Após a morte do imperador, a China foi dividida em três reinos: Shu, comandado pelo bondoso Liu Bei; Wu, comandado por Sun Qan e Wei, comandado pelo temível CaoCao, o dono da espada de mil almas.

A população que não pertencia aos três reinos, fugiam para pedir ajuda a Liu Bei ou pereciam pelas ordens de CaoCao.

Não havia heróis ou dragões que pudessem vencer a cobiça  de um homem, a cobiça de CaoCao.

— Já falei pra deixar isso que eu pego. - Shang se aproximou da esposa, desaprovando a teimosia.

— Estou grávida, Shang. Não doente. - Mulan jogou o cabelo para trás, frustrada, quando Shang pegou a cesta de maçãs da mão dela.

— Eu sei, mas isso não muda minha opinião. - sorriu de lado.

Mulan abaixou, pegando outra cesta e fazendo o mesmo caminho do marido entre as macieiras.

— Vou rezar aos ancestrais pra nosso filho não herdar sua teimosia. - Shang balançou a cabeça ao ver a nova cesta.

— Estamos começando uma nova dist... - um cavalo com o antigo selo imperial se aproximou, interrompendo o argumento da Mulan. O cavaleiro desceu ofegante e suado.

— General Shang, tenho um comunicado da guarda das muralhas. O líder CaoCao invadiu a província de Kioto e montou acampamento ao norte.

— Ele pretende dominar nosso povo. - Mulan sussurrou, ciente da ameaça queaquele homem trazia para sua família e província. — Nós temos que fazer algo. - encarou Shang.

— Não nós, eu. - apontou entre Mulan e ele - Você tem que ficar em casa protegida. 

— Não sou ia criança.

Shang agradeceu ao cavaleiro e arrumou as cestas nas costas, um plano sendo traçado em sua mente, ele precisava agir rápido.

— Shang, lutamos juntos mais de uma vez. - Mulan o acompanhou, não desistiria fácil, mesmo diante da feição fechada do esposo.

Shang preferiu se calar, sentia suas mãos tremendo, estava apavorado.

— Shang! Estou falando com você, não seja infantil.

— Ele é uma grande ameaça à nossa família. Tenho que conseguir o máximo de informação possível sobre ele e criar uma estratégia, Mulan.

— Posso te ajudar nisso.

— Quero você longe disso.

Mulan jogou a cesta no chão, os hormônios da gravidez a estressavam com facilidade.

Shang a ignorava, passos fortes no chão.

— Logo os homens da provincia serão convocados, precisamos agir antes de... - Shang a deixou para trás— Nós dois sempre gostamos de estar um passo à frente... Shang! - gritou, sendo deixada para trás. - Estou falando como comandante, título dado pelo imperador!

— Mas agora é diferente, Mulan! - Shang retornou alguns passos, encarando a esposa. - Não vou conseguir lutar sabendo que alguém pode tirar tudo que é importante na minha vida com um único golpe! - o general explodiu, era difícil demais, não há vitóriasquando se perde quem ama. - Você não entende? Eu não quero te perder!

— Eu sei me defender!

— E EU PRECISO DEFENDER A MINHA FAMÍLIA!!!

Decepção, era esse sentimento que refletia nos olhos da jovem guerreira. Shang virou de costas e cruzou os braços, não iria se render.

Mulan o olhou por alguns instantes, se sentia traída. Saiu correndo, passando por Shang; sentia a garganta seca e os olhos ardendo, doía ser ignorada. Pegou seu cavalo e cavalgou para a casa do seu pai.

Estava magoada com Shang, ele, entre todos, deveria entender o lado dela, aceitar que sua esposa também poderia fazer algo para contribuir. Não era fácil deixá-lo ir para guerra, teve a experiência de estar em uma, sabia que tudo poderia ser perdido em um piscar de olhos.
Sentiu seus olhos arderem mais, as lágrimas se formando no canto dos olhos. Teria que arrumar um jeito de ajudar Shang, não queria perder uma parte vital da sua família, mesmo que fosse em nome da honra. Do que vale a honra se não se tem alguém para abraçar?

Apeou do cavalo, passando pelo portão da família Fa, talvez seus pais estivessem descansando, o sono revigorante da tarde, logo essa paz deixaria de existir.

CaoCao era famoso por sua astúcia, ainda não havia perdido nenhuma batalha. E o pior, era famoso também por enfraquecer a província antes de uma batalha, como envenenar a água da população ou no caso recente que matou 1.000 pessoas, apenas para aprisionar suas almas na espada que ele forjou. 

Entrou devagar no templo; acendeu um incenso e colocou na bandeja do grilinho da sorte.

— Por favor, ancestrais! Preciso de ajuda! - rezou, nada aconteceu, apenas se viu refletida entre as lápides frias. Olhou as estátuas nos cantos altos do templo, lebre, macaco e a tartaruga, eles poderiam ajudar? Olhou para fora da janela, onde um dia esteve a estátua do grande dragão de pedra, que misteriosamente apareceu quebrada, sentia falta daquela estátua. Foi naquela estátua que ela decidiu lutar no lugar do seu pai. Foi exatamente aos pés daquela estátua que ela decidiu ser alguém que valesse a pena enxergar refletida no espelho... Olhou mais uma vez para as lápides, e novamente sua imagem estava incompleta. Quem era a garota olhando de volta para ela? 

De súbito, uma explosão, lembrando um festival comemorativo com fogos de artifício, fez Mulan sorrir, ela conhecia bem aquela aparição.

— Eaaaaiiii!!! Sentiu minha falta, não sentiu? - voz de locutor - Eu sei que sentiu, quem não sentiria falta de admirar essa delicia?

— Mushu. - Mulan sorriu.

O pequeno dragão saiu detrás da fumaça. - Arrasei na aparição, né? Meu nome deveria ser Ugo... Ugostoso. Ou então Umara... Umaravilhoso. - Olhou para Mulan, estava encantado.— Menina, ou você comeu muita melancia ou terei mais um para proteger. - levantou e abaixou as sobrancelhas.

— Precisamos de sua ajuda. - Mulan interrompeu.

— Protetor Mushu se apresentando pra salvar a China... De novo. - fez continência.

— CaoCao montou acampamento ao norte da nossa província.

— O grilinho tá me chamando. Chá das cinco, sabe como é. - fingiu sair.

— Falo sério, Mushu. - Mulan soltou o ar frustrada, fazendo o dragão congelar e olhar para trás triste.

— Eu também. Ele é mau, sabemos disso porque ele quer... Ele quer melhorar sua espada. - Mushu sentiu um calafrio passar por seu corpo.

— Então, não estamos mais juntos nessa? - A voz de Mulan estava baixa, receosa, havia um pouco de esperança em seus olhos.

O pequeno dragão ficou calado, assistindo à decepção no rosto dela.

— Ele quer forjar uma espada da alma de um dragão. É perigoso demais, até pra mim. - tentou justificar seu medo, abraçando o próprio corpo e encarando o chão.mas 

Mulan se levantou, tristeza em seus olhos, talvez não valesse a pena lutar. Uma luta que se luta só é desespero.
E pelo que ela estava lutando, afinal? Para provar algo para alguém? Mushu tinha razão, era perigoso demais. O líder CaoCao era o melhor estrategista daquela dinastia, como vencer tal grandeza? Desceu as escadas, precisava conversar com seu pai.

— Tá com medinho, lagartinha? - Uma voz rouca e baixa assustou Mushu, que soltou fogo sem querer.

— Eu não tenho medo. - tossiu fumaça.

Um grande dragão negro saiu das sombras, estava escondido entre as lápides. - Você não tem medo, mas deveria, largatinha. 


****

— Não podemos fazer nada, Mulan. - Fazú abraçou a filha.— É a obrigação do Shang defender a nossa província e, morrer por isso será uma honra.

— Não quero que ele morra, pai. - havia dor em sua voz.

— Mas se for necessário, ele irá.

— Do que vale morrer por honra, afinal?

Fazú olhou para filha, sentia seu peito doer. Queria pegar aquela dor e trazer para ele, não queria ver sua pequena guerreira sofrer. - Ele não irá morrer em nome da honra, Mulan. Ele está lutando para defender você. Honra é apenas um bônus. 

A mãe de Mulan pousou a xícara  na mesa, olhando triste para o chá em seu interior. - Vá para casa filha, passe um tempo com seu marido antes dele atacar CaoCao.

— Não temos um exército preparado pra ataque, apenas defesa. E sem alguém para admirar, eles não farão nada. Estamos sem um líder. - Mulan passou o dedo distraída pela borda, sorriu ao lembrar de uma pessoa.— Pai, você tem três moedas de ouro?