Por Isso Odeio Lobos escrita por Clara Luar


Capítulo 1
Por Isso Odeio Lobos


Notas iniciais do capítulo

Ás vezes a gente não é a mocinha capaz de mudar o bad boy. Ainda assim, devemos desistir desse amor? Não custa aproveitar, né? Ou isto só machuca mais?
Espero que goste, boa leitura.



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Annabelle Draklord

Os lobos são um povo bárbaro.

 É a primeira coisa que penso ao sentar-me no banco de bronze trabalhado, ajeitando a saia para que esparrame pelas pernas do acento. Link, meu criado pessoal, abre o guarda-sol para proporcionar-me sombra. A luz do Sol é fraca aqui, onde o céu da manhã é alaranjado, mas ainda assim irritam minha pele sensível, por isso Link cuida para que eu sobreviva até o fim dessa partida — não que acredite que eu vá, realmente, assistir ao jogo até o fim.

Ainda indignada com que vejo, estreito os olhos para o vasto campo de futebol americano. Mesmo após subjugar a raça humana, alguns costumes prevaleceram e os monstros tomamos gosto pelas atividades mundanas, como o esporte que vejo praticarem neste instante.

Só há lobisomens em campo. Dois times mistos, formados por machos e fêmeas, disputam a bola de couro como animais — como eles naturalmente eram. Uivam, arranham e empurram uns aos outros a fim de alcançar um objeto esférico que nem faz questão de fugir deles. Não há estratégia ou perspicácia, apenas brutalidade.

É um dos motivos pelo qual eu os odeio: Deixam-se domar facilmente por sua natureza selvagem. Graças a eles, todos os monstros são vistos como brutos, inclusive nós, vampiros, que sempre prezamos a discrição em nossas caçadas.

— Odeio os lobos de tal maneira que percebi ser capaz de listar tudo o que me incomoda nessa raça meio humana e meio lupos, Link — brinco. A selvageria seria o primeiro motivo.

Um assovio sonoro semelhante ao sopro de uma flauta ecoa no campo, por sobre os uivos irritantes dos lobos, interrompendo a partida.

Um punhado de lobisomens exaltados vai ao redor de Alf, o árbitro elfo, para tirar satisfações. Contudo, este é irredutível, e logo vejo um dos lobos, Wash, partindo para cima do árbitro. Hannah, a namorada do lobo exaltado, interfere, segurando-o pelo braço enquanto brada que ele poderia ser expulso se continuasse a afrontar o elfo.

Outro motivo para que eu os deteste: Não sabem conversar. Mais rosnam que declaram. A forma de argumentar é mostrar os punhos.

Primitivos.

Finda a confusão, percebo que a vantagem é do time de Mason Ohlone. Mesmo de longe noto a vivacidade em seus olhos cor de lua. Seus músculos chegam a vibrar a medida que avança pelo campo, a bola de couro acolhida sob seu bíceps. É rápido e preciso — o único que, embora selvagem, mantém o foco num só objetivo: cruzar a linha do gol. Talvez essa concentração seja o responsável por torna-lo o capitão de todos os times do colégio.

Os companheiros não se importam se Mason é seu alfa e lançam-se contra o lobo, sem sorte. Vários vão ao chão pelos golpes dos outros jogadores do time de Mason e nenhuma garra alcança o lobisomem que avança, engolindo o gramado mais e mais.

Não demora muito e é Touchdown.

Mason é erguido ao alto pelos braços igualmente fortes de seus irmãos. Seu cabelo negro cai sobre a testa suada, sem que ele se importe. Uiva vitorioso, os companheiros acompanham. E, num breve instante, ele olha para a arquibancada, diretamente para mim. Oferece uma piscadela, satisfeito em exibir seu feito.

Motivo três: os lobisomens precisavam fazer festas a cada conquista, com uivos incessantes e gritos indecifráveis.  Não percebem que apenas perturbam o ambiente.

Ridículo. E foi apenas um tuchdown — digo quase inaudível. Não preciso me esforçar muito para que sua audição apurada ouça.

Apesar da fingida ironia, um sorriso curto me escapa pelos lábios. Link o percebe.

Embora haja uma sombra de divertimento em meu semblante, ela logo se esvai ao perceber a líder de torcida que corre pelo campo para agarrar o vitorioso. Assim que enrodilha no corpo malhado de Mason, Safira, a sereia mais safada do colégio, captura sua boca e lhe rouba um beijo de engolir até a alma. O lobo é igualmente feroz ao corresponder a investida.

Não sei como não lembrei deste motivo antes: odeio como os lobisomens são extremamente mulherengos. Dentro da matilha, existe um mínimo de respeito que os impede de roubar o parceiro uns dos outros, mas isto não é um impedimento para que se tenha várias companheiras, ainda mais o alfa. Fora, então, era como se nenhum sentimento de terceiro valesse a consideração — não que sereias fossem menos biscas e se importassem em constituir um relacionamento sério.

— Link, se eles forem fazer a dança do acasalamento toda vez que conquistarem um ponto, vamos embora — determino ranzinza.

— Certamente, Milady.

— Lady Annabelle, que bom vê-la.

Ainda irritada, olho para o vampiro que senta no banco ao meu lado — por sinal, sem que eu o convide. Sendo quem é, sou obrigada a sorrir.

— Olá, presidente — cumprimento. — O Conselho Estudantil o liberou mesmo tão cedo?

— Embora os demais do corpo estudantil pareçam não notar, até vampiros se cansam uma hora. — Acolhe minha mão na sua e deposita suavemente um beijo. — Espero que minha escapulida seja um segredo nosso.

Sorri cordial, as presas à mostra.

Tento fingir-me entretida, no entanto, por dentro anseio para que solte-me.

Com uma beleza vampírica inigualável e dono de valiosas posses, Brian é um dos pretendes à minha mão, fato que me incomoda toda vez que ele me toca para depositar um de seus beijos.

— Minha boca será um túmulo.

— Não compare seus lábios doces há algo tão enfadonho quanto um caixão. — Captura uma mexa de meu cabelo e coloca-o para trás da minha orelha. A frieza de sua pele invadia minha atmosfera com audácia. — Pergunto-me quando terei a honra de prova-los para ratificar que, de fato, são tão doces quanto nectarinas.

— Com todo respeito, Lorde Brian, devo vomitar agora ou ainda haverá mais cantadas baratadas? — sussurro.

Brian gargalha alto.

Seu olhar vermelho fitam-me como a uma presa.

— Saiba que é muito caro ser cortejado por mim, Lady Anna.

Estou pouco me lixando, é o que penso em dizer quando percebo a bola do jogo disparando em nossa direção. Rápido e abruptamente lançado, o objeto esférico chega a girar ao redor do próprio eixo.

Antes que eu faça algo em reação, Brian interrompe a bola com uma mão. As unhas ficam no couro, rasgando-o propositalmente.

Observo admirada o vampiro que se quer desviou os olhos dos meus para defender-se do ataque.

— Foi mal, morto-vivo! Minha mão escorregou!

No campo, ouço Mason berrando falsas desculpas.

— Não há por quê se desculpar, cachorro de rua — Brian joga de volta a bola murcha para o lobisomem, com mesma intensidade com que ela fora lançada. — Graças a você consegui impressionar minha dama.

Volta-se para mim e, pela primeira vez, suas palavras me inflamam com um calor inexplicável.

— Corada, a senhorita fica ainda mais bela — elogia com um sussurrar ao pé do meu ouvido.

 Tão próximos, capturo o cheiro de cravo branco de seu perfume. Antes que ele me entorpeça, porém, retomo o controle das sensações e do raciocínio.

— Acabou o jogo. Não há mais motivos para ficarmos aqui, Link — digo, já levantando da cadeira.

— Posso acompanha-la até sua casa, se assim permitir.

Brian oferece-se gentilmente.

— Não, obrigada.

Sem a obrigação de justificar-me, dirijo-me para a saída, longe das emoções perturbadas.

—♥_♦_♥_♦_

Passara da meia-noite e a sopa de sangue fervido em especiarias e pimentas já esfriara. Ainda assim, mantenho o prato intocado.

Antes que eu desista de vez, a figura que eu aguardava adentra a sala de jantar iluminada por inúmeros candelabros.

— Boa noite, papai. Esperei-o para jantarmos. — Capricho um sorriso ao convidá-lo à mesa.

Kaius interrompe-se apenas para observar-me. Ele era alto, muito alto. Sob o terno, seu corpo aparentava ser esguio, mas bem sei que há músculos muito bem trabalhados por baixo do colete e da camisa social — que mantém desabotoada perto do pescoço. Seu cabelo está puxado para trás de modo impecável, e a palidez chega a brilhar.

Quando fala, sua voz é grave e fria, como o assobio do vento na noite sombria.

— Acha mesmo que tenho tempo para isso?

Minha expressão vacila.

— Os lobisomens estão cada vez mais descontrolados, sedentos por poder e uma posição acima de nós, e você sugere que eu pare meus afazeres para comer? — Por mais que não se exalte, seu discurso ribomba pelo salão feito trovoada.

— Há dias que não come, papai.

Tento argumentar, mas é inútil.

— Humanos comiam todos os dias, abusando da fartura e da natureza como se os alimentos jamais fossem acabar, e veja como estão agora: mutilados sob a terra. Os lobisomens aderiram a essa gulodice, como bem percebi no velho Ohlone esta noite. Aquele lobo come voraz, sem modo ou etiqueta. Mas nós não, Anna. Nós estamos acima das vontades mundanas.

Motivo cinco: os lobisomens deixam meu pai irritado.

— Eu entendo.

— Não, você não entende. Preciso arranjar-lhe logo um esposo, um vampiro que seja capaz de manter sua boca calada a fim de não passarmos vexame. Sou mesmo um tolo se achei que, um dia, você poderia vir a ser uma líder.

Sai do cômodo sem evidenciar qualquer emoção.

Cerro os punhos, segurando a súbita vontade de chorar.

— Ele não quis dizer isso, Milady. — Link pousa sua mão em meu ombro, companheiro. — Apenas descontou a raiva de uma reunião mal sucedida na senhorita.

Sem responder ou agradecer suas palavras de conforto, ergo-me e disparo para o meu quarto. Atrás, o semblante do meu serviçal é triste.

Chegando ao meu cômodo, jogo-me na cama, triste e frustrada. Embora despedaçada por dentro, insisto em não deixar minhas lágrimas transbordarem. Talvez se eu cerrar bem as pálpebras, consiga dormir quanto antes.

— Precisamos conversar.

Não abro os olhos, mas reconheço os passos pesados de Mason adentrar minha privacidade pelos vidros abertos da varanda.

— Hoje não — murmuro, o rosto mergulhado no travesseiro.

Ignorando meu pedido, o lobisomem avança mais. Quanto mais aproximava, mais o cheiro de cachorro molhado me inundava. Quando senta-se na borda da cama, o calor de seu corpo é quase palpável.

Afaga suavemente minha cabeça.

— O que seu pai fez dessa vez? — pergunta ainda em tom sério.

— Ele não me bateu. Relaxe e vá embora. 

Se ele continuasse acariciando meus cabelos, seria impossível não chorar. E eu não queria demonstrar minhas fraquezas a um lobo — que era o motivo de todo meu mal estar.

— Você consegue ser muito fria diante dos outros. Mas não precisa se fingir de forte para mim. Te conheço desde criança, Drak.

— Eu odeio ter divido minha infância com você — resmungo. Motivo seis.

— Não se preocupe: não vou espalhar o caso da lagoa para o colégio. — Embora esteja garantindo-me, mais parece uma ameaça para que eu revele minhas inseguranças.

Por nossa amizade de longa data, sei que ele não me deixará em paz.

Levanto no colchão, sentando sobre a saia da camisola, e vislumbro o alfa. Está apenas de calça jeans surrada; sem camisa, o peitoral definido amostra. Os cabelos molhados revelam que viera logo depois do banho.

Desvio os olhos, subitamente constrangida.

— Eu só perguntei se ele queria jantar... Não precisava ter sido um estúpido comigo... — tento manter o raciocínio apesar da bela visão à minha frente.

— Com aquele ar de O Poderoso Chefão, seu pai é mesmo um estúpido.

— Não te dou o direito de chamar meu pai de estúpido, cachorro. — Ergo o indicador na sua fuça, dessa vez irritada e não envergonhada. — Além do mais, ele estava estressado por conta do seu pai estúpido.

— Essa é a Drak que gosto.

Sorri, triunfante. O seu sorriso faz meu coração errar a batida.

Então percebo que suas provocações eram, na verdade, seu modo de consolar-me. O gesto aquece-me de dentro para fora, algo incomum para minha raça.

— O que você queria conversar? — Mudo de assunto.

Mason vacila. Ele olha-me profundamente com suas íris prateadas.

— Aquele morto-vivo que estava com você na arquibancada. Não chegue mais perto dele.

Não é um conselho, muito menos uma advertência. É uma ordem.

— Por que?

— Porque eu estou mandando — diz com veemência.

— Pena que você não manda em mim. — Cruzo os braços, encarando-o com desprezo.

Motivo sete: o alfa acha que todos devem obedecer a ele.

Ante minha relutância, Mason agarra-me e joga meu corpo para trás.

Observo perplexa seu corpo sobre o meu, suas mãos prendendo firmemente meus pulsos no lençol e os olhos cor de lua fitando-me seriamente. O calor que emana me oprime e desestabiliza.

— Por que tudo tem que ser tão difícil com você, Drak?

A voz murmurada em frustração faz meu peito formigar.

— Mande na sua alcateia, não em mim — afirmo com firmeza. Jamais seria subjugada por um lobo.

— Aquele cara não presta. Eu só quero o seu bem.

— Eu sei me cuidar — rebato.

— Estou vendo. Sabe cuidar-se tão bem que tem um lobisomem montado em você agora.

— Não diga uma asneira dessas em voz alta!

Tiro forças do constrangimento para domá-lo, lançando seu corpo para o lado e pondo-se imediatamente sobre ele — agora minhas mãos o prendem na cama pelos bíceps.

— E se pensa em continuar rolando já aviso que é você quem vai cair no chão! — vocifero, as presas rasgando a gengiva ao reconhecer uma presa.

Mason nada diz. Contempla-me arfar, sem planos de escapar das minhas garras.

— Eu odeio ver você com outro cara — revela.

O coração acelera em meu peito. Embora haja turbulências dentro de mim, analiso cada uma de suas palavras para não me deixar enganar.

—E eu tenho que ficar vendo você rodilhado de garotas?

— Sabe que é difícil resistir a uma sereia...

— A um vampiro também.

— Deve ser por isso que não consigo resistir a você.

Sua declaração passa pelo meu ego e aquece-me dos pés à cabeça. Queria muito acreditar nos seus sentimentos por mim.

Minha distração é o suficiente para Mason tirar proveito. Ergue-se no cotovelo esquerdo, leva a mão direita à minha nuca e me puxa. Nossos lábios encontram-se.

O beijo é quente. E não sei como resistir a ele.

 Deixo meu posto de cima do corpo dele e tombo sobre suas pernas. Ele vem atrás, seu peitoral encostando no meu.

— Nem assim conseguirá mandar em mim, cachorro — murmuro entre uma mordida e outra que ele deposita em meus lábios.

— Mas certamente te fará pensar apenas em mim. E, por enquanto, isso me basta.

Mason mordisca meu lábio, desliza a língua pela bochecha e saboreia meu pescoço.

Não demora para o confronto tornar-se uma captura mútua. 

Cruzo as pernas às suas costas, e minhas unhas agarram seu couro cabeludo. O alfa me levanta facilmente para em seguida lançar-me contra os travesseiros. Põe-se outra vez sobre mim. As mãos, possessivas, alisam minha cintura e descem até as coxas. Selvagem, ele devora-me com beijos, mordidas e chupões. A endorfina liberada anuviava meu raciocínio, e tudo o que anseio é mais e mais de Mason. Arranhando seu corpo com minhas presas, tento lhe retribuir com a mesma paixão. Contudo, isto que fazíamos não era amor.

Era tesão. Tínhamos uma química incomum e, há muito, decidimos aproveitar para satisfazer-nos mutuamente.

Na manhã seguinte quando acordasse, Mason já teria ido embora. Eu correria para queimar os lençóis sujos de pelo a fim de que nenhuma criadagem ou, pior, meu pai descubra. Iria para a aula, suportaria as implicâncias do lobo alfa e nós nunca teríamos um relacionamento em público.  Era uma amizade colorida entre uma vampira e um lobisomem.

Por que me presto a isto?

Uma parte de mim rejeitava a casualidade da nossa relação com repulsa. A outra, no entanto, apreciava os minutos que o lobo era somente meu. Embora haja trocas de farpas entre nós, Mason compreendia-me profundamente e importava-se suficiente para consolar-me. Era o único capaz de provocar meus risos. O único com quem meu corpo e coração reagiam frenéticos.

E esse era o principal motivo para eu odiá-lo: Embora ciente de que é o único que permito que me toque tão intimamente, Mason não percebia todo o amor que eu guardava por ele.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por dar uma chance a história. É um capítulo teste e espero muito que tenham gostado. Se quiserem uma continuação, por favor, deixe nos comentários. Vou adorar saber tudo o que acharam e como posso melhorar.
Até mais ♥



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