Querida Avis,

Muito mudou desde a minha última carta. Um ano atrás, você, como um pássaro amante de voos longos com vistas apaixonantes, não esperava que machucasse a asa e tivesse que passar por essa longa recuperação. Que ainda está em curso e talvez esteja para todo o sempre. Que, por mais que doa, é tão essencial para o seu crescimento como pessoa, como pássaro capaz de voltar a voar.

Minha querida, eu volto mais uma vez para lhe assegurar que não é culpa sua sentir essa dor. Você não deve temer voar alto, porque voar é a melhor coisa que você poderá experienciar. Não deixe o medo de se machucar novamente lhe impedir de sentir isso mais uma e outra e várias vezes. Voa e voa alto. O mais alto possível. E aproveite o máximo do vento que você sentir batendo em sua linda face.

Nesse último ano, eu lhe vi lutar tanto, Avis. Eu lhe vi chorar tantas vezes. E cair também. Eu vi você se despedaçar. Mas também tive o privilégio de te observar se tornar tão forte. Pegar todas as dores que carregava nas costas e transformar em algo melhor. Para você e para todos.

Perder algo tão importante como voar era para você não é fácil, muito menos simples. O vazio que fica é sufocante. As memórias desses voos te perseguem aonde quer que você vá. Mas não abaixe a cabeça. Não os deixe pensar que você desistiu.

Eu sei que a vida é difícil, meu bem. E eu sei que você perdeu seu ninho, mas aninhe-se a mim se sentir medo. Ou só saudade de uma proteção. Ou do afeto que, quando você caiu dele, perdeu. Entenda que eu, um singelo humano, tentarei de tudo para te fazer ver as coisas que a vida pode ainda lhe dar após uma queda. Alguns voos ainda poderão ser feitos.

Doce Avis, as belas cores de suas penas às vezes me fazem esquecer que você não as ama. Seu belo corpo perfeito para seu fim — viver a vida da forma mais plena possível — não é amado por você, como é amado por mim. Você é tão bela. Não desacredite disso, minha querida.

Os olhos curiosos sempre a procura de algo. As curvas de seu corpo estonteante e de seu esvoaçante cabelo. O radiante sorriso que você insiste em esconder. Seu canto faz apaixonar-se todos aqueles que têm o prazer de ouvi-lo. Até mesmo eu, um simples soldado, que não possui tanto a lhe oferecer, mas faria de tudo para ver um sorriso abrir em seus lábios róseos. Tudo seu contribui para a obra-prima da natureza que você é.

Hei de dizer que sem palavras fico eu quando penso em te escrever. Talvez, seja por isso que não o faço tanto. Sua presença acelera meu pobre coração. Exacerba as minhas emoções. Faz de mim apenas um soldado tolo apaixonado por uma garota pássaro com uma asa quebrada, mas creio que gosto desse sentimento. Gosto da leveza que estar enamorado com você me traz.

Seus ferimentos ainda precisam de troca de bandagens e os traumas consequentes da queda ainda tomam conta da sua mente. Porém, eu estou aqui. Para lhe fazer de minha protegida. Para lhe oferecer um ombro para chorar e uma mão para ajudar a levantar-se. Para lhe amar como nunca amei a mais ninguém. Para ver voltar a voar por aí.

Sinceramente seu,

Redmund.