A excepcional normalidade escrita por Nekoclair


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Olá! Obrigada a você que deu uma chance para esta minha história! Espero que goste!



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A excepcional normalidade

 

A vida de Yuuri Katsuki não era algo que se chamaria de especial, ou de extraordinária. Yuuri vivia uma rotina cansativa e banal. Ele acordava cedo todos os dias – com um pouco de esforço, pois nunca foi uma pessoa matutina –, vestia-se depois de um banho demorado e saía para o trabalho.

O Sol parecia o acompanhar, seguindo-o enquanto ele se distraía observando a paisagem transpassar rapidamente em sua visão. Os prédios, as pessoas indo cedo para o trabalho… Tudo era sereno e parte de uma rotina que já se mantinha há quase três anos. Filho de imigrantes, trabalhava em um food truck estacionando numa praça movimentada no centro da cidade.

— Mais uma porção de takoyaki! –  Ele dizia assim que a praça começava a encher de trabalhadores famintos.

Sua voz parecia tomar conta do ambiente, inundando-o de gentileza e mostrando todo o seu empenho em proporcionar sempre do melhor para os seus clientes. Porém, isso não necessariamente significava que ele amava o que fazia. Ele tinha sonhos, sonhos que nada tinham a ver com a rotina que vivia. Acordar cedo, carregar sacolas pesadas, ouvir gritos de trabalhadores irritados… Nada disso se enquadrava na vida que ele se imaginava estar vivendo àquela altura, com seus vinte e quatro anos de idade.

Mas isso não queria dizer que Yuuri era infeliz. Amava ajudar seus pais, amava ver o sorriso de sua mãe enquanto ela atendia os clientes, amava a companhia de sua família. Amava a sua rotina. Mesmo que sua vida tivesse seguido um rumo diferente, não significava que era ruim. Além disso, era jovem e certamente a oportunidade ainda viria. Agora, tinha um dever a cumprir para com seus pais; ou, ao menos, foi o que ele me disse quando começamos a nos conhecer.

Sendo um frequente visitante da praça onde ele trabalhava, não foi estranho que acabássemos interagindo e nos conhecendo melhor com o passar do tempo. Eu, porém, não era um de seus clientes. Éramos amigos, unidos pelo acaso; ou amigos éramos supostos de termos sido.

 

—-

 

Tudo começou numa quarta-feira parcialmente nublada, da qual me lembro como se fosse ontem.

Eu havia acabado de chegar aos Estados Unidos, onde uma parceria havia sido feita com uma empresa local de roupas femininas. Depois de perambular a manhã inteira pelas ruas da cidade desconhecida a fim de resolver o mais rápido possível as questões que haviam ficado pendentes antes de minha transferência, como prazos e acertos de contas, busquei Makkachin em casa e decidi aproveitar o resto da tarde para conhecer uma praça famosa no centro da cidade.

Depois de vinte minutos dentro de um carro abafado, com um Makkachin inquieto no banco de trás, eu torcia para encontrar algo minimamente à altura dos elogios que eu normalmente ouvia sobre o local. E, sinceramente, não me decepcionei.

Os tons de verde reinavam sobre todos os outros. As fontes de água cristalina e a calçada em paralelepípedos davam uma rusticidade ao lugar que transmitia tranquilidade. Respirei fundo e, maravilhado com o cenário, caminhei com Makkachin ao meu lado enquanto ele me puxava pela coleira em um pedido silencioso para que eu andasse mais rápido.

Depois de algumas voltas e sentindo-me inspirado como não me sentia há muito tempo, sentei em uma daquelas mesas de xadrez velhas que ninguém utilizava para seu real propósito e abri o meu caderno de rascunhos. Eu já estava prestes a mergulhar no meu trabalho e a esquecer do mundo quando Makkachin me cutucou com seu focinho. Olhei em direção ao cachorro, que havia deitado sobre o chão e, cansado, pedia por um pouco d’água. Depois de encher uma vasilha que eu trazia na mochila e o soltar para que ficasse mais a vontade, voltei-me de novo ao caderno, apanhando um lápis e jogando as ideias no papel.

Não sei quanto tempo se passou até que eu percebesse que tudo estava quieto demais. Distraído com a gola de um vestido longo precariamente desenhado, o tempo passou mais rápido do que eu havia dado conta e, quando percebi, eu estava sozinho. Makkachin não havia escutado minhas instruções sobre não sair perambulando por aí e agora não havia sinais dele, apenas da vasilha de água que jazia vazia.

Levantei-me às pressas ao notar que ele havia sumido, meu nível de estresse crescendo absurdamente rápido. Ainda assim, por mais que eu quisesse culpá-lo por ter me desobedecido, a maior parte da culpa caia sobre mim. Eu tinha que parar de me iludir achando que a idade tornaria Makkachin um cão mais calmo e menos curioso.

Com medo de que o fizessem algo, ou que ele comesse algum lixo que tivesse sido largado no chão, apanhei minhas coisas e fui atrás dele, preocupado e arrependido por ter sido tão descuidado. Para minha sorte, encontrei-o pouco depois, grudado às pernas de um jovem japonês de cabelos negros e olhos gentis.

Aproximei-me rapidamente, com um pedido de desculpas já na ponta da língua. Makkachin, quando me viu, parou de brincar com o garoto e correu em minha direção, pondo-se ao meu lado com expressões de quem não havia feito nada de errado.

— Desculpe-me. Espero que ele não tenha causado qualquer problema. – Falei, assim que tive a chance.

— Tudo bem. – Ele respondeu, com um sorriso tímido no rosto. – Nós nos divertimos, certo? – Ele olhou na direção do cachorro, que latiu como se respondesse a sua pergunta.

Após alguns segundos encarando o garoto que parecia ser poucos anos mais novo do que eu, rapidamente me encantei com o sorriso que ele direcionava ao Makkachin. Qualquer um que olhasse para o meu cachorro daquele jeito já tinha um lugar reservado na minha vida.

— Então… Onde o encontrou? – Perguntei, desejando receber também um pouco de sua atenção. – Assim, se acontecer de novo, já vou saber onde procurá-lo. Makkachin tem esse péssimo hábito de perambular por aí.

— Então o seu nome é Makkachin... Que nome adorável para um poodle! – O garoto se abaixou e brincou com as mechas castanhas que cobriam a cabeça do cachorro, que não podia estar mais satisfeito por estar recebendo tanta atenção. Eu já estava com o gosto amargo de derrota na boca quando ele olhou para cima, seus olhos encontrando com os meus. – Ele estava na área de alimentação, onde ficam parados os food trucks.

— Previsível.

— Acho que ele foi atraído pelo cheiro. Estávamos fechando quando o vi. Ele parecia perdido, então decidi grudar nele até que o dono aparecesse.

— Desculpe pelo trabalho.

— Não tem problema. – Ele balançou a cabeça, e então se levantou.

— Você trabalha por lá?

— Sim. Com meus pais.

— Comida japonesa?

— Tão previsível assim?

Contive uma gargalhada, mas então percebi que talvez eu estivesse sendo um tanto quanto insensível. Eu estava prestes a me desculpar quando vi o sorriso que ele tinha nos lábios enquanto olhava para mim, como se dissesse “é, eu sei que era previsível”. As palavras morreram em minha garganta e tudo que pude fazer foi encará-lo silenciosamente enquanto meu coração batia mais rápido em meu peito.

— Mas, hm… – Forçando-me a voltar ao mundo real, falei a primeira coisa que me veio à mente. – Obrigado de verdade por cuidar do Makkachin, err…

Olhei para ele com expressões bem provavelmente mais idiotas do que eu gostaria, percebendo então que até agora eu desconhecia o seu nome. Ele pareceu entender o olhar perdido que eu lançava em sua direção, pois sorriu gentilmente.

— Yuuri Katsuki.

— Certo. Obrigado, Yuuri. – Respondi, sorrindo, seu nome soando como mel em meus lábios.

— Sem problemas.

— A propósito, sou Victor. Victor Nikiforov.

Estendi minha mão e ele a apertou em um cumprimento silencioso, e, quando foi hora de o soltar, demorei-me mais do que seria necessário. Desculpei-me, embaraçado ao notar o que eu havia feito, mas Yuuri apenas disse que não foi nada demais. Uma reação bem sem graça e decepcionante, se me perguntar.

Eu me perguntava sobre como eu poderia garantir a sua companhia por pelo menos mais alguns minutos, decidido a conhecê-lo um pouco melhor, quando Yuuri falou que tinha o resto do dia livre, seus olhos virados na direção do cachorro sentado ao meu lado. Cativados – ele com Makkachin, e eu com o garoto misterioso –, sentamo-nos para conversar.

— Makkachin me lembra muito do Vicchan… – Ele explicou, depois de algum tempo, seu tom melancólico tornando desnecessária uma pergunta sobre o que havia acontecido com o seu cão.

Yuuri ficou o tempo todo mimando Makkachin, brincando com seu pêlo e dando ao cão toda a atenção que ele desejava. Isso me fazia feliz, mas simultaneamente eu me via com ciúmes, secretamente desejando que ele olhasse para mim daquela mesma forma. As coisas só começaram a melhorar para o meu lado quando comentei sobre meu trabalho e o mostrei meu caderno de rascunhos. O assunto, então, não nos faltou. Yuuri me falou sobre como amava desenhar, sobretudo paisagens, e que me invejava por eu ter a chance de correr atrás de meus sonhos.

— Mas um dia eu vou conseguir! – Ele disse, confiante, mas então seus ombros tombaram e seus olhos fugiram dos meus. Ele voltou a brincar com Makkachin, que havia deitado sobre seus pés, e suas expressões tornaram-se mais vazias. – Eu acho…

— Vai sim, tenho certeza.

Ele então se voltou novamente na minha direção, seus olhos brilhantes, suas bochechas rosadas e os seus lábios finos formando um discreto e tímido sorriso… Foi impossível não me apaixonar.

 

—-

 

Inevitavelmente, ir a movimentada praça todos os dias tornou-se parte de minha rotina. Eu chegava pouco depois do almoço junto de Makkachin e, depois de andar um pouco com ele, eu me sentava na mesa de xadrez e desenhava até que as minhas ideias se esgotassem. O verde, as pessoas, o assobio dos pássaros… O ambiente relaxante era tudo que minha inspiração sempre pediu para poder trabalhar em potência máxima. Ela, porém, não era o principal motivo de eu dirigir vinte minutos todos os dias até o centro da cidade.

Yuuri e eu passamos a nos ver sempre. Assim que acabava seu expediente, ou quando o movimento na praça era pouco, ele vinha até mim e conversávamos por horas, até que o Sol se deitasse no horizonte e Yuuri se visse sem opções além de partir.

— Meus pais vão ficar preocupados – ele explicava toda vez, suas expressões pesarosas. E eu anuia, ciente de que não podia tê-lo todo para mim, apesar de secretamente desejar ter sua companhia eternamente.

Estar junto dele era relaxante e me enchia de sentimentos que eu nunca havia experimentado antes. Meu coração batia mais rápido e meus sorrisos pareciam mais sinceros. Eu me sentia mais feliz. Quem diria que eu encontraria o amor da minha vida por causa de uma transferência indesejada para os Estados Unidos? Eu sequer tinha mais vontade de reclamar com meu chefe, Yakov Feltsman, por ter me mandado para longe contra a minha vontade. A vida é realmente cheia de reviravoltas, e as surpresas vêm quando menos se espera.

Estar apaixonado era angustiantemente maravilhoso e não demorou até que o ver apenas depois do trabalho bastasse.

Comecei a chegar mais cedo e a sentar mais próximo do food truck. Observá-lo trabalhando, vestindo o seu avental e sorrindo junto de seus familiares foi uma experiência totalmente nova, e ver mais lados de sua personalidade – lados que ele não me mostrava normalmente – foi mágico. Na primeira vez que os olhos de Yuuri encontraram os meus, sua surpresa foi tamanha que ele quase derrubou as embalagens que carregava, o que me fez ter que segurar o riso enquanto ele vinha rapidamente em minha direção, sua agitação aparente.

Makkachin latiu algumas vezes e fez menção de pular sobre Yuuri, a quem havia se apegado mais rapidamente do que eu achava possível; mas desta vez ele estava bem preso, para seu desânimo. Yuuri acariciou a cabeça do cachorro que se encontrava abalado pela falta de liberdade e então se voltou na minha direção.

— Victor, o que faz aqui?

A forma como a pergunta saiu as tropeços de seus lábios e o olhar ansioso que ele lançou em minha direção foram tão adoráveis que não consegui me conter de falar a verdade.

— Eu queria te ver.

Perante minhas palavras, o rosto de Yuuri coloriu-se de um vibrante escarlate. Embaraçado e sem saber onde fixar os olhos, ele disse que tinha que voltar ao trabalho. Ele, porém, não se moveu. Parado diante de mim, os dedos agarrados ao avental pálido, ele parecia perdido, como se não soubesse se agia bem, como se duvidasse de si mesmo. Vendo aquilo, falei a única coisa que me veio à mente naquele momento e que achei que poderia ajudar a acalmá-lo.

— Mal posso esperar pelo fim do seu expediente. Estarei te esperando.

Yuuri sorriu, seu corpo relaxando imediatamente. Ele anuiu a cabeça em uma silenciosa despedida e voltou para junto dos pais, que se atrapalhavam com o crescente número de clientes.

Mesmo distraído com meus rascunhos e com um Makkachin carente, foi impossível não perceber os olhos do jovem japonês procurando-me sempre que tinham a chance.

 

—-

 

Todo dia, eu chegava cedo à praça, sentava-me no banco aos fundos dos food trucks e rascunhava em meu caderno vestidos e saias que não me agradavam metade do tempo. Sempre que tinha tempo, Yuuri vinha ver como eu estava, me trazia um copo d’água, sentava ao meu lado e nós nos perdíamos em conversas que só eram encerradas quando Mari, sua irmã mais velha, vinha arrastá-lo de volta para o serviço. Enquanto era levado, Yuuri acenaria e sorriria levemente, num silencioso e temporário adeus, numa promessa de continuar de onde tínhamos parado assim que surgisse a oportunidade.

Observando-o diariamente, os contornos de seu corpo esbelto praticamente engravados em minha memória, não demorou para que os esboços aleatórios em meu caderno ficassem cada vez mais parecidos com ele.

— Por quê? – Yuuri perguntou, confuso, quando viu-se desenhado numa das folhas do caderno.

— Apenas senti vontade – respondi com sinceridade.

— Não acho que eu seja um modelo adequado, até porque me mexo muito. E eu nem sou bonito desse jeito. Você foi bem gentil nos seus desenhos.

— Simplesmente desenhei o que vejo. – Falei, jogando uma mão para cada lado.

Imediatamente um rubor espalhou-se no rosto de Yuuri, que olhou para o chão, embaraçado. O silêncio se manteve até que Mari chamasse por Yuuri, pedindo ajuda com uma família que acabara de chegar e não parecia saber sequer ler os nomes nos cardápios.

— Eu tenho que ir. Estão me chamando e, ahn…

— Eu te vejo mais tarde então.

— Certo…

Naquele dia, os olhos de Yuuri me procuraram mais do que nunca, incapazes de manter o foco e de se manterem longe de mim por muito tempo. Era adorável vê-lo daquele jeito e eu me via cada vez mais incapaz de não criar expectativas.

Tê-lo conhecido foi como encontrar um oásis depois de perambular sem rumo pelo deserto por uma vida inteira. Ver Yuuri trabalhando ou sorrindo ao meu lado me trazia sentimentos reconfortantes ao peito. A maneira como seus músculos se moviam enquanto ele se abaixava para limpar as mesas, o jeito como seus olhos estreitavam por detrás das lentes dos óculos quando ele sorria, o seu perfume doce e viciante… Cada pequena descoberta era especial. Meu único medo era perdê-lo ao dar um passo grande demais, o que me fazia ter mais cautela do que eu normalmente teria.

Eu tinha medo de o perder. Tinha medo de falar alguma coisa errada que o chateasse, e que o fizesse se afastar. Eu até mesmo evitava me aproximar de sua irmã ou de seus pais, temendo que eles erguessem alguma espécie de barreira entre nós. Mas era evidente de que uma hora eu não teria escolha, e foi em um dia ensolarado que interagi pela primeira vez com a família de Yuuri.

Eu havia acabado de largar meu caderno ao meu lado, cansado de falhar em criar um novo estilo de vestido que casasse com as novas tendências, e acariciava um carente Makkachin quando Mari apareceu com uma porção de comida nas mãos.

— O quê? – As palavras saíram confusas dos meus lábios.

Pisquei algumas vezes, como se me certificando de que não era tudo uma ilusão. Mari apoiou o peso de seu corpo em uma das pernas e levou a mão livre à cintura, sua postura relaxada.

— Katsudon – ela respondeu simplesmente.

Cansada de esperar alguma atitude de minha parte, ela empurrou a embalagem na minha direção, forçando-me a apanhá-la para que o conteúdo não caísse em meu colo. Depois de me certificar de que não haveriam acidentes com a comida, olhei confuso em sua direção, a procura de respostas.

— Não, sim, mas… Por quê?

Mari simplesmente apontou para o food truck, onde vi Hiroko, a mãe de Yuri, acenar sorridente. Respondi acenando de volta, apesar de ainda não entender bem o que estava acontecendo. Mari, porém, não me deu qualquer explicação, apenas voltou ao trabalho depois de um breve adeus.

A partir daquele dia, Yuuri apareceria pouco antes do fim do expediente com restos de carne para Makkachin e uma porção de comida para mim. Ele sentava ao meu lado e me observava comer, fazendo-me pensar se ele normalmente se sentia constrangido da maneira que eu estava me sentindo naquele momento. Ser observado tão atentamente era bem mais angustiante do que eu havia imaginado, e não saber o que Yuuri pensava não ajudava em nada. Não aguentando mais ser silenciosamente encarado, perguntei o porquê da comida.

— Você chega cedo e fica até o meio da tarde sem comer nada. Algo assim nunca passaria despercebido aos olhos da minha mãe, ou aos meus.

— Então você está tomando conta de mim?

Yuuri corou e estava prestes a dizer alguma coisa quando o interrompi.

— Agradeça a sua mãe por mim. – Eu pedi, sorrindo levemente. – E, a propósito, o que são essas flores?... – Perguntei, indicando os pequenos rascunhos que decoravam uma das beiradas do guardanapo que acompanhava a porção de takoyaki, evidentemente feitas com uma das canetas pretas com as quais se anotavam os pedidos no food truck.

— Bem, você ficou me desenhando então… Ah, mas eu tive certeza de manter a tinta longe da comida! – As feições no rosto do Yuuri de repente ficaram ansiosas. – Okay, talvez isso tenha sido idiota. Desculpa. Eu, ahn, não sei o que estava pensando...

Um sorriso tomou conta dos meus lábios e minha mão buscou os fios negros e curtos de seu cabelo a fim de brincar com eles. Yuuri ficou em silêncio, seu corpo tenso enquanto eu acariciava sua cabeça.

— É uma pena… Se o guardanapo não estivesse tão sujo eu poderia guardá-lo.

Yuuri imediatamente relaxou e um sorriso surgiu em seus lábios. Seu corpo tombou em minha direção, seu ombro encostando no meu. Ele fechou os olhos e respirou fundo. Ainda brincando com seu cabelo, pensei se devia dizer algo, mas o silêncio era tão confortável que não tive vontade de extingui-lo.

 

—-

 

Os dias passavam e nossa rotina permanecia. Eu passava as tardes enchendo meu caderno de desenhos do Yuuri, e então eu os usava de base para meus vestidos. Quando viu isso, Yuuri foi rápido em expressar o seu desconforto.

— Só eu vou ver, mas se você realmente não gosta eu posso parar. – Respondi, sem pensar duas vezes. Eu gostava de desenhá-lo e rascunhar os vestidos sobre os seus esboços me incentivava a dar o meu melhor. Porém, se isso o incomodava, eu estava pronto para largar esse hábito imediatamente.

— Não é que eu não goste… – Yuri respondeu, corado. – Mas você bem que podia parar de me detalhar mais que os vestidos!

Minha reação foi dar uma breve gargalhada, o que fez o vermelho no seu rosto tornar-se ainda mais evidente. Mas ele era adorável! O que eu podia fazer?

— Victor! – Ele reclamou, sem saber bem o que dizer.

Passei um braço em torno de si e o trouxe para mais perto de mim, desejando nada além de sentir o calor de seu corpo, mesmo que fosse através dos grossos casacos que nos separavam. O tempo começava a virar e a se tornar mais cinzento, e eu me via cada vez mais perto do meu prazo. Não demoraria até que começassem as ligações pedindo pelos meus novos designes.

Yuuri se acomodou melhor ao meu lado e Makkachin nos encarou, provavelmente pensando em pular no banco e se meter entre nós. Yuuri também pareceu perceber as suas intenções, pois levou uma mão ao cachorro para distraí-lo, acariciando-o com delicadeza e carinho.

Respirei fundo, o calor de seu corpo aquecendo o meu. A situação toda era como um grande sonho, do qual eu esperava não acordar nunca. O tempo que eu passava com Yuuri era tão ordinário, mas ao mesmo tempo tão significativo e maravilhoso. Cada conversa, cada sorriso, cada toque… Em nenhum de meus relacionamentos passados eu havia sentido emoções tão fortes como as que eu sentia ao seu lado.

Olhei em sua direção e apanhei sua mão, apesar de um tanto temeroso que ele achasse que eu estivesse cruzando alguma linha. Yuuri, porém, entrelaçou nossos dedos e sorriu discretamente, seus olhos ainda fixos nas pessoas que passeavam pela praça. O silêncio era tão acolhedor que tive que me esforçar para não adormecer; Yuuri, porém, foi incapaz de resistir ao cansaço recorrente após um dia agitado no trabalho.

Vendo-me restrito, afinal eu não desejava acordá-lo, vi-me sem nada para fazer para ocupar o meu tempo. Fiquei um tempo apenas o observando dormir, mas a posição infortuna não colaborava e logo tive que optar por alguma outra distração. Antes que eu desse conta, estava pensando no passado, na faculdade, na minha terra natal e nos amigos que eu havia abandonado por lá.

Eu tinha quinze anos quando percebi que não era feliz.

Trabalhando desde pequeno como modelo, profissão sempre muito incentivada pela minha família, nunca senti prazer em estar diante das câmeras. Mesmo quando eu posava ao lado de minha mãe, nunca me senti confortável o suficiente para apreciar sequer um pouco a profissão. Não importavam os elogios, ou as promessas de um futuro garantido, eu simplesmente sentia que ali não era o meu lugar. Porém, a indústria da moda em si me interessava. Como mágica, as pessoas se transformavam diante de mim simplesmente por trocar de figurino, e isso me encantava. Depois de temer por tanto tempo um futuro frustrante e inevitável, vi uma luz e, seguindo-a, fui para a faculdade, decidido a me tornar um estilista.

Seguindo meu sonho, Yakov Feltsman e Lilia Baranovskaya foram as primeiras pessoas que encontrei durante minha jornada. Divorciados, mas conscientes de que trabalhavam bem juntos apesar dos frequentes desentendimentos, os dois eram sócios e os donos de uma empresa medianamente famosa de roupas na Rússia e os conheci pouco depois de começar a ir atrás de um emprego. O nome Nikiforov obviamente não passou despercebido, trazendo dúvidas ao velho senhor que não conseguiu não franzir o cenho ao que viu meu currículo.

— Por que aqui? Com os contatos que você certamente tem, arranjar trabalho em um lugar melhor não seria difícil. – Yakov perguntou na época, mais curioso do que qualquer outra coisa.

— Não pretendo usar atalhos. Este é um caminho que decidi trilhar utilizando somente as minhas próprias forças.

Lembro de Yakov sorrir ao ouvir minhas resposta, evidentemente satisfeito com minha resposta. Lillia, porém, parecia ter suas próprias dúvidas.

— Estilista? Certeza que não gostaria de ser o rosto de nossa empresa?

— Desculpe-me, – falei, com um tom apologético – mas realmente não acho que eu seja adequado para o serviço.

A mulher ficou em silêncio e observou-me por alguns instantes, suas expressões enigmáticas deixando-me nervoso. Eu já estava criando um discurso em minha mente sobre o meu amor pela moda e meus sonhos de crescer na profissão quando ela enfim extinguiu com o silêncio que ela mesmo criara.

— Muito bem. Não importa ter um rostinho bonito se a pessoa não está interessada. – Ela se virou na direção do ex-marido, fez um gesto silencioso e um contrato foi assinado logo a seguir, dando início oficialmente à minha jornada.

Trabalhar como estilista era tudo que eu sonhei e muito mais. As revistas de moda cresciam em minhas estantes a cada dia, multiplicando-se em uma velocidade alarmante. Visitar lojas de tecido se tornou o meu maior passatempo, e os passeios com Makkachin se tornaram mais extensos e interessantes, pois me davam uma desculpa para sair à rua e observar as pessoas que andavam na calçada e imaginar o que combinava com cada uma. Mesmo sair tarde do trabalho não era um problema, já que eu apreciava cada momento que eu passava no estúdio; foi inclusive no estúdio que conheci meu melhor amigo, Chris.

Christophe Giacometti era um fotógrafo com quem formei uma rápido amizade, logo nas minhas primeiras semanas. Sendo sempre muito direto, nunca se conteve na hora de me oferecer elogios e críticas quanto ao meu trabalho. Mesmo sendo alguns anos mais novo, sua experiência ultrapassava a minha, pois trabalhava na empresa desde que começara o ensino médio. Chris e eu frequentemente saímos para comer e beber depois do expediente, seus pedidos para me fotografar tão frequentes quanto seus flertes. Eu, entretanto, nunca pude responder a nenhuma das questões. Mesmo sabendo de seus sentimentos, eu simplesmente não conseguia me sentir romanticamente atraído por ele, e ele parecia estar tão ciente disso quando eu. Meu maior desejo é que ele encontre alguém que o ame da maneira que ele merece.

Eu tinha uma rotina agitada e agradável, que me mantinha ocupado a semana inteira. As reclamações de meus pais se tornaram menos frequentes ao que eles foram se dando conta de que ser um estilista não era apenas uma rebeldia de minha parte, mas um sonho. Eu estava começando a achar que havia encontrado meu lugar no mundo quando Yakov me veio com uma inesperada notícia, que acarretou em uma indesejada transferência.

Mas quem diria que alguém me esperava do outro lado do mundo. Minha alma-gêmea eu diria, se eu acreditasse em destino.

Um sorriso me tomou os lábios antes que eu desse conta. Olhei na direção do garoto que ainda dormia tranquilamente, alheio ao olhar apaixonado que era reservado somente a ele. Eu tinha sorte por ter conhecido alguém tão encantador, e meu maior desejo era que as coisas continuassem a progredir bem entre nós. Eu desejava nada além de sua afeição. Eu acordava de manhã e meu primeiro pensamento era se ele já estava indo trabalhar, e então eu contava as horas até que fosse hora de sair e ir encontrá-lo. Meus dias continuavam tão ocupados quanto nunca, mas pensar que eu veria o Yuuri durante a tarde sempre trazia um sentimento reconfortante ao meu peito.

Cada pequeno sorriso, cada conversa desimportante, cada rascunho num guardanapo usado… Quem diria que chegaria o dia em que eu colecionaria guardanapos. Os desenhos que Yuuri fazia ficavam cada vez mais complexos e variados. Além de flores, borboletas e outros animais agora também enfeitavam os guardanapos minimamente limpos que eu guardava em minha coleção particular. Yuuri parecia feliz com a importância que eu dava para os pequenos desenhos, mas, por algum motivo, sua resposta para o meu recorrente pedido para ver suas pinturas continuava a mesma.

— Talvez outro dia, – ele dizia, sem olhar na minha direção.

Esse dia, porém, não mostrava sinais de estar se aproximando.

Eu tentava não me abalar com isso, mas parte de mim se perguntava se eu estava lendo os sinais errado. Talvez ele não gostasse tanto assim de mim. Talvez meus sentimentos nunca sejam correspondidos.

Talvez eu realmente esteja tentando dar um passo grande demais.

E então ele se apoiava em mim, entrelaçava nossos dedos e sorria para mim com um rubor espalhado em sua face, livrando-me de todas aqueles medos desnecessários.

 

—-

 

Certo dia, depois de passar o dia discutindo esboços de roupas com meus superiores, eu voltava para casa quando me vi estacionar em frente à praça.

Depois de respirar fundo, perguntei-me o que eu estava fazendo. Eu já havia avisado o Yuuri de que não poderia ir vê-lo, não tendo eu assim uma razão para não ir para casa descansar depois de um dia cansativo e estressante. Porém, o meu desejo de vê-lo era tamanho que não consegui me impedir de desviar-me totalmente de meu caminho.

Recostei-me no banco do carro e suspirei fundo, pensando que eu tinha que ter um melhor controle da minha vida. Fechei meus olhos por um momento e quando os abri novamente pensei que meu coração ia sair pela boca, pois Yuuri havia aparecido em minha janela, sorrindo como se essa fosse a coisa mais normal a se fazer.

Abri a porta do carro e ele deu um passo para trás, dando-me espaço para que eu saísse e expressasse a minha confusão verbalmente.

— Yuuri? O que está fazendo aqui?

— Eu é que devia perguntar isso. – Ele cruzou os braços e ergueu uma de suas sobrancelhas, sorrindo descontraidamente. – Você não disse que não vinha hoje?

— E eu não vinha! É só que… Bem… Não sei. Simplesmente aconteceu.

Yuuri deu uma baixa e contida gargalhada, seus lábios escondidos atrás de uma de suas mãos. Seu rosto estava levemente vermelho, talvez por causa da temperatura que começava a cair com a chegada do fim da tarde.

— E você? – Perguntei, por fim. – Por que ainda está aqui?

— Estava matando tempo... – Ele respondeu, balançando os ombros enquanto olhava para o chão.

— Ehh… É realmente só isso?

Aproveitando do carro parado ao nosso lado, eu o encurralei entre meus braços. Busquei seus olhos e os encontrei virados em minha direção. Yuuri corou um pouco mais fortemente, mas não desviou o olhar. Seus lábios estavam entreabertos e brilhavam como se estivessem sedentos. Eu, porém, não tive coragem de encurtar o pouco espaço que nos separava. Eu sentia que ainda tinham coisas que eu tinha que descobrir sobre ele, e fazer algo do tipo quando ele sequer confiava em mim o suficiente para me mostrar seus desenhos… Que me chamassem de mesquinha, de egoísta… Que me chamassem do que quisessem. Eu não achava que era o momento certo, não ainda.

Afastei-me, e as expressões frustradas que tomaram o rosto do Yuuri foram quase – quase — suficientes para que eu mudasse de ideia e o beijasse ali e agora. Fiquei em silêncio, olhando para o chão a fim de acalmar o coração que batia acelerado em meu peito, implorando para que eu parasse de pensar tanto e começasse a agir mais.

— Err, Victor.

Ao ouvir meu nome ser chamado de maneira tão ansiosa, mas por uma voz tão doce e gentil, virei-me imediatamente em sua direção. Yuuri ainda estava corado, mas junto de seu embaraço mostrava-se uma determinação que eu nunca antes havia visto em seu rosto.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, seus olhos fixos nos meus mas seus lábios aparentemente incapazes de formarem as palavras desejadas. Ele então ajeitou a franja que caía sobre seu rosto, puxou o óculos de volta para o lugar e olhou para o chão.

— Na verdade, tem algo que eu queria te mostrar. – Ele falou timidamente enquanto gesticulava para a mochila largada junto dos seus pés, cuja existência havia me passado despercebida até então

Apesar de não entender o que estava acontecendo eu o segui praça adentro, ciente de que as respostas viriam se eu esperasse. Quando enfim nos sentamos num dos vários bancos disponíveis, abaixo de um poste de luz, Yuuri puxou a mochila para seu colo e de dentro dela puxou um caderno sem pauta muito parecido com o meu.

— Eu pensei em aproveitar que você não vinha e ficar desenhando um pouco… Não que a inspiração tenha vindo. Acho que hoje não era um bom dia.

Yuuri olhou para mim e empurrou o caderno em minha direção. Ainda sem acreditar que aquilo estava realmente acontecendo, aceitei sua oferta. Antes de checar o conteúdo, porém, olhei para ele uma última vez.

— Tem certeza?

Yuuri sorriu levemente e anuiu com a cabeça, seu nervosismo aparente.

Eu reconhecia o esforço que ele estava fazendo e, mesmo que ele nunca tenha me falado propriamente, eu sabia que suas pinturas eram muito mais do que apenas desenhos. Eram uma parte de si, uma representação de seus sentimentos mais sinceros em relação ao mundo e aos que o cercavam. Mostrá-los a mim era sua maneira de mostrar-me seu coração e todas as emoções que ele normalmente escondia, e isso me fazia o homem mais feliz do mundo.

Abri o caderno e me encantei imediatamente com suas escolhas de cores e com as pinceladas tão delicadas. Porém, a cada página que eu virava, eu sentia que algo se transformava; as cores se tornavam mais vibrantes e os cenários pareciam transmitir mais vida. Foi então num dos seus desenhos mais recentes que notei a presença de uma sombra cinzenta perdida em meio ao verde da natureza retratada. Virei a página, e em meio a uma pintura totalmente diferente a tal sombra ainda se fazia presente. Inevitavelmente, a sombra acompanhava cada um dos trabalhos mais recentes de Yuuri, e meu coração se apertava toda vez que eu a via aparecer em um dos cantos dos desenhos. Não era algo reconhecível, mas eu sentia que sabia quem ela representava mesmo sem perguntar.

— Sou eu? – Perguntei, sem mais conseguir me conter. Eu precisava saber, pois se realmente era…

Yuuri corou fortemente e respondeu timidamente que sim, com um gesto sutil de sua cabeça. Em resposta, eu não disse nada. Eu não tinha palavras, meus coração batia acelerado e parecia estar prestes a se derreter.

Sentindo o meu rosto quente, eu o cobri com uma de minhas mãos. Era aquele um sinal, um sinal de que eu ocupava sua mente tanto quanto ele ocupava a minha? O que ele esperava que eu fizesse depois daquilo, depois de eu ver seus sentimentos tão claramente expostos?

Depois de o devolver o caderno, que ele apanhou rapidamente e guardou na mochila, eu pensava no que deveria dizer, a procura das palavras certas, quando Yuuri se levantou às pressas.

— Eu tenho que ir e ajudar meus pais com umas coisas em casa. – As palavras se atropelavam enquanto saiam de seus lábios.

Yuuri jogou sua mochila sobre o ombro e começou a se afastar, sem olhar para trás uma única vez sequer. Vendo que ele pretendia partir sem dizer mais nada, levantei-me às pressas e fui atrás dele.

— Yuuri!

Yuuri parou e olhou em minha direção, apreensivo, o seu rosto vermelho e seus olhos ansiosos. Ele esperou em silêncio que eu falasse alguma coisa, mas não havia nada realmente que eu desejasse dizer naquele momento.

Dei alguns passos adiante, encurtando ainda mais a pouca distância que nos separava. Uma de minhas mãos procurou seu rosto como se essa fosse a coisa mais natural a se fazer, e traçou círculos em sua bochecha com o polegar. Yuuri pareceu relaxar um pouco, apesar de seu nervosismo ainda assim se manter aparente. Não mais conseguindo me conter, selei nossos lábios em um beijo gentil.

Seus lábios eram macios.

Meu coração bateu mais rápido, e bem provavelmente o dele também. A brisa noturna atingia minha nuca, mas nem isso foi capaz de acalmar o calor que crescia em meu corpo.

— Até amanhã, Yuuri. – Falei ao seu ouvido antes de me afastar.

Yuuri cobriu imediatamente o rosto com as mãos, a sensação dos meus lábios nos seus provavelmente ainda tão latente quando dos seus nos meus. Seu corpo então relaxou e ele deixou que seus braços pendessem ao lado do seu corpo, revelando um sorriso embaraçado em meio à expressões alegres.

— Até amanhã, Victor.

 

—-

 

Depois daquele pequeno mas importante primeiro passo, a distância que nos separava foi gradativamente diminuindo com o passar dos dias. Nós passávamos as tardes encostados um no outro, conversando ou desenhando, um clima agradável presente mesmo nos longos silêncios. Sempre que eu via uma oportunidade, eu beijava as costas das suas mãos e ele sorria para mim da maneira mais perfeita possível.

Os nossos adeus se tornaram mais demorados, a vontade de permanecer junto um sentimento em comum. Os segundos que eu passava ao seu lado se tornaram preciosos, e os seus sorrisos eram o meu tesouro mais precioso.

Inclusive, pela primeira vez me vi sem medo de me aproximar do food truck da família Katsuki. Yuuri, quando me viu entrar na fila como se aquele fosse um evento comum que acontecia frequentemente, não foi capaz de conter sua confusão.

— O que está fazendo aqui?! – As palavras saíram aos tropeços de seus lábios, da maneira que sempre saíam quando ele estava nervoso.

— O quê? É tão estranho assim? A comida é tão boa. – Um sorriso dançava em meus lábios. Eu mentiria se dissesse que não gostava de ver as emoções do Yuuri tão agitadas por minha causa.

— É, na verdade. – Mari foi quem respondeu, seu tom cético. – Muito estranho.

Hiroko, que havia acabado de entregar uma porção de takoyaki para um cliente, deu uma risada baixa; observei, encantado, que a maneira como ela ria era muito semelhante a de Yuuri.

— Obrigada, Vitya. Você é muito gentil.

Sorri na direção de Hiroko, que sem dizer mais nada voltou a trabalhar. Debruçada sobre a bancada do caminhão, Mari me encarava fixamente, suas expressões sérias. Um sorriso provocativo então surgiu em seus lábios e ela olhou na direção do seu irmão mais novo, que estava ainda parado ao meu lado.

— Então… Vocês estão finalmente namorando?

Yuuri corou fortemente, as palavras entaladas em sua garganta se expressando através de ruídos desconexos e que não faziam qualquer sentido.

Limitei-me a observá-lo, ciente de que eu não devia intervir naquele momento. Eu nunca havia pedido formalmente para que Yuuri saísse comigo, pois não senti que havia a necessidade de um pedido formal então estava nas mãos de Yuuri decidir como ele queria rotular o nosso relacionamento, e eu aceitaria o que quer que ele dissesse à irmã.

Obviamente que isso não impedia o meu coração de bater acelerado. Eu estava ansioso e secretamente torcia para que Yuuri não decepcionasse as minhas expectativas.

Yuuri respirou fundo, como se juntasse toda a sua coragem.

— Acho que sim – ele falou, enfim, timidamente.

Ele olhou na minha direção, incerto, como se buscasse uma confirmação. O vermelho de seu rosto devia ser contagiante, pois senti o meu próprio esquentar-se e colorir-se com as mesmas cores.

— Por favor, cuide bem de mim. – Falei, sorrindo de orelha a orelha.

 

—-

 

Os meses passavam e nossas rotinas se estrelaçavam mais e mais, lentamente tornando-se uma. Passei a sair mais cedo de casa e a ajudar os Katsuki a arrumar as coisas no food truck antes deles abrirem, e comecei também a levar Yuuri para casa quando a noite começava a tomar conta do céu.

O nosso primeiro encontro tardou a acontecer, mas quando enfim consegui levar Yuuri ao cinema e para jantar em um dia de folga tive certeza de que ele era a pessoa certa para mim.

As conversas descontraídas, as confissões repentinas, os beijos calorosos… Estar com ele em lugares diferentes, que não tínhamos o hábito de frequentar, permitiu-me conhecer tantos lados de sua personalidade até então desconhecidos.Yuuri me completava de uma maneira quase mágica. Foi quando voltávamos de nosso encontro que decidi tomar mais um passo adiante na nossa relação.

Eu havia acabado de estacionar o carro na frente da casa de Yuuri quando seus lábios foram prensados aos meus. Ele entrelaçou seus dedos em meu cabelo e aprofundou o beijo, deixando-me sem reação. Quando Yuuri se afastou, com um sorriso em seus lábios, ele me desejou uma boa noite e estava prestes a sair do carro quando o impedi. Meus sentimentos borbulhavam dentro de mim, meu coração batia acelerado e eu me via incapaz de conter-me naquele momento impulsivo.

— Yuuri, o que você acha de vir morar comigo?

Yuuri virou na minha direção com expressões surpresas, seus lábios entreabertos apesar dele não parecer ter nada específico em mente. Ele parecia estar indeciso e eu não o culpava por isso. Sair da casa onde vivia com sua família não era uma decisão fácil e que podia ser feita sem pensar bem à respeito.

Vendo que eu o havia deixado numa posição difícil, tentei aliviar a pressão que eu havia jogado sobre suas costas.

— Você não precisa me responder agora.

Yuuri anuiu a cabeça, mas suas expressões continuavam pensativas. Eu sentia-me culpado, mas sabia que aquele era um passo que teríamos que dar em algum dia. Segurei o rosto de Yuuri em minhas mãos e juntei nossos lábios por um breve momento, num beijo gentil.

— Não fique assim. Eu vou te amar independentemente da sua resposta, e vou esperar o quando precisar.

Yuuri relaxou um pouco e levou uma de suas mãos à uma das minhas, que continuavam em seu rosto. Ele sorriu levemente e anuiu novamente a cabeça antes de sair do carro e deixar-me sozinho com meus pensamentos.

 

—-

 

Eu passeava com Makkachin quando Yuuri e sua família chegaram à praça. Eles arrumavam as compras e começavam a se preparar para o dia agitado que o final de semana prometia quando Yuuri me viu. Acenei em sua direção e eu estava prestes a ir em sua direção quando as expressões que ele tinha no rosto fizeram-me ficar onde eu estava. Yuuri disse alguma coisa para Mari e a entregou as sacolas que carregava, e então veio em minha direção com olhos ansiosos, mas repletos de seriedade.

Eu estava prestes a perguntar o que tinha acontecido quando Yuuri me interrompeu, colocando para fora as palavras que provavelmente não foram fáceis de serem ditas.

— Eu falei com os meus pais, – ele começou, sua voz tremendo tanto quando suas mãos. Ele olhou para os lados por um momento e respirou fundo. – Eu não sou bom com mudanças.

— Ah, okay. Tudo bem. – Respondi, um tanto decepcionado, imediatamente entendendo sobre o que ele falava.

— Você não entendeu... – Yuuri murmurou, provavelmente falando mais para si do que para mim. Talvez se amaldiçoava por não conseguir ser direto e claro num momento como aquele. Ele então tentou de novo. – Eu quero ir morar com você. M-Mas você vai ter que ter paciência porque eu não me adapto facilmente e…

Sem sequer deixá-lo terminar, abracei Yuuri com força. Por um momento, eu pensei que ia perdê-lo, que ele ia dizer que aquilo tudo era demais para ele e que seus sentimentos não eram e nunca seriam proporcionais aos meus. Yuuri envolveu-me com seus braços, e isso foi suficiente para que eu desmoronasse.

— Victor, você está chorando?

Não respondi. Eu sabia que tinha que dizer alguma coisa, afinal ter o seu amante inundando seu casaco de lágrimas era no mínimo preocupante, mas eu não conseguia falar naquele momento. Mesmo tendo um enorme sorriso estampado no meu rosto, as lágrimas não paravam.

 

—-

 

A mudança de Yuuri para a minha casa não foi algo instantâneo. Muito pelo contrário, demoraram meses até que ele se estabelecesse devidamente. As coisas foram levadas aos poucos, sem pressa e num ritmo que não causasse a Yuuri nenhum estresse desnecessário. Ainda assim, a cada adição de itens às prateleiras, meu coração se enchia de um calor confortável que me fazia sorrir feito um bobo. Ver suas coisas ao lado das minhas, ver meu armário encher-se de suas roupas, ver seus materiais de desenhos sobre a mesa da cozinha… Tudo parecia tão perfeitamente certo.

Eu acordava de manhã e a primeira coisa que eu via era Yuuri agarrado a mim na cama. Nós sentávamos na cozinha e tomávamos café, Makkachin rondando nossas pernas atrás de alguma atenção. Nós sentávamos no sofá e desenhávamos em um silêncio confortável até que fosse hora de ir ajudar a família de Yuuri com as compras do dia. Às vezes, voltávamos para casa mais cedo, outros parávamos no caminho para jantar. Podíamos fazer o que quiséssemos, pois o tempo que tínhamos não o devíamos a ninguém. Meus dias preferidos, entretanto, eram os que Yuuri cozinhava para mim, sua comida sempre deliciosa.

— Meus pais estão pensando em comprar um salão e ampliar os negócios – Yuuri disse, um dia, enquanto colocava a comida na mesa e se sentava na minha frente. Pisquei algumas vezes, tentando parar de me distrair com a maneira como a luz refletia na lente dos seus óculos e focar nas palavras que ele dizia com tanta seriedade.

— Mesmo?

— Sim. Eles têm juntado dinheiro há algum tempo e… Bem… Eles falaram que eu não preciso continuar trabalhando com eles se eu não quiser. Eles falaram que eu podia ir atrás dos meus sonhos.

— Espera, sério?! Isso é muito legal!

Desenhar era o sonho de Yuuri – ele mesmo havia me dito isso – e ele certamente tinha o talento necessário para seguir por aquele caminho. Com um pouco de esforço e alguma sorte, estava longe de ser impossível. Inclusive, eu estava preparado para ajudá-lo de todas as maneiras possíveis.

Mas, por algum motivo, eu fui o único que ficou animado com as novidades.

— O que foi, Yuuri? Eu pensei que você ia ficar mais animado quando a chance enfim aparecesse.

— Eu sei. – Sua voz soava cansada, como se o assunto fosse repetitivo. Talvez ele próprio já tivesse se perguntado sobre o porquê de uma reação tão sem graça. – É só que… Agora que tenho a chance, não sei se quero abandonar os negócios da família.

— Isso não é apenas os seus medos falando mais alto? Afinal, largar tudo e ir atrás de seus sonhos significaria passar por várias mudanças.

— Não é bem isso…

— Um senso de obrigação?

— Também não. É só que, não sei, de repente o pensamento de assumir os negócios da família não parece uma ideia tão ruim. Eu gosto de cozinhar, e de ver as pessoas felizes comendo o que fiz.

Aquilo tudo era, no mínimo, inesperado. Eu não sabia bem o que dizer, ou como reagir. Porém, eu estava preparado para apoiar Yuuri em fosse o que fosse que ele decidisse fazer a partir dali.

— O que vai fazer? – Perguntei, por fim. – Curso de culinária? Continuar trabalhando normalmente?

— Você… Você não tem problemas com isso?

— Por que eu teria? O que te fizer feliz, vai me fazer feliz também.

Busquei sua mão, que repousava sobre a mesa, e a cobri com a minha. Yuuri sorriu levemente, e eu me vi contagiado por aquele sorriso. Ele me contou então de todos os seus planos, que envolviam fazer um curso para se aprofundar melhor no assunto e trabalhar com os pais sempre que tivesse a chance. Ele estava tão animado com tudo que estava acontecendo que não consegui não ficar feliz por ele.

 

—-

 

Nossas rotinas a partir daí se tornaram cada vez mais agitadas.

Yuuri acordava cedo todos os dias, forçando-se a abandonar o conforto dos lençóis mesmo que seu corpo o implorasse por mais algumas horas de sono. Enquanto ele tomava banho, eu prepararia o café com um Makkachin sonolento seguindo-me como uma sombra. Yuuri me beijaria e iria para um curso de culinária que encontrara depois de muito pesquisar a respeito. Sentado na sala, na companhia apenas de Makkachin, eu tentaria ser produtivo e, quando os resultados realmente não vinham, eu ia ao mercado.

Assim que voltava, Yuuri colocava o uniforme do restaurante dos pais e nós íamos ajudar os Katsuki com o pequeno negócio que eles tentavam manter de pé apesar das dificuldades.

O aroma dos pratos preparados na singela cozinha, as conversas paralelas e a visão das pinturas feitas pelo Yuuri decorando as paredes amareladas do estabelecimento eram tudo que eu precisava para me ver inspirado e encher páginas e mais páginas de rascunhos que talvez um dia deixassem de ser apenas ideias para virar algo mais concreto.

Durante o almoço – que aconteceria já quase no meio da tarde, quando o movimento acalmasse um pouco – os Katsuki se sentariam em um canto do salão agora vazio e eu ajudaria o Yuuri a levar algumas porções de comida para a mesa, onde comeríamos em meio a conversas descontraídas.

Cansados pelo dia agitado, nós íamos para casa depois de ajudar a limpar tudo. Às vezes, sentávamos no sofá e víamos televisão, outras vezes íamos direto para a cama, desejando mais que tudo sentir o calor do corpo um do outro. Antes de adormecer, Yuuri me dizia que me amava e eu brincava com os fios de cabelo que lhe caíam sobre o rosto, beijando os seus lábios uma última vezes naquele dia.

Antes de cair no sono, eu pensava em todos os momentos que tivemos juntos, em todos os beijos e abraços. Eu pensava nas nossas brigas idiotas, que sempre aconteciam por alguma razão sem sentido, e em como sempre conseguíamos encontrar o caminho de volta ao coração um do outro.

Eu pensava nos seus momentos de incerteza, ou nas vezes que ele ficou ansioso por coisas que não valiam a pena. Pensava nos seus sorrisos, e no rubor se espalhando em seu rosto quando ele ficava embaraçado.

Pensava em como ele me fazia feliz, e em como eu amava cada parte da sua personalidade.

Yuuri não era alguém especial; ele não precisava ser.

Eu amava cada parte do seu ser, pois eram os detalhes que faziam ele ser quem era: alguém que eu amava demais, e que esperava ter ao meu lado pelo resto de minha vida.




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Notas finais do capítulo

Gostou? Odiou? Tem alguma crítica a fazer? Que tal deixar um comentário? Eu agradeceria muito. :)
Como eu havia avisado, esta one-shot foi basicamente um fluffy básico. Eu pessoalmente sou muito mais acostumada a escrever drama, mas acho que fiz um trabalho razoavelmente bom. ^^ Espero que tenham gostado!

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Estou organizando uma coletânea sobre o significado das flores. Interessados, favor acessar o tumblr coletaneas-on-ice.tumblr.com para mais informações!



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