Noturna - A Maldição dos Criadores escrita por RunningWolfs


Capítulo 4
Mariposas


Notas iniciais do capítulo

Desculpa pela demora hahahaha, era para ter postado ontem e fiquei dodói.
Mas bora lá!

Bora Ler!



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Diferente dos costumes arcaicos e recatados adotados pela maioria dos reinos, as pessoas das Capitais Emblemáticas gostavam de ser chamativas principalmente com seus corpos. A estética era tão avançada que possibilitava quaisquer mudanças, fazendo-as parecer perfeitamente naturais, sem indícios de interferência cirúrgica. Como ainda eram jovens, os alunos de Bhakans se contentavam em mudavam a cor do cabelo ou olhos, demonstrando quanto dinheiro tinham os seus pais.

Com seus olhos carmesins e cabelos loiros quase brancos, Kass chamava atenção por sua beleza naturalmente desconhecida. Graças ao avanço da genética — ou pela cultura das pessoas das Capitais Emblemáticas de mudar a aparência —, ela não precisava esconder suas verdadeiras características sob perucas ou lentes de contado desconfortáveis.

Ela caminhava por um dos vários caminhos de tijolos coloridos do Pátio Central que levavam ao Templo de Lótus. Lya e Amanda conversavam a alguns passos dela animadamente sobre algum assunto em que Kass não tinha interesse.

Procurando algo para ocupar seus pensamentos, Kass encontrou Yass deslizando ao seu lado. Desde o encontrão com Amanda, ele não comentou mais nada sobre o colégio, e seu estranho silêncio era quebrado apenas pelo barulho das rodinhas de locomoção contra o chão.

Kass franziu a testa, curiosa para saber se tinha causado algum defeito nele, e deu três batidas na lataria brilhante.

— Eu não sou uma porta, Senhorita Kassandra — informou o robô.

Ela engoliu em seco. Não esperava uma reação tão rápida ou resposta como aquela vinda de um robô. Era uma reação humana demais do entendimento de Kass para com robôs.

— Não me diga — resmungou. — E pare com esse negócio de Senhorita Kassandra! É somente Kass.

— Como desejar.

Eles caminharam mais alguns metros em silêncio, o Templo de Lótus tornando-se cada vez maior com a aproximação lenta. Podia não ser tão impressionante quanto Skyfall, mas tinha lá sua grandeza.

Colunas grossas de mármore e capitéis em forma de pessoas curvadas sustentavam todo o peso do telhado dourado provavelmente de ouro maciço. Quando o sol saiu de trás da nuvem, a forte luz dourada refletiu nas telhas, e Kass precisou apertar brevemente os olhos sensíveis. No frontão arredondado, estavam os Criadores, como se estivessem concebendo pela primeira vez Linearth, e os largos degraus da frente. Após um olhar atento a todos os rostos, Kass percebeu a ausência de Selletus entre eles, mas não sabia como reagir diante disso. Seu coração apertou-se, então preferiu se distrair terminando a análise. Na entrada, havia cinco portas, sendo a do meio — feita de madeira de carvalho branco apresentando a mariposa com asas abertas talhada no meio de uma flor de lótus — a maior de todas.

Quando a voz de Yass rompeu o silêncio de repente, Kass deu um passo involuntário para trás.  

— Todo o material usado para a construção do templo foi doado pelos reinos da Losva em uma forma de agradecer à Capital Emblemática pela ótima administração de seu extenso território — explicou ele sem parar de andar.

Kass suspirou, soltando o ar presos nos pulmões, assentiu com um sorriso nos lábios e voltou a andar, um pouco mais atrás de Yass.

— É incrível. — Ela observou silenciosamente. Há pouco tempo reclamara com Lya sobre ter dado um nome a ele, mas agora parecia errado chamá-lo pelo o modelo de série e fabricação.

Ela estava pronta para iniciar uma nova conversa com Yass quando uma aluna de cabelos brancos o chutou. O robô despencou no chão; e enquanto, rolando descontroladamente, sua lataria impecável arranhava-se contra os paralelepípedos. Ele parou somente quando acertou uma das latas de lixo espalhadas pelo pátio, tamanha a força do golpe.

Kass rosnou e cerrou os punhos.

Apesar de estar impecável, a aluna fingiu limpar seu uniforme. Sua roupa branca com a mariposa dourada costurada na manga esquerda da camiseta ajustava-se perfeitamente ao corpo esguio, combinando com as ombreiras, o peitoral, as braçadeiras azuis escuras e a katana presa à cintura por uma bainha de couro.

Ela não estava sozinha. Quatro alunos, usando as mesmas roupas, mas totalmente pretas com apenas a Mariposa pintada em dourado nos peitorais reluzentes, seguiam a aluna logo atrás com sorrisos convencidos.

Mariposas, Kass pensou com desgosto.

— Saiba que o colégio preza por um ambiente limpo e organizado, Novata. — repreendeu a aluna cruzando os braços. — Lixos são colocados em recipientes como aquele ali. — Ela apontou para a lixeira.

Escapavam da lataria destruída de Yass pequenas faíscas indicando um possível curto-circuito. Não demorou muito para ele se desligar por completo, os olhos acesos e todo seu painel de controle manual se apagando lentamente.

Os quatro alunos que estavam juntos à aluna riram como hienas.

Kass também riu, só que debochadamente. Ela se curvou e indicou a direção da lixeira num movimento teatral com os braços.

— Então fique livre para se acomodar dentro dela.

Os alunos pararam de rir instantaneamente. Eles trocaram olhares surpresos uns com os outros e cochicharam comentários sobre Kass. Sua suposta líder ergueu a mão direita para que calassem a boca, encarando Kass com irritação e os lábios levemente repuxados num sorriso amarelo.

Kass sorriu e cruzou os braços sem abaixar a cabeça, sustentando o olhar da aluna sem medo.

— Sabe com quem está se metendo? — perguntou a garota com arrogância.

Kass deu de ombros.

— Não é com o lixo? Não importa pra mim. O problema é: você chutou o Yass, e eu não gostei nem um pouco.

A aluna caiu na gargalhada junto com as suas hienas sorridentes.

— Que bonitinho. Sente tanta falta da mamãe e do papai pra arrumar um amiguinho de lata?

Sabendo quanto seu corpo e Noturna esperavam por comida, Kass passou a ponta da língua pelos caninos afiados. Estava difícil se controlar no meio de tantos humanos, de tantas presas em potencial.

— Quer uma boa briga, Novata? — A mão da aluna agarrou o cabo da katana, tirou-a da bainha e jogou-a no chão. — Vou me apresentar apenas dar a chance de você recuar antes que seja tarde demais.

Kass deu de ombros como não se importasse — e não importava —, mas não conseguia esconder sua curiosidade.

— Vá em frente. — Acenou com a mão e cruzou os braços com impaciência.

— Sou a Vice-Presidente do grupo Mariposas, Sophie Byelomash — disse estufando o peito e erguendo o queixo.

— “Lixo” combina mais com você. — falou Kass.

Uma das hienas, tomando a dor de sua superior, avançou. Jogando o corpo para o lado, Kass escapou do soco rápido o suficiente para erguer a perna e acertar o joelho na boca do estômago do aluno. Ele arregalou os olhos, perdeu o ar instantaneamente e caiu no chão com um baque surdo. Kass o observou tentar se levantar com a mão no abdômen, mas voltou a desabar no chão.

Mais dois alunos — uma garota mais velha e um rapaz da mesma sala de Kass — juntaram-se ao confronto. Apesar de parecer uma boa tática, Kass via ataques daquele tipo como uma maneira desesperadora de pará-la. Ela recuou um pouco ao ficar entre os dois — querendo que a luta durasse um pouco mais — mas, ao observar o movimento sincronizado deles, os punhos raivosamente apertados, ela se abaixou e deixou que um acertasse o outro com socos poderosamente executados.

Vendo o olhar surpreso da Vice-Presidente, Kass sorriu e soprou uma mecha do cabelo que caía sobre olhos carmesins. Sua fome crescente a fazia imaginar qual seria o gosto de Sophie: doce pela sua jovialidade ou amargo como seu caráter?

Os Federais, com seus uniformes verdes escuros impecáveis e armas robustas penduradas pela alça de segurança, correram para apartar a briga, mas viram a mão erguida da Vice-Presidente e pararam imediatamente. Apesar de obedecerem ao colégio e, principalmente, a todas as Capitais Emblemáticas, os Federais não hesitaram.

Kass sorriu desafiadoramente. O pedido de Sophie só atiçou ainda mais sua vontade de arrancar o ar de superioridade da Vice-Presidente. Estava preparando o primeiro ataque, inclinando o corpo levemente para frente e apertando os punhos já imaginando qual golpe executaria, mas um corpo um pouco menor chocou-se contra o seu. Kass conseguia sentir os seios medianos e o tronco levemente ossudo pressionados contra suas costas.  Braços finos rodearam sua cintura com força e trouxeram uma lufada de ar impregnada com o cheiro de sua droga favorita.

— Kass, não faça isso. Por favor — implorou Lya.

Kass ficou sem reação por alguns segundos, assim como sua adversária mais adiante. Ela sentia o esforço dos braços da princesa ao redor da cintura para que não continuasse a luta.

Droga. Como Lya tem tanto controle sobre mim?

Os alunos estavam prontos para presenciar a briga mais emocionante de todos os tempos do colégio, mas Kass recuou, e eles resmungaram descontentes.

Aproveitando o desfecho mais sensato da briga, os Federais formaram um cordão ao redor de todos os envolvidos na briga e afastaram os alunos curiosos. Eles foram ordenados a seguir para as filas de entrada do templo. Ninguém ousou ir contra os Federais. Nem hesitaram.

Kass virou o rosto de lado e viu apenas o topo da cabeça de Lya.

— Eu passei dos limites, não é? — perguntou.

— Um pouco. Achei que não iria parar. — A voz baixa de Lya parecia ser uma forma de mascarar o tom de preocupação.

Ambas estavam absorvendo o momento à maneira delas, como se não houvesse mais ninguém ao redor ou uma Sophie irritada. Apesar de tudo, ela era Vice-Presidente do grupo Mariposas, e, pela a expressão carrancuda, perder para uma novata daquele jeito parecia impossível.

— Não! — Sophie avançou por impulso. Parecia não aceitar a trégua mascarada em derrota.

Kass firmou os pés no chão, protegendo Lya com seu corpo, mas Amanda, saindo do meio dos alunos curiosos, passou por baixo do braço de um dos Federais  e pôs-se no caminho de Sophie.

— Acabou, Sophie. — A voz de Amanda saiu baixa e ameaçadora.

— Amanda — disse Sophie com desdém. — Sempre protegendo os fracos, não é?

— Ah, peço desculpas se fiz você entender errado, mas não é Kass quem estou protegendo. — Amanda encarou-a com um sorriso torto nos lábios.

Isso deixou Sophie ainda mais irritada. Ela rosnou e deu um passo à frente. Os punhos dela estavam fechados, e os nós dos dedos, brancos.

— Sophie. Acabou.

Kass observou uma aluna se aproximar. Ela usava as mesmas vestimentas de Sophie, mas as ombreiras, braçadeiras e o peitoral eram totalmente brancos, dando uma aparência ainda mais grandiosa — quase divina — a ela. O cabelo rosa levemente ondulado nas pontas esvoaçava conforme o vento soprava, e os olhos cinzentos encaravam Sophie com repreensão.

— Presidente Rachel — sussurrou Amanda parecendo surpresa.

Sophie congelou. Ela olhou para os lados, parecendo desconsertada, ajoelhou-se e abaixou a cabeça em um gesto estranho de submissão.

— Não esperava vê-la aqui — murmurou Sophie.

Os Federais que se dedicavam exclusivamente à escolta da Presidente usavam armaduras negras, com capacetes antigos em forma de lobo e lanças de marfim. Antigamente, aquele era o uniforme dos primeiros Federais nomeados de Uivantes. Em seus anos como Julgadora, Kass havia conhecido muito bem aquelas vestimentas. Lembranças indesejadas voltaram como um turbilhão, e ela rosnou baixo em desaprovação.

Os dedos de Lya deslizaram pelo braço de Kass até agarrar sua mão. Todos estavam tão concentrados na presença da Presidente que pareceram não notar a aproximação das duas. Era apenas um toque. Um simples segurar de mão. Mas algo dentro de Kass fervia como um vulcão pronto para entrar em erupção, um sentimento inexplicável e quase incontrolável. Queria perguntar se Lya sentia o mesmo ou se isso era normal. Kass balançou a cabeça para se concentrar no presente.

— Realmente. Eu deveria estar pronta para entrar no templo, mas a Vice-Presidente não aparecia e ouvi rumores de uma briga envolvendo os integrantes do Mariposas e uma novata. — Rachel desviou o olhar para Kass sem muito interesse à princípio. Observando-a mais atentamente, ela pareceu soltar um peso dos ombros. Suas bochechas coraram levemente por algum motivo, porém a Presidente pigarreou como se para retomar a pose. — Devo desculpas pelo ocorrido. Normalmente Sophie é mais receptiva.

— Tudo bem — disse Kass. — Gosto desse tipo de recepção, mas Yass poderia ter sido poupado. — Ela indicou seu amigo destruído perto da lata de lixo com o polegar.

Rachel cochichou algo no ouvido de um dos Federais. Kass tombou a cabeça de lado como se quisesse saber o assunto.

Lya beliscou seu braço, e ela se encolheu por reflexo. Não tinha doído.

— O que foi? — sussurrou.

— Rachel pode ser bonita, mas não precisa babar.

— Posso estar com fome e imaginando a cabeça dela como um hambúrguer de carne mal passada. — Kass não gostava muito da comida humana, mas imaginar uma deliciosa carne a fez salivar.

Lya riu discretamente e negou com a cabeça.

— Duvido muito que seja apenas isso — comentou. Um sorriso zombeteiro estava nos lábios dela, desafiando Kass a dizer seus verdadeiros pensamentos.

Kass abriu a boca para responder; no entanto, três drones brancos passaram velozmente por cima de suas cabeças, e ela perdeu o foco. Eles flutuaram ao redor de Yass por alguns segundos, lançaram redes flexíveis ao redor do robô e ergueram-no.

— Eles vão arrumar seu amigo e o deixarão em seu dormitório — explicou Rachel. — Bem, precisamos nos apressar para a cerimônia. Vejo vocês por aí. — Pela primeira vez, ela olhou para Lya e se despediu dela com um aceno de cabeça. — Alteza.

Alguns paramédicos escondidos entre os alunos se apressaram em cuidar dos três integrantes feridos do Mariposas. Macas flutuantes abriram caminho em meio aos poucos alunos ao redor delas para ajudar na locomoção até à enfermaria.

Enquanto isso, Rachel seguia para o templo com Sophie e seus Federais fantasiados em seu encalço. Parecia realmente irritada com toda aquela situação e, antes de sumir entre os alunos, ela olhou por cima do ombro em direção a Kass. Não houve palavras, acenos ou expressões faciais, mas Kass sentia algum tipo de promessa escondida ali.

Uma promessa desconhecida.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Não deixe de comentar e queria agradecer a todos que estão acompanhando a história hahaha e não se esqueçam de comentar pleeeease!

Até a próxima!!



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