Quem os visse de fora poderia dizer que eram irmãos. Eles se conheciam desde sempre. Seus pais haviam sido colegas de profissão. Magnus e Will eram simplesmente tão parecidos que era impossível não se tornarem melhorem amigos. Basicamente viviam um na casa do outro, podiam ficar até altas horas assistindo Grey's Anatomy (era a única série que Will via), estudando biologia ou trocando fatos aleatórios que sabe-se-lá como sabiam sobre o mundo. Também pretendiam fazer a mesma faculdade, seguindo os passos dos pais. Will era o que gostava mais de meter a mão na massa, sangue e ossos expostos não eram problema algum para ele. Inclusive era quase um hobby seu mandar vídeos ou imagens de cirurgias para Magnus no meio da noite, apenas para zoar com a preferência do outro de se manter longe dessa parte mais... das áreas de emergência. Magnus preferia a parte da saúde menos urgente, que lidava mais com as pessoas. Era fascinado com o funcionamento do cérebro e podia facilmente se imaginar como psiquiatra. Ao mesmo tempo também tinha um queda por fisioterapia, mas tinha tempo para decidir. Estavam recém começando o primeiro ano do Ensino Médio, afinal. 

O primeiro dia de aula começaria na manhãs seguinte, e não bastasse ser uma nova fase, era um novo colégio. Estudavam antes em um que havia apenas até o Ensino Fundamental e não tiveram outra escolha além de mudar, mas fazendo questão que fossem juntos para o mesmo. Naquela tarde, ambos se encontravam na quarto de Magnus, pensando em como chegariam no novo lugar. Will, principalmente, queria chegar chegando vestido dos pés à cabeça com as cores da bandeira bissexual, pra deixar claro para todo mundo que não o conhecesse a beldade queer que era. Magnus não era muito de sair gritando a sua sexualidade (mas certamente não a negava), e ainda assim estava quase se deixando ser convencido por Will a usar algo com a bandeira pan. Porém se tinha uma coisa que não queriam era que a confusão que os perseguia desde quatro anos atrás se seguisse. Eles não sabiam de onde, havia se espalhando o boato que os dois estavam juntos, no sentido romântico da coisa. Não importava o quanto tentassem, nada parecia convencer seus antigos colegas que não era verdade. Eles eram o ship fanon da escola. Entrarem juntos no primeiro dia esbanjando toda as suas não-monossexualidades provavelmente não ajudaria muito a ir contra os boatos. 

Porém, no fim das contas, eles não precisaram discutir muito para o "let's be pride*" vencer. 

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Will teve que se esforçar um pouco para arrastar um Magnus meio inseguro pelos portões da nova escola. O garoto nem estava tão chamativo assim, apenas com três pulseiras no braço esquerdo, cada uma de uma cor da bandeira pan, e a jaqueta que ele mesmo havia pintado a barra de rosa, amarelo e azul (para sua primeira parada LGBT) amarrada na cintura. Will, por outro lado, tinha posto gosto na produção. Usava um jeans azul claro com uma camiseta de tons roxo e rosa que dizia "BI-lliant*" e uma espécie de lenço no pescoço com as cores da bandeira bi em lantejoulas. Até mesmo seus all-star tinham notas musicais coloridas em rosa, roxo e azul. Você teria que prestar atenção em Magnus para notar as expressões da sua sexualidade, mas Will não precisava nem estar na sua zona de foco. 

Quando eles finalmente chegaram aos corredores cheios de gente, Magnus esperava um silêncio mortal e todos os olhos se focando neles. Não foi nem de longe o que aconteceu. Foi então que começou a olhar em volta e perceber que quase todos os rostos eram conhecidos. Ninguém mais da sua antiga escola se surpreendia com um Will purpurinado, ele fazia questão de se vestir assim (e exibir aquela e outras camisas ótimas que havia comprado, como a que dizia "Yes, im confused. About how much stupid someone can be.*") pelo menos uma vez ao ano no dia do orgulho bi, mas geralmente haviam muitas outras vezes. Magnus se sentiu instantaneamente aliviado, e quase lamentou um pouquinho não ter deixado Will colocar nele a versão pan do seu lenço de pescoço. 

Will, por sua vez, procurava pelos rostos diferentes. Ele queria gente nova, sim. Onde Magnus se sentia confortável, ele se sentia sem novas oportunidades. Não foi por menos, então, que ao se ver sentado no mesmo lugar perto da janela, olhando para a mesma professora de história que teve a vida toda (por mais que amasse as aulas de Atena e ela fosse a tia do seu melhor amigo) e não ter visto mais do que cinco ou seis alunos diferentes, estes que não se sobressaltaram a seus olhos (alguns até olharam torto para ele), Will estava sentindo como se tivesse trocado seis por meia dúzia. Assim que bateu o sinal para o intervalo, ele arrastou Magnus para o banheiro. 

— Eu não acredito que todo mundo veio pro mesmo colégio que a gente. 

— Bem — Magnus deu de ombros — nós sabíamos que seria bastante gente. 

— Mas tinha que ser todo mundo? — Will se lamentava, fazendo um showzinho dramático contra a parede. — Eu quero novas experiências, nova gente, nossa adolescência não vai durar pra sempre! 

— Por todos os deuses, William — sendo ateu que era, Magnus gostava de colocar "deuses" no plural, já que era difícil se livrar de uma expressão tão comum — Eu não acredito que você me trouxe para o banheiro da escola no primeiro intervalo do ano pra me dar o seu discurso de "aproveitar a adolescência". Eu estou aproveitando minha adolescência muito bem com minhas séries, para de fazer drama por não ter mais gente pra você pegar. 

— Você fala como se eu já tivesse pego a escola inteira, Magnus, santo Hades — fazia anos que Will tinha aderido a mania de Magnus, mas, em vez de deuses, ele costumava só falar de Hades, que contraditoriamente a toda a aura energética e ensolarada que o garoto emitia, era seu deus grego preferido.

— Oh, tem razão — Magnus riu. — Você só pegou toda a escola que quis te pegar. 

Will arrancou um punhado de papel de secar mãos e atirou na cabeça do melhor amigo. 

Naquele momento, o som de descarga soou e os garotos, levando um sobressalto, perceberam que não estavam sozinhos. Ambos congelaram e acompanharam com o canto do olho (sendo nada discretos) um garoto de cabelos escuros e uma pele oliva pálida sair da última cabine. Magnus se perguntava como diabos o menino conseguia estar usando uma jaqueta de aviação naquele calor dos infernos, mas Will estava ocupado demais desenvolvendo a queda da sua vida para notar. Ele acompanhou o garoto com os olhos até que ele saísse, e quando voltou a olhar pra Magnus, esbarrou com um sorriso zombeteiro. 

— "Vovô — Magnus imitava uma voz de criança — Como foi que você e o vovô se conheceram?" "Ora, meus netinhos — ele fez uma péssima imitação da voz de Will, tentando soar rouco para parecer mais velho — Eu estava conversando no banheiro sobre meu número exemplar de pegações com o bom tio-avô Magnus de vocês, quando esse menino sem noção de calor saiu da última cabine e eu fiquei olhando pra ele de um modo nada obcecado por cinco minutos enquanto ele lavava as mãos" 

— Que engraçadinho você é — Will parecia prestes a jogar outra coisa no loiro a sua frente, quando seu rosto ficou lívido como se tivesse percebido algo — Magnus! 

— O que?! — Magnus respondeu rindo. 

— Ele deve achar agora que eu sou um pegador geral que não se apega e não tem relacionamentos amorzinho! Eu me apego, Magnus! Eu super quero ter um relacionamento amorzinho! 

Magnus olhou sem expresso para cara de Will por algum segundo. O garoto parecia estar falando tão sério. Magnus não conseguiu evitar se não rir ainda mais do desespero do melhor amigo. Às vezes Will sabia mesmo ser uma rainha do drama. 

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No dia seguinte, por algum motivo (talvez por estar se sentindo mais confiante e querendo compensar o dia anterior) Magnus resolveu usar sua blusa com os dizeres "PAN-tastic*", que Will tinha dado de presente pra ele quando comprou a sua dos dizeres "BI-lliant". Ainda que a de Magnus fosse mais discreta, toda preta, apenas com as letras de PAN com as respectivas cores, era mais aparente do que a do dia anterior. Já Will estava ocupado demais bolando maneiras de descobrir de qual turma era sua nova queda para pensar muito em seu look do dia (não que ele estivesse desarrumado, William Solance nunca saía sem estilo de casa). 

Magnus teve de ouvir todo o caminho até a escola as lamúrias de Will por não terem encontrado o garoto na saída do dia anterior, e foi um alívio quando sua prima Annabeth se juntou a eles. Ela já estava no último ano, e por mais que, assim sendo, ela e Magnus só tivessem mais aquele ano juntos, ambos estavam felizes de estar estudando na mesma escola outra vez.

— Annie, você não está sabendo da última do Will — Magnus se escorou nela, soando debochado — ele está doente.

— Doente? — Annabeth pareceu confusa por um momento. Will era neurótico com doenças, mas neurótico não era bem como o garoto estava parecendo. 

— Oh, sim — Magnus sorriu — se chama "amor à primeira vista". — Annie riu e resolveu entrar no jogo.

— Céus, isso parece sério. Ele tem chances de sobreviver? 

— Dado a minhas experiências... — Magnus fez uma pausa dramática — As chances são muito poucas.

— Terminaram de zoar da minha cara? — Will reclamou, mas também acabou rindo um pouco.

— Nah — Magnus sorriu.

— Quem é, Will? — Annabeth perguntou. 

— Ah, essa é a melhor parte — Magnus se meteu — Ele não sabe.

— Não sabe? — Annie riu.

— Nós estávamos no banheiro conversando ontem — Will começou a contar — quando ele saiu de uma das cabines. Eu não estou apaixonado, só o achei interessante e queria tentar uma aproximação.

— Você nunca acreditaria que esse é o tipo do Will — Magnus comentou para Annabeth — Ele parecia ter aqueles estilos emo, góticos, não sei, só sei que nesse calor estava vestido da cabeça aos pés, até com uma jaqueta de-

— Aviação? — Annie interrompeu, sorrindo.

— É — os olhos de Will brilharam — Annabeth Chase, não me diga que você o conhece.

— Seu dia de sorte, Will — ela sorriu mais — Ele se chama Nico de Ângelo e, da última vez que eu chequei, era bem queer. 

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Quando o sinal do intervalo tocou, Will basicamente sumiu da sua carteira e Magnus teve que correr para alcançá-lo. Annabeth tinha dito que Nico passava a maior parte dos intervalos na biblioteca, e era pra lá que os garotos estavam correndo cheios de ânimo. Bem, Will estava com ânimo. Magnus estava quase morrendo e, num descuido, acabou tropeçando e batendo de cara com uma das paredes. 

— O que tem na água desse lugar que faz as pessoas serem tão malucas? — uma voz soou do seu lado — Ou talvez seja algo de gente loira? Um outro loiro maluco acabou de passar correndo por aqui quase me atropelando.

Magnus levantou o rosto de deu de cara com um emaranhado de cabelos verdes. Desceu o olhar e encontrou um par de olhos heterocromáticos, um castanho mel, quase dourado, e outro escuro, o encarando. 

Magnus agradeceu a qualquer coisa que existisse no universo por Will não estar ali, se não seria a sua vez de ser zoado.

Ela, pelo menos parecia a Magnus que devia usar "ela", o olhava séria.

— Perdeu alguma coisa aqui? 

Magnus deu um passo para trás e (tentou) parar de encará-la. Ela pareceu que iria dizer algo mais, quando notou a blusa de Magnus. Um sorriso pequeno brotou em seus lábios.

— Em nome do arco-íris habitante em mim e o arco-íris habitante em você, vou deixar essa passar — ela deu uma piscadinha, se virou e começou a ir embora.

Magnus ficou perdido por um momento, observando ela ir, quando percebeu que havia uma estampa nas costas de sua camisa verde. Bem em cima haviam os dizerem "It's not difficult*" e, logo baixo, uma caixa de pesquisa do Google, mostrando o histórico de pesquisas recentes com "genderfluid", "non-binary", "agender", "demiboy/demigirl" e muitos outros gêneros até a a barra inferior da camisa. 

Magnus sorriu e começou a caminhar até a biblioteca atrás de Will, sabendo que no dia seguinte seria ele a arrastar o melhor amigo atrás de certo alguém.