Inglaterra, 2 de setembro

Clara ergueu os olhos do livro por um momento, apenas para olhar para fora da janela do carro; as ruas de Wolvercote passavam rapidamente, embora sua mãe não estivesse com o carro muito acelerado. Com certeza não demoraria muito para chegarem ao cemitério.

Voltou sua atenção novamente para o livro em seu colo. Estava relendo O Hobbit, seu livro favorito quando tinha nove anos. Quando tinha doze, O Senhor dos Anéis assumiu o posto de favorito. Ambos eram as obras mais famosas de seu bisavô, J.R.R. Tolkien, o escritor. Ela amava poder sempre afirmar isso quando a perguntavam, pois também carregava o sobrenome Tolkien. Sua avó era Priscilla Tolkien, a filha mais nova de Tolkien.

Neste dia, 2 de setembro, era o aniversário da morte de seu bisavô, por isso sua mãe a estava levando junto para ajuda-la a por as flores no túmulo; seu pai não poderia ir, pois estava ocupado com o trabalho, então ambas foram sozinhas.

"... Bilbo ajoelhou-se, cheio de tristeza.

— Adeus, Rei sob a Montanha! - disse ele - Está é uma aventura amarga, se deve terminar deste modo, e nem uma montanha de ouro pode consertá-la. Mas fico feliz por ter partilhado seus perigos. Foi muito mais do que qualquer Bolseiro merece.

— Não! - disse Thorin - Há mais coisas boas em você do que você sabe, filho do gentil Oeste. Alguma coragem e alguma sabedoria, misturadas na medida certa. Se mais de nós dessem mais valor a comida, bebida e música do que a tesouros, o mundo seria mais alegre. Mas, triste ou alegre, agora devo partir. Adeus!..."

— Chegamos, querida. - a voz de sua mãe, Erin, junto com a parada do carro, tirou sua atenção do livro - Vamos, me ajude com as flores, depois poderá ler. Afinal, quantas vezes você já o leu? Cinquenta?

— Provavelmente. - Clara deu uma risada, pegando as flores - Estava na parte em que Bilbo se despede pela última vez de Thorin. E então o anão morre.

— Eu me lembro. - Erin afastou os cabelos loiros do rosto e também pegou as flores -lírios- e fechou a porta do carro - Uma pena que Thorin tenha morrido, não é mesmo?

— Sim. - Clara encarou o Cemitério Wolvercote - Mas, mesmo após tudo que ele passou, ainda assim caiu nas armadilhas da ganância. - balançou a cabeça - Talvez tenha sido melhor assim.

Era a primeira vez que Clara veria o túmulo de seu bisavô pessoalmente, pois já tinha visto fotos, e estava ansiosa. Caminhou depressa, seguindo sua mãe.

— É aqui. - Erin parou, e começou a tirar as flores da sacola de papel.

O túmulo era de certa forma simples, mas bem feito e bonito, com pedra cinzenta. Ali também estava o nome de sua bisavó.

Edith Mary Tolkien

Luthien

1889 - 1971

John Ronald

Reuel Tolkien

Beren

1892 - 1973

Clara conhecia a história de Beren e Luthien, e sabia que Tolkien afirmava que Edith era sua Luthien. Provavelmente, Beren e Luthien era uma de suas histórias favoritas.

Balançando a cabeça, a garota pegou a outra sacola e colocou os lírios de forma arrumada no túmulo.

— Você o conheceu? - Clara perguntou.

— Não que eu consiga me lembrar. - a mãe respondeu, terminando de arrumar as flores - Eu era muito nova. Mas sua avó e meus tios falam tão bem dele, que eu sinto como se tivesse sempre convivido com sua presença. - sorriu - Bem, acabamos aqui. Foi rápido, não disse? Já podemos ir, está quase na hora do almoço.

— Mamãe. - Clara permaneceu ajoelhada de frente para o túmulo - Posso ficar mais um pouquinho?

Erin a observou por um instante.

— Só mais um pouquinho, Clara. - respondeu - Eu vou guardar as sacolas no carro e volto para te chamar.

Após esperar a mãe se afastar, a garota voltou a olhar para as letras negras que formavam o nome completo de seu bisavô.

— Sabe, - ela começo, se sentindo um pouco estranha em estar falando com o nada - queria ter conhecido o senhor, vô. Tem tantas perguntas que eu gostaria de fazer sobre a Terra-Média, sobre os elfos... - ergueu uma pétala de um dos lírios - Gostaria de saber mais sobre Númenor, também. Na verdade, gostaria de poder entrar em suas histórias.

Ela levantou a mão e tocou o túmulo de pedra, riscando com os dedos as letras pretas. Por um momento, apenas ficou ali, sentindo sua mão espalmada na pedra fria, até seu braço ficar dormente. Fez um movimento para abaixa-lo, mas seu corpo não respondeu; era como se sua mão estivesse presa. A dormência se espalhou lentamente por seu corpo e ela se assustou. Abriu a boca, tentando gritar o nome de sua mão - certamente ela ouviria, não? - mas não conseguiu.

Sentiu sua visão escurecer e, com um gemido, se sentiu cair.