Milagres escrita por


Capítulo 1
Pequeno anjo




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Foi preciso um ano para que o ciúme de Pam se transformasse em um enorme amor e uma conexão maravilhosa com sua irmã. 

Angeline estava com um aninho, portanto Pamella estava com 11. As duas estavam em casa com o pai, em uma noite muito chuvosa, escura e fria, como naquelas que a maioria das histórias de batalhas têm seu início. Paula, a mãe, estava em uma missão da Irmandade –ou fora o que ela dissera- desde a manhã daquele mesmo dia. Foi quando Angeline fez seus dois primeiros milagres.

Quando os poucos raios de sol, que haviam conseguido escapar pelas grossas nuvens, sumiram por completo no céu e a lua surgiu brilhando por frestas das nuvens um barulho alto na porta de casa fez o protetor ir para a sala, com as filhas em seu encalço.

Paula estava caída no chão, o corpo envolto por uma pequena poça de sangue e vários cortes profundos em sua pele. Aster estancou por um momento, vendo a energia da sereia fraca e trêmula. Pam estancou de seu lado, sentindo o coração apertar. Mas Angeline não. 

Com rapidez, ela engatinhou até a mãe e se deitou sobre o peito dela, chorando alto. A energia que ligava as duas se expandiu, formando um escudo de luz prateada que envolvia ambas.

— Pegue panos limpos e os curativos da sua mãe — Ele pediu para a filha mais velha, que acenou com a cabeça e saiu correndo até o depósito, onde a Yvridikó costuma manter um estoque de curativos e panos limpos.

Enquanto isso, Aster se ajoelhou na frente do escudo e, julgando que ele fosse apenas uma bolha de luz, tocou-o. No instante seguinte, um choque percorreu seu corpo, o lançando para trás. O choro de Angeline se intensificou, e o homem viu a energia de sua esposa ficar mais fraca ainda. Desesperado, mas sem deixar de se orgulhar da filha, se ajoelhou no chão.

— Angeline. Por favor, me deixe cuidar da sua mãe! 

A criança prontamente o ignorou, ainda chorando alto. Impaciente, o protetor ergueu um pouco a voz.

— Angeline, por favor. Me deixe cuidar da sua mãe — Repetiu, irritado. Eram raras –se não inexistentes- as vezes em que Aster erguia a voz para as filhas ou a esposa.

Nesse momento, Pamella entrou. Notando o estado da mãe e da irmã e a voz do pai, aproximou-se e bateu ligeiramente com os panos nele.

— Nervoso desse jeito você não vai conseguir nada! — Ela bronqueou, entregando os panos para o protetor. Escutou um trovão ao longe e viu a irmã se encolher mais ainda no peito da mãe desacordada ao mesmo tempo em que também se encolhia. As duas morriam de medo de trovões. Pam suspirou baixinho, preocupada com a mãe e com Angie. — Me deixa tentar, tá? — Pediu. O protetor suspirou também, angustiado. 

— Ela é teimosa demais, Pam... Não vai te escutar.

— É claro que ela é teimosa! — Ironizou, se abaixando no chão e voltando o olhar rapidamente para o pai adotivo. — Ela é filha da Paula com você. O que mais esperava?

Aster resmungou algo, mas não discordou. Era verdade que tanto Paula quanto ele carregavam uma teimosia digna dos anões antigos, teimosia essa que aparentemente Angeline tinha herdado. Pam olhou diretamente nos olhinhos inchados da pequena e, suavizando a voz, pediu baixinho:

— Pequeno anjo, me escute. Preciso que venha para cá e deixe o papai cuidar da mamãe. Meu amor, sei que você está preocupada. Todos estamos. E por isso você precisa baixar esse escudo.

O choro baixou um pouco, mas poucas lágrimas ainda corriam pelas bochechas rosadas de Angeline e o escudo prateado ainda estava ali. Pam sorriu, carinhosa e abriu os braços.

— Vem aqui, pequena — Pediu de novo, se sentando no chão. Outro estrondo alto fez com que as duas se encolhessem um pouco, mas Pamella tentou manter a voz firme. Ao seu lado, Aster não deixava de se impressionar com a conexão que elas criavam ali. — Olha, está escuro, está frio. Você está com medo, eu também — Ela gesticulava, ainda de braços abertos. — Você deve estar com sono, talvez com fome. Vem aqui, me deixe cuidar de você. 

— Pam, rápido! — Aster a alertou. A meia-loba suspirou baixinho e se aproximou um pouco. Hesitante, tocou no escudo. Para surpresa dos dois, ela conseguiu encostar nele sem levar choque.

— Vem cá, Angel... — Chamou baixinho com as duas mãos ainda apoiadas no escudo. Convencida finalmente, o bebê finalmente abaixou-o totalmente e engatinhou com soluços para os braços da irmã, que a abraçou forte.

Aster não perdeu tempo, logo indo cuidar da sereia. Pam se ergueu, apertando Angeline contra o peito, e se virando de costas. Não queria ver a mãe naquele estado. Sua mão dava fracos e carinhosos tapinhas nas costas da bebê, que gradualmente parava de chorar.

— Pam, pelo amor de Deus, cante algo pra gente... Esse silêncio está me enlouquecendo. — Ouviu a voz de Aster pedindo. Olhou para os olhinhos verdes que a irmã tinha –uma mistura dos tons de Paula e Aster- e sorriu para ela, beijando sua testa.

Pam começou então a entoar um pequeno cântico que aprendera com Eulëyn durante seus treinamentos, para acalmar a pequena que estava encolhida em seus braços. As notas saiam com clareza por sua voz, esquentando seu coração, o coração de sua irmã e de seu pai. 

Pareceu passar muito tempo, em que apenas a voz de Pamella era escutada. Ela cantou e cantou, praticamente todas as músicas de ninar que vinham em sua mente, embalando a irmãzinha enquanto caminhava lentamente pela sala.

Por volta da quinta ou sexta música -uma de Lord of the rings, que a negra amava- Aster se ergueu, com a esposa nos braços. Os cortes haviam se fechado, graças ao imenso poder de cura do corpo da sereia e da energia que havia na casa, grande parte vinda de Angeline. Pam se voltou para os dois, sem parar de cantar. Foi quando aconteceu.

Angeline ergueu a cabecinha e sorriu para a irmã. Ela lhe sorriu de volta, e viu encantada uma luz prateada sair de dentro da irmã. Era a mesma luz que a filha biológica do casal dividia com Paula, e que todos sabiam que era uma ligação de cura.

A luz saiu em um fiapo pequeno, bem do lugar onde fica o coração, e envolveu as duas. Aster estava emocionado, era o mesmo que havia visto acontecer após o parto, quando Paula pegou sua primeira filha no colo. Eulëyn havia dito que a energia ligaria as duas de um jeito nunca visto e, enquanto houvesse amor entre elas, tudo seria mais fácil. Aparentemente, Pam agora também estaria conectada ás outras duas da família.

Pam estava chorando. Suas lágrimas escorriam lentamente pelo rosto enquanto ela ainda sorria. Conseguia sentir a luz a aquecer por dentro, e de certo modo via as ligações serem feitas. Passados alguns minutos, a luz se extinguiu, e Angeline riu alto como se aquilo fosse a coisa mais engraçada da casa. Pamella a ergueu pelas axilas e fez sua testa tocar fraternalmente a testa da irmã, uma antiga tradição de Mitéra, que quase não era mais usada e que provinha da cultura dos antigos anões.

— Minha pequenina especial — A loba murmurou. Alguns segundos depois, a própria Angeline encostou sua testa na da irmã, como se soubesse que isso era o certo à se fazer.

Aster deitou Paula no sofá. Poderia subir com ela para o quarto, mas não queria. Em silêncio, ele e Pam a cobriram e se sentaram no chão. Angeline, sentindo que estava tudo bem, caiu rapidamente em um sono tranquilo e quieto.

*

— Eu não mandei as Yvridikós em nenhuma missão, Aster — Eulëyn contestava, com os braços cruzados sobre o peito. Estavam na cozinha e o dia começava a amanhecer. Pam havia adormecido há algumas horas, sentada em uma das poltronas ainda com Angeline nos braços, e por isso Aster conversava com a Mãe Natureza aos sussurros.

— Mas então porque ela fez isso? E o que a machucou? — Ele questionou mais para si mesmo. Paula só ocultava fatos se pensasse que realmente precisava fazê-lo.

— Eu só conheço uma criatura que pode fazer cortes como aqueles que Angeline fechou com seu poder... E mesmo assim eu acho totalmente improvável...

— O que é, Lyn? — Uma terceira voz perguntou. Pamella estava acordada e fora até a cozinha para escutar a conversa.

— Um trasgo. — Ela respondeu para a adolescente, com semblante sério. Se os Spring não conhecessem Eulëyn, teriam rido pela palhaçada. Mas não era o caso ali.

— Achei que estivessem extintos. — Aster engoliu em seco. Quando nascera, os trasgos já haviam desaparecido de Mitéra há muitas décadas, e tudo o que restara eram histórias assustadoras e uma floresta morta que ninguém ousava chegar perto.

— Eu também. Mas algo se move nas sombras, Aster. Uma força poderosa que eu nunca senti antes. — Lyn respondeu enquanto suspirava. — Temo que algo aconteça aqui.

— Já enfrentamos muitas batalhas, Eulëyn. Um bando de criaturinhas que estavam extintas deve ser fácil de se combater. — Pam tentou animar os ânimos. Havia entrado em uma ordem de adolescentes chamada Guarda do Leão, um grupo responsável por aprender a lutar e proteger as fronteiras de Mitéra.

— Não estou falando de um poder como o de Aktína, ou uma batalha como a dos Campos dos Mortos. — Ela citou a primeira batalha em que Paula lutara. — Estou falando de um poder tão forte quanto o de uma entidade, se não for mais poderoso. Mas isso tudo é incerto.

Pam resmungou algo e saiu para ver como a mãe estava. Aster sorriu para a direção da sala.

— Angeline se conectou com Pam também. E curou Paula de ferimentos que eu não poderia ter cuidado... Seu poder está desabrochando. — Ele comentou fazendo Eulëyn sorrir.

— Ela é especial. Eu nunca havia visto um poder como o dela. Vocês têm um presente muito especial na vida de vocês. Cuidem bem dela. Especialmente porquê, nas mãos erradas, o poder da cura poderia servir para uma total destruição. — Lyn falou e se dirigiu á porta dos fundos.

— Cuidaremos. — Aster prometeu. — Aonde você vai?

— Preciso me reunir com as entidades e caçar esses trasgos. Eles podem fazer um estrago e tanto. Mas, por enquanto, aproveite a família recém-formada. — Ela encerrou a conversa e saiu em direção da floresta. Aster voltou para a sala á tempo de ver Pamella e Angeline brincando com a energia prateada que agora unia as duas.

Infelizmente, os tempos de paz durariam pouco. As trevas sempre tentam vencer o bem e devorar a esperança daqueles que recém encontraram a felicidade, como com Paula e Aster.

A guerra era iminente.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^^



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