Broken Minds escrita por AkireBell


Capítulo 5
Genesis (Gênese)


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, acabei sofrendo um leve bloqueio, mas finalmente consegui utilizar esse feriadão para continuar e concluir esse capítulo. Se preparem para muitas emoções, pois ele está repleto delas!
E queria fazer um aviso bem breve com relação ao meu tempo: está realmente escasso. Sou universitária e estou entrando no sétimo semestre do meu curso, e, infelizmente, meu estágio começará na próxima segunda. Dessa forma terei pouco tempo disponível e talvez demore mais que o normal para postar. Todavia, não desistam de mim nem da fanfic, por favor!!! Prometo que farei meu melhor para conseguir postar com regularidade, e juro que não vou abandonar Broken Minds.
Enfim, era isso. Sem mais delongas, vamos ao capítulo ♥



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Genesis (Gênese)

 

O pai do jovem estagiário Hansol Vernon tinha um ditado muito conhecido na ponta da língua sempre que algo ruim ou inesperado lhe acontecia. Era uma espécie de "eu te avisei" implícito, algo que usava para tentar satirizar alguma escolha ruim, ou então para evidenciar o quanto coisas más produziam coisas piores ainda. 

 

— "Quem planta vento, meu filho, sempre colhe tempestade". — era o que o homem grisalho sempre dizia com sua voz rouca devido aos muitos anos em que passara preso ao vício do cigarro. Nos seus primeiros anos de vida o pequeno Vernonnie (como seu pai sempre o chamava) não fazia a mínima ideia do que aquilo poderia significar. Plantar vento? Como se podia prender a terra algo que sequer podia ser pego? Mas então quando esperadamente foi crescendo e ganhando um entendimento maior da vida, Hansol finalmente descobriu o que aquilo significava e passou a tomá-lo como uma espécie de bordão próprio, algo para fazê-lo lembrar de sempre plantar coisas boas, nunca coisas ruins. Porém após a morte prematura de seu pai, Vernon começou a evitar pensar muito na frase, assim como passara a evitar qualquer coisa que pudesse lembrar-lhe dele ou que pudesse levá-lo de volta ao sofrimento de sua perda. Todavia, mesmo com todo o esforço que fazia para esquecer, alguns casos ou situações que vinham a acontecer em sua vida faziam-no esporadicamente recordar-se desta dita frase. 

 

A situação em que se encontrava naquele momento, em especial, era uma destas.

 

— E não sabemos exatamente como isso aconteceu porque a esposa disse que ele não tinha nenhuma alergia ou vício, era saudável, repleto de amigos e totalmente ativo. Jogava futebol todo final de semana, frequentava academia e tinha uma alimentação regrada e balanceada, o que é algo bem incrível vindo de um homem que trabalha com carne. — a Sta. Boo foi dizendo ao telefone para o jovem. — Porém outras pessoas já dizem que ele era uma pessoa muito cruel e que tinha prazer em humilhar seus subalternos, ou mesmo qualquer pessoa que ele julgasse ser inferior a ele. Segundo outras fontes, ele tinha muitos inimigos e era odiado por todos que tinham a infelicidade de fazer negócios com ele... Bem, não sei muito em quem acreditar, mas acho que não podemos confiar muito na esposa de um cara tão rico assim, não? Ainda mais dentro de um negócio tão lucrativo quanto o mercado alimentício. — ela continuou falando, e Vernon foi somente assentindo. Estava olhando para o corpo deitado na maca há exatos 10 minutos e ainda não sabia exatamente o que fazer porque era tão acostumado a apenas receber ordens que fazer algo por si só parecia totalmente surreal. — E eu fui investigar o nome dele no google junto com a palavra "escândalos", e adivinha só? Ele esteve em vários. O último deles foi por contra da demissão de vários funcionários com uma alegação impertinente de justa causa, o que gerou comoção nestes e uma grande revolta dentro de uma das filiais de sua empresa. O caso estava em andamento no tribunal, mas após a morte dele, não sei exatamente o que vão fazer... Talvez seja uma pista? Algum funcionário revoltado por ter perdido o emprego pode ter tentado, e com sucesso, fazer algo contra ele?

 

Vernon ponderou aquilo por alguns segundos, mas logo descartou a ideia com um balanço de cabeça. Um funcionário assassinando seu antigo empregador por vingança? Parecia coisa hollywoodiana, e não algo que aconteceria no mundo real.

 

— Acho improvável, mas não totalmente impossível. Preciso primeiro analisar o corpo para poder dizer alguma coisa. — ele foi falando ao telefone, seu estômago se embrulhando por conta do nervosismo e da ansiedade por estar prestes a fazer uma autópsia importante sozinho. — Mais tarde eu ligo de volta para você, obrigado sta. Boo. 

 

— Por nada, querido Hansol. Mande um abraço ao Mingyu por mim! — ela concluiu com um tom alegre antes de cortar a linha. Vernon não entendia qual era o fascínio da srta. Boo pelo seu chefe, assim como não conseguia compreender o porquê de ela insistir em tentar algo quando ele tão assiduamente ignorava qualquer uma das investidas que ela dava. Não que Mingyu não fosse bonito e legal (e rico, o que devia pesar alguma coisa), mas ele tão claramente parecia ser apaixonado por outra pessoa que soava perda de tempo ver qualquer mulher tentando algo com ele.

 

Só que às vezes as pessoas não eram observadoras (como parecia ser o caso da sta. Boo) e acabavam quebrando a cara por sua falta de atenção. O que era uma pena, pois ela parecia ser uma pessoa excelente. 

 

Tirando da mente esses pensamentos sem utilidade, o jovem estagiário pegou o bisturi e olhou mais um pouco para o corpo antes de começar a fazer seu trabalho. Já havia recebido ordens para realizar autópsias sozinho, na verdade elas já eram até frequentes, mas nunca tinha recebido uma vítima realmente importante ou desafiadora. Eram sempre casos simples de afogamentos ou acidentes, nada tão complexo que poderia lhe tirar o sono como o caso Yeon Jisoo. Mas este? Um empresário famoso e importante no cenário nacional? O peso da responsabilidade estava praticamente esmagando o jovem, o nervosismo por ter que fazer aquilo sozinho lhe tirando a concentração.

 

Mas Mingyu havia confiado nele, havia depositado toda a sua fé em sua competência, e não seria naquele momento que Hansol iria decepcioná-lo.

 

Com um suspiro profundo e audível, ele abriu o peito do empresário morto e observou com cautela os órgãos internos ainda intocados. Os pulmões pareciam inchados, escuros por conta de algo que Hansol imaginou ser anos de tabagismo. Mas como se a esposa alegara que ele tinha hábitos de vida saudáveis? Desconfiado, o jovem pegou um bisturi menor e mais preciso (específico para cortes finos) e tirou uma secção para análise histológica e toxicológica. Após guardar dentro da bandeja destinada às amostras, voltou para o corpo e começou a fazer cortes no órgão para ver a situação dos brônquios e alvéolos.

 

O jovem médico teve que conter uma exclamação audível quando atingiu o parênquima pulmonar. 

 

Ao abrir o pulmão esquerdo, Hansol nem mesmo precisou apurar os olhos a procura de danos patológicos macroscópicos. A lesão tecidual era tão evidente que praticamente saltou aos seus olhos, os alvéolos tão inflamados e supurados que a causa da morte era mais que evidente: insuficiência respiratória decorrente de inflamação tecidual severa. Com um  suspiro, ele voltou a realizar secções aqui e ali, sempre atento a qualquer outra informação que pudesse absorver dali. Quando não encontrou mais nada, partiu para os outros órgãos, sua mente, todavia, já nadando entre as possíveis causas da um dano tão sério quanto aquele. Mycobacterium tuberculosis? Parecia plausível, no entanto não havia indícios de necrose caseosa muito menos de outros sintomas prévios que pudessem ser indicativos de um estágio tão avançado da doença. Hansol sabia estar lidando com algo que tinha ação rápida (não lenta como a tuberculose) e sintomas agudos, tão sérios e fatais que haviam feito uma vítima aparentemente saudável morrer em questão de horas. 

 

O que poderia ser? Sua mente foi parar em vírus Influenza, mas os sintomas não batiam muito bem. Uma inflamação purulenta causada por um vírus? Parecia improvável, mas se tratando da Ásia, um continente conhecido por ser pioneiro no surgimento de novas cepas fatais da doença, ele não descartava nada. 

 

Assim que terminou tudo (após averiguar com cautela e perceber que as únicas alterações estavam no tecido pulmonar), guardou as secções que fez de alguns alvéolos e de outras estruturas, fechou novamente o peito do paciente e o embrulhou com a manta que utilizavam para cobrir os corpos.

 

Era triste, ele não deixava de pensar, ver uma pessoa morrendo tão jovem. Mesmo que o empresário já estivesse na casa dos quarenta, ainda tinha muita estrada pela frente, anos e mais anos de uma vida repleta de energia antes de o tempo começar a cobrar sua parte e ir tirando sua vigor aos poucos. A vida era efêmera, ele sabia, mas algo na forma como algumas pessoas morriam antes mesmo de saber o que era viver parecia tão errada. Yeon Jisoo que o diga. Morrera jovem, antes mesmo de conseguir completar duas décadas de vida. Tinha poucos anos a menos que o próprio Hansol, e ele não deixava de se perguntar como seria se ele tivesse no lugar dela, o que ele iria pensar, o quanto não iria lamentar por ter a vida arrancada de si tão cedo. Mas se tinha algo que ele aprendera após os anos de faculdade e os meses de estágio, foi que não havia como controlar a morte, muito menos como prevê-la. 

 

Porém, ele pensou enquanto pegava as amostras e começava a andar para o lado de fora da sala, tinha como vingá-la, e isso era o que pessoas como ele faziam. 

 

—.

 

— Então eu peguei várias secções para análise microscópica e toxicológica, apesar da causa mortis ser bastante evidente. —Hansol concluiu seu breve relatório a Mingyu (que havia chegado ao necrotério não muito tempo depois do fim da autópsia) com um alívio evidente. Estivera desde o momento em que terminara a análise com um aperto no estômago que sabia prover do nervosismo de encontrar seu chefe e do medo de acabar sendo repreendido por conta de alguma gafe. O mais velho, todavia, após terminar de ler o prontuário feito pelo estagiário e escutar sua falácia, assentiu apenas uma vez antes de olhar para o jovem e sorrir levemente.

 

— Você fez um bom trabalho, embora eu ainda ache que faça suposições demais no relatório inicial. Não esqueça que nosso dever não é supor nada e sim afirmar, então só podemos registrar algo em prontuário quando tivermos certeza, entende? — ele perguntou sem nenhum resquício de rudeza ou superioridade, apenas pura e genuína preocupação. Era isso que o estagiário gostava em Mingyu, essa forma de tratar qualquer pessoa como igual. Nada de arrogância ou lições de moral repletas de humilhação. Com ele era sempre paciência e bom humor, coisas que o tornavam um dos melhores professores que Hansol já tivera o privilégio de conhecer.

 

— Entendo, Dr. — ele assentiu com um suspiro. — Eu apenas queria anotar todas as possibilidades para nenhuma delas acabar sendo esquecida, mas infelizmente acabei fazendo isso no lugar errado. — Hansol soltou uma risada envergonhada. — Prometo que isso não vai mais acontecer. 

 

Mingyu fez um gesto de dispensa com a mão.

 

— Que nada, não precisa ficar assim. Eu mesmo já fiz incontáveis burradas antes de aprender a fazer todos os protocolos corretamente. Yangmi pirava comigo porque tinha que reescrever tudo para mandar para os registros sem erro algum, e por minha causa ela levava minutos e mais minutos para terminar. — Mingyu riu, e Hansol não deixou de reparar na expressão que seu chefe fez, saudade e tristeza misturados com algo que ele só conseguiu imaginar ser carinho, quando o nome da perita saiu de seus lábios.

 

Essa foi a coisa que mais o intrigou quando começou a trabalhar no centro de perícias: a relação entre Mingyu e Yangmi. O clima sempre era tenso em qualquer ambiente onde os dois estivessem juntos, e o desprezo que Yangmi demonstrava sempre que Mingyu tentava conversar sobre qualquer  assunto que não fosse trabalho era tão evidente que se tornava palpável. O jovem estagiário logo concluiu que não se tratava de algum tipo de relação "cão e gato" usual, que geralmente advinha de paixão reprimida ou de encontros casuais que não deram certo. A relação de Mingyu e Yangmi era claramente algo profundo e verdadeiro que muito certamente dera errado em todos os sentidos possíveis. Ele observara os dois, seus comportamentos, suas conversas, suas alfinetadas... E depois de vários meses de análise, chegara a conclusão de que Mingyu havia feito alguma burrada catastrófica, algo incorrigível e imperdoável, e que por conta disso Yangmi decidiu tirá-lo o máximo possível de sua vida.

 

Mas ele sabia, assim como via, que ambos falhavam miseravelmente em esconder seus sentimentos. Mingyu era louco pela perita que tão assiduamente tentava ignorá-lo, e ela, apesar de lutar para mostrar o contrário, claramente sentia o mesmo. Já Hansol, sendo uma das únicas pessoas  dali que tinha um contato frequente com ambos, por muitas vezes se via preso nesse cabo de guerra amoroso e desastroso, embora lá no fundo de sua alma, ele torcesse para que as coisas se acertassem entre os dois.

 

— Não que tenha mudado muita coisa. Yangmi ainda pira comigo, mas agora por motivos menos divertidos. — Mingyu continuou apenas para concluir com um dar de ombros desanimado. Hansol queria dizer algo para deixar seu chefe menos triste, mas foi interrompido por uma já familiar batida fraca na porta. O médico mais velho se empertigou quando reconheceu o som fraco e ritmado, já sabendo quem era. 

 

— Pode entrar. — disse Mingyu para Yangmi, seu rosto rapidamente se tornando uma máscara despreocupada, ligeiramente divertida e provocativa. Hansol se perguntou o quanto deveria custar para ele manter a expressão tão neutra sempre que estava perto da perita, e isso o deixou subitamente inquieto.

 

— Desculpe o incômodo. — ela disse assim que inclinou a cabeça pela fresta que abriu na porta, seu corpo aparecendo logo em seguida enquanto se esgueirava para dar mais espaço para uma segunda pessoa entrar. Um homem alto (quase tão alto quanto Mingyu) e de uma aparência séria e misteriosa surgiu ao lado de Yangmi, seu rosto tão neutro que Hansol não deixou de se perguntar com que frequência ele deveria sorrir. 

 

Concluiu que não deveria ser muita.

 

— Vim me informar sobre o corpo, estamos indo investigar a cena. — Yangmi prosseguiu, seus olhos indo de Mingyu até Hansol. Quando se fixaram no último, ela abriu um sorriso. — Ah, olá, Hansol, como vai? Soube que você foi o responsável pela autópsia do corpo, não vejo a hora de ver o que conseguiu colher. Espero de coração que você seja melhor que o Mingyu quando começou, ele me dava tantas dores de cabeça... — ela revirou os olhos em tom de brincadeira e Hansol fitou Mingyu de rabo de olho apenas para capturar sua reação. Inesperadamente, o médico estava com uma leve carranca e não com o sorriso brincalhão que parecia adotar sempre que estava com Yangmi. O que poderia ter acontecido pra deixá-lo assim? Hansol resolveu deixar pra lá e se concentrar em responder a jovem farmacêutica. 

 

— Dizem que a tendência é o aluno superar o professor, então espero estar fazendo um bom trabalho. — Hansol respondeu com um sorriso tímido antes de virar para Wonwoo e fazer um breve cumprimento. — É um prazer conhecê-lo, detetive. Escutei que estava na equipe, espero que sua presença contribua para que consigam logo resolver esse caso. — o jovem estagiário disse com sinceridade, sendo respondido com um sorriso breve e solene do outro homem que estava ao lado da perita.

 

— É o que todos esperamos. — o detetive respondeu com uma voz surpreendentemente grave. Era tão atípica que de uma forma bizarra parecia combinar com a expressão fechada de seu rosto. 

 

Hansol assentiu para ele e olhou para Mingyu em seguida. O médico ainda estava com os papéis do prontuário na mão, então cabia a ele entregá-los para Yangmi. Para adiantar as coisas, Hansol tratou logo de informar alguns pontos importantes já que seu chefe parecia perdido em pensamentos.

 

— Sobre o indivíduo, a causa mortis é bem clara, embora o motivo ainda seja um mistério. Peguei amostras do tecido pulmonar para analisar microscopicamente e molecularmente, acredito que podemos ter um resultado conclusivo já amanhã. — disse com os olhos fixos em Yangmi. — A solicitação de investigação da cena chegou à perícia porque o quarto do homem estava com indícios claros de violação. Retratos quebrados, cama bagunçada, comida jogada no chão... Por conta dessas pistas as suspeitas iniciais foram de choque anafilático, mas a inflamação pulmonar em vez de laríngea indica outra coisa. — concluiu de forma firme, orgulhando-se por não ter esquecido de nenhum detalhe, apesar da pressão por estar diante de três pessoas tão importantes. Mingyu, que estava ao lado dele sob um silêncio resoluto, decidiu  finalmente mover-se para entregar os papéis para Yangmi. Seu rosto, entretanto, estava tão frio que até a perita arqueou uma sobrancelha quando ele falou sem uma gota de entusiasmo na voz:

 

— Qualquer informação adicional estará no relatório, então creio que não precisamos acrescentar mais nada. 

 

Yangmi olhou para ele com os lábios apertados em uma linha fina, sua expressão indecifrável conforme assentia e pegava os papéis.

 

— Certo, obrigada pelas informações, Hansol. — embora tenha se dirigido ao estagiário, ela ainda olhava para Mingyu quando prosseguiu. — Nos vemos mais tarde para discutirmos as possibilidades. Até mais.

 

E com um breve aceno de cabeça, ela virou-se na direção da porta e saiu a passos firmes. Wonwoo, seguindo seu exemplo, fez um "até mais" com a mão e também saiu caminhando, seus passos largos logo alcançando Yangmi que parecia querer sair dali o quanto antes. Hansol estava prestes a perguntar a Mingyu o que fora aquilo quando escutou seu chefe suspirar profundamente e sentar-se na cadeira mais próxima, seu rosto se afundando nas mãos grandes e precisas de cirurgião e seus dedos bagunçando seu cabelo conforme ele soltava uma risada sem humor e suspirava mais uma vez.

 

— Eu definitivamente preciso de uma folga. — ele começou a dizer, sua voz preenchida por um tom amargo que Hansol jamais escutara antes. — Preciso ficar longe dela por um tempo ou vou enlouquecer. — Hansol ficou muito parado e quieto enquanto Mingyu falava. Sabia que seu chefe precisava desabafar com alguém, então faria um bom papel de ouvinte e ficaria calado até que ele terminasse. — É difícil, sabe? Conviver com alguém dessa forma. Difícil se acostumar a uma rotina totalmente diferente quando você gostava tanto da antiga. Eu preferia como as coisas eram e me arrependo tanto de ter sido o motivo de tudo ter mudado... Ela me odeia e eu dei todos os motivos para que o fizesse, mas... — ele soltou um suspiro sofrido. — Mas saber disso não faz doer menos. Pelo contrário. Só me faz ter mais certeza de que eu definitivamente deveria me afastar de vez. 

 

— Então por que não faz isso? — a voz de Vernon saiu tão baixa que achou difícil Mingyu ter escutado. Todavia, seu leve balançar de cabeça foi resposta suficiente para confirmar que sim, ele escutara. Sua voz estava rouca e baixa quando respondeu:

 

— Porque eu a amo

 

Sua voz falhou na última palavra.

 

— Porque eu a amo desde a primeira vez que a vi discutindo com a bibliotecária da universidade por conta de um livro que estava em falta, e a amo desde então. Não tem um único segundo desde o momento em que a conheci que não a tenha amado, e sinto que o mesmo se aplicará a todos os segundos restantes dessa minha vida medíocre. 

 

Ele fez uma pausa para rir sem humor.

 

— Eu a amo e ela me odeia. Tão típico, tão trágico, tão merecido. Eu deveria agradecer por ela pelo menos falar comigo. Se fosse outra pessoa, duvido que sequer olhasse na minha cara depois do que fiz. Talvez o fato de ela ainda falar só faz com que eu a ame mais. Yangmi sempre foi diferente de todas, sabe? E mesmo eu tendo tantas atrás de mim, eu só queria ela

 

Hansol não sabia como reagir. Tinha plena certeza dos sentimentos de Mingyu por Yangmi, mas nunca poderia imaginar que eles seriam tão intensos, tão melancólicos e quebrados

 

— Mas ela era tão resolvida, tão séria e focada. Não sabia se ela me notaria algum dia e isso me deixava louco. Eu precisava que ela percebesse que eu estava a fim, que eu a observava e admirava, mas ela era tão alheia a mim quanto a luz é alheia a escuridão. Fiz de tudo, passei a frequentar a biblioteca, passei a observá-la nos corredores para saber com quem andava... Quando descobri que tinha uma amiga na minha turma, nem mesmo perdi tempo antes de interrogá-la. Foi assim que descobri seu nome e seu curso, e foi assim que eu passei a prestar atenção nas aulas que ela tinha antes de ir para a biblioteca. 

 

Ele fez uma breve pausa, quase como se pudesse enxergar a cena.

 

— Lembro como se fosse hoje do dia em que a conheci. Ela estava com o cabelo solto e um pouco embaraçado, o rosto com apenas o básico da maquiagem, e vestia uma roupa bem simples, uma regata gasta e uma calça jeans justa. Estava tão desleixada, mas mesmo assim eu me lembro de ter pensado que ela a garota mais linda daquela universidade. Estávamos em provas finais e Yangmi estava claramente estudando feito louca. Tinha a seguido desde o laboratório de toxicologia até a biblioteca, e sabia exatamente qual livro ela pediria porque eu tinha feito a mesma disciplina com o mesmo professor no semestre anterior. Então foi fácil para eu chegar ao lado dela alguns segundos antes de ela pedir o livro e solicitar o mesmo título. Lembro-me da exata expressão no rosto dela quando a bibliotecária informou que tinha apenas um exemplar disponível para empréstimo, da forma com que ela olhou da moça para mim com uma expressão de incredulidade. Eu tinha passado na frente de forma injusta e estava prestes a levar o livro que ela precisava desesperadamente... Não foi nenhuma surpresa quando ela começou a protestar. 

 

Ele deu um sorriso fraco, porém genuíno, antes de prosseguir.

 

— A voz dela era linda, tão firme quanto seu rosto. E mesmo que ela estivesse me xingando e tentando me fazer desistir do livro, eu não conseguia parar de pensar no quanto ela ficava linda com o rosto vermelho. Eu cedi, óbvio, mas não antes de fazê-la prometer tomar um sorvete comigo como recompensa por eu ter desistido do livro para entregar a ela. E Yangmi, mesmo que a contragosto, aceitou. Eu fiquei tão feliz que não parava de sorrir enquanto andava pelos corredores, nem um pouco culpado pelo fato de eu ter pedido para que meus amigos emprestassem todos os livros de toxicologia antes de Yangmi chegar a biblioteca somente para ter uma desculpa para falar com ela. 

 

Hansol arqueou as sobrancelhas em surpresa. Mingyu tinha armado tudo aquilo somente para ter uma desculpa para sair com ela? Parecia tão bobo...

 

— Depois daquele primeiro encontro foi fácil marcar outro e mais outro e mais outro... Quando demos por nós, estávamos namorando. Eu a amava tanto que seria capaz de qualquer coisa, de ir para qualquer lugar se fosse pra deixá-la feliz. E eu fiz. Durante os anos seguintes eu me sacrifiquei e sacrifiquei por nós dois. Cuidei dela da mesma forma que ela cuidava de mim, e nos tornamos tão bons nisso que decidimos estender para o resto de nossas vidas. Ela já tinha um ano de formada e eu estava me formando quando a pedi em casamento.

 

Hansol tomou um longo fôlego. Definitivamente não estava preparado para escutar algo como aquilo. Entretanto, Mingyu parecia tão perdido nas próprias lembranças que nem mesmo notou a surpresa do estagiário.

 

— Eu pedi e ela aceitou e eu nunca me senti tão feliz na vida. Eu tinha tudo o que queria: o emprego dos sonhos, a mulher dos sonhos, morava em uma cidade linda e tinha ótimos amigos... O que poderia ser melhor que isso? Mas então os meses foram passando e eu... Eu fiz algo terrível. Juro, juro que me arrependo, que se pudesse voltar atrás faria tudo totalmente diferente. Mas infelizmente as máquinas do tempo ainda não foram inventadas, e infelizmente o peso e a culpa pelo que fiz ainda me acompanhariam mesmo se eu conseguisse uma forma de consertar tudo. Sei que eu deveria esquecer Yangmi, aceitar seu ódio e seguir em frente. Mas sou egoísta demais, muito, muito egoísta para permitir com que ela viva em paz sem me ter por perto. E creio... Creio que esse egoísmo vá ser o motivo da minha morte, porque mesmo que eu saiba que ela merece alguém melhor que eu, mesmo que eu reconheça que ela deve encontrar um homem melhor que eu, eu não consigo vê-la com ninguém sem sentir vontade de morrer e de levar o desgraçado  para o inferno junto comigo. Só de vê-la perto do Wonwoo eu sinto vontade de... — ele parou para respirar, seu rosto uma máscara clara de fúria e angústia. — Eu não tenho o direito, mas não consigo evitar. Sou patético, eu sei. — ele finalmente olhou para Hansol. — E totalmente desesperado se estou jogando tudo isso em cima de você, me perdoe. — concluiu com sinceridade. Ele parecia cansado, os olhos vermelhos por um choro que ele se recusava a derramar. 

 

Hansol queria ser capaz de dizer palavras de consolo, de aconchego, queria ser um bom amigo e dizer que entendia. Mas como ele entenderia se nunca se apaixonou? Como ele poderia dizer para Mingyu que ele ficaria bem se não sabia como feridas profundas e extensas como aquela cicatrizavam? 

 

Como ele poderia consolar alguém por ter perdido o sol se ele passara a vida toda na escuridão? 

 

Mingyu pareceu entender que o silêncio significava mais que qualquer palavra e cedeu a Hansol um sorriso curto e triste antes de se levantar. Seus ombros estavam curvados e ele nunca pareceu tão pequeno quanto naquele momento, mas Hansol sentiu a diferença sutil em seu andar, no suspiro que ele soltou assim que andou até a porta e girou a maçaneta. Desabafar tinha feito bem a ele, e mesmo que naquele momento o jovem estagiário não tivesse palavras de consolo para dizer ao seu chefe, achou que só o fato de tê-lo escutado já fora uma ajuda e tanto.

 

 

—.

Horas se passaram antes dos primeiros resultados serem liberados. Geralmente quem ficava responsável pela análise laboratorial era Yangmi, mas como ela estava olhando a cena do crime e parecia totalmente exausta por conta do caso Yeon Jisoo, Hansol e Mingyu aceitaram o cargo e foram até o laboratório para fazer o que precisava ser feito.

Apesar de toda a conversa de mais cedo, o clima estava leve, completamente livre da tensão de outrora. Talvez desabafar realmente tivesse surtido um bom efeito em Mingyu, e talvez, só talvez, fosse um dos primeiros passos para que ele finalmente começasse a seguir em frente.

Se isso realmente estivesse acontecendo, Hansol se sentiria totalmente feliz por ter ajudado de alguma forma.

O jovem estagiário estava em frente ao aparelho de HPLC enquanto a leitura dos fluídos corporais estava sendo feita. A urina fora utilizada para a busca de biomarcadores toxicológicos, e o plasma sanguíneo estava sendo submetido ao ELISA para análise de anticorpos e antígenos. Mingyu estava sério, concentrado em despejar as amostras micrométricas nos pocinhos para então levá-los ao aparelho de leitura. Era um trabalho melindroso e demorado, feito para pessoas como Yangmi e não para aqueles como Hansol e Mingyu. Os médicos sentiam prazer no movimento das salas de consulta, nas emergências e nas salas de cirurgia. Já os farmacêuticos e peritos como Yangmi, encontravam no silêncio dos laboratórios a empolgação de fazer algo bom para a humanidade.

Formas distintas de ajudar pessoas, ambas necessárias e indispensáveis, ambas entrelaçadas de uma forma irrevogável: era disso que o mundo deveria ser feito.

Passados vários e vários minutos de espera, Mingyu finalmente levantou da cadeira e anotou os resultados apresentados pela máquina. Entretanto, seu cenho logo se franziu conforme via que algo estava errado com o que quer que tenha saído dali.

— Isso... Isso não faz sentido.

Ele comentou enquanto comparava os índices, relia os parâmetros, folheava as páginas com avidez. Hansol saiu de frente da máquina e andou até seu médico supervisor.

— O que não faz sentido?

Ele perguntou um tanto hesitante. Mingyu inclinou o papel somente o bastante para que Hansol conseguisse ler.

— Nenhum dos antígenos pesquisados deu positivo, nenhum sequer. Porém, ao fazer uma análise mais ampla, constou que existe sim um antígeno no plasma, só que desconhecido. — ele fez uma pausa para trocar de folha. — Peso molecular: 520g/mol, componentes moleculares: fosfatos, açúcares e bases nitrogenadas... Hansol, sabe o que é isso? — ele perguntou em um tom assombrado. Deveria ser muito raro escutar Mingyu usá-lo porque praticamente nada o assustava.

— Isso é nucleotídeo... Mas como um nucleotídeo poderia ser indicado como antígeno em um teste como o ELISA? — ele perguntou em confusão. Nucleotídeos, como componentes dos ácidos nucléicos, eram algo que todos os seres vivos possuíam, algo imutável e constante. Como seu corpo poderia reagir a algo que já existe nele? — Será que ele começou a desenvolver uma doença autoimune? Seria possível...

— Não, não seria. — Mingyu interrompeu com um aceno de cabeça. — Não foram encontrados anticorpos contra esse antígeno. Ele é a única coisa anormal em todo o plasma. O restante está bem, o hemograma, o índice de MetHb... Tudo está dentro do valor de referência, apenas isso não bate.

O médico mais velho soltou um suspiro pesado, seus olhos voltando a encarar os papéis como se eles de alguma forma pudessem explicar a eles o que estava acontecendo.

— Precisaremos fazer um PCR.

Foi o que ele disse depois de vários minutos de silêncio.

— Mas isso é algo acima dos nossos conhecimentos escassos sobre laboratório. Teremos que esperar Yangmi voltar. — sua voz estava fria e distante, e Hansol imaginou se seria por conta da recém-descoberta ou por outra coisa.

— Certo. Esse antígeno deve ser a chave para a descoberta do motivo da morte, se não for ele mesmo o motivo. Mas a questão não é somente essa, certo? — Hansol começou a falar, sua voz tão baixa quanto a do outro médico. — A questão é como esse homem entrou em contato com ele, e de onde ele veio.

Aquela era a real questão.

Como?

Mas essa parte, felizmente, não cabia a ele descobrir.


—.


Yangmi chegou horas depois com sua bolsa de trabalho abarrotada de amostras. Parecia exausta, louca por um pouco de paz, mas assim mesmo não deixou sua expressão se quebrar enquanto escutava tudo o que Hansol e Mingyu haviam descoberto.

Assim que terminaram seu relato, ela pegou os papéis com os resultados e analisou todos com calma, lendo cada um dos detalhes com atenção redobrada.

— O peso molecular não bate. — foi a primeira coisa que ela falou. — Um nucleotídeo não é tão leve, isso está errado. — seus dedos foram seguindo uma linha no papel conforme ela voltava a falar. — E a quantidade... Está alta demais para ser um pedaço de fita desgarrado de algum ácido nucléico viral. De alguma forma, o antígeno é somente essa fita, e não a proteína que ela expressa. Nunca vi isso antes, deve ter algum erro no leitor. Fizeram os testes novamente? Temos outra máquina no bloco C. — ela começou, mas Hansol a interrompeu de forma educada.

— Sim, nós refizemos. — ele apontou pra outra pilha de papéis perto do porta lápis. — E deu o mesmo resultado. Também achamos que poderia ser os reagentes e os trocamos... Deu a mesma coisa. De alguma forma que não entendemos, esse nucleotídeo é diferente dos demais.

Yangmi mordeu o lábio e Mingyu soltou um suspiro. Mas isso é impossível, é o que todos obviamente queriam falar, mas não tinham a coragem para fazê-lo, pois, ali estava a prova de que sim, era possível. Algo inédito no mundo estava diante deles, mostrando seus efeitos, mostrando suas peculiaridades, e mesmo que naquela sala estivessem duas das pessoas mais geniais que Hansol já conhecera, ele nunca sentira tanta confusão e dúvida no ar.

Aquilo, ele não deixou de pensar, parecia ser o fim da ciência como todos conheciam. E pela primeira vez na vida, ele se perguntou se dariam conta de solucionar aquilo.


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Notas finais do capítulo

Entãaaaao??? Juro pra vocês que estou vibrando desde já pelas coisas que estão por vir, e quero que digam nos comentários o que acham que aguarda nossos cientistas daqui pra frente. Aguardo vocês ♥
E sobre Yangmi e Mingyu, que bad, heim? A historia deles começou a ser revelada, mas ainda tem muito caroço nesse angú hahahaha espero que acompanhem para descobrirem junto comigo o que é ♥
Obrigada aos que leram até aqui e nos vemos no próximo cap. ♥

p.s: ainda não foi betado, então perdoem possíveis erros.



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