Underwater escrita por JuremaDoMar


Capítulo 7
Noite das garotas e o Lucas




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 Permaneci estática olhando para a janela buscando uma explicação plausível, mas por que eu estava me importando? Eu era um ser meio peixe, que deveria ser um mito, um homem pássaro no telhado da vizinha deveria ser rotina, mas me lembrava algo, algo que tinha acontecido a muito tempo. Sai de meus pensamento ao ouvir alguém bater na porta.

     -Quem é?- Perguntei abrindo o guarda roupa, eu iria trocar de roupa já que não era normal cair uma jarra de suco em você e tua roupa permanecer intacta.- Eu estou me trocando.

   -Sou eu filha.- Fernando disse do outro lado da porta. - Tá tudo bem?- “Claro! Só quero que tu queime no fogo do inferno seu infeliz”. - Você está aí faz bastante tempo.

     -Eu estou bem. Estou trocando de roupa, como eu já tinha dito antes.- Eu disse fria.

     Eu tinha colocado um vestido salmão que ia até o joelho, decidi ficar descalça mesmo. Desci as escadas e fui até a sala, onde todos estavam menos Fernando. Perguntei baixinho para Tereza onde ele estava e ela respondeu que ele tinha ido correndo atender o telefone. Ambas já imaginavam com quem ele falava, a vadia. A tarde foi divertida, tirando a parte onde Fernando refez as malas para mais uma viagem, desta vez para Porto Seguro. Mamãe ficou deveras feliz por ele e pediu várias lembrancinhas, eu estava quase pedindo para que ele não voltasse. Tereza continuou comendo e conversando com James enquanto eu fazia uma carranca.

     James já tinha ido, Tereza e eu tínhamos ido para meu quarto e mamãe estava tomando banho..

     -Então meninas!- Mamãe disse alegre entrando no meu quarto.- Quem está afim de uma noite das garotas e o Lucas?- Eu e Tereza gritamos um alto “sim”. Mamãe me chamou eu a olhei.- Você tomou banho?

   Arregalei os olhos corando, quanto tempo fazia que eu tinha tomado banho?Dois dias? Três? Eu tinha me esquecido completamente, essa coisa de sereia e meu pai traindo minha mãe confundiu minha mente. Mas também, como eu tomaria banho? Toda vez que eu tocava na água uma cauda aparecia no lugar de minhas pernas.

    -Isso deve ser um “não”. Porquinha.- Tereza apertou minha bochecha.

    -Vai tomar banho.-Mamãe ordenou.

   Quem seria eu para contrariar   mamãe? Levantei e fui até o guarda-roupas, peguei meu pijama. Cheguei no banheiro e coloquei as roupas sobre o vaso. Liguei o chuveiro e me sentei no chão para evitar qualquer tombo doloroso de minha parte, nem chamar a atenção com o barulho que faria. Logo o brilho percorreu meu corpo, juntando ambas de minha pernas lhe dando uma maravilhosa cor alaranjada e barbatanas da mesma cor. Deixei a água quente escorrer pela minha pele, sem fazer merda de movimento algum. Peguei um shampoo que estava no chão e passei sobre os cabelos, fazendo espuma nos mesmos. Permaneci massageando os fios por algum tempo até que cansei enxaguando-os. Passei um sabonete até metade da barriga onde as escamas não iam. O que eu passaria nas escamas? Digo, eu nunca lavei elas, como ela deveria ser? Viscosa, macias, brilhantes? Era engraçado eu estar discutindo comigo mesma como lavar as escamas. Ri  pensando- será que daqui pra frente vai ser assim?- Pensar que eu teria que tomar banho sentada ou toda vez que eu tocasse em água eu cairia no chão com uma cauda em vez de pernas. Eu nunca imaginaria que de um dia para o outro um cataclisma tão grande como esse ocorreria em minha vida.

    -Morreu ai dentro foi?- Tereza perguntou do lado de fora.

    Eu já tinha saído do banho e eu me secava em uma toalha felpuda. Eu tinha descartado a opção de usar meus poderes porque eu queria fazer como nos velhos tempos, mas nem pensei que demoraria tanto assim. Bufando e sem paciência joguei a toalha no chão e estendi a mão sobre a cauda. Logo o brilho percorreu meu corpo e eu estava seca. Vesti meu pijama rapidamente e peguei minhas roupas, que estavam limpas a propósito, eu as usaria amanhã.

   -Primeiro vocês brigam para eu tomar banho, depois brigam para eu sair. Se decidam.- Falei saindo do banheiro.

   -Seu pai… Tio Fernando não é dono da Sabesp.- Ela cruzou os braços.

   -Como se fosse ele que pagasse as contas.- Eu disse brava.

   -Vamos fugir desse assunto por favor. Essa noite é para curtimos.- Ela me puxou pelo braço.

    Cheguei ao quarto onde minha mãe e Tereza tinham feito um paraíso, outro colchão tinha sido pego e posto ao lado do de Tereza, quase todas as almofadas da casa estavam jogadas pela minha cama e pelos colchões, as cobertas estavam dobradas de lado, em minha opinião elas eram inúteis, já que noite estava quente, do outro lado do quarto tigelas das mais gostosas gordices se encontravam prontas para serem comidas por mim. Lucas estava esparramado na minha cama e minha mãe ao seu lado procurando algo para assistir na Netflix.

     Eu e Tereza compartilhamos os colchões, enquanto mamãe e Lucas roncavam ao nosso lado. Como tradição da noite das garotas aquele que dormisse primeiro levaria castigo. A morena ao meu lado levantou-se e foi até sua mala pegando uma mala de maquiagem, sorrimos maléficas com o que viria.

    -Ufa ela não acordou.- Tereza suspirou após admirar sua obra de. arte.

    -Ela vai me matar mas eu vou postar isso no grupo da família.- Eu disse mostrando a foto hilária de minha mãe.

     Rimos, comemos e assistimos até o sono bater, nem percebemos quando adormecemos. Tereza por cima de mim com um pacote de chips no rosto e minha pessoa ao lado de uma garrafa de coca vazia.  

     Acordei com o som irritante do ventilador, batidas na mesa, mas que mesa? E risos, mas tinhas vozes masculinas e uma feminina forte e adulta. Abri levemente os olhos me deparando com Mauritânia. Minha professora do primeiro ano e a mais rígida.

    -Vá lavar o rosto.- Ela ordenou em um tom assustador, que me fez arrepiar dos pés a cabeça. Levantei rapidamente de cabeça baixa indo até a porta.

   Os corredores da escola eram assustadores para mim, principalmente porque o céu estava sendo pintado em cor escarlate, as luzes ainda não tinha sido acesas, finalmente cheguei ao banheiro feminino, a dor de cabeça estranhamente se fazia presente, o banheiro  estava escuro e vazio, engoli em seco e fui procurar o interruptor. Já com a luz acesa eu tratei de jogar água fria sobre o rosto para despertar, levantei o olhar para o espelho e me assustei. Eu não parecia ter quatorze anos, eu parecia ter metade. Meus cabelos estavam mais curtos e presos em trancinhas, eu vestia o branca e  um casaco também bege. Esse lugar, essa situação pareciam tão familiares, era como uma lembrança, uma lembrança desgraçada.

   Virei-me para a porta do banheiro, e fui até uma das janelas do corredor que dava em direção ao parquinho da escola. Uma pessoa cavava desesperadamente no pote de areia, achei estranho já que ainda não era hora de brincar e a pessoa parecia grande demais para brincar.  Movida pela curiosidade decidi ir até lá, virei o corredor passando pela minha sala, desci a escadinha que dava acesso ao parquinho.

   -Olá?- Gritei. -Quem é você?- Perguntei chegando mais perto.

  A pessoa olhou para trás, ele era assustador, pálido e robusto, com olhos firmes e avermelhados brilhantes, sua boca se abriu revelando dentes afiados e prontos para atacar, sua mão se levantou e garras afiadas se lançaram em minha direção. Mas algo aconteceu, algo que eu nunca percebi, mantive meus olhos abertos na espera do ataque, mas a minha mão se levantou e ele foi jogado longe junto de todas as árvores caídas e a areia. E eu gritei, gritei alto quando vi as grandes asas que saiam de suas costas. Asas que me dariam pesadelos por anos.

  Acordei assustada com o suor escorrendo pelo meu rosto, eu estava agarrada fortemente no lençol da cama respirando pesadamente, Tereza dormia e minha mãe também, Lucas deveria estar no banheiro já que não o vi. O sonho que eu acabei de ter não foi somente um sonho, foi uma lembrança, foi a primeira vez que eu vi um daqueles homens pássaro e Tereza ou mamãe não estavam lá para me acalmar, mas eu nunca tinha percebido que minha mão estava estendida, naquela época lembro de ter fechado fortemente os olhos, eu não vi nada.

    Eu precisava me acalmar e existiam dois jeitos de fazer isso, nadando ou comendo e como nadar estava fora de cogitação eu fui procurar algo para comer, mesmo sabendo que só teria peixe. Até que não era tão ruim, encontrei umas dez ou doze latas de sardinha, e dois pedaços da torta de Tereza que tinha sobrado. Peguei três das latinhas e um pedaço da torta, juntei tudo em um grande sanduíche e mordi com prazer.

    -Hum! Que maravilha.- Eu murmurei de boca cheia. O telefone tocou, coloquei minha obra de arte sobre o prato. -Alo?

    -Alo. Clara?- Uma voz feminina perguntou do outro lado da linha.

    -Sou eu sim. Quem é?

     -A Rebecca. Liguei para avisar que minha tia vai sair para a cidade vizinha visitar um parente e eu irei junto, portanto a lanchonete estará fechada. Já que não terá ninguém para cuidar de lá.

     -Ta suave.- Sentei na cadeira.- Boa viagem. Tchau.

     Desliguei o telefone e voltei a comer minha gororoba com prazer.

      Sem nem mesmo perceber, me vi pensando no passado, todas as vezes que vi coisas por aí quando menor, homens e mulheres pássaros sempre voando, sempre a minha cola, sempre como se estivesse na procura de algo, mas fazia anos que eu não os via mais, eu passei em alguns psicólogos para que me ajudassem a parar de ter essas “ilusões” ou “visões”, chame como quiser, tinha acabado eu não os via mais, mas ontem, ontem eu tinha visto um novamente, foi real? Eu sempre pensei que esses delírios fossem por conta da constante dor de cabeça que eu tinha, agora ela tinha acabado, aquilo tudo realmente foi uma ilusão? Meu cérebro seria mesmo capaz de criar algo tão realista? Eu acho que não, julgando pelas minhas capacidades na escola…

   -Bom dia.- Mamãe chegou na cozinha com o cabelo como de um leão e com a maquiagem que Tereza e eu fizemos nela totalmente borrada.

   Explodi em gargalhadas escandalosas.

    -Que isso…- Tereza também como um leão apareceu na cozinha, seus olhos se arregalaram ao ver o estrago que o rosto da mamãe estava. E junto a mim explodiu em gargalhadas.

    Minha mãe olhava nos perguntando por qual razão riamos como duas hienas, ela logo descobriu o motivo quando Lucas apareceu no cômodo pedindo pelo seu precioso café da manhã.

    -Mamãe parece um palhaço.- Ele disse inocentemente, isso fez com que a minha crise de riso fosse maior.

     -O que?- Mamãe passou a mão pelo rosto olhando-a logo em seguida onde parte da maquiagem saiu.- Não… Não, não e não.- Ela murmurou indo olhar seu rosto no espelho. Não deu nem meio minuto e ela havia voltado com uma carranca daquelas. Tereza e eu trancamos os lábios segurando o riso, ela suspirou e lentamente disse.- Corram.

   Tereza e eu não pensamos duas vezes antes de dispararmos pela casa aos risos, em certo momento me separei de Tereza e subi para o porão, fazia tempo que eu não ia lá. Tudo estava empoeirado e escuro, tateei o escuro na procura do interruptor, mas não achei nada, até ver uma pequena cordinha puxei-a e a luz acendeu. Por um momento parecia que eu tinha viajado para o passado, muitos dos meus brinquedos estavam jogados por aí, e caixas e mais caixas. Uma em especial me chamou atenção, “Lembranças da Universidade” era o que estava escrito em grandes letras na caixa de madeira que parecia estar bem lacrada. Eu poderia sim ter ido procurar algo para abrir a caixa mas não o fiz. Segurei na borda da caixa no intuito de abri-la, fiz força para que ela abrisse e por mais incrível que parecesse foi como abrir um pote de toddy.

   Dentro da mesma um monte fotos e cadernos se encontravam, pelo que parecia eram lembranças de mamãe e Fernando, peguei um álbum vermelho, sobre a capa estava escrito em letras elegantes “Lucia”. Eu estava prestes a abrir o álbum quando uma doce música se iniciou, virei na procura da fonte da bela melodia, uma caixinha de madeira com detalhes dourados como ondas, ela estava entreaberta, peguei-a com delicadeza com uma mão e com a outra coloquei o álbum sobre meu colo. Abri a caixinha e a melodia tocou mais alto, era uma caixinha de música, mas em vez de um bailarina, uma sereia dança majestosamente em frente a um cenário de oceano. Uma pequena cartinha se encontrava lá. Talvez eu pudesse abrir, mas isso seria falta de educação, mas talvez houvesse algo importante que incriminasse meu pai, ou talvez essa carta fosse para minha mãe.

 Então eu a abri. Não pude conter minha curiosidade, comecei a ler a carta escrita por uma letra elegante e para minha surpresa, e talvez de todos, era direcionada à mim.


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