações de Ashkore. Consciente disso, o titã ensinou-me a desenhar o círculo que abriria um portal de duas vias. Era mais complicado do que um portal de sentido único, mas facilitaria imenso o meu regresso. Um novo círculo seria automaticamente desenhado na saída do portal e eu só precisaria de recitar um encantamento para reverter a direção da viagem. Por outro lado… isso diminuía ainda mais as minhas chances de conseguir abrir um outro portal que me levasse a mim e a Lithiel da Terra até Eel.

Céus, eu precisaria de umas longas férias quando tudo aquilo terminasse…


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 20/8/18?]

Eu estou no momento a terminar um trabalho para a faculdade, então não sei se conseguirei ter o capítulo pronto até à data indicada, mas... veremos.



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