Shiro ria, dava conselhos, brincava e sorria. Lutava bravamente, arriscava-se pelo que acreditava e por seus amigos, encorajava-o a continuar na liderança. Queria acabar com Lotor, com o império Galra, queria paz.

Para todos os outros, Shiro continuava o mesmo, mas Keith sabia que não.

Seus sorrisos ainda eram realmente bonitos, suas risadas por vezes contagiavam e sua força e coragem ainda eram inspiração, porém nada daquilo alcançava seus olhos castanhos.

Keith teve a certeza de que havia algo errado com ele ao passar em frente ao seu quarto e ouvi-lo gritar. Sem pensar duas vezes, invadiu o cômodo, apenas para encontrá-lo trêmulo, suado e com os olhos vermelhos.

“Foi só um pesadelo, eu estou bem” Era o que Shiro sempre lhe dizia, quando Keith estabeleceu o hábito de verificar como ele estava antes de ir dormir.

Mas Shiro, obviamente, não estava bem.

‘’ ‘’ ‘’

O pequeno planeta possuía criaturas um tanto quanto estranhas, mas Keith não poderia negar o quão deliciosa a comida deles era. A aparência era exótica, mas o sabor da carne se desfazendo na sua boca fazia com que um sorriso quase nascesse em seus lábios.

Shiro parecia pensar o mesmo. Ele mastigava com satisfação a carne de coloração alaranjada e, vez ou outra, erguia o olhar e o encarava, fazendo alguns comentários de como aquela comida estava gostosa.

Apenas os dois tiveram a chance de provar da iguaria. Lance e Hunk estavam em outro planeta, em busca de um artefato que só poderia ser encontrado lá. Pidge ficou com Allura e Coran no Castelo, enquanto os dois entraram no Leão Negro e foram atrás dos materiais necessários. E o fato de terem completado a missão o mais rápido possível fez com que tivessem tempo de almoçar alguma coisa em um restaurante pequeno próximo da onde pousaram.

— Eu pensei que não voltaria a comer algo assim de novo.

A mudança na voz de Shiro e o aparente teor da conversa fez com que Keith levantasse os olhos e o encarasse.

— Digo... Eu pensei que morreria naquele lugar e, depois, à deriva naquela nave.

Keith o encarou, incerto sobre o que falar. Alguns minutos se passaram antes que ele finalmente se pronunciasse.

— O que aconteceu lá, Shiro? Porque não nos conta?

O mais velho lhe encarou.

— Eu já lhe contei, não lembro de quase nada. Algumas cenas desconexas, sim, mas que não têm necessidade nenhuma de serem compartilhadas em detalhes porque não mudam nada.

Keith cerrou os punhos, cansado daquilo. Sua voz aumentou alguns níveis quando respondeu:

— Muda sim! Mudou você! – Uma sombra recaiu sobre os olhos castanhos do outro, que se endireitou na cadeira, desconfortável – Eu não sou uma criança, Shiro. Eu sei que provavelmente te machucaram, te torturaram. Eu sei que o pouco que você se recorda faz com que tenha pesadelos. Eu sei que você tem medo, que você se sente perdido e sozinho e ao mesmo tempo com a responsabilidade de se mostrar forte para todos nós.

Keith ofegava e temeu ter ultrapassado os limites. A dor em ver o outro encará-lo de forma ferida e com lágrimas nos olhos fez com que esticasse a mão sobre a mesa e agarrasse a do outro paladino. Sua voz embargou e ele mal pode evitar gaguejar.

— Nós precisamos de você, Shiro. E-Eu preciso de você. Mas nós precisamos que você esteja bem e tentar ignorar o que aconteceu não vai fazer as coisas ficarem melhores. Você não está sozinho, pode contar com a gente. Pode contar c-comigo.

Alguns minutos se passaram em completo silêncio até que Keith sentiu os dedos de sua mão serem entrelaçados aos de Shiro. Seus olhares voltaram a se encontrar e aquela doçura sempre presente nos olhos do paladino quando se dirigia a Keith estava de volta, juntamente com aquele outro sentimento tomava conta dos orbes castanhos de vez em quando e que ele ainda não conseguia identificar bem o que era, mas gostava de vê-lo direcionado a si e saber que era o único a recebe-lo.

— Quantas vezes você vai ter que me salvar antes disso acabar?

Um sorriso nasceu nos lábios finos de Keith ao reconhecer a frase que ele lhe dissera no dia em que o encontrou.

— Não estou te salvando dessa vez.

O aperto em seus dedos se fez mais firme.

— Está me salvando de mim mesmo.

Keith encarou os olhos castanhos e viu o quão sério Shiro estava. Viu a doçura, o sentimento desconhecido, a satisfação de estar ali, mas também viu o medo, a raiva, a dor.

Quebrado. Tentando desesperadamente se curar.

— Quantas vezes forem necessárias. Estou aqui, Shiro. Droga, eu realmente estou aqui por você. Não deixe o que eles fizeram com você te consumir.

A firmeza em sua voz havia retornado, mas Shiro conseguiu reconhecer mais do que a seriedade ali. Havia muito mais envolvido. E ele sabia que Keith foi totalmente honesto e sincero ao dizer que estava ali, que ficaria ao seu lado.

Keith sentiu o polegar do outro acariciar levemente sua mão em movimentos circulares e sorriu, estreitando ainda mais o toque. Quando Shiro falou novamente, sua voz foi apenas um sussurro carregado de significados.

— Obrigado.

“Por estar aqui, por me enxergar, por se importar”.

— Você não tem que me agradecer.

“Eu sempre estarei aqui, não importa o que aconteça”

O sorriso que nasceu nos lábios do outro paladino fez o coração de Keith falhar uma batida e, naquele instante, ele prometeu para si mesmo que moveria montanhas, planetas, destruiria exércitos se isso significasse que Shiro ficaria bem. Que ele sempre veria o sorriso completo e o brilho feliz nos olhos castanhos.

Prometeu para si mesmo que não permitiria que ninguém o tirasse de si – deles— novamente.

Ele ficaria bem. Eles ficariam.

Lights will guide you home
and ignite your bones
and i will try to fix you