Pasión escrita por Sapphire


Capítulo 1
Pasión.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/739755/chapter/1

Ele balbuciava coisas no qual eu não entendia.

Batia levemente a ponta dos dedos na bancada mediana no ritmo da música alta que tocava por seu quarto, e parecia não dar a mínima em relação ao barulho atrapalhar ou não os seus vizinhos. Cantarolava seriamente versos em sua língua nativa - como se não pudesse deixar de prestar atenção em cada verso da canção -, vez ou outra dando goladas longas em sua bebida, também aparentando não ligar para uma futura ressaca. 

Como sempre, eu o assistia, quieto. Nunca neguei uma boa bebida, mesmo que, de início, fosse teimoso o suficiente para achar que estes momentos descontraídos na companhia dele me fossem pura perca de tempo. Todos os finais de semana lá estava ele, o espanhol capricorniano, chamando-me à porta de minha casa para fazer qualquer coisa que não fosse permanecer em uma casa vazia onde raramente pessoas passavam. Obviamente, o meu orgulho sempre falara mais alto; negava-lhe o convite, mesmo que às vezes fosse um tanto grosseiro e acabasse dando início à discussões desnecessárias. Mas mesmo tendo de lidar com o meu mau humor diário, ele nunca desistira. Nunca, em hipótese alguma, e um dia me vi tentado à aceitar seu convite, mesmo que parte de mim ainda permanecesse na ignorância e teimosia. 

Devo admitir que de início eu me importava apenas com as bebidas. Não ligava para sua companhia, aliás, nem haviam-me motivos para ligar. Também devo ser sincero: quando o ouvi ligar tais canções no último volume como se aquilo fosse divertir à todos, senti a extrema vontade de socar-lhe o rosto e quase o fiz. Mas sabia que mesmo assim não adiantaria de muita coisa;  ele parecia insistir em me tirar de meu mundo. Parecia querer, à todo custo, me trazer para um lugar no qual eu ainda não havia tido a oportunidade de conhecer, por conta de meu tamanho orgulho. 

Sinceramente, toda aquela sua perseverança me deixava extremamente irritado. 

Lembro-me do dia em que encolerizei-me. Como nunca tinha acompanhia dos demais, acabei descontando toda a minha fúria em quem encontrava-se mais próximo no momento: ele. E por um motivo tão tolo. Acabei o afastando, e por conta de meus claros defeitos, demorei para "reatar laços". Por um momento, vi-me sentindo falta de suas músicas estranhas em espanhol, de suas cantorias, de sua companhoa idiota. Mas fora tanta falta, que esforcei-me ao máximo para finalmente pedi-lo "perdão"; palavra que, até o momento, não existia em meu vocabulário. Mas que por algum motivo fez-me tornar outro homem. 

Nossos encontros tiveram continuidade. Dia após dia, gradativamente, aproximava-me dele sem sequer perceber, mesmo que a minha teimosia ainda me obrigasse à agir de forma dura com ele. Porém, aos poucos, fui soltando-me ao seu lado. Repentinamente, percebi que não haviam motivos para que eu fosse tão rígido consigo, e que ele não merecia a minha grosseria natural. Pela primeira vez na vida esforcei-me para não ferir alguém, e quando digo ferir, não me refiro tão somente à boa e velha agressão corporal. Me refiro às palavras, no qual aprendi com o tempo que podem ferir bem mais do que meus punhos. 

Meu relacionamento com ele subira mais um degrau quando decidi que dialogar vez ou outra não parecia tão ruim assim. Fora durante estas conversas que descobri coisas sobre ele no qual eu nunca fiz idéia; como o seu gosto pela culinária japonesa e a sua saudade, extrema, de seu país natal, uma vez que raramente ele demonstrava ter gosto por algo. Descobri também sobre o seu interesse em conhecer diversos países, como a Itália, lugar onde eu nasci, e que um dia, mesmo que isto fosse improvável, gostaria de seguir a sua vontade de tornar-se professor. E bem, não demorou para que eu também compartilhasse de poucos assuntos com ele. De repente, como se já não bastasse, sentia-me á vontade ao seu lado e acabava por dizer coisas sem sequer perceber. Ele, que não me era nada, acabou tornando-se meu pouco. Um pouco que, indiscutivelmente, fazia uma grande diferença em minha vida. Um pouco que, quando não estava presente, deixava-me aquela sensação de vazio irritante. 

O pouco que, para quem não tinha nada, tornou-se um tudo. 

Passei a vê-lo com outros olhos. Olhos que pareciam perceber cada mínimo detalhe do que ele fazia. E agora, vi-me completamente encantado com seus movimentos, como se observá-lo me fosse o maior prazer que alguém podia me proporcionar. 

O bater leve de seus dedos na bancada, imitando a batida lenta da música, que segundo ele, intitulava-se La Barca. Sua voz grave e um tanto desafinada invadia meus ouvidos como uma música de ninar leve, enquanto seu sotaque causava-me certo arrepio na nuca. Seu olhar profundo, porém que denunciava estar perdido em desvaneio-os, atiçava-me estranhamente a vontade de descobrir o que se passava, naquele momento, em sua mente misteriosa. Seus lábios ligeiramente rosados em movimento enquanto cantarolava a canção baixinho me hipnotizavam toda vez que chocavam-se levemente uns contra os outros. A minha atenção voltava-se toda e completa para ele, observando-o remexer a mão à procura da garrada de rum, sem se dar ao luxo de desviar o olhar de um canto qualquer, como se aquilo lhe fosse deveras interessante. 

Era sempre assim. Eu ao longe, observando-o em completo silêncio agir como bem queria. A música ao fundo parecia entrar em harmonia com cada movimento seu, deixando aquilo tudo mais interessante. Recordo-me do dia em que eu percebi que toda aquela minha atenção era-me algo completamente estranho e inovador quando seu olhar perdido encontrou-se ao meu, seguido de um sorriso pequeno, porém que aparentara ter o poder de derreter-me por dentro como gelo posto ao sol. Não sei se consigo por em palavras a sensação, mas fora como fogo sendo ateado em meu corpo. Era como se a fumaça causada por aquele incêndio interno deixasse-me sem ar; o coração batendo descompassadamente em ansiedade, junto ás pernas que, em resposta, tremiam-se levemente. De repente, dei-me ao luxo de refletir; era engraçado o modo como que, de uma hora para a outra, tudo o que me irritava naquele espanhol idiota se tornara o motivo de minha admiração repentina. Sua insistencia em mostrar-me um mundo novo parecia não ter fim, e realmente tirava-me do sério o tempo inteiro. 

Mas cá estou eu, completamente imerso em seu mundo particular, como se houvesse sido pego em cheio, de surpresa, sem ter chance alguma de defender-me. E sinceramente?

Sem a mínima vontade de sair dali. 

Levantei-me, caminhando lentamente em sua direção. Observava-o de costas, pegando em sua geladeira mais uma garrafa de rum, fitando-a por um momento como se quisesse ter a certeza de que aquela era a bebida almejava no momento. Fora então que, sem mais nem menos, entrelacei meus braços em volta de sua cintura, envolvendo-o em um abraço enquanto puxava-o para mais perto, colando nossos corpos como se quisesse torná-los um só. Escondi minha face entre seu pescoço alvo, inalando o cheiro suave de seu perfume enquanto sentia-o tocar as costas de minha mão, provavelmente surpreso. La Barca mantinha-se à tocar pelo local, enquanto eu e o rapaz permaneciamos em silêncio, como se somente aquela canção bastasse no momento. 

De repente, senti a vontade quase que incontrolável de dizer-lhe tudo o que se passava em minha cabeça naquele instante. As lembranças, os arrependimentos, as sensações que haviam surgido em meu peito há pouco tempo, mas que eu estava aprendendo a lidar. E tudo isso porque ele havia me instigado à tornar-me outra pessoa; ele, dentre todos os outros, fora o único à perceber que Máscara da Morte não era de todo um monstro. Ele, o rapaz no qual eu ignorei e maltratei por tanto tempo, nunca tivera em seus planos desistir de alguém como eu, encorajando-me à quebrar o orgulho que sempre nutri dentro de meu peito, passando à dar vazão ao que realmente me faria bem daqui por diante. 

Já estava na hora de mostrar-lhe que seus esforços não foram em vão. 

Já estava na hora dele ter a mais clara noção do que acabara se tornando em minha vida. 

— Merda, Shura... - Sussurrei, sentindo-o afagar meus cabelos com certa leveza. — Acho que me apaixonei por você. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!