Cartas para Timóteo escrita por LC


Capítulo 4
Epílogos




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Oponho-me a tudo que criei, mesmo que tudo que criei seja o nada inalcançável, oponho-me a ele. Oponho-me à meu pai, oponho-me à Deus e destino-me a tramontana encoberta, vendendo minha alma ao subsídio da estrada com cor e calçadas livres, febre contínua e nó duplo. A rota final da estrada é mais valiosa que a vida e só hoje pude percebê-la, sem tempo a descanso ou pensamento, com objetivo único de salvar-me do eremitério e povoar-me, abreviando o pouco de vida que ainda gozo.

Não havia forma e eu a criava, a emulsificava em meu mundo, o trazia de volta a realidade, podia vê-lo em todas as formas, a cor já não era apenas devaneio, já me mostrava sua faceta pejosa e me era convidativo: era tocável, descritível e poética, mas ainda inalcançável, o que tornava sua realidade um asco em meu sangue branco.

Ele era real e tinha rosto, corpo e dedos, tinha cheiro, carinho e odor. Era mísero, tão mísero quanto o gesto de se apresentar e de se descrever. Eu não podia descrevê-lo, pois não podia vê-lo, apenas o sentir. Mas ele estava alí. Presente, vivo e gesticuloso – eu queria apenas o tocar uma única vez e sentir seus caminhos, descobrir o seu mapa e prosseguir – seguir minha rota ao meu destino final, o destino com cor que procuro, o destino que remedia as minhas cóleras e afoga minhas dores.

Eu não podia prosseguir, eu fazia parte dos imperfeitos, negados e expulsos dos reinos divinos: um brinquedo a que dão corda e não consegue decidir, tomar ou reagir. Eu era um herege que desafiara Deus aos meus limites, que duvidara de seu poder de cura e persuasão e que sentira seu toque somente após vinte anos de existência. Ele era divino e eu não podia almejá-lo, pois este fazia parte dos idealizados, dos honrosos e respeitosos rapazes em sádico viés. Ele era Timóteo, eu, Maria Madalena, a prostituta que nascera sem coração, que almejara viver e só conseguira tê-lo ao caminho da morte. Eu estava a caminho da morte, e decidira me entregar.

Eu estava totalmente entregue aquele rapaz, ao rapaz que não conhecia e era a personificação de meus desejos, eu estava entregue ao seu rosto, ao seu sorriso e seu corpo, eu me servia em uma bandeja e me expunha a qualquer situação para adicioná-lo em minha rota: não sei o que fizera de mim – mas sei que este é meu único caminho ao meu Deus íntimo. Tornei-me, pois, uma página em branco, um oco de palafitas que se refaz a cada instante, que não permite ser escrito e que nos cospe, derramando-me ao mísero mar de revolta e angústia, regado à pretenciosa cachoeira de desejos e planos. Eu era em branco e precisava ser povoado, precisara de uma caneta em meu corpo à minha história planejada.

Eu precisara

Mas não possuía.


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