T-Hunters escrita por Israel Guedes


Capítulo 1
Capítulo 1: Initium - Aquele que não acredita




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"Existem três caminhos: O caminho certo, o caminho errado e o caminho do coração.

O caminho certo nem sempre é o certo;

O caminho errado nem sempre é o errado;

O caminho do coração é sempre o caminho do coração."

                                                    Ditado Inca

 

 

 

 

 

 

 

 

 


DOIS OLHOS CINZENTOS expressavam surpresa e apreensão.

Eles pertenciam a uma garota que aparentava cerca de 10 anos e um deles parecia estar chorando volumosamente um líquido marrom-escuro que descia até a base da mandíbula. Porém, o mesmo material do suposto choro era encontrado em todas as demais partes expostas de seu corpo, o que leva a crer serem na verdade marcas de nascença. Os cabelos da menina apresentavam uma coloração também marrom, mas puxados para o mel de tal forma que eram quase loiros. Os fios eram puxados do lado direito da cabeça, dando a volta por trás até desembocar sobre o ombro esquerdo, presos por uma fita que dava várias voltas. Uma leve franja se projetava também no sentido direita-esquerda do rosto. Trajava uma blusa bata florida, bermuda jeans e apresentava uma pulseira no pulso esquerdo - a qual possuía um símbolo negro curioso que parecia um quadrado com um losango dentro, e no losango um círculo que parecia um olho e do círculo saíam lanças que transpassavam os quatro lados do quadrado.

Ela estava de pé numa sala normal de uma casa. À sua frente duas pessoas de costas para ela, posicionadas de forma protetora,  portavam armas peculiares. Tratavam-se de um homem e uma mulher.

— Vá embora! – ordenou o homem. Este possuía marcas de nascença como a menina, embora em menor quantidade. Seus cabelo eram escuros e penteados para trás com alguma mecha caindo sobre o canto da testa, usava óculos e sua arma era uma cimitarra com uma lâmina serrilhada.

— Não vamos entregar! – garantiu a Mulher, que apresentava a mesma coloração castanho mel de cabelo da menina, e os fios todos eram presos numa longa trança que partia do topo do lado direito da testa, seguia pela nunca e desembocava sobre o ombro, chegando à altura do umbigo. Sua arma era um tipo de fio longo que enrolava várias vezes na mão e numa das pontas apresentava uma pequena lâmina presa.

As palavras proferidas pelo casal se dirigiam a outro elemento presente ali naquela sala, parado à porta da frente aberta (tornando possível observar que lá fora era noite). Uma figura sombria coberta por um longo capuz negro, jogando um breu sobre seu rosto, do qual só se sobressaía os olhos brilhantes amarelos possuidores de um tio estranho de coloboma: pupilas em forma de raio.

— Posso lhes assegurar que o propósito que terá em nossa posse é benéfico para o mundo todo – falou o desconhecido gesticulando, e foi possível notar que usava luvas, e na da mão esquerda tinha alguns anéis. – Nós estaremos justamente tirando das mãos erradas.

— O quê? – O homem, possível pai da garota das marcas de nascença, indignou-se. – Está nos insultando?! Nossas mãos são as erradas?

— Isso vindo de um Caçador de Recompensa – a possível mãe da menina também se pronunciou. - Temos centenas de registros sobre as ações “benéficas” de vocês. Não tenha a cara de pau de mentir.

— O que falei – o elemento continuou, calmamente, apontando-lhes um dedo – foi destinado à organização para a qual trabalham. 

— Não faz diferença! Somos parte dela! – O pai alteou a voz.      

— Isto faz muita diferença, mas não tenho tempo para discutir isso agora. – Ergueu a mão. – Decidam neste momento se vão entregar pacificamente.     

— Nem precisamos pensar na resposta – disse a mãe girando seu  longo fio com o pêndulo cortante no final.

— Hanako, esconda-se! – O pai mandou, mas não foi obedecido.

Ambos atacaram. Infelizmente, no mesmo instante que o fizeram o desconhecido já não estava mais lá. Na velocidade e um raio havia se movido para atrás do casal. A garota que assistia a tudo notou que um rastro de sangue no ar seguia desde o braço estendido do encapuzado até o pescoço de seu pai. Ao acompanhar o rastro com os olhos descobriu a origem dele. O sangue fluía do pescoço agora sem cabeça do homem da cimitarra. A tal cabeça fora projetada no ar com o possível golpe que o invasor de preto aplicara.

Tudo fora tão rápido que a mãe demorou um tempo para perceber o fato e chamar por seu marido. A menina chocou tanto com a velocidade fatal do desconhecido que ficou com medo de piscar novamente e outra tragédia acontecer. Mas involuntariamente o fez e quando abriu os olhos novamente o encapuzado já havia se movido para as costas de sua mãe e se preparava para um novo movimento.

Antes mesmo de chegar a abrir sua boca para avisá-la o homem de negro arrebatou a cabeça da mulher com uma mão e a enterrou com força no assoalho de madeira, quebrando-o. Simultaneamente a cabeça do pai finalmente alcançou o piso, espalhando sangue enquanto rolava a diante da cabeça da mãe enterrada no chão. A dela pelo menos ainda estava presa ao resto do corpo. A mulher reúne forças o suficiente para erguer a face o suficiente para encarar a cabeça sem vida de seu marido. Seu nariz quebrado e ensanguentado ficou à mostra.

— Q-querido... – gemeu. Notavelmente a pancada a deixou meio desnorteada.

Foi então que, de algum lugar, o encapuzado sacou uma espada média que possuía um detalhe curioso na lâmina: vários pequenos riscos que formavam pequenas placas na superfície, como se cada plaquinha houvesse se juntado para constituir a lâmina.

— Ha.. Hanako. Por favor, fuja! – A mãe se esforçava, para dizer, enquanto o invasor erguia a espada para o alto.

— Ahh!! Não! – Hanako clamou, notando o que ele faria.

O desconhecido não deu ouvido, tomou impulso e desceu a arma.

— NÃO FAÇA ISSO!!! – Hanako urrou implorando.

Sangue jorrou e outra cabeça rolou. O encapuzado tranquilamente agitou a lâmina no ar para remover o sangue.

Diante de tais cenas, Hanako começou a ter um colapso, pressionando o próprio rosto com os dedos e derramando lágrimas sem parar, até chegando a babar. Aquilo tudo não podia estar acontecendo, pensava. parecia mais um pesadelo.

Sem falar nada, o vulto negro se dirigiu calmamente até a menina. As pernas dela fraquejaram e caiu sentada, observando paralisada ao outro se aproximar cada vez mais. Não havia como Hanako estar mais aterrorizada. O assassino estava a um passo dela.






DOIS OLHOS AZUL-CLAROS abriam lentamente.

Eles pertenciam a um adolescente com cabelos também azuis, repartidos no meio (grandes em cima e curtos nas laterais) com umas mechas rebeldes espetadas bem no topo. Estava vestido formalmente, usando terno, calças e sapatos todos da cor preta - fora a gravata, que era de um vermelho vivo.

O jovem se encontrava no interior de um táxi, o qual estranhamente não se movia. Era grande a quantidade de buzinas sendo tocadas no ambiente.

— Ahn? O quê? – murmurou se situando. – O que é isso? Por que estamos parados? – indagou ao motorista.

— Parece que estão fazendo uma obra mais adiante nesta pista. Por isso a passagem está tão lenta.

O passageiro checou seu relógio de pulso com impaciência.

— Droga! Esquece, aqui está o dinheiro. – Deixou as cédulas no banco enquanto abria a porta.

— Ah! Senhor?

— Não posso esperar mais. Eu vou a pé! – proferiu já fora do veículo e começando a correr.

O sol brilhava forte no céu. É de manhã numa típica cidade do país oriental de Nippohara, cheia de edifícios, trânsito movimentado, pessoas levando suas vidas apressadamente, cheias de compromissos.

— Merda! Eu devia ter me precavido e saído mais cedo! – falava para si mesmo.

Este sou eu, Ken’ichi Akamatsu. Um grande idiota que não faz nada certo na vida, nem mesmo quando é algo importante para ele.

— Grrr! – Estava realmente decepcionado consigo mesmo. – Ahn?

Assim que iria virar numa esquina, uma bola de futebol se pôs em seu caminho.

— Ei! Moço! – Uma criança do outro lado da rua o chamou. – Chuta pra cá!

Ken’ichi enxergou um menino de uns 8 anos, olhos dourados e cabelos negros espetados acenando. 

— Ah, foi mal! – O adolescente falou, continuando seu caminho. –  Estou sem tempo!

Porém, quando mal dera dois passos, a imagem de uma garota de cabelos curtos rosados e a face coberta pela franja surgiu o seu lado.

“Sempre tire tempo para ajudar quem precisa”, a menina ensinava sorridente.

Ele parou imediatamente e mostrou uma cara de quem fazia algo a contragosto.

— Argh.

Ken’ichi então voltou até a bola.

— Tudo bem! Se prepara! – Avisou ao menino, o qual sorriu e assentiu. – Lá... – Tomou posição para chutar. – VAI!!

Crack! Inacreditavelmente bem na hora passou um carro e a bola, em sua trajetória, atravessou o vidro da janela do motorista e atingiu o próprio.

“O... QUÊ?!”, Ken’ichi exclamou em pensamento.

O carro derrapou descontrolado no cruzamento e só parou ao se encontrar com um poste do outro lado da rua à direita da esquina em que estava a criança dona da bola. Esta estava horrorizada.

— WTF??? A QUE VELOCIDADE ESSA BOLA FOI??? EU BATO PUNHETA COM MÃO, NÃO COM O PÉ!! – Ken’ichi não conseguia acreditar.

Por algum motivo, aquele dia as coisas pareciam querer sair do comum.

Nem um minuto havia se passado quando a porta do veículo se abriu com um estrondo.

— EU VI!!! – O motorista saiu apontando para o jovem de preto.

Ken’ichi se assustou.

Era um homem bem vestido e alto, de uns 40 anos, mas musculoso. Não apresentava cabelo algum. Tinha um rosto carrancudo, sobrancelhas grossas e olhos pequenos. O sujeito segurava a testa, de onde escorria um filete de sangue. Seus gritos furiosos metiam medo nas pessoas que se aglomeravam ao redor.

— EU VI QUE FOI VOCÊ, SEU FILHO DA PUTA!! Nem adianta negar! Você vai pagar por todo esse estrago, seu... – Quando percebeu, Ken’ichi já estava longe. – EI!

Enquanto o rapaz corria, lá veio outra vez a imagem da garota de cabelo curto.

“Sempre que causar mal a alguém, peça desculpas e aperte a mão da pessoa”, falava didaticamente.

— Se eu fizer isso, vou ser morto! — Ken’ichi replicava.

— EEEI!

Ken’ichi olhou para trás, curioso com o grito que veio de lá.

— EU VOU TE PEGAR, DESGRAÇADO! – O cara do acidente o perseguia enlouquecido.

— JESUS AMADO!!! – O adolescente se assustou e correu mais rápido.

— Vai pagar pelo que fez com o meu carro!!! A culpa é toda sua!

— Minha?! Acho mais fácil achar que o seu vidro era vagabundo! Não tem como ter quebrado tão fácil!

“Não insulte os outros”, “você colhe o que você planta”. Lá vinham mais ensinamentos da garota sorridente.

— Ahh! Vai se catar! – Ken’ichi reclamou.

“Quando as coisas estiverem bem ruins, pense que pelo menos não pode ficar pior”, a garota rosa aconselhou alegremente.

— Idiota! Não fale isso numa situação dessas! – O adolescente replicava.

Ao se aproximar de outra esquina, subitamente uma garota loira com visual punk surge com um cesto de roupa suja em mãos no seu trajeto.

“Viu, idiota?!!”, Ken’ichi xingou a garota de seus pensamentos.

Ouve-se um baque forte e roupas voam pelo ar.

Em outra área da metrópole, uma moto possante costurava entre os carros, arrancando gritos de “barbeiro” dos demais motoristas. Apesar disto, não parecia se importar.

Como estava de capacete, a única parte visível de sua face eram os olhos castanhos, que transmitiam frieza e serenidade e a franja ruiva; de resto ele trajava uma camisa preta (com um peculiar símbolo de um círculo com setas que saíam dele) de gola alta; por baixo vestia uma camisa de mangas compridas; as calças jeans eram azuis - com um bolso longo modificado na coxa direita - e os tênis brancos.

— Tsc! Que saco! – Reclamava. – Odeio ter que utilizar veículos normais. Eles são muito lentos. – Pegou um pedaço de papel no bolso e o examinou. – Como pensei, parece que terei que ir de trem. Não quero demorar mais. Não sei se alguém já conseguiu chegar lá.

Nesta hora um vulto passou pelo vão entre os topos dos prédios logo atrás do motoqueiro ruivo, o qual notou e virou o rosto para lá, mas só viu os prédios, sem nada fora do normal. Ainda assim, aquilo o intrigou.

Ao chegar à esquina, uma sombra surgiu repentinamente em seu caminho. O impacto foi inevitável. Dois gritos diferentes foram ouvidos.

— Ahn?! – Exclamou o ruivo ao ver direito a cena.

Havia se chocado com Ken’ichi, que acabou, de alguma forma, sentado no seu colo. O adolescente de cabelo azul estava usando um longo e chamativo vestido róseo, cheio de rendas e babados. Provavelmente veio do cesto de roupa da garota com quem esbarrou.

— Mas o quê?! – O motoqueiro emitiu.

— Por favor!! – Ken’ichi pediu abraçando o outro para não cair e aproximando seus rostos. – Acelere! Me leve pra longe e eu farei qualquer coisa que você quiser!!

O ruivo não poderia estar mais atônito.

Como se não bastasse a luta diária em prol de uma ideologia que não me pertencia, outras coisas que até então me eram estranhas estavam prestes a bagunçar tudo em que eu acreditava.

— Achei você!— Do nada, um indivíduo apareceu correndo ao lado da moto, conseguindo acompanhar a alta velocidade.

Tratava-se de um rapaz. Tinha cabelos roxo-azulados, sobrancelhas finas e olhos amarelos penetrantes com um tipo peculiar de coloboma: pupilas em forma de meia-lua; vestia uma camisa roxa com mangas arregaçadas; calça rasgada do joelho para baixo na perna esquerda (a qual era enfaixada); usava uma faixa na testa, alguns braceletes, uma ombreira simples no braço esquerdo e uma corrente na cintura; mas o aspecto mais chamativo era as estranhas tatuagens vermelhas espalhadas pelo corpo, dando destaque para a em forma de asterisco na pálpebra esquerda.

O motoqueiro ruivo arregalou os olhos. “Essas marcas...!”

Não chegou a terminar o pensamento, pois o estranho fez um movimento com a mão do qual o motorista foi obrigado a se defender. O impacto dos punhos foi forte o bastante para desequilibrar o veículo.

Ken’ichi gritou, o ruivo soltou um “merda”. Com muito esforço, consegue recuperar o equilíbrio. Assim que olha para trás, enxerga o cara esquisito novamente acompanhando a velocidade da moto, com a mão erguida se aproximando dele.

O motoqueiro inclina o corpo, saindo da rota que a mão tomava. Mas, curiosamente, ela não cessou, avançou até o que parecia ser seu verdadeiro alvo: Ken’ichi.

“O quê?”, o ruivo exclamou mentalmente.

O recém-chegado agarra o vestido róseo que Ken’ichi trajava e o puxa. Porém o tecido rasga, deixando o adolescente ainda na moto.

O ruivo aproveita o momento e acelera. O esquisito percebe e faz o mesmo. O motoqueiro novamente costura em meio aos veículos, arrancando gritos de Ken’ichi. O tatuado estranho consegue persegui-los e já se aproximava. O ruivo então aproveita que o sinal de um cruzamento fechou em um sentido e abriu em outro, para continuar acelerando, indo em rota de colisão com um caminhão que vinha do lado direito. O veículo grande buzina, mas a moto não para, parecendo que seria atropelada, mas consegue passar por um palmo de distância, antes que o caminhão cruze aquele espaço.

O perseguidor não conseguiu fazer o mesmo a tempo e precisa esperar o caminhão passar para ter de volta a visão de seu alvo. E a primeira coisa que enxerga é a moto entrando em um beco. Imediatamente se dirige para lá, mas assim que chega, encontra apenas o veículo abandonado ali, sem ninguém.

Pouco depois, Ken’ichi suspirava aliviado no coração de um parque com muitas cerejeiras floridas. Já havia se livrado do resto do vestido.

— Que droga, cara, eu quase morri. Que parada foi aquela? Tinha um cara ali, correndo atrás da gente? Você viu?

— Aquele... – respondia o ruivo, removendo o capacete. – Era um caçador de recompensa. - Agora era possível saber que se tratava de um rapaz bonito, alto, possuidor de cabelos alaranjados espetados que caíam formando uma franja dividida em duas acima do olho esquerdo.

— ... O quê? Tá de zoeira?

— Você acabou de ver um cara acompanhando a nossa velocidade na moto e não acredita em caçadores de recompensa?

— Boa questão! Como ele tava acompanhando a gente?!

— Magia, provavelmente. Ou talvez não, quem sabe. As coisas que eles fazem às vezes são desconhecidas até para nós – falou como se não fosse nada.

— Masoquê?

“O manicômio, preciso ligar pra lá”, pensou Ken’ichi.

“Nunca julgue uma pessoa como louca até conhecê-la direito”, a moça de cabelos cor-de-rosa voltava.

“... Ela tinha uns ensinamentos bem específicos, hein”, refletiu desconcertado.

— Enfim, quer saber? Isso não é da minha conta. Eu tenho um compromisso importante agora. Vou nessa.

Enquanto Ken’ichi ia embora, o ruivo estreitou os olhos, recordando do momento em que o caçador de recompensa quis pegar o jovem de cabelos azuis, e não ele. “Tenho que descobrir mais a respeito disso”, pensou.

No momento seguinte, Ken’ichi é surpreendido com a sensação de ter o braço esquerdo agarrado. Quando pensava em cogitar que fora sua impressão, ele foi puxado pra trás, de encontro ao ruivo.

Ao notar quem era, sentiu o sangue e a raiva subirem até sua cabeça.

— Mas o que voc... – Antes que pudesse completar o questionamento o ruivo posicionou sem aviso em sua frente um cartão prateado que continha: uma foto do cabeça laranja; um símbolo estranho que parecia um quadrado com um losango dentro, e no losango um círculo que parecia um olho e do círculo saíam lanças que transpassavam os quatro lados do quadrado; informações pessoais como o nome (Chiru Kuroai), data de nascimento (7 de julho de 2015), algumas denominações desconhecidas e uma palavra inglesa destacada em vermelho.

— T... T-Hunter? – leu aquilo com estranheza.

Foi quando teve uma lembrança:

Estava no meio de alguns colegas no colégio; uma das meninas mostrando algo em seu tablet para os demais.

— Olha só isso aqui, gente. É bem interessante. – Ela apontou algo na tela ao mesmo tempo em que leu. – É sobre esses...

— T-Hunters?! – Ken’ichi exclamou no presente. – Tipo, “aqueles” T-Hunters?!

— Exato, o que sabe sobre o assunto?

— É aquela espécie de sociedade secreta que se move nas sombras e tem objetivos a nível global, tipo os Illuminati?

— ... É. - Chiru confirmou. – Basicamente, é por aí.

Ken’ichi tentou puxar o braço de volta, mas Chiru o segurou com força.

— Se fosse verdade, seria mais um motivo pra eu não me meter com você! Não quero problemas!

— Eu só quero fazer umas perguntas! – O ruivo insistia.

— Tá, mas eu não tenho tempo pra isso agora, ok? – Ken’ichi mal acabou de dizer isso e a imagem da garota de cabelo rosa estava de volta. Ele já sabia o que aquilo significava.

“Droga, agora não”, pensava, relutante.

— QUE SACO! – Chiru estava visivelmente irritado. – O que é tão urgente que não pode esperar uns minutos?!

O rosto de Ken’ichi ficou vazio de expressão.

— Hoje é... o dia do funeral da minha irmã. - O ar ao seu redor ficou imediatamente mais denso. Chiru ficou em silêncio enquanto as pétalas de cerejeira caíam. Agora a face de Ken’ichi que estava desgostosa. – Satisfeito?

No momento seguinte, Kenichi corria pela calçada, observado pelo ruivo.

Uma noite ela me pediu pra sair e fazer algumas compras que eu havia esquecido.

Ele atravessava uma faixa de pedestres a poucos segundos de o sinal fechar.

Só que eu não queria e acabamos discutindo. No fim, ela mesma decidiu comprar. Fiquei aborrecido e fui me distrair jogando. Nem a vi ir embora. A última coisa que ouvi dela ainda viva foi “estou indo”. Mas estava chateado e não respondi.

Ken’ichi enfim chegou ao local do funeral, que já estava bem avançado.

Não me lembro direito do que houve a seguir até receber a notícia de que foi encontrada a caminho de casa. “Estupro seguido de morte”, foi o que me dissera. Então pelo menos hoje tenho que me despedir direito... 

***

Plaft!

O rosto da criança de cabelos negros foi projetado para longe da mão que o esbofeteara.

— Por que você fez uma coisa dessas? – indagou a dona da mão, uma moça de cabelos curtos e rosados. Curiosamente, sua expressão não era de raiva, mas sim de desgosto.

O menino se voltou a ela com indignação nos olhos azul-claros.

— Eu falei! Ele mereceu! Ele quebrou o braço da Rui, logo quando ela iria ter um recital importante, então escondi a droga da bombinha de ar dele!

— Ele já havia sido punido por isso.

— Ele só pegou uma suspensão de 1 dia, porque o pai dele é um cara poderoso e limpou a barra dele!

— Ele poderia ter morrido. Ele ficou em coma.

— Ele não poderia ficar impune.

— Ele não vai saber que foi uma vingança pelo que fez, então não vai aprender lição nenhuma no final das contas.

— Mas alguém tem que fazer alguma coisa, você sabe, você sempre me ensinou a não ficar indiferente perante injustiças.

— Também ensinei que cada vida é preciosa, não importando quem seja, e que todas as nossas escolhas e ações nesta vida têm consequências, e devemos estar preparados para elas. Você fez algo que não deveria, então aguente agora.

— Para que ser bom, se a maioria se aproveita dos demais?! Por que ser diferente e se ferrar?

A moça o abraçou docemente. Seu rosto era sereno, porém sério.

— Para plantar o amor. Justamente porque a maioria planta ódio e ganância neste mundo, devemos plantar o amor.

— ... O amor pode ser corrompido.- Ken’ichi rebateu.

— E o ódio pode ser transformado.

— Isso é idiotice.

— É exatamente de idiotas que o mundo precisa.

***

No lugar onde o funeral acontecia o jovem estava de pé diante do caixão onde jazia o corpo de sua irmã.

Em frente a ele, em outra estrutura de madeira, entre vasos de arranjos florais estava uma foto de sua irmã sorrindo ternamente para ele. Vê-la com aquela expressão doce costumeira o impactou muito. Tanta coisa passava por sua cabeça. Mas o que reinava era a culpa.

Mais tarde, no cemitério, diante do local da lápide da família, Ken’ichi segurava uma foto em que a irmã tirava uma selfie dos dois abraçados.

Simultaneamente, um trio de senhoras conversava poucos metros atrás.

— Olhem só, que absurdo – comentou a senhora número 1. - Chegar atrasado ao funeral de um ente querido tão próximo.

— E era a única família que ele tinha. Sendo ela quem cuidava dele. Quanta ingratidão – disse a segunda.

— Foi você que arcou com as despesas do funeral, não é, yuno? É irresponsabilidade demais! – Arrematou a última.

— Ei, fale baixo, ou ele pode ouvir.

Era inútil, pois Ken’ichi já ouvira desde o começo. Ele continuou quieto, mas cerrou o punho com firmeza. Sua expressão era de sofrimento e desgosto... consigo mesmo. Apesar disto não emitiu uma palavra sequer, e não derramou uma lágrima desde que chegou ali.

Algum tempo depois o jovem caminhava pelos arredores do cemitério cabisbaixo e com as mãos nos bolsos. O lugar tinha altos e baixos. Ken’ichi estava ao lado de uma extensa parede inclinada de concreto, onde no topo havia uma vasta área cheia de cerejeiras.

Ao dar mais alguns passos notou a sobra de uma pessoa parada mais a frente. Ao ligar o os pontos e sacar que o ruivo de antes deveria ter voltado ergueu a face com uma expressão de poucos amigos.

— De novo? Você não desiste, heim?

Foi mal. Eu sou insistente. – Ao contrário do que esperava, quem respondeu fora o caçador de recompensas dos asterisco na pálpebra que o perseguira anteriormente.

Ao passo que Ken’ichi arregalava os olhos o outro avançava em sua direção com o braço estendido para possivelmente agarrá-lo de novo. Porém, quando estava bem perto, um tênis surgiu bem próximo do caçador de recompensas. Era o tênis de Chiru, que estava no ar e aplicou um chute muito bem dado na cara do inimigo e o mandou voando vários metros para trás.

Logo que o ruivo aterrissou após o golpe e Ken’ichi processou o que aconteceu as perguntas do jovem de cabelo azul vieram:

— Você! O que é isso?! Por que ele tentou me atacar?

— Er... – Chiru tentava pensar em alguma desculpa. – Ele deve pensar que você é meu parceiro. T-Hunters e caçadores de recompensa mantém uma relação de ódio recíproco há anos.

— Não é verdade. Nunca agimos por ódio. – O caçador de recompensa replicou calmamente parado ao lado deles, como se nada tivesse acontecido. Nem parecia ter sofrido dano algum. Os dois jovens foram pegos de surpresa, já que nem o viram se aproximar.

Chiru reagiu instantaneamente, dando meia volta para socá-lo na cara.

Porém, o esquisito se esquivou como se não fosse nada e em seguida também tentou esmurrar o ruivo. Só que Chiru também consegue tirar a cara do caminho do golpe - ainda que com mais esforço -  e agarrar o braço estendido do caçador de recompensa. Em seguida toma impulso e o arremessa para longe. O esquisito consegue girar no ar e aterrissar são e salvo. 

“Olha, ele é mais rápido do que parecia”, pensou o caçador de recompensa.

A seguir ele arranca com tudo preparando um soco contra Chiru, que imita a ação e os punhos se chocam com violência.

Chiru geme de dor, pois enquanto o punho do caçador de recompensas permaneceu intacto, o de Chiru sofreu com o tremendo choque e por vários lugares sangue espirrou do membro.

— Tá esperando um convite?! – Chiru alteia a voz para Ken’ichi enquanto continua com o punho grudado ao do oponente. – Dá o fora daqui!!

Ken’ichi enfim lembra que tem pernas e as usa para dar meia volta e correr.

— Quem disse que ele pode vazar? – indagou o caçador de recompensas separando os punhos com um movimento. Em seguida se agachou e enfiou os cinco dedos de uma mão no concreto como se fosse manteiga. E puxou dali um bom pedaço do material e o arremessou em direção a Ken’ichi. – Fica quietinho aí!

Ken’ichi se virou em tempo de ver a pedra de concreto se aproximando, mas estava rápida demais para conseguir desviar. Causaria bons danos.

Em menos de um segundo Chiru surgiu em sua frente e com a mão que não estava ensanguentada ainda bateu na pedra para mudar sua trajetória. Ken’ichi assistiu de perto ao resultado que o ato causou. Uma unha de Chiru fora arrancada do dedo e outra estava prestes a cair também, além de uma boa esfolada na superfície da mão.

— Não pare. – O ruivo proferiu puxando um par de luvas negras do bolso. – Eu já falei... CAI FORA! – completou calçando as luvas nas mãos machucadas.

A seguir arrancou com tudo contra o caçador de recompensa. Ken’ichi ficou para trás sem saber como agir, pois a figura de sua irmã falava ao seu ouvido “faça algo de bom para quem lhe ajudou”. O que poderia fazer naquela situação? Provavelmente a coisa mais humana a se fazer.

— Alô, é da polícia? – falava ao celular enquanto corria do local.

Enquanto nisso, na briga, o caçador de recompensa defendia com um dos braceletes um murro do ruivo.

— Hmm... também é mais forte do que parecia – elogiou.

— Guarde a bosta dos seus elogios! – Chiru retorquiu bem alterado. – Tem algo bem melhor que pode falar. Me responda! Onde está aquele cara?! – vociferou entre os dentes.

— Eu não faço ideia do que você tá falando! – respondeu o caçador de recompensa, em seguida agachando para escapar de um soco do ruivo. – Então vou avisar uma coisa! – Pegou impulso com o movimento de descida e levantou com tudo enterrando o punho no estômago de Chiru. – Não me atrapalhe!

Chiru ganiu e tossiu sangue se encurvando sobre o abdômen. Aquilo chamou a atenção de Ken’ichi, que parou de correr e viu que o outro estava em perigo. As palavras “sempre ajude quem precisa” de sua irmã ecoavam fortemente. A polícia não chegaria a tempo, estavam numa parte afastada do cemitério, ninguém apareceria para ajudar. Ken’ichi lembrava de tudo que a irmã lhe ensinou, mas o que ele, como uma pessoa normal sem a força descomunal daqueles seres a sua frente poderia fazer?

Neste momento o caçador de recompensa erguia Chiru pelo pescoço e preparava o golpe final com a outra mão.

— Foi até divertido, mas já chega – enunciou ele.

Ken’ichi rosnou e parou de pensar. Mesmo morrendo de medo deixou as pernas se moverem rapidamente e o levarem em direção ao dois. O punho do caçador de recompensa já estava a meio caminho do rosto de Chiru, talvez não chegasse a tempo. Acelerou mais ainda. O ruivo estava prestes a ser atingido.

O punho do do caçador de recompensa então se deteve. No último segundo foi agarrado por uma mão. E não era a de Ken’ichi. Na verdade, Ken’ichi, que ainda estava um pouco longe, freou diante da cena.

A mão que aparou o golpe estava revestida por uma espécie de luva metálica.

A figura interposta entre eles era uma mulher alta, maior que todos. Não era possível precisar sua idade, pois trajava algo que lembrava muito um quimono negro com uma gola alta e larga, chegando até o nariz. Além disso, seus cabelos prateados eram raspados de um lado e grandes no outro; tanto, que as mechas da frente chegavam à boca. Para piorar, assim como o caçador de recompensas, usava uma faixa na testa, a qual cobria seu olho esquerdo. As únicas partes visíveis eram o olho direito, que era de um amarelo mais frio e penetrante do que o do esquisito; a estranha marca vermelha logo abaixo dele e o nariz. Também apresentava um coloboma curioso no olho: uma pupila que parecia feita de pequenos riscos que se estendiam de um centro em comum para todas as direções.

— Shirogane! – exclamou o esquisito do asterisco.

— Sinto muito, Takeshi – Shirogane enfim fala, encarando o outro caçador de recompensas. Sua voz era mais fina do que o esperado –, mas não vou deixá-lo prosseguir com isso.

— ... Como é que é? – Indagou Takeshi, nada contente.

— Eu disse: “sinto muito, Takeshi, mas não vou deixá-lo prosseguir com isso.” – Shirogane repetiu, sem emoção.

— Não era pra repetir!

Enquanto dialogavam, sem perceberem, Chiru levou a mão até o bolso modificado em sua calça e sacou de lá uma faca de exército dobrável que num único movimento foi armada e projetada contra a cabeça da recém-chegada Shirogane.

Como quem estapeia um mosquito, Shirogane o fez com Chiru, que saiu voando até logo se chocar com o muro inclinado do cemitério e ficar ali, enterrado no concreto, dentro do buraco que o impacto causou. A força incrível da ação fez Chiru vomitar uma massiva quantidade de sangue. Precisaria de um tempo para se recuperar o suficiente para poder se mover.

— Tem certeza de que quer continuar chamando atenção? – Shirogane indagou suavemente. – Vocês T-Hunters já caíram na mídia.

— CALA A BOCA! – Chiru urrou com uma voz alterada pelo sangue na garganta. Claramente ardia em fúria. – NENHUMA IDIOTA RELACIONADA ÀQUELE MALDITO VAI ME DIZER O QUE FAZER!

— Ah... entendi. – Shirogane proferiu sem realmente parecer dar importância. – Então é você. Faz muito tempo.

— Qual é a sua, Shirogane? – Takeshi  intrometeu. - Tá querendo pegar ele só pra você? Ou por acaso acha que eu não dou conta?

— Você demorou muito e acabamos passando da hora. Temos que ir imediatamente para aquele lugar, e depois ainda nos encontrar com aquelas pessoas. – Shirogane o lembrou.

— Tsc... que saco! – Takeshi voltou-se contrariado para Chiru – AÊ, TROUXA!!

— O quê?! – O ruivo sentiu uma pontada de raiva.

— Na próxima eu te pego! – Ameaçou apontando. O clima pareceu ficar pesado, até que... – TCHAAAAU! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! – Gritava acenando bem alto.

— Grr! Malditos! – Chiru rosnou. 

Foi aí que ambos os caçadores começaram a ser envolvidos por uma espécie de furacão luminoso, que subiu desde os pés deles e cobria seus corpos. Chiru só pôde observar enquanto ficava mais difícil visualizar os caçadores de recompensa por trás do fenômeno.

— ... Até a próxima... – Shirogane falou. – Filho “daquele homem”.

E desapareceram no ar.

Chiru permaneceu parado, cerrando firmemente o punho e rilhando os dentes de raiva

— Bosta...!

— ... O que... o que foi isso...? – Indagou a voz falha de Ken’ichi um pouco afastado.

Isso despertou Chiru.

— ... O que aconteceu aqui? – Ken’ichi murmurou estarrecido.

Ambos os adolescentes se encararam profundamente por um tempo.

Mais tarde, estavam em uma mesa de lanchonete.

“Sempre pague suas dívidas”, a garota rosada arrematou na mente de Ken’ichi.

— Tem certeza que não quer ir a um médico? – Ken’ichi perguntou.

— Tenho, T-Hunters são muito resistentes.

— Então, como posso lhe retribuir?

— Aqui. – O ruivo pegou novamente o papel do bolso e o colocou na cara do outro. Era um mapa das linhas de trem da cidade. – Qual desses trens me levaria mais rápido pra fora da cidade pela direção noroeste?

— Depende do que planeja. Em quanto tempo mais ou menos quer chegar no seu destino?

— O menor possível.

— Bem, se está disposto a arcar com qualquer despesa a solução é o trem bala, mesmo. Tinha um que ia direto pra noroeste, mas teve um acidente recentemente em que ele descarrilou. Ainda não tem previsão de quando a linha voltará a funcionar. Tem esse outro que sai aqui de baixo. – Indicou no mapa. – Ele faz uma volta grande, mas no fim acaba indo para a mesma direção e continua mais rápido que os demais.

— Ótimo. E quanto custa o bilhete?

— Caro. Ouvi dizer que está por volta dos 7000 Lenes (equivalente a 210 reais, atualmente).

— Hmm... – O ruivo ficou pensativo por um instante. – Não tenho o bastante. Você, me dê dinheiro! – ordenou.

— O-O QUÊ?! Como assim?! – Assustou-se.

— Eu tô precisando de grana – agarrou Ken’ichi pela gola da roupa -, então seja uma pessoa educada e, por favor, me ajude, sim? – disse ameaçadoramente.

— E é assim que você pede ajuda?!

— Cacete. Eu salvei o teu rabo dua vezes hoje. Você é tão mal-agradecido assim? – Chiru indagou irritado.

Ken’ichi  ficou calado sem saber o que dizer. A imagem de sua irmão perigava declamar algum de seus ensinamentos.

Pouco depois o ruivo contava as cédulas de dinheiro.

— Viu só? Isso é culpa sua! – Ken’ichi reclamava com a menina rosa de sempre.

“Não coloque sua culpa nos outros”, ela pareceu se defender.

— Diga... o que você pretende fazer a partir de agora? – Chiru perguntou.

— ... Você diz, depois do funeral? – Ele se debruçou sobre a mesa. – Bom, basicamente, estudar, tentar arrumar um emprego para continuar pagando as contas. Minha irmã que cuidava disso.– Deixou escapar um breve suspiro. Durante todo o dia ficou guardando todo tipo de emoção. Agora só queria deixar tudo sair. Aquilo doía. – Eu realmente não era o melhor irmão do mundo, eu sei. Era desobediente e impulsivo. Minha irmã tinha muito trabalho me criando sozinha, ainda tinha paciência para tentar me botar na linha. Se... eu ouvisse o que ela me dizia... talvez ainda estivesse aqui agora.

Chiru o mirava impassível.

— Então vai fazer tudo isso por culpa?

— Heim?

— Você não vai fazer isto porque acha que é o certo ou porque é o que acredita, mas sim por culpa, assim como, por exemplo, fiéis que seguem os mandamentos de sua religião por medo do castigo que seu deus lhes daria após a morte. – Ken’ichi nada respondeu. – Faça as coisas porque você acredita, não por obrigação. Com a decisão partindo de você, suas ações terão mais consistência e fará tudo com mais vontade e empenho.

Ken’ichi esperou ele terminar. Não disse nada imediatamente, refletindo que havia um ponta de razão no que aquele T-Hunter dizia. O rapaz se endireitou no assento e começou a falar.

— Pode ser, mas há o fator responsabilidade a ser considerado.

— Ei, você é o Aranha, por acaso?

— Pense, quando você é criança, não entende o peso de responsabilidades, não entende bem o certo e o errado, então muitas vezes os pais precisam lhe ensinar estas coisas de forma até dura, para botá-lo no caminho certo. O medo de levar uma bronca dos pais é um medo necessário pelo fato de a criança não ter um entendimento completo sobre esse tipo de coisa. Com Deus seria o mesmo, já que nos vê como filhos, castigo e medo são necessários muitas vezes. O mesmo vale para as regras da sociedade. O medo de ser punido por cometer um crime faz com que permaneça no caminho direito. A humanidade sempre precisa temer algo, porque o homem não é confiável. E consequências e responsabilidades andam juntas, devemos estar prontos para tomar a responsabilidade das consequências que nossos atos trazem.

— Mas aí você esquece que o medo não gera apenas atitudes boas, ele gera ódio também, guerras por causa disso.

— Não há um modo de fazer com que todos respondam da mesma forma a uma mesma coisa. Não existe nenhuma solução 100% eficaz. E mesmo com tudo isso, a maioria das pessoas não liga para este medo e faz o que quer, principalmente atitudes egoístas, o que acabar fazendo nosso mundo pender para o Caos. Mas é exatamente por isso que devemos plantar o amor. Justamente porque a maioria planta ódio e ganância neste mundo, devemos plantar o amor. – Ken’ichi parecia mais sua irmã do que ele mesmo.

O ruivo aguardou um pouco antes de responder, perguntando-se se ele estava falando mesmo sério.

— Essa lógica... – começou  

— Isso... – Ken’ichi interrompeu. Chiru se calou ao ver a expressão dele. – Isso tudo é muito imbecil... não acha? – Sua face misturava tristeza e certo deboche. Parecia que iria chorar, mas isto não aconteceu, em vez disso, sustentou um sorriso torto. – Ela era mesmo uma idiota, e aqui estou eu, me esforçando para seguir uma ideologia que eu nunca consegui acreditar apenas para manter a memória dela viva, porque eu a amava e sinto como se ela só fosse realmente deixar de existir caso eu não siga um ensinamento sequer. Eu nem sei... quem é mais idiota.

Um bom tempo se passou em que apenas uma ou outra risada fraca de Ken’ichi era ouvida. O ar estava deprimente ali, o assunto aparentemente estava morto. Foi então que o ruivo se pronunciou.

— ... Você disse que estava precisando de um trabalho, não é?

— Hum? – Ken’ichi o fitou, despertando.

— O que acha... de ser um T-Hunter?






DOIS OLHOS CINZENTOS se abriam, num misto de sonolência e confusão.

Eles pertenciam à garota das marcas de nascença, a qual agora descansava sobre um ambiente totalmente diferente. Sob um forte sol, por quilômetros se estendia uma superfície rochosa e árida, fazendo parecer que ela era a única pessoa viva por ali.


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