Novos Olhares escrita por Adriana Swan


Capítulo 1
Thalia


Notas iniciais do capítulo

Eu li Profecia das Sombras inteiro imaginando o ponto de vista dos outros personagens e quando terminei eu simplesmente não poderia deixar de escrever.
Essa é uma releitura de uma de minhas cenas favoritas desse livro, tem pouco spoiler (praticamente nenhum do enredo em si) e é simples para ser entendida por quem ainda não leu as Provações de Apolo.
Como assim ainda não leu? VÁ LER!



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Thalia se virou para dar água da lua a elefanta, dando as costas para Apollo por um momento.

O deus havia se escorado numa das paredes sujas do beco onde estavam escondidos e se deixara escorregar até sentar no chão, como se fosse incapaz de ficar de pé por mais tempo. Estava imundo, fedia a esgoto e tinha arranhões pelo corpo.

A aparência humana (cabelo castanho enrolado, rosto com acne e físico comum de adolescente) não incomodava a caçadora. Ela entendia que poderia ser chocante a outros semideuses a visão dele tão humano, mas para ela era comum. A maior parte das vezes que encontrara Apolo em locais públicos ou em missões o deus usava formas diferentes; um velho, um mendigo, um serviçal. Um visual bem diferente do que usava quando visitava as caçadoras para ver a irmã, Lady Ártemis. Nesses dias ele usava o mesmo visual do que em que Thalia o conhecera: jovem, uns 17 anos, loiro de cabelo bem cuidado, corpo perfeito e o sorriso mais quente do universo. Não importava em qual forma Apollo estivesse em todas as outras vezes que o via, a garota sabia exatamente como era o deus por trás daquela imagem.

A caçadora mudou de posição para poder observá-lo, ainda fingindo dar atenção á elefanta. Apollo parecia estar precisando de um momento quieto. O coração dela se apertou ao perceber o quanto ele tremia, entrelaçando os dedos como se tentasse se obrigar a parar de tremer, mas sem sucesso. O corpo todo tremia. Cansaço? Nervosismo? Frio?

O garoto encostou a cabeça na parede, olhando para o céu claro no alto do beco. E naquele momento não parecia ser nada mais do que isso, um garoto. Cansado, sujo e completamente perdido. O rosto tinha leves arranhões e manchas de sujeira, mas eram os olhos que a incomodavam. Não tinham brilho. Os olhos sempre foram a parte mais brilhante de Apollo.

No que pensava o Deus do Sol ao olhar o céu? O ex—deus do sol.

X

— Boa tarde, caçadoras – Apollo riu se aproximando do lago, um sorriso sacana que era sua marca registrada. – Se importam se eu tomar um banho?

As caçadoras deram um passo atrás, desconfiadas, como se o deus mordesse. Homens não eram bem-vindos no acampamento. Nenhum. Nunca. Mas Apollo não era um homem qualquer, era irmão gêmeo de Lady Ártemis e vinha visita-la as vezes. Podia durar horas ou dias, dependendo da boa vontade dos dois. Era o único que Ártemis sempre deixava ficar.

O loiro começou a tirar a roupa, fazendo várias das caçadoras mais novas prenderem a respiração, nervosas. O olhar de Thalia acompanhava cada movimento enquanto ele se despia, exibindo o corpo jovem e perfeito que tanto inspirou os pintores e escultores da antiguidade. Apollo era perfeito. Era simplesmente o homem mais bonito que poderia existir.

Ártemis saiu de sua tenda e se aproximou do irmão, o olhar enfezado de quem não gostava do que estava vendo.

— O que pensa que está fazendo?

— Só vou tomar um banho no lago, já que vou dormir por aqui mesmo.

— Você pode fazer isso de roupa.

— Isso aqui se chama sunga – ele respondeu apontando para a única peça de roupa que vestia – e foi inventada justamente para se tomar banho.

Ela revirou os olhos impaciente.

— Apenas tente não mexer com minhas caçadoras.

— Não estou mexendo com ninguém – ele respondeu inocente se virando para as caçadoras.

As garotas estavam paradas á cinco metros do deus, o olhando como se estivessem prestes a pegarem seus arcos para se protegerem dele. O loiro riu, nem um pouco incomodado. Sabia perfeitamente que tipo de sentimento despertava nelas. O sentimento dominante era vergonha e constrangimento, com um toque leve de receio e medo.

— Só fique quieto – Ártemis ralhou com ele, antes de se virar para as suas caçadoras. – Ignorem Apollo. Ele não vai mexer com vocês. Fiquem tranquilas.

Sem mais delongas, a deusa voltou para a tenda depois de lhe lançar um último olhar desconfiado. As garotas amontoadas a distância não pareciam nem um pouco aliviadas com as palavras de consolação da deusa. Alheio ao efeito que causava, Apollo entrou na água para se refrescar enquanto as caçadoras mudavam seus sacos de dormir para mais longe do lago e da visão do irmão de sua senhora.

Todas menos Thalia. Ela não tinha pressa nenhuma de sair da frente do lago.

X

— Você... você falou com a minha irmã?

Havia tanta insegurança em suas palavras, que Thalia por um momento nem soube o que responder. Ele queria ouvir um “sim”. Ele precisava ouvir um “sim”. Precisava saber que alguém no mundo ainda lembrava-se dele, depois que o próprio Olimpo o havia banido. Precisava saber que sua irmã, sua irmã gêmea, se importava. Que alguém no mundo se importava.

Como é que eu digo a ele que não?

— Em um sonho, algumas semanas atrás. Lady Ártemis disse que Zeus a proibiu de ver você. Ela não pode nem mandar as caçadoras ajudarem você.

O deus suspirou. Não deu nenhum outro sinal de emoção ou do quanto aquilo o afetava, mas ela tinha certeza que sim. Se havia alguém nesse mundo com quem Apollo devia contar esse alguém era Lady Ártemis, mas ele fora muito bom em ocultar a decepção.

— Você não pode me ajudar – ele falou devagar – mas ainda assim está aqui. Por quê?

Porque eu me importo”.

— Nós estávamos aqui por perto. Ninguém nos mandou ajudar – e isso era verdade. Lady Ártemis fora proibida por Zeus de mandar as caçadoras ajudarem o irmão, mas se por acaso ela descobriu que poderia por as caçadoras á trabalho na mesma rota das provações de Apollo, Thalia concordava totalmente que isso não descumpriria de forma alguma a ordem expressa de Zeus. – Nós estamos procurando um monstro específico há semanas e... Bom, isso é outra história. A questão é que nós estávamos de passagem. Ajudamos você da mesma forma que ajudaríamos qualquer semideus em perigo.

E agora estou aqui com você.

Apollo a observou em silêncio, lendo nas entrelinhas da sua resposta. Ela manteve o olhar com firmeza, olhando bem dentro dos olhos castanhos e tão frios, procurando aquele calor dourado que reluzia nos olhos verdes do Deus do Sol quando você o olhava mais de perto.

X

O deus loiro saiu da água, gostas brilhando em seu corpo diante da luz morna do entardecer. Se existia uma forma do Deus do Sol se tornar ainda mais perfeito? Tente olhá-lo seminu banhado pela luz do entardecer. Apollo parecia reluzir em tons de dourado, desde a pele, o cabelo loiro e os olhos verdes que agora pareciam ter a cor do sol.

Ele sorriu quando a viu parada, encostada numa árvore, olhando para ele. Pegou suas roupas no chão e se dirigiu a garota que agora era a única ali. Todas as outras haviam se afastado quase vinte metros do lago.

— Gosta do que vê? – ele perguntou.

— O pôr do sol é lindo nesse lado do país.

Apollo começou a vestir a calça, ainda molhado. O tempo estava frio, ou pelo menos frio o suficiente para Thalia usar seu casaco de caça, mas frio não era algo que incomodasse o loiro. O Deus do Sol emanava calor se quisesse.

— Todas as outras caçadoras se afastaram – ele indicou-as com a cabeça enquanto fechava o zíper da calça – mas você não.

— Elas tem medo de você.

— Medo?

— Ouviram histórias antigas.

— Existem muitas histórias – falou, começando a vestir uma camisa branca.

— Sobre uma garota que você tentou estuprar por que ela se negou a deitar com você – Thalia falou com tranquilidade.

O deus parou no meio do movimento para olhar a garota. Os olhos dele se estreitaram de uma forma quase perigosa, mas foi o único sinal de desagrado. Nenhum outro sinal de que a história o incomodava ou não.

— Dafne – ele falou, terminando de se vestir. Era uma história antiga e muito conhecida por todos como algo triste, mas para as caçadoras parecia algo assustador.

A garota da história, Dafne, era uma ninfa e não uma caçadora, mas a tragédia dela era compartilhada pelas irmãs de caça. Certa vez, o próprio Zeus se engraçara com uma das virgens e a possuíra, o que fez com que a jovem fosse expulsa por Lady Ártemis. Todas as garotas ali sussurravam quando sua senhora não estava como todas compartilhavam esse medo antigo de serem desejadas por deuses. A poesia queria convencer as pessoas que nenhuma mulher diria não a um deus, mas o fato é que nenhum deus era bom em ouvir um “não”.

— Elas sabem que se você realmente desejar uma delas, elas não teriam a chance de dizer não.

— Elas têm medo de que eu possa estupra-las? – Apollo falou olhando as caçadoras á distância. Ele sabia que inspirava certo medo as moças, mas nunca achara que fosse a esse ponto.

— A maior parte sim, por isso elas evitam cair em sua atenção.

— E você não tem?

— Não.

Uma certa curiosidade tomou o olhar dele, ainda em tom de dourado com a luz do sol. Era um dourado vivo, brilhante, que incendiava.

— Posso perguntar por quê?

Thalia deu de ombros, sem dar muita importância aos medos das outras irmãs de caça.

— Essas garotas entraram para as caçadoras e desde então criaram aversão a homens. E você chega como uma ameaça, por que diferente dos outros homens, você pode possuí-las se quiser. Isso dá medo, – ela suspirou – mas eu não. Eu não tenho aversão a homem. E eu o conheci antes de entrar para as caçadoras. Aqui você é lembrado aos sussurros por ter perseguido uma donzela; lá no acampamento você é venerado por ser um dos poucos deuses que atendem as nossas orações.

— Não sabia que tinha fãs no Acampamento Meio Sangue, Thalia Grace.

— O senhor tem fãs onde nem imagina, Lord Apollo.

Ele sorriu meio de lado, um olhar entre a inocência e a malícia, meio anjo e meio demônio.

— O que aconteceu com Dafne faz muito tempo. Não precisa ter medo de mim.

— Não tenho – falou. – Na verdade, sei que o senhor nos protegerá.

— Sempre.

X

E quem protegerá Apollo?

Os olhos sem vida percorriam o rosto dela, como se ávidos de informações que ela não lhe dera. Havia tanto medo nos olhos de Apollo. A postura submissa em que ele sentava no chão, a passividade com a qual aceitava a própria imundice e fedor da roupa encharcada de água de esgoto. E estava frio. Thalia tocara suas mãos deliberadamente quando lhe passara o cantil para beber, o ele estava gelado. Não era mais capaz de se aquecer sozinho.

O Deus do Sol sente frio”.

— Posso adivinhar outro motivo? – ele indagou, olhando-a meio de lado. – Acho que você me ajudou porque gosta de mim.

Aquele olhar. Meio anjo, meio demônio. Metade o deus atencioso, metade o deus perigoso, e de alguma forma, tudo num só. O aperto no peito de Thalia se tornou mais forte.

Eu gosto?

— E por que você acha isso?

— Ah, por favor, - ele falou, quase sorrindo. O mais perto que ela vira de um sorriso desde que o encontrara naquele dia. - Quando nos vimos pela primeira vez, você disse que eu era lindo. Não pense que não ouvi aquele comentário.

Thalia sentiu o rosto queimar. Ela disse? “Apollo é quente, foi isso que eu disse”. E era. O mais quente de todos. O mais belo de todos. O favorito da garota entre todos os deuses.

É, eu gostava. Eu gosto”.

— Eu era mais nova na época – ela tentou se explicar. – Era uma pessoa diferente – “E você era perfeito” -  Tinha acabado de passar vários anos como um pinheiro. Minha visão e meu raciocínio estavam danificados pela seiva.

— Nossa – ele fez uma leve careta – que cruel.

A caçadora riu e deu um soco no braço dele, de leve, um gesto tão humano.

— Você precisa de uma dose de humildade de vez em quando. Ártemis diz isso o tempo todo.

O olhar dele se perdeu por um momento. Humildade. Ele pareceu se encolher mais, ainda sentado no chão, quase diminuir. Era aquilo que sobrara do Deus do Sol? Do Deus da Música? Do Deus da Arqueria? Do Deus de todas as coisas que Thalia achava legais no mundo?

Está tudo bem, Lord Apollo. Eu ainda tenho fé em você.

— As caçadora se foram – ele continuou, a voz voltando ao tom hesitante e inseguro do começo. – Parece que elas continuam fugindo de mim.

— Está sendo injusto. Foi você quem fugiu delas dessa vez.

Ele a encarou em silêncio por alguns instantes, seu rosto tão cheio de angustia que Thalia refreou um impulso de abraça-lo. Queria ajuda-lo. Não sabia o que se passava pela mente do deus, mas ela queria poder exorcizar seus demônios um por um.

— Naquele dia, a nossa conversa perto do lago, você lembra? – ele indagou e os olhos brilharam como se estivessem úmidos de lágrimas que ele não derramava. Ela confirmou com a cabeça que lembrava sim. – Eu devia ter te dito que sinto muito.

— Sente? – a garota repetiu. – Não entendo.

— Dafne – ele falou, a voz quase um sussurro como se doesse pronuncia-las. – Eu nunca quis machuca-la. Eu não queria que as caçadoras me vissem como um monstro. Eu não queria estuprar Dafne... – ele fechou os olhos por um momento antes de continuar, como se quisesse ocultar a dor que transbordava deles - ...mas eu o teria feito. Estava fora de mim. Foi nesse dia que descobri que é mais seguro lutar com o Deus da Guerra do que com o Deus do Amor, Thalia Grace.

A caçadora sentiu os próprios olhos lacrimejarem e colocou as mãos sobre as dele. Estava gelado. Ela podia passar para ele o mínimo de conforto possível, o mínimo de calor naquele toque.

— Já faz tanto tempo, Lord Apollo. Acabou.

— Quando Eros disparou aquelas duas flechas ele feriu a nós dois. A punição de Dafne foi eterna – ele falou, ainda em seu tom quase sussurrado – e eterno será meu arrependimento.

Thalia não soube o que responder. Na falta de palavras, ela o abraçou.


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Notas finais do capítulo

Os próximos textos podem ser ponto de vistas de personagens aleatórios, sobre qualquer cena de qualquer um dos dois livros de Apollo.

Reviews são bem vindos.



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