O Filho de Ares escrita por O Cartomante


Capítulo 6
Capítulo V. Jacob de Hefesto


Notas iniciais do capítulo

Eu adorei escrever esse capítulo, então espero que vocês gostem ♥
Nos vemos nas notas finais!



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Eu estava começando a me habituar ao circo dos horrores que todos chamavam de Acampamento Meio-Sangue, mas a traição de Coeley foi como um baque muito brusco, que me trouxe à realidade sem aviso prévio.

Minha reação inicial foi me isolar no chalé.

Havia conversado com uma das meninas que dividiam o dormitório coletivo conosco e, ciente do que estava acontecendo, ela foi gentil em aceitar trocar de cama comigo. Eu simplesmente não queria ficar perto de Coeley. Não conseguia acreditar... Ela havia me ganhado num dia, e simplesmente me apunhalado pelas costas no outro. Foi literalmente coisa de poucas horas.

Porque ela havia feito aquilo, eu não entendi muito bem, e nem me interessava, contanto que ela ficasse longe de mim.

Os filhos de Tânatos tinham mesmo essa fama, de traidores, manipuladores natos com requintes de crueldade em suas personalidades frias por si só. Como costumavam dizer, não era à toa que éramos chamados de “os filhos da Morte”.

E após o baque, mergulhei num estado de profunda indiferença, com tudo.

Eram muitas emoções em muito pouco tempo. Aqueles eventos traumáticos serviram para me alertar de que talvez fosse melhor abandonar todas as esperanças de um recomeço ou de uma felicidade minimamente aceitável dentro daquela espelunca, e simplesmente cumprir minha pena em paz, como Ártemis havia sugerido. Quieta, na minha, contando os dias para me libertar daquele pesadelo hiper-realista.

Março pareceu chegar sem aviso. Talvez porque Fevereiro era mais curto, simplesmente, ou sei lá.

Eu havia desistido até mesmo de falar com Ártemis.

No mês anterior ao do início dos treinamentos, eu simplesmente parecia uma pedra, alheia a tudo e todos.

Felizmente, como esperado, aos poucos os outros campistas pararam de me olhar e apontar para mim como se eu fosse uma espécie de alienígena, por ter feito o que fiz em meu primeiro dia.

Vez ou outra, quando eu passava meu olhar desinteressado - e que normalmente era seguido por um suspiro de profundo tédio, ou esgotamento emocional (era difícil definir) -, eu me deparava com um filho de Hermes ou Atena me encarando e cochichando com seus irmãos e amigos. Nesses momentos, eu apenas desviava o olhar e fingia não ter notado. Não queria dificultar ainda mais minha situação.

Na primeira semana de Março, então, um novo campista chegou ao acampamento.

Aparentemente, seu protetor havia morrido no trajeto para o acampamento e a briga havia sido feia, pois haviam hematomas por todo o seu corpo - mas, curiosamente, ainda assim ele parecia não fazer questão do uso de camisetas.

Não me importei a princípio quando o vi, desiludida quanto a possibilidade de encontrar alguém legal e totalmente fechada a novas relações sociais, depois do que havia acontecido com Coeley.

Até para os padrões americanos, Coeley era demasiado fria. Ela não havia mais falado comigo, e eu também não falei com ela.

Hazel, por outro lado, de vez em quando sorria para mim solidariamente quando nos encontrávamos em algum lugar. Pelo visto, sua raiva havia passado. Um pouco tarde demais, já que meu interesse em amizades havia ido de 10% para negativo.

E minha estratégia de ignorar todos a minha volta e minha realidade miserável estava fluindo muito bem, até que...

— Oi. — disse o garoto descamisado dos hematomas, durante o almoço.

— Oi. — falei, desviando o olhar de um livro que eu relia, entediada, e subindo-o para ele, mas não me demorei muito tempo - imaginei que, talvez, se eu ignorasse sua presença, ele perceberia que eu não estava muito afim de companhia.

Logo descobri que estava enganada.

Esperei alguns instantes, sentido seu olhar em minha nuca encurvada e quando os segundos se transformaram em minutos e ele não foi embora, percebi que talvez ele tivesse algo a dizer. E então ele pigarreou.

Subi os olhos de novo e notei que ele trazia uma bandeja cheia consigo. Aparentemente, ele pretendia ficar. Ergui as sobrancelhas e internamente soltei um profundo suspiro.

“Lá vem”, foi inevitável pensar.

— Sim? — perguntei pacientemente, tentando parecer educada.

Ele sorriu de novo.

— Sinto muito, não queria incomodar, mas aparentemente todas as outras mesas estão ocupadas e... Bem, você está sozinha aqui. — observou ele. — Se importa? — acrescentou, erguendo as sobrancelhas e já encurvando seu corpo definido para se sentar.

Murchei por dentro. Queria pegar meu livro e sair, mas achei que isso seria grosseiro demais até para uma filha de Tânatos e resolvi ficar e ignorá-lo, assim evitaria confusões.

Aos poucos, eu estava pegando o jeito. Não era tão difícil sobreviver no Acampamento Meio-Sangue sendo ignorada, afinal. Era só sorrir e concordar com a cabeça, e então foi o que fiz.

— Fique à vontade. — E desviei meu olhar novamente para o livro em que outrora estivera absorta, ignorando sua presença.

Ele deu uma risadinha falhada, e eu ignorei com bom-senso.

Ouvi o bater dos talheres sob seu prato, e ele mastigou com a boca aberta. Tentei ignorar seus ruídos.

Continuei lendo distraidamente o meu livro, e o tempo foi passando como se ele não estivesse lá. Antes que eu terminasse o capítulo em que estava, ele apanhou a maçã que havia pegado na mesa do pavilhão e mordeu-a com força. O som me causou certa aflição.

— E então, Bella, né? — perguntou.

Ergui as sobrancelhas, e abaixei o livro, forjando um sorriso que deixava claro por detrás que eu não queria ser incomodada. Ele sorriu para mim como quem se desculpa por interromper a leitura, sem graça. Pelo menos havia percebido, mas eu não pude deixar de sentir uma pontada de pena dele. Ele parecia ser legal, e tentava não parecer nervoso. Me lembrava um pouco de mim mesma no primeiro naquele show de horrores.

— Isso. Como você se chama? — fechei o livro e suspirei, permitindo-me jogar um pouco de conversa fora pela primeira vez depois de vinte e dias isolada.

— Jacob Black, eu... Ainda não fui reclamado.

Ergui as sobrancelhas, sem saber muito bem o que dizer para continuar a conversa.

— Às vezes acontece, Jacob. — E ia abrindo o livro de novo, repreendendo-me mentalmente. Começar a conversar com o novato havia sido uma ideia estúpida.

— É, bem... — ele encolheu os ombros largos e se retraiu no banco de madeira. — É, suponho que sim. — ele disse, e ficou me olhando por alguns instantes - não me atrevi a encará-lo de volta. — Mas admito que estou um pouco nervoso... — e sua voz desceu algumas oitavas ao pronunciar essa frase, que saiu quase como um murmúrio que era mais para ele mesmo do que para mim.

Desdenhosa, risquei a capa do livro com a unha, só então voltando a olhá-lo com certa neutralidade.

— É, bem... É normal. — eu disse, e, como num espelho de sua atitude, acabei pensando alto demais, e murmurei sem ter a intenção de que ele me ouvisse, mais para mim mesma: — num show de horrores, como esse...

Ele me ouviu, ainda assim, pois sorriu e pareceu mais relaxado por um instante.

— Total. — ele disse em concordância, soltando um pesado suspiro e olhando para os pássaros que sobrevoavam algumas árvores caducefólias atrás de nós, pensativo. — De qual chalé você é?

— Hum, sou do chalé 19 — informei, com um sorriso de compaixão, sem perceber que abandonara a leitura e agora estava de fato envolvida no diálogo; era inevitável, simplesmente... o ser humano e sua maldita mania de construir relações sociais. — De Tânatos, quero dizer... — acrescentei ao notar seu olhar confuso e levemente sem graça.

Ele tentou disfarçar o constrangimento e a timidez com um sorriso.

— Não sei muito bem o que significa. — falou. — Fui criado em um orfanato onde não tínhamos muitos recursos, sabe? — justificou ele. — Então, essa coisa toda de mitologia é muito nova para mim.

De repente, ele reteve os ombros novamente, e abaixou a cabeça levemente envergonhado. Não pude deixar de sentir pena. Eu o entendia, afinal. Sabia como era difícil ser criada em um orfanato.

— Não tem problema, logo você pega o jeito — sorri com solidariedade, tentando fazer com que ele não se sentisse tão mal. — Mas, se quer saber, Tânatos é o deus da morte.

Ele ergueu a cabeça de repente, surpreso, e suas sobrancelhas se levantaram.

— Nossa. Você parece simpática demais para ser filha do deus da morte.

Suspirei e desviei o olhar, desejando que ele não tivesse dito aquilo.

De repente, havia me lembrado de como odiava meu pai. Suspirei e sacudi a cabeça, afastando aquele pensamento - afinal, o novato não tinha culpa.

— É... Escuto bastante isso. — brinquei, e ele riu; sorri junto.

Houve uma pausa silenciosa e então nos pegamos olhando para os arredores, sem um motivo aparente, apenas tentando justificar aquele vão ou disfarçá-lo, pelo menos.

— Então... — recomeçou ele. — Você parece entender bastante sobre essas coisas. — A mão de Jacob deslizou até a bandeja, e ele apanhou o suco de maçã industrializado que havia escolhido, espetando-o com um canudinho e sugando distraidamente. — Há quanto tempo está aqui?

A pergunta despertou um alerta de “perigo” em minha mente.

— Ah, não muito tempo... — falei, evitando olhá-lo para que ele não pudesse identificar o meu súbito nervosismo. — Como eu te disse, você acaba pegando o jeito rápido.

Ele sorriu, sem graça.

— Entendi. — falou, simplesmente, voltando a bebericar o seu suco de soja.

Olhei os arredores de novo, dando uma risadinha forçada de nervoso.

Corri os olhos rapidamente pelo peitoral de Jacob, e notei a presença de uma tatuagem interessante, com escrita em uma língua que possuía algumas letras que não pertenciam ao alfabeto romano. Abri a boca para lhe questionar sobre isso, quando uma luz alaranjada surgiu em cima de sua cabeça e eu desviei o olhar para cima, rápido.

Sem que eu me desse conta, todos à nossa volta fizeram o mesmo, atentos.

E então, dessa aura alaranjada brotou um símbolo. E a veterana de Afrodite, Samantha, que estava sentada algumas mesas atrás da gente anunciou em voz alta para todo o pavilhão, antes mesmo que Jacob pudesse se dar conta do que estava acontecendo:

— Filho de Hefesto! — E se levantou do banco energicamente com um salto, dando palminhas animadas e sorrindo de maneira ridiculamente exagerada. — Serei sua treinadora. — Anunciou em seguida, orgulhosa, mas Coeley apareceu atrás dela, e eu senti uma súbita raiva tomar conta de mim, seguida de uma frieza inexplicável.

— Você não pode ter três pupilos, Samantha. — cortou ela, com sua voz rouca e arrastada - era uma legítima filha da morte, reparei; já fazia quase um mês que não nos falávamos, e eu evitava até ouvir sua respiração no chalé, ignorando completamente sua existência. — Pode deixar que eu fico com esse aqui.

Subitamente, meu punho se fechou e eu me levantei, rosnando baixinho e calculando qual seria a melhor forma de atirar Coeley na fogueira como uma oferenda aos deuses.

Os campistas olharam para mim, confusos, e o sorriso de Samantha foi murchando, sua empolgação morrendo e dando lugar a um semblante de clara irritação. Não havia gostado de ter sido contrariada por Coeley na frente de todos, sendo uma veterana recém-escolhida, enquanto Coeley já era idosa em seu cargo.

Ela fechou a cara e tornou a se sentar, cochichando algo com suas amigas.

Percebi que estava fazendo um papelão quando Coeley olhou para mim com indiferença, e então apanhei meu livro e me preparei para sair.

— Venha comigo, filho de Hefesto — Coeley chamou.

— M-mas... — começou, confuso e olhando ao redor, com todas as cabeças viradas em sua direção, exceto a de Samantha e seu grupinho, que pareciam estar absortas a conversa agora que nenhuma delas estava mais envolvida na questão.

— Venha. No caminho, eu te explico — disse Coeley e, sem mais nem menos, saiu puxando Jacob pela blusa e me deixando plantada sozinha em pé no meio do refeitório.

Me dei conta do que havia parecido aquela cena somente alguns segundos depois de vê-los se afastar.

Jacob virou a cabeça para trás, olhando-me com uma expressão que dizia: “me desculpe”.

Rosnei novamente, com o livro em mãos e virei as costas para sair andando na direção do chalé. Antes de evadir do local, entretanto, não pude deixar de pensar, por um momento, enquanto olhava para o chão: “será que tem como eu ficar mais estressada?”.

E os deuses responderam minha pergunta instantaneamente, porque no momento em que ergui a cabeça, Edward Cullen me olhava fixamente algumas mesas à frente, rindo.

Abandonei o pavilhão, nervosa e esgotada.


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora para postar, meus lindos.
Mereço comentários?
Beijosss!



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