Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 33
XXXII. Posso beijar-te?


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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Leiftan manteve as nossas mãos unidas durante o restante percurso, porém, quando nos aproximámos da estalagem, apressou-se a soltar-me e a esconder a mão no bolso das calças. A brusquidão do seu gesto confundiu-me… até reparar em Nevra, parado à porta da estalagem com os braços firmemente cruzados e uma carranca muito desprazida. O seu único olho dardejou na nossa direção e eu senti um arrepio subir-me pela espinha. Estávamos metidos em sarilhos…

— Onde é que vocês foram? — perguntou-nos o vampiro assim que ficámos ao alcance da sua voz.

— Fomos dar um passeio — respondeu Leiftan, sereno — Porquê?

— Porquê? — repetiu o Mestre da Sombra, descruzando os braços e endireitando-se com ar ameaçador — Nós temos um titã no nosso encalço, estamos cercados pelos seus seguidores e tu decides levar o nosso único trunfo para fora do nosso perímetro seguro?! Qual foi a tua ideia?!

— Eu sou perfeitamente capaz de proteger a Eduarda…

— De um titã?! Ferido como estás?!

— Isso não me…

— O que teria acontecido se o titã tivesse aparecido, Leiftan? — cortou Nevra — O que seria de nós agora se o titã tivesse aparecido durante o vosso pequeno passeio e tivesse levado a Eduarda com ele?

— Eu já lutei contra o titã antes — relembrou o investigador — Conheço as suas capacidades e sei que consigo derrotá-lo. A Eduarda estará segura enquanto estiver comigo.

— Acreditas mesmo nisso?

Leiftan abriu um pequeno sorriso.

— Não precisas de te inquietar, Nevra. O titã não apareceu e nós estamos sãos e salvos. Está tudo bem.

— Não, não está nada bem — rosnou o vampiro por entre as presas afiadas — Vamos esclarecer as coisas em relação à Eduarda, Leiftan… Ela é minha subordinada, minha protegida e a carga preciosa duma missão que eu lidero. Zelar pela sua segurança e bem-estar é minha responsabilidade desde que a Eduarda entrou na Sombra e tornou-se prioritária no momento em que ela se revelou essencial para o sucesso da nossa missão. A Eduarda deve permanecer dentro dos limites da minha perceção, onde posso garantir que está segura, e se algum membro do grupo cooperar com a transgressão dessa regra… incluindo a própria Eduarda… — acrescentou, dirigindo-me um olhar fulminante — será punido por insolência e tentativa de sabotagem. Fiz-me entender?

— Perfeitamente, Mestre Nevra — disse Leiftan, inclinando a cabeça numa pequena vénia.

O vampiro não pareceu convencido com a rápida anuência do investigador, mas optou por não insistir no assunto. Desviou o olho prateado na minha direção e soltou um pequeno suspiro antes de continuar:

— Ótimo. Agora, entrem! A estalajadeira ofereceu-nos um banho e está à vossa espera na sala ao fundo do salão. Não a façam perder o seu tempo. Entrem!

Leiftan assentiu, curvando-se para uma nova vénia, e contornou o vampiro para entrar na estalagem. Eu segui-o com passos apressados.

— Leiftan? — chamei enquanto percorríamos o corredor dos quartos.

— Sim? — inquiriu sem parar de andar.

— Lembrei-me de uma coisa durante o sermão do Nevra…

— O quê?

— O plano para caçar o titã era usar-me como isca para uma emboscada, certo?

— Certo…

— Mas… ele já veio à minha procu…

Leiftan virou-se e cobriu rapidamente a minha boca com uma mão, silenciando-me. Eu dei um pequeno pulo, sobressaltada.

— Não fales nisso aqui. Não é seguro — avisou o investigador num murmúrio.

— Nós perdemos uma ótima oportunidade de o apanhar! — insisti, baixando o tom de voz e afastando a sua mão — Não sabemos se teremos uma outra!

— Teremos, não te preocupes…

— Como sabes?! Ele parece conhecer os nossos planos, quero dizer, ele sabia sobre a Lithiel…!

— Eduarda, calma — pediu Leiftan, segurando o meu rosto entre as mãos e acariciando uma das minhas bochechas com o polegar — Nada está perdido… O titã ainda está atrás de nós, lembras-te? Ele disse que continuaria a seguir-nos e prometeu voltar por ti… É só disso que precisamos. Nada está perdido.

— De certeza? — perguntei, duvidosa.

O investigador abriu um pequeno sorriso.

— De certeza. Eu tenho um plano, não te preocupes…

As suas palavras não me tranquilizaram particularmente, mas as carícias no meu rosto ajudavam-me a esvaziar a mente. O toque carinhoso, aliado à troca de calor que se iniciava sempre que nos tocávamos, fez com que a tensão deslizasse para fora do corpo, deixando-me relaxada e um pouco sonolenta. Fechei os olhos, aproveitando a sensação… mas arregalei-os quando ouvi o investigador sussurrar:

— Posso beijar-te?

— O-o quê? — gaguejei, recuando rapidamente — P-porquê…?

Leiftan abriu um pequeno sorriso.

— Gostaria de receber um beijo de boa noite, mas parece que ainda não estás confortável o suficiente. Fica para outra altura — recuou um passo, soltando-me — Porque não aceitas a oferta da estalajadeira e tomas um banho? Ajudar-te-ia a relaxar depois de… tudo o que aconteceu.

— Talvez…

— Vai lá — incentivou o investigador, sorrindo — Ela deve estar na casa dos banhos. É a porta do lado direito ao fundo do salão.

— Okay… Obrigada.

— De nada. Boa noite…

— Boa noite.

Leiftan dirigiu-me um último sorriso e entrou no seu quarto. Eu encaminhei-me para o meu com um pequeno suspiro fatigado. Ele tinha razão. Um banho far-me-ia bem.

Karenn e Lithiel estavam sentadas na borda duma das três camas enquanto a vampira escovava o cabelo húmido da minha dupla e ambas viraram a cabeça na minha direção quando entrei.

— Eduarda! — chilreou Karenn — Onde foste? O Nevra ficou possesso quando descobriu que não estavas no quarto…

— Fui só fazer uma caminhada.

— Uma caminhada? Não caminhaste o suficiente na viagem até aqui? — inquiriu Lithiel, erguendo uma sobrancelha igual à minha — Não foi por isso que quase desmaiaste?

— Sim, mas o Ezarel deu-me uma pomada para as dores e estou melhor agora.

— Isso não explica a tua vontade súbita de caminhar — insistiu a rapariga.

— O Leiftan convidou-me e eu aceitei — respondi sem me alongar. Sabia perfeitamente qual era o propósito daquelas perguntas… mas não pretendia facilitar-lhe a tarefa.

— Ele convidou-te? — admirou-se Lithiel — Porquê?

— Lamento informar-te, mas não tens nada a ver com isso — retorqui, tirando uma camisa de dormir da minha mochila — Tenho um banho quente à minha espera e quero muito usufruir dele, por isso, vamos deixar o teu interesse na minha vida privada para mais tarde, pode ser?

Lithiel lançou-me um olhar sinistro por entre as pestanas, assumindo uma expressão que nem eu sabia que os meus traços conseguiam compor. Era assustador, mas não me permiti sentir amedrontada. Virei costas e saí do quarto antes que a doppelganger pudesse dizer mais alguma coisa.

A porta que Leiftan me indicara estava fechada e não tinha qualquer tipo de identificação. Não sabia o que iria encontrar do outro lado, por isso escolhi a opção mais segura: bati e esperei uma reação. Dois segundos depois, uma jovem rapariga com barbatanas nas orelhas abriu a porta com um sorriso rasgado… o qual minguou no instante em que me viu.

— Quem é, quem é? — ouvi algumas vozes ansiosas perguntar atrás dela.

— É a irmã gémea da faeliena — anunciou a rapariga com certa aspereza, afastando-se para me deixar passar.

Eu entrei com passos hesitantes. A divisão não era muito grande, mas estava cheia de raparigas atarefadas. Ora cuidavam da lareira onde aqueciam um caldeirão de água, ora dobravam e arrumavam toalhas brancas, ora limpavam o chão molhado em redor de uma grande tina de madeira. A maioria parou os seus afazeres para olhar para mim, mas retomaram-nos logo de seguida com suspiros desiludidos.

— Estava à espera que fosse o daemon… — queixou-se uma aos sussurros.

— Ou o elfo de cabelos azuis… — acrescentou outra.

— Qual deles? O de cabelo comprido ou o de cabelo curto? — inquiriu uma terceira.

— O de cabelo curto. O de cabelo comprido já veio tomar banho e mandou-nos embora ao pontapé…

— Já chega! — exclamou uma voz pujante, colocando termo aos murmúrios — Preparem o banho da senhorita! Não a façam perder o seu tempo!

Olhei na direção da voz e vi uma mulher baixa e anafada aproximar-se de mim com passos pesados. Não tinha uma expressão amigável, mas ensaiou um pequeno sorriso quando me estendeu a mão de dedos curtos e roliços.

— Seja bem-vinda, senhorita. O meu nome é Yogun. Sou a proprietária deste lugar.

— Ah… Prazer, sou a Eduarda — apresentei-me, apertando a mão da mulher.

— O prazer é todo meu — disse a estalajadeira antes de se virar para o grupo de raparigas — Mexam-se, gaiatas, a senhorita está à espera! A tina está vazia porquê? Tirem a água do fogo, vocês vão lavar ou cozer a senhorita?! E os sais de banho?! Onde estão os sais de banho?! Tragam-nos aqui para a senhorita escolher!

Eu recuei um passo cauteloso enquanto as raparigas corriam dum lado para o outro para cumprir as ordens da patroa. Uma aproximou-se com uma caixa de madeira cheia de frascos e a estalajadeira convidou-me a abri-los e cheirar o seu conteúdo para escolher o meu favorito. Enquanto isso, as restantes raparigas enchiam a tina de água quente.

— Já escolheu, senhorita? — perguntou a estalajadeira quando a atividade na divisão abrandou.

— Sim, gostei deste…

— Tu, mete os sais na água — ordenou, apontando para a rapariga que segurava a caixa. O dedo roliço deslizou pelas restantes raparigas até poisar noutras duas — Vocês, ajudem a senhorita a despir-se.

— O quê? — perguntei, admirada — Ajudar-me a despir?

— É para isso que elas estão aqui, senhorita — explicou a estalajadeira — Para servi-la durante o seu banho.

— Eu não preciso que elas me sirvam…

— Tem a certeza? Elas fazem tudo: esfregam a pele, massajam os ombros, escovam o cabelo…

— Agradeço imenso a oferta, mas prefiro tomar o meu banho sozinha…

— Senhorita…

— Vocês ouviram a senhorita — intrometeu-se uma voz vinda da porta — Ela quer tomar o seu banho sozinha. Saiam.

Todas as cabeças se viraram para a entrada e eu soltei um pequeno suspiro de alívio ao ver Karenn encostada à parede com os braços cruzados diante do peito. A estalajadeira e as raparigas hesitaram, mas a patroa acabou por dar ordem de retirada.

— Obrigada — murmurei quando a porta se fechou atrás da última rapariga — A estalajadeira é bastante insistente…!

— Eu sei, aconteceu o mesmo quando vim tomar banho com a Lithiel — revelou a vampira — Foi por isso que vim.

— Obrigada…

— Posso ficar a guardar a porta, se quiseres — acrescentou — Passei por uns quantos bêbados no salão e… nunca se sabe…

— A sério? Obrigada. És a minha salvação.

Karenn abriu um pequeno sorriso.

— Sempre às ordens — inclinou a cabeça ligeiramente para o lado — A água está a arrefecer. Devias despachar-te.

Concordei com um aceno de cabeça e sentei-me num banquinho perto da tina para tirar as botas. Despi o casaco e a blusa, puxei a luva da minha mão direita e…

— O que é… isso?

Ergui o olhar para Karenn e vi-a lançar um olhar arregalado à minha mão iridescente. Inclinei a cabeça ligeiramente para o lado, confusa.

— O que foi?

— O que é que aconteceu à tua mão? — perguntou num tom baixo e assombrado.

— Eu já te contei o que aconteceu — lembrei-a, cada vez mais confusa.

— Tu pareces… Eduarda… — Karenn levou uma mão trémula aos lábios entreabertos de choque… e eu senti o sangue gelar nas minhas veias quando vi a pulseira de guizos que estivera escondida atrás do seu cotovelo.

— Tu não és a Karenn — constatei.

— A tua pele… A tua pele parece…!

— LITHIEL, SUA VACA!! — berrei antes de me atirar à imitação da pequena vampira.

A doppelganger estava tão perdida nas suas conjeturas que não reagiu à minha arremetida. Deixou o caminho completamente livre para o meu punho… que esmaguei na sua cara com toda a minha força. Lithiel cambaleou para o lado, levando a mão à face atingida. Eu dirigi o meu outro punho para o seu estômago, mas parecia que o meu primeiro golpe servira para acordá-la do seu torpor. Lithiel agarrou o meu pulso antes de conseguir aplicar o segundo golpe e torceu-me o braço até o colar às minhas costas. Antes de ter tempo de resistir, ela passou-me uma rasteira que me fez aterrar de cara no chão. Segurando o meu braço contra a minha coluna, sentou-se em cima das minhas nádegas.

— Broun ficaria orgulhoso — elogiou Lithiel, ainda com o rosto e a voz de Karenn — Os treinos realmente têm dado frutos…

— O que é que tu queres, criatura? — rosnei — Porque é que estás aqui com o aspeto da Karenn?!

— Queria saber o que raio estavas a esconder por baixo daquela luva. Sabia que a Karenn te estava a ajudar com essa empreitada, por isso presumi que ela sabia do que se tratava… e que não terias razões para esconder a tua mão dela.

— Como é que descobriste?

— A fechadura do teu quarto no quartel.

— A fechadura do meu quarto? — repeti, confusa — O que tem a fechadura do meu quarto?

— Está armadilhada com um encantamento poderoso. Descobri quando tentei entrar no teu quarto ontem à noite. É um feitiço tão difícil de lançar quanto de remover. São poucas as pessoas no quartel que o conseguiriam concretizar com sucesso. Na verdade, eu só conheço meia dúzia de pessoas com aptidão para isso… O Ezarel seria a aposta mais segura para um trabalho bem feito, mas vocês não parecem dar-se muito bem. Ele não teria motivos para te ajudar. A Miiko, muito menos. O Leiftan não estava no quartel… O Nevra era a única opção. Vocês são bastante próximos, inclusive. Faria sentido que ele soubesse o teu segredo.

— Quando é que percebeste que era a Karenn?

— Fiquei a pensar… Se o Nevra soubesse o teu segredo, teria providenciado luvas com os conjuntos de roupa que nos deu para esta missão e ter-me-ia dito para as usar exatamente da mesma forma que tu. No entanto, não o fez… Eu estava segura de que tinha sido ele a armadilhar a fechadura, só faltava descobrir porquê… ou a mando de quem. Já descartara o envolvimento da Miiko e, entretanto, lembrei-me de uma jovem vampira que tem o condão de convencer o irmão mais velho a fazer qualquer coisa… Uma vampira de quem, aliás, és muito próxima também! Eu só precisava duma pista que confirmasse a minha suspeita… e a Karenn deu-ma quando vieste para aqui. Ela estava preocupada com a insistência da estalajadeira em deixar as suas criadas dar-nos banho… muito mais preocupada do que seria normal. Eu questionei-a sobre o assunto e ela mentiu. Foi o suficiente — Lithiel soltou-me e levantou-se — Olhando para a tua mão agora… compreendo o secretismo.

— Porquê? — perguntei, sentando-me no chão com dificuldade. O meu corpo inteiro doía, ressentido da queda e do tempo que tivera o braço torcido — O que sabes sobre… isto?

— Eu já vi isso antes. No mínimo, algo muito parecido…

— Onde?

Lithiel desviou o olhar da minha mão iridescente para os meus olhos.

— No teto do átrio do quartel. O fresco à volta do cristal de vidro… Nunca reparaste?

Eu sabia qual era o fresco, mas não me lembrava de detalhes suficientes para perceber exatamente ao que ela se referia. Só sabia que a pintura retratava uma grande batalha no meio de uma confusão de cores. Se essa batalha era a Titanomaquia… o fresco deveria ter representações dos titãs. Imagens que, ao contrário das gravuras a preto e branco nas compilações, tinham cor.

— Há… pessoas com pele semelhante à minha nesse fresco? — perguntei num tom baixo e cauteloso.

— Sim… Os titãs.

Fechei os olhos por um instante, assimilando mais aquele indício da minha raça. Eu não queria aquilo… mas era cada vez mais difícil fugir.

— Eduarda — chamou Lithiel enquanto a sentia agachar-se na minha frente — Diz-me a verdade… Tu és uma titânide?

Eu comprimi as minhas pálpebras com mais força, procurando segurar as lágrimas que me inundavam os olhos. O que responder? O que seria a verdade? Seria aquilo em que eu queria acreditar ou aquilo que os outros me queriam fazer crer?

— Eu não sei — solucei — Eu não sei…!

Cobri o rosto com as mãos e comecei a chorar, trincando os lábios para não soluçar. Segundos depois, senti uma mão hesitante poisar no meu joelho.

— Diz-me a verdade, Eduarda…

— O Leiftan… Ele diz que sou uma, mas… eu não quero… eu não posso…!

— O Leiftan? Ele sabe? — inquiriu antes de soltar um pequeno estalido de desagrado e começar a resmungar para si mesma — Pensando bem, seria estranho se não soubesse, aquele desgraçado…!

— Porque dizes isso? — perguntei, erguendo o rosto das mãos com o choro temporariamente controlado.

Lithiel soltou um novo estalido e levantou-se. Estendeu-me a mão e eu aceitei a sua ajuda para me erguer.

— O Leiftan sabe a verdade sobre a Titanomaquia… — disse ela.

— Já tinha concluído isso…

— …e impediu-me de conhecê-la também!

— Impediu-te? — repeti, admirada — Espera aí, tu não tinhas dito que sabias a verdade?

— Sei… a maior parte — admitiu a rapariga — Não consegui concluir a minha pesquisa por causa dele! Desgraçado! — praguejou, espetando um pontapé na tina de madeira. A superfície da água ondulou, mas não chegou a galgar a borda.

— O que sabes, então?

Lithiel virou o rosto na minha direção, mirando-me como se estivesse a avaliar-me. Terminou a inspeção com um pequeno suspiro.

— Bem… Atentando ao facto de seres uma titânide… acho que mereces saber — olhou em volta até divisar uma cadeira. Puxou-a para diante da porta e sentou-se, barrando a entrada — É melhor enfiares-te na água enquanto falo ou vais acabar por desperdiça-la.

Eu concordei com um aceno de cabeça e terminei de me despir, saltando para dentro da tina. A água transbordou, mas nenhuma de nós se preocupou com isso.

— Em primeiro lugar — começou Lithiel, cruzando os braços —, tens de compreender que a minha pesquisa tem várias lacunas, graças à intervenção do Leiftan. Vou poupar-te às minhas suposições, mas isso reduz o que realmente sei a muito pouco. Pronta para ouvir?

— Sim… mas antes… gostaria de te perguntar algo.

— O quê?

— Tu não tens… medo de mim?

— Medo de ti? Porque haveria de ter medo?

— Bem… eu sou uma titânide — lembrei com um murmúrio acabrunhado — e os titãs são, tipo… o vosso pior pesadelo, o inimigo mortal que trás a destruição do vosso mundo…

Lithiel soltou um risinho.

— Não exatamente…

— O que queres dizer com isso?

— Não acho que os titãs nos queiram destruir.

— Porquê?

Lithiel passou uma mão pelos cabelos negros e rosa que copiara de Karenn.

— É difícil ter a certeza… Há milhares e milhares de relatos relacionados à Titanomaquia, pré e pós-guerra, e cada um conta uma versão diferente. Eu não consegui fazer uma pesquisa aprofundada por causa do Leiftan, mas encontrei relatos que… contam uma versão muito diferente do que aconteceu.

Lithiel hesitou, mordiscando nervosamente o lábio enquanto o seu olhar se perdia no passado. Eu dei-lhe alguns instantes para regressar ao presente, mas estava demasiado ansiosa para esperar:

— Lithiel? O que encontraste?

Ela sacudiu levemente a cabeça como se estivesse a expulsar pensamentos menos agradáveis.

— Eu encontrei relatos escritos antes da guerra… que já mencionavam os titãs. Os autores desses relatos não lhes chamavam monstros, assassinos ou pragas… Chamavam-lhes amos!


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 1/4/18]



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