Sangue.

Era estranha a necessidade que adquirira pelo líquido, o coração de mármore há muito sem palpitar contrastando com o estranho ardor que lhe subia a garganta. Não podia se enganar e dizer que sobreviveria sem matar. Sua vida – ou morte, já que ainda não decidira em qual dos estágios se encaixava – dependia daquilo.

Ludwig não era hipócrita. Tão pouco idiota a ponto de dizer que os assassinatos que cometia eram justificáveis. Sempre fora justo, e odiava burlar regras. Mas sendo um vampiro, não havia muitas a serem seguidas.

Podia parecer uma desculpa meio esfarrapada, ele sabia, mas agora que se tornara um ser da noite, essa seria a sua lei. Matar pra viver.

Riu de um jeito torto e contido, sentado numa postura perfeita sobre o muro dos fundos de uma luxuosa casa, num bairro de classe média ao sul de Veneza. Estava na Itália a negócios, e não conseguia pensar em país melhor para beber do bom e do melhor.

Com exceção de sua amada e austera Alemanha, claro.

Soltou um suspiro cansado, aguçando sua audição a fim de localizar uma provável vítima. Já era tarde da noite, e ainda que dormir fosse uma necessidade dispensável, Ludwig apreciava desfrutar de momentos assim. Fazia-o parecer um pouco mais humano, talvez.

Saltou do muro alto num salto elegante, ajeitando a camisa social enquanto segurava o terno negro com a outra mão por sobre os ombros.  Deu alguns passos despreocupados e, antes que pudesse cruzar a rua, um berro indignado cortou o silêncio, chamando a atenção do loiro.

Timing perfeito, pensou divertido.

Continuou o percurso até o fim da rua, deparando-se com o dono do grito.

- Neeeeeeee, Japão! Como você pode... ic... fazer isso comigo? Me embebedar desse jeito... ic ic. – Olhou a cena espantado, tentando entender porque diabos aquele rapaz estava chamando um arbusto de japão.

O moreninho recém-chegado, no entanto, pareceu não notar a presença do vampiro, continuando sua briga com o amigo imaginário.

- Não, não! Sem... ic... Desculpas! Você não me disse que sakê tinha álcool! Isso... ic ic... não é coisa que se faça. – Pegou o Japão pelo “pescoço”, arrancando algumas folhas da pobre planta na ação.

Ludwig, de início assustado, começou a rir do garoto - visivelmente bêbado, não se importando em chamar a atenção do mesmo. Ele não parecia ser o tipo de pessoa que lutaria muito contra a morte – ainda mais na situação em que se encontrava, sem saber distinguir uma pessoa de um arbusto. Era vergonhoso. E por mais que negasse, muito engraçado.

A Itália era mesmo muito animada.

E o moreninho continuava a resmungar.

- Oe, e você... ic... aí? Eu te conheço?

Bem, já tinha se divertido o bastante. Chegara a hora de comer.

Num instante Ludwig se postara atrás do garoto alcoolizado, segurando-o pelos ombros enquanto se aproximava de seu pescoço, o perfume cítrico do mesmo alcançando suas narinas mesclado ao aroma quente de sangue.

- Ei! Nunca achei que um... ic ic... amigo do Japão gostasse dessas coisas... Para.. ic... de me cheirar!

O loiro sentiu ímpetos de rir, mas a ansiedade era tão grande que somente ignorou a insinuação do moreno, revelando suas presas enquanto se abaixava na direção de uma artéria pulsante. Final-...

~O~O~O~

Acordou assustado, o barulho de algo se chocando ao chão fazendo-o erguer do sofá num pulo. Que... Que fora aquilo?

Olhou ao redor atentamente, tentando se situar. Estava na sala de estar de sua casa, observando Feliciano dormir esparramado na poltrona ao lado, o pescoço alvo a mostra.

Sendo ou não reflexo do sonho, Ludwig teve que segurar a vontade absurda de morder aquele local, embora no fundo soubesse que isso nada tinha haver com sede por sangue.

Sacudindo a cabeça a fim de espantar aqueles pensamentos, o louro voltou a se jogar no móvel, só então dando atenção à televisão ligada. O nome “Twilight” nunca havia lhe parecido tão irritante.

Porra de filme!

Owari~