Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 52
L


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/742158/chapter/52

Um dos curandeiros que tratara de Lee veio relembrar-me de que a ninfa precisava de descansar para se curar devidamente, mas eu não consegui ir-me embora sem fazer uma última pergunta:

— Como é que o Ashkore soube logo que tu eras uma ninfa? Há algo que te separa dos restantes faeries?

— Há uma ou duas coisas, sim…

— Como é que os faeries nunca se aperceberam dessas coisas? O Ezarel é um elfo, ele deveria saber que eras diferente dele, não?

— As nossas diferenças são mínimas e passam facilmente despercebidas — disse Lee — A única diferença física entre mim e um elfo está na minha pupila.

— Na… pupila? — estranhei, mirando os olhos de Lee. Pareciam-me normais…

— Tens de ver mais de perto — disse a ninfa, fazendo-me um gesto para me aproximar.

Hesitante, levantei-me da cadeira em que estava sentada e debrucei-me sobre Lee para inspecionar o seu olho. Mesmo assim, não vi nada fora do normal.

— Era suposto ver o quê? — perguntei, confusa.

— Uma estrela! A minha pupila tem uma estrela!

— A tua pupila está do tamanho da cabeça de um alfinete! Como queres que veja uma estrela numa coisa tão pequenina?! — inquiri, endireitando-me com as mãos na cintura.

— É exatamente essa a questão — disse Lee, rindo — É quase impossível veres a estrela, logo, é quase impossível saberes se sou um elfo ou uma ninfa!

— Como é que o Ashkore soube, então?

— Os titãs têm a capacidade de ler a assinatura mágica de outros seres, sejam faeries ou não. Imagino que tenha sido assim que ele me reconheceu…

— Assinatura mágica? O que é isso?

Lee fez um ar pensativo.

— É difícil explicar, mas… é tipo um código de barras que distingue raça de raça. Os titãs conseguem ler esse código e saber automaticamente que tipo de criatura é aquela que está a sua frente.

— Eu não consigo fazer isso.

— Há muitas coisas sobre os titãs, sobre ti mesma, que ainda não sabes, Eduarda — lembrou-me a ninfa com um pequeno sorriso enigmático — Vais aprender com o tempo…

— Não seria mais fácil simplesmente dizeres-me o que não sei?

— Posso dizer-te, mas não posso ensinar-te a usar os teus poderes. Terás de fazer isso sozinha ou, no máximo, com a ajuda de outro titã.

— Estou a ver…

Lee soltou um pequeno suspiro cansado e fechou os olhos por breves instantes.

— Eu disse que iria responder às tuas perguntas, mas estou cansado e cheio de dores… Podemos continuar esta conversa noutra altura?

— Claro — cedi de imediato — Eu volto mais tarde, então…

— Até logo…

Virei-me na direção da saída e estava quase a atravessá-la quando a voz de Lee me voltou a chamar.

— Podes… manter segredo sobre a minha identidade? — pediu ela — Eu não quero que os outros saibam que sou uma ninfa ou sequer uma rapariga. Vamos fingir que continuo a ser um elfo homem… okay?

— Yah, claro, mas… achas que vamos conseguir esconder isso da Lithiel?

Lee fez um ar intrigado.

— A Lithiel já sabe que sou uma rapariga.

— Sabe? — admirei-me — Desde quando?!

— Desde que me seguiu até à casa de banho para ver se eu fazia xixi de pé!

Eu limitei-me a olhar para Lee enquanto tentava perceber se ela estava a brincar ou a dizer a verdade. Avaliando pela seriedade do seu semblante…

— Estás… a falar a sério?

Lee anuiu.

— Quando foi isso?

— Pouco antes de iniciarmos a viagem para caçar o titã. Eduarda… A Lithiel sabe, mas concordou em guardar segredo e eu gostaria que fizesses o mesmo.

— O-okay — cedi, abananada — Eu não conto a ninguém…

— Obrigado…

Saí da enfermaria com a cabeça às voltas e muito indecisa sobre o que faria primeiro: conversar com Ashkore para tentar encontrar uma solução para o problema com os faeries ou conversar com Lithiel para lhe perguntar porque raio não me contou o segredo de Lee assim que o descobriu. Nós não tínhamos um acordo?

Eu não sabia para onde é que Mokuba levara Lithiel e não consegui encontrar o centauro em lado nenhum no caminho até ao salão principal, por isso optei por começar com Ashkore. O titã ainda estava no seu trono, imóvel e silencioso, mas irradiando ameaça. Eu aproximei-me cautelosamente e parei diante dos degraus do estrado.

— Como está a ninfa? — perguntou ele.

— Vai ficar bem.

— Ah, sim? Que pena…

— Não sejas assim — pedi-lhe — A Lee não tem culpa de nada.

— Não confio nela.

— Isso continua a não ser desculpa para fazeres o que fizeste.

Ashkore mexeu-se ligeiramente no assento, colocando-se numa posição mais confortável.

— O que querias falar comigo? — perguntou, dando a conversa anterior por encerrada.

Eu soltei um pequeno suspiro.

— Não vamos falar disso aqui. Vamos para o teu escritório.

Ashkore levantou-se depois de uma breve hesitação e percorremos o caminho até ao seu escritório em silêncio. Rubih e outras três elementais da água, ar e terra estavam lá, esvoaçando de um lado para o outro, mas Ashkore mandou-as embora antes de se acomodar, meio deitado, na chaise longue no canto da divisão. Fez-me sinal para sentar ao seu lado e eu cedi. Ele afastou-me ternamente o cabelo do rosto, prendendo-o atrás da minha orelha, antes de murmurar:

— Estás tensa… Assustei-te assim tanto?

— Hum?

— Quando ataquei a ninfa… ficaste com medo de mim?

— Um bocadinho… — admiti.

— Não precisas. Jamais te magoaria intencionalmente.

— Fiquei com mais medo por ela do que por mim. E é justamente sobre isso que quero falar contigo…

— Diz — incentivou-me o titã quando eu hesitei. Soltei um pequeno suspiro trémulo.

— Eu estive a pensar… sobre os teus planos…

— Sim?

— N-não seria mais fácil libertares os teus irmãos se… encontrasses um acordo com os faeries?

— Os faeries não aceitariam fazer um acordo — defendeu Ashkore de imediato.

— Como sabes? Já tentaste?

— Não.

— Então…

— Eu não vou perdoar o que os faeries nos fizeram, Eduarda — cortou-me Ashkore — Eles prenderam-me a mim e aos nossos irmãos durante milhares de anos, escravizando-nos, extorquindo-nos… e alguém vai ter de pagar por isso.

— Estou a ver que os faeries não são os únicos a recusar um acordo — constatei num tom ligeiramente ácido — Nunca te ocorreu que os faeries que realmente te fizeram mal já nem sequer estão aqui para serem punidos pelos seus crimes? As novas gerações não têm culpa do que eles fizeram…

— Têm, sim. Eles têm uma parcela de culpa por sustentar esta mentira. Por nos manterem presos. Por nos caçarem quando nos conseguimos libertar!

— Os faeries que conhecem e escondem a verdade são uma minoria! — defendi — Os restantes são apenas vítimas das suas mentiras! Também esses irão pagar pelos que os seus antepassados fizeram?

— Depende. Eu não pretendo magoar aqueles que nos aceitarem novamente como seus senhores e nos venerarem como é devido. Mas se eles se unirem aos seus Sacerdotes para nos destruir… não terei misericórdia.

— Os faeries não poderão aceitar-vos como seus senhores se não souberem a verdade — fi-lo ver — Se decidires avançar para uma guerra, milhares de faeries inocentes irão morrer simplesmente porque nunca souberam que estar do vosso lado era uma opção… Isso não é justo, Ash.

Ashkore soltou um pequeno suspiro.

— O que sugeres que faça? — perguntou num tom baixo e brando.

Eu endireitei os ombros, sentindo uma chama de esperança aquecer-me o peito.

— Eu acho que realmente devíamos tentar fazer um acordo com os faeries. Será difícil, claro, mas nós temos um aliado valioso no quartel-general de Eel. Eu cruzei-me com o Mestre da Sombra quando fui buscar o Lee e a Lithiel e ele disse-me que está do nosso lado e está disposto a ajudar com as negociações!

— Acreditaste nisso? — admirou-se Ashkore, duvidoso.

— A Lithiel estava comigo e ela garantiu que ele estava a dizer a verdade.

— Não é sensato acreditares no que uma doppelganger diz, Eduarda… Tanto quanto sabemos, ela e o Mestre da Sombra podem estar unidos num conluio contra nós. Ela pode estar apenas à espera de uma oportunidade para revelar ao Mestre da Sombra a nossa localização… e o que achas que acontecerá se ele partilhar essa informação com a sua Sacerdotisa, Eduarda?

— A Lithiel não vai fazer isso — defendi.

— Pois não, porque eu não lhe darei a oportunidade.

Eu semicerrei desconfiadamente os olhos. Algo no tom de voz dele não me estava a agradar…

— O que é que lhe fizeste? — perguntei num murmúrio.

— Nada que ameace a sua integridade física, não te preocupes.

— Ash…

— Não, Eduarda — interrompeu-me o titã, endireitando-se e aproximando o rosto mascarado do meu — As coisas não são tão simples quando julgas. Imaginemos que realmente tentava fazer um acordo com as Guardas. Como lhes faria chegar a minha mensagem? Enviando alguém que acabaria preso, torturado e interrogado assim que referisse o meu nome? Enviando uma carta que os Sacerdotes queimariam e fingiriam que nunca existiu? Imaginemos que tentava contar a verdade a toda a gente. Quanto tempo achas que os nossos defensores demorariam a ser silenciados? Quantas pessoas achas que eles conseguiriam convencer antes de serem enforcados em praça pública? Mesmo assumindo que o Mestre da Sombra de Eel é realmente nosso aliado, a posição dele não é tão importante que não possa ser descartado pelos Sacerdotes. Ele não duraria nem dois dias depois de se assumir como nosso defensor!

— Matá-lo não iria somente mostrar que o que ele dizia era verdade? Não o tornaria um mártir?

Ashkore soltou uma gargalhada perigosa.

— Não subestimes a habilidade dos Sacerdotes de distorcer a verdade ou manipular o entendimento dos faeries… Não te esqueças que eles esconderam de forma bastante hábil milhares de anos da sua própria história!

Eu baixei o rosto para as mãos poisadas no meu próprio colo, tendo de admitir a veracidade do que ele dizia. Como é que iria resolver aquela questão…?

— Além disso — acrescentou subitamente Ashkore —, mesmo que o sacrifício do Mestre da Sombra nos fosse vantajoso, não creio que o permitirias… pois não?

— Como assim?

— Eu segui-vos durante a vossa viagem — lembrou-me ele — Sei muito bem quão… próximos sois…

— Nós não somos próximos — neguei num tom que nem aos meus próprios ouvidos foi convincente.

Ashkore levou novamente a mão ao meu cabelo, acariciando-o lentamente.

— Não precisas de me mentir, Eduarda. Eu compreendo. Estavas sozinha e assustada e ele fez-te sentir segura ao acolher-te na sua Guarda e proteger-te durante a viagem. É normal — a mão enluvada do titã deslizou do meu cabelo para o meu pescoço e desceu-me pelas costas enquanto também a sua voz baixava de tom — Só tenho pena de não ter sido eu a estar lá para ti…

Eu lancei-lhe um olhar surpreendido.

— O-o que queres dizer?

— Preferia que te tivesses apaixonado por mim — confessou o meu irmão — Tornaria tudo tão mais fácil…

Eu arregalei tanto os olhos que temi que me fossem cair da cara. Ashkore soltou um risinho ao ver o meu ar estarrecido e aproximou-se ainda mais, segurando o meu queixo entre o indicador e o polegar.

— Ainda não é tarde demais — sussurrou a centímetros dos meus lábios — Eu ainda tenho esperança de que irás entender que uma relação entre uma titânide e um faery não é viável e reconheças que a melhor opção é procurar um parceiro entre os teus pares. Além de mim, só estão vivos o Cael e o Leccan… bem, e os novos titãs na Terra… mas eu certificar-me-ei de que conquistarei o teu coração antes de conheceres qualquer um deles. 

— E-e-endoideceste? — murmurei com os lábios a tremer.

Ashkore riu-se de novo e abraçou a minha cintura com a mão que não estava no meu queixo, tocando-me por baixo da roupa e fazendo-me estremecer com a intensidade do seu calor. Eu virei o rosto para o lado, tentando esconder o meu rubor, e o titã aproveitou a oportunidade para mergulhar o rosto no meu pescoço. A sua máscara era fria e dura, mas a diferença de temperatura foi-me muito bem-vinda. Deu-me algum alívio no meio do fervor da sua Maana a misturar-se com a minha.

— Vais dizer que não queres? — murmurou o titã junto do meu ouvido —Não queres saber quão forte pode ficar este ardor? Não queres saber como é estar completamente unida a mim? Através dos nossos corpos, das nossas mentes e da nossa magia?

— A-Ash… I-isso soa muito estranho…

— Mas sabe tão bem…

— E-eu não tenho assim tanta certeza… — murmurei, poisando as mãos no seu peito e tentando empurra-lo. Ashkore resistiu no início, mas, como eu não desisti de afastá-lo, acabou por recuar.

— O que te impede? — perguntou ele, num tom inconformado.

— O que me impede? Nós somos irmãos!

— Eu e a Ihlini já te explicamos que isso não tem qualquer importância no nosso caso.

— Para mim, tem importância! — redargui, levantando-me e começando a andar nervosamente de um lado para o outro — E não é só isso… Eu mal te conheço!

— Temos a eternidade para corrigir isso…

— Mesmo assim! Achas que só preciso de conhecer-te melhor para me apaixonar por ti? Não é bem assim que essas coisas funcionam, Ashkore!

— O que preciso fazer para que te apaixones por mim, então?

— E-eu n-não sei! — gaguejei, apanhada desprevenida pela pergunta — Amar alguém não é uma receita mágica, não basta juntares este e este ingredientes para teres o resultado que queres! É muito mais complicado do que isso!

Ashkore inclinou a cabeça ligeiramente para o lado.

— É complicado porque o vampiro está entre nós — ponderou — Parece que terei de o tirar do meu caminho primeiro…

— O-o que queres dizer com isso? — perguntei, alarmada.

O titã soltou um risinho baixo.

— Estou só a falar de tirá-lo do teu coração, irmãzinha. Não sou burro ao ponto de tentar magoar o teu namorado. Quero que me ames, não que me odeies.

— O Nevra não é meu namorado.

— Talvez não o seja realmente, mas os sentimentos que nutres por ele são fortes o suficiente para o entenderes como tal.

— Isso não é verda…

Ashkore levantou-se com um pulo e dirigiu-se a mim com passadas largas. Eu recuei alguns passos trémulos, mas ele agarrou-me pelos ombros e esmagou a boca na minha. A sua máscara estava entre nós, impedindo os nossos lábios de se tocar, mas isso não retirava nada ao significado daquele gesto.

Eu não consegui fazer mais do que fixá-lo de olhos arregalados.

— Não me mintas, irmãzinha — murmurou com uma voz estranha, sedutora e perigosa ao mesmo tempo — Nunca…

Eu estava a tremer como varas verdes quando Ashkore me soltou. Eu já conhecia o seu lado sádico e controlador, mas nunca antes fora vítima dele. Era… aterrador… e ele nem sequer me mostrara a sua pior faceta!

— Imagino que precises de tempo para organizar as ideias depois da minha declaração, por isso, vamos mudar de assunto — pediu o titã, regressando à sua chaise longue — Eu gostaria de trocar algumas impressões contigo sobre o que a ninfa disse.

— Ah… ah, sim? — balbuciei enquanto me esforçava para seguir a sua linha de raciocínio. Pensaria na “declaração” de Ashkore mais tarde, quando tivesse espaço e tempo para respirar! O que raio teria ele na cabeça?!

— Sim… Eu fiquei mesmo muito intrigado com o que ela disse sobre haver outros nove titãs na Terra…

— Porquê?

Ashkore inclinou a cabeça ligeiramente para o lado.

— Bem, como sabes, nós estamos a sofrer com uma grave desvantagem numérica. Mesmo com a nossa força e poder, seria arriscado enfrentar uma cidade inteira. Nove titãs a mais poderiam fazer toda a diferença…

— Espera aí… Tu queres ir buscar os outros titãs? — arrisquei.

— Porque não?

— Eu… eu não tenho a certeza de que isso seja uma boa ideia.

— Porque não?

— Eu conversei com a Lee na enfermaria e ela disse-me que os outros titãs estão exatamente na mesma situação que eu estava antes de vir para aqui. Eles não fazem a mais pálida do que são ou do que podem fazer… Mesmo que soubessem, há também a questão de Úrano e Gaia! Eles até podem permitir-te entrar na Terra, mas duvido de que te deixem trazer os titãs todos para aqui!

— Eu sei que os nossos Pais me irão vaporizar assim que pisar na Terra… é por isso que terás de ser tu a ir lá buscar os nossos irmãos.

— Eu?! — admirei-me, apontando para o meu próprio peito.

— Claro. Quem mais poderia fazê-lo?

— Mas… eu… eu nem sequer sei onde começar a procurar! A Terra é enorme e extremamente povoada! Como é que vou encontrar nove titãs disfarçados de humanos entre sei lá quantos biliões de pessoas?!

— Tu és uma titânide, Eduarda — lembrou-me Ashkore — Usa mais do que os olhos para procurar.

— M-mesmo assim…!

— Não queres pelo menos tentar? — insistiu ele — Não te custa nada, pois não? Vais, procuras e, se não encontrares nada, voltas.

— E tem mais essa! — notei, apontando para Ashkore — Como é que conseguirei voltar? Eu nem sei como entrei em Eldarya da primeira vez!

— Eu ensino-te a abrir os portais.

— A-a sério? — admirei-me — Farias isso?

— Sim — confirmou Ashkore, encolhendo os ombros — Se vais à Terra, precisas de saber abrir portais.

— Mas… não é difícil abrir um portal?

— É, sim, mas tenho a certeza de que consegues. É só uma questão de concentração e muito prática.

— Eu gostaria de aprender a abrir um portal, claro, mas… eu não sei mesmo se o teu plano vai resultar, Ash. Como irei convencer nove pessoas a seguir-me para um mundo paralelo através de um portal místico? Ninguém acredita nesse tipo de coisa na Terra. Eles vão pensar que eu estou louca e chamar alguém para me internar!

— Como podes ter tanta certeza? Talvez eles acreditem…

— Eu nasci e cresci na Terra do século XXI, Ash — lembrei-o num tom ligeiramente aborrecido — Sei perfeitamente no que é que as pessoas acreditam ou não. Fadas e elfos que vivem num mundo paralelo que em tempos foi governado por titãs não é o tipo de coisa em que alguém vá acreditar. Talvez nem mesmo as criancinhas!

— Prova-lhes, então! Mostra-lhes que és uma titânide. Achas que nem assim irão acreditar?

— Não sei… Provavelmente vão desmaiar com o susto e acordar convencidos de que foi uma alucinação. Ou vão fugir e chamar a polícia, que vai chamar o exército, que vai capturar-me e enviar-me para um laboratório secreto algures nos Estados Unidos… Eu sempre quis visitar a Área 51, mas não assim!

— Do que é que estás para aí a falar?

Eu fiz um gesto com a mão para afastar a sua pergunta.

— O que quero dizer é que não é boa ideia transformar-me num gigante brilhante de cinco metros de altura onde os humanos me possam ver — expliquei.

— Os humanos não são um problema, Eduarda. És uma titânide, consegues liquidá-los a todos com um estalar de dedos.

— Ah, claro, vou mesmo cometer o mesmo erro que a vossa geração cometeu e irritar os nossos Pais matando uma data de humanos — disse num tom mordaz — Ótima ideia…

— Eduarda? — chamou Ashkore num tom brando, quase pacificador.

— O que foi?

— Eu imagino que ir à Terra procurar titãs disfarçados de humanos não seja fácil e que tenhas algumas reticências, mas tu estás a desenhar cenários extremos e altamente improváveis como desculpa para não ir. Vais-me dizer que não há nenhum sítio na Terra onde te possas transformar sem que outros humanos te vejam? Porque é que estás a complicar tanto esta questão, Eduarda? Há algo mais a incomodar-te, não há?

Trinquei nervosamente o lábio, hesitando na resposta. Ashkore não gostaria de me ouvir dizer que tinha medo do que ele faria com mais nove titãs do seu lado…

— Eduarda? — insistiu ele — O que te incomoda?

Eu soltei um pequeno suspiro antes de murmurar:

— Eu preferia não ir à Terra até resolver os meus assuntos pendentes aqui.

— Porquê?

— Porque… tenho medo…

— Medo do quê?

Soltei mais um suspiro, esfregando a têmpora com a ponta dos dedos.

— Tenho medo de não conseguir ou não querer voltar a Eldarya uma vez que esteja na Terra. Tenho medo de desiludir-me com a vida que tenho lá, tenho medo das minhas responsabilidades, tenho medo de reencontrar os meus pais, mas também tenho medo de os deixar sem saber nada de mim e nunca mais os ver… Tenho medo de encontrar Úrano e Gaia, tenho medo de encontrar as ninfas e tenho medo de descobrir quem são os outros titãs, supostamente meus irmãos! Tenho medo de tudo, Ash! Tenho medo de tudo…

A minha intenção fora dar uma desculpa esfarrapada que convencesse e despistasse o titã, mas há medida que as palavras me saiam da boca, fui-me dando conta de que… nenhuma delas era mentira. Eu tinha medo, sim. Tinha um medo enorme de nunca chegar a descobrir onde era o meu lugar. Eu queria ir para a Terra, mas não queria deixar Eldarya. Eu queria viver nos dois mundos, queria viver duas vidas diferentes, embora soubesse que não era possível. E isso enchia-me de medo de não conseguir viver nenhuma delas…

Ashkore levantou-se da sua chaise longue e veio até mim, abraçando-me com força contra o seu corpo. Eu retesei-me por alguns instantes, recordando a sua “declaração” assustadora, mas não me consegui impedir de relaxar ao sentir o seu calor suave e familiar. Devolvi-lhe o aperto, escondendo o rosto no seu peito.

— Não há nada a recear, irmãzinha — murmurou, acariciando o meu cabelo — Eu imagino que seja difícil conciliar as duas vidas que tens, tão diferentes que são, mas não te podes esquecer que és uma titânide com o poder para fazer… tudo o que quiseres! E se mesmo assim te sentires perdida… lembra-te que estarei sempre ao teu lado e ficarei mais do que feliz por te dar um novo propósito.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

[Próximo: 6/8/18]



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Titanomaquia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.